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 Natividade da Serra-SP

 

IPHAN ignora achado:

Laudo do IPHAN diz que não há sítio arqueológico

Pesquisador contesta, mostra o que os peritos não viram e fornece mais explicações

sobre os antecedentes relacionados ao caso do sítio arqueológico em Natividade da Serra.

 

Por Carlos Pérez Gomar*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

27/05/2013

 

Alguns dos blocos de laje que foram retirados do local e são usados como adornos em uma fazenda, para Gomar,

 estas rochas foram tratadas com polimento e não são de origem natural.

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Um relato do que pude levantar sobre a maneira irresponsável em que foi e vem sendo tratado o assunto do sítio arqueológico do Hotel Fazenda Palmeiras, no município de Natividade da Serra, no Estado de São Paulo.

 

O Ministério Público Federal (MPF) recebeu uma denúncia de destruição deste sítio arqueológico. E emitiu o laudo número 1.34.018.000110-2004-81, baseado em uma fraquíssima investigação.

 

Não estou de nenhuma maneira tentando levar o proprietário ao banco dos réus, o que se pretende é descobrir se estamos perdendo um sítio arqueológico ou não. Considerar como juízes apenas a dois peritos que na verdade não conheciam o tema por não ter experiência em arquitetura pré-histórica, um era geólogo e o outro antropólogo. Isso é menosprezar os interesses da memória nacional. 

 

A incapacidade dos organismos que deveriam se interessar é assustadora, bem como a ingenuidade de dois “peritos especialistas”, como estão classificados no laudo do MPF e que foram ao local. E à conclusão que podemos chegar, lendo o documento do Ministério Público, datado de 2004, onde consta o relato desta visita.

 

O proprietário alega que tem um laudo negando a existência do sítio. Deve ser algum documento fornecido por estes dois peritos. Com certeza é o laudo acima citado. Boa vontade é uma coisa, eficiência profissional é outra. Na verdade para poder se fazer um julgamento apropriado seria necessário realizar algumas prospecções no local. E também haveria que chamar especialistas de verdade, de fora do país, que já pesquisaram sítios semelhantes. E parto do princípio de que eu esteja sendo considerado um incapaz, apesar de ser quem mais pesquisou local, sendo arquiteto da área de patrimônio cultural com formação também em arqueologia.

 

O caso começou quando o proprietário da terra estava retirando pedras para obras na fazenda e em um local onde havia um aglomerado delas, uma colina a 800 metros de distancia da sede da fazenda. Havia nesse local alguns vestígios que chamavam a atenção, tais como amontoados de pedras, muitas aparelhadas. Evidentemente era uma estrutura desmoronada, porque havia pedras aparelhadas rusticamente misturadas a pedras brutas. Que fique bem claro, ali não há um afloramento rochoso. Basta ver nas fotos que o local é basicamente constituído de um morro  predominantemente de barro.

 

O proprietário vinha servindo-se destas pedras para as obras da fazenda fazia muito tempo. O que é confirmado por uma pessoa que trabalhou na fazenda durante 12 anos.

 

Em certo momento a curiosidade foi despertada pelo aparecimento de estruturas arquitetônicas e blocos talhados. Claramente definidas, estas pedras se apresentam com uma textura que nitidamente não foi obtida com ferramentas tais como talhadeira e ponteiro, pois se enquadram mais no tipo de acabamento chamado de polido. Um mestre canteiro de uma pedreira artesanal seria capaz de fazer uma analise interessante e, com certeza, adicionaria mais dados do que os dois peritos enviados ao local. 

 

A partir daí começou uma escavação até com buldozer, desenterrando uma pavimentação de grandes blocos aparelhados de maneira rústica. A seguir, apareceu um muro de pedras aparelhadas sem argamassa. Testemunhas que o viram inteiro dizem que devia ter uns 15m de extensão e 3 m de altura. No meio havia restos de uma escada que se dirigia em direção ao topo da colina. Este muro foi descrito por uma testemunha como “muito bem feito” e por outra como “de pedras bem juntinhas”.

 

Ignorando qualquer consideração arqueológica, apesar de ter educação superior e ter escrito alguns livros, o proprietário da fazenda passou a destruir o muro para ver o que tinha atrás (!). Da mesma maneira fez com a pavimentação, não se limitando a desenterrá-la, mas passou a escavar entre os blocos, retirando as pedras menores que faziam parte dessa pavimentação, como se esperasse encontrar algo embaixo dela. Ou seja, este trecho da ruína foi devastado.

 

Passou a escavar além da face externa do muro, onde, ao que tudo indica, continuava uma estrutura de pedras mais irregulares aglutinadas com barro, num método de construção em alvenaria, similar ao método andino chamado de pirka. Nessa altura já não existia a maior parte do muro, cujas pedras foram usadas para revestir um tanque de água de uns 30 m de diâmetro por dois de profundidade, situado não muito longe daí. E só retirar a água para poder observar o tipo de pedras, e como são todas aparelhadas.

 

Foi achada uma vasilha cerâmica que, ao se fazer a retirada, acabou sendo quebrada. O saque de pedras passou a se estender ao longo de toda a encosta da colina que foi queimada para se avistar melhor o terreno. O saque continuou, agora já com a participação de curiosos, que levavam as pedras aparelhadas menores nos portamalas dos carros, porque as maiores iam para as obras da fazenda.

 

Segundo relato de uma testemunha que trabalhava na escavação, dali foram retirados aproximadamente mais de 80 caminhões de materiais. Portanto é de se imaginar que ali havia uma construção de volume significativo e pelo que parece, até o momento, consistia, principalmente, em muros e terraplenos. 

 

As pedras na parte mais alta da colina eram rodadas com alavanca pela encosta e coletadas na pá carregadeira situada em embaixo. Na encosta mais íngreme foi usada até junta de bois na retirada de blocos. 

 

No topo da colina foi achada uma pedra de uns 60 cm de altura de forma piramidal com três lados, pedra que o proprietário levou para a casa da fazenda. Esta pedra, pela descrição, seria similar a outras achadas em vários sítios arqueológicos nos Estados de São Paulo e Paraná, como informa o professor Luiz Galdino.

 

Então, alguém fez uma denúncia de destruição de sítio arqueológico ao Ministério Publico Federal em São Luis do Paraitinga. Ao mesmo tempo, o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, fez uma reportagem onde se classificava o achado como uma pirâmide. Estes fatos aconteceram em 2004. É claro que a reportagem da Gazeta não poderia, a priori, fazer uma avaliação de cunho cientifico, e nem seria o caso.

 

O proprietário se assustou com as consequências de tal divulgação e passou a enterrar todos os vestígios. O antigo capataz testemunhou, dizendo: “Nós colocamos muita terra em cima”. A partir daí pouco se poderia ver à flor da terra.

 

Ficou no local uma estrutura feita de madeira (espécie de molde) em forma de pirâmide com uns 8 m de altura, com a clara intenção de justificar que toda a escavação foi para fazer uma pirâmide de pedra naquele local. A estrutura de madeira era o balizamento para justificar o blefe da “pirâmide”. E ainda para ficar mais convincente, colocou-se um dos grandes blocos aparelhados embaixo da estrutura piramidal, insinuando um sarcófago. Esta estrutura era formada por apenas quatro madeiras de 5X7 cm de seção que faziam os vértices da “pirâmide”.

  

Antes de ir ao local, eu conversei com o proprietário por telefone, em várias vezes e, certa vez lhe sugeri que haveria a possibilidade de que fosse um sítio “colonial”. Sua resposta foi: “Não, de maneira alguma, aquilo é do tempo dos faraós, nós temos fotos”. Portanto, ele estava bem certo da importância do sítio, e detém muitas fotos que não mostra, assim como outros possíveis objetos achados no local. 

 

Quem foi ao local verificar a denúncia não era muito experiente em temas arquitetônico-arqueológicos e também não iria ver nada que apontasse a um sítio arqueológico. O MP enviou dois peritos que, nos termos citados no laudo, eram professores da USP. Na verdade suas especialidades não tinham nenhuma competência para investigar o assunto.  Um deles tinha alguns títulos de doutorado e mestrado. Experiência prática e profissional é outra coisa, e foi isso o que faltou.

 

Evidentemente que não eram as pessoas mais indicadas para verificar o caso. E já começaram indo ingenuamente conversar com o proprietário que, claro, nada esclareceu, além de que já havia enterrado quase tudo que se encontrava mais evidente. E ainda disse que a ideia era fazer uma pirâmide de pedra e que essa teria sido a motivação para toda aquela escavação. Ingenuamente, os professores da USP enviados pelo MP acreditaram em sua versão.

 

Claramente, tais peritos não tinham nenhum tino para a investigação e pouca ou nenhuma experiência em arqueologia arquitetônica. Não seria o caso de se perguntar, por que alguém construiria a tal pirâmide a 800m de distância da fazenda? Aceitaram a explicação de que a tentativa de fazer uma pirâmide de pedra naquele local se enquadrava nos seus estudos “piramidológicos”, e por isso, teria tido a ideia de fazer ali a tal pirâmide, porque ali havia muitas pedras. Porém, eles não investigaram que o proprietário levou 80 caminhões de pedras desse sítio para a sede da fazenda usando-as nas obras. Mas, então, por que não teria feito a pirâmide dele também ali perto da sede? Não podia ser feita ali porque não tinha as pedras, mas podia levar 80 caminhões de materiais do sítio arqueológico para a sede da fazenda (?!).

 

O proprietário da fazenda é místico e de visão esotérica, o terreno perto do hotel é plano e está cheio de elementos místicos. Se ele queria construir uma pirâmide, provavelmente a faria por ali e não iria terraplenar um local a 800m de distancia, onde se vê o rombo feito no local. Na verdade, ele extirpou parte da colina, destruindo uma área importante da ruína e jogou muito material para baixo. Portanto, está claro que a história da “pirâmide” foi um blefe para disfarçar os erros cometidos no sítio arqueológico da Fazenda Palmeiras.    

 

Se estes dois especialistas tivessem tido um pouco mais de interesse e assim, verificado a área com um olhar agudo, teriam percebido que restaram vestígios de sobra que atestavam um sítio arqueológico no local. Porque até hoje ainda estão lá. Na verdade não se pode culpá-los por não deterem condições técnicas para a tarefa. Mas infelizmente sua atuação foi desastrosa para o sítio. Estes dois professores foram educados dentro de certos parâmetros rígidos em matéria de arqueologia, nos quais não cabe a arquitetura pré-histórica no território nacional e, logo, eles olham, mas não a enxergam. E nem vão aceitá-la nunca, pois isso criaria um conflito nas suas convicções e, além disso, a USP já tem uma postura soberba em relação ao assunto, assim como também demonstra o IPHAN-SP. 

 

A seguir, reproduzimos a conclusão dos peritos professores segundo documento do MPF [autos de número 1.34.018.000110/2004-81].

 

“Constataram se tratar de uma feição de origem natural sem valor arqueológico ou histórico constituída de grande conduto magmático comum na região. Conclui o parecer do analista de antropologia/perito pela ausência de indícios ou vestígios que atribuam ao sítio valor cultural relevante sugerindo que os autos sejam remetidos ao arquivamento. Diz que o arranjo de rochas que se espalha no local do suposto sítio tem feição de origem natural e cujas rochas em forma de paralelepípedos retangulares abundam na topografia de Natividade da Serra e podem ser confundidas com alicerces ou porções de muros”.

 

Eu andei por vários morros em volta da área e não vi afloramentos onde se observassem rochas com forma tendendo a esquadro. Apenas na área do sítio achei muitos blocos em padrões similares aos que se usavam na construção pré-colombiana. Claramente, arquitraves para arremate de vãos de portas ou janelas, blocos e lajes bastante padronizadas, detalhes que os professores da USP não perceberam, aliás, porque nem os procuraram e se os achassem não teriam dado importância. O geólogo Paulo Roberto Martini claramente diz no seu relatório que a área especifica do sítio tem feição anômala e é similar a outra próxima, a dos Tamoios, que não conheço.

 

Martini tem todos os recursos do INPE para estudar a área, através de sensoriamento remoto e sabe muito bem que esta área apresenta aspecto não natural. Vendo a fotografia de satélite notam-se vários acidentes no terreno, assim como variação de tons que denota - ao que parece - antigos muros enterrados, que se espalham por uma área de uns dois hectares. Ele não precisaria nem ir ao local para fazer certas observações. E quanto ao fato de determinadas rochas terem clivagem em linhas retas e perpendiculares já é sabido, mas não foi o caso neste sítio.

 

E a vasilha de cerâmica encontrada embaixo de um grande bloco, também seria natural? O proprietário sabe muito bem o que viu e as fotos que tirou, o antigo capataz é categórico no que viu e contou, porque ele estava no local no momento dos acontecimentos e com o qual estamos em contato.

 

O proprietário recolheu objetos, portanto, seria preciso saber exatamente o que eram. Evidentemente, o saque que vem sofrendo este sítio há décadas - ou talvez, séculos - deixou pouca coisa à flor da terra.  Aliás, como aconteceu em vários locais no mundo inteiro.

 

Com certeza ao ver alguma pedra talhada, os peritos professores, a consideraram como qualquer coisa, talvez, resto de alguma estrutura “colonial”. Fica claro que estes dois especialistas não tinham boas noções dos métodos pré-colombianos de talha de pedra. Porque é isso o que se vê ali, mas, evidentemente, não era assunto que eles pudessem distinguir.

 

Os dois peritos concluíram com um laudo dizendo que não havia nada de importância cultural no local. Ou seja, arquitetura pré-colombiana não é vestígio cultural (!) e ainda disseram que as pedras talhadas que se viram seriam naturais (!). Um deles, sendo geólogo, colocou tudo como explicação geológica simples: tudo seria natural, inclusive, os blocos talhados e colocados em ordem racional. É claro que não viram os restos do muro que já havia sido enterrado e ficava junto a essa pavimentação, também enterrada. O outro perito, antropólogo, seria mais útil, analisando manifestações culturais populares.

 

O fato de estes senhores serem professores da USP não significa nada em especial, nem os autorizaria a emitir opinião sobre um assunto que transcendia suas próprias capacidades técnicas.   

 

Seria o caso de se pensar se não houve um arranjo entre os peritos e o proprietário para enterrar o assunto evitando maiores problemas para o proprietário? Evidentemente que como já não se via muita coisa, não haveria maiores problemas. Porque o resultado foi altamente conveniente para enterrar o caso. 

 

A partir daí, se desmoralizou o local passando a chamá-lo de “Suposta Pirâmide”, o que deu origem aos comentários pejorativos e mais ignorantes possíveis entre a opinião publica. Era para ser algo que poderia ser motivação para pesquisas e abertura de uma janela para um panorama novo da arqueologia da área, tornado-se, inclusive, mais um atrativo turístico, mas, infelizmente, virou chacota. 

 

Falando com mais severidade, roubaram a população local, tiraram dela algo que se tinha, mas não se conhecia e, talvez, jamais se conhecerá. A permanecer esta situação, todos nós tivemos roubado um patrimônio comum.

  

Outros profissionais que, inicialmente, se interessaram pelo assunto, passaram a fugir dele. Demonstrando total insegurança e desconhecimento técnico, estes, nem sequer tentaram investigar mais nada.

 

Passaram-se quase dez anos e ao conhecer o caso através de matérias na internet ficamos surpresos com o aspecto das poucas fotos que apareciam. Como arquiteto, e havendo trabalhado com patrimônio cultural durante 40 anos, víamos claramente que não era um mero vestígio “colonial”. E, mesmo antes de ter ido ao local, eu fiz uma analise e uma matéria dizendo o que achava.

 

Aquilo era uma ruína com características idênticas aos sítios andinos pré-colombianos. Isso ficava claro pela localização, pela profundidade que estava enterrada e pelo tipo de tratamento das pedras, padrões e métodos de disposição.

 

O geólogo Paulo Roberto Martini fez um relatório antes de ir ao local e disse claramente que o sítio tinha semelhança com monumentos do sudoeste americano, ou seja, dos Andes. Posteriormente, ele também visitou o local. O professor e antropólogo Luiz Galdino, que detém 45 anos de pesquisas arqueológicas em todo o território nacional, também foi ao local, junto com o repórter cientifico Julio Ottoboni, que fez a reportagem para a Gazeta do Povo. Galdino também concluiu que se trata de um sítio pré-colombiano.

 

Em janeiro de 2012, eu fiz a primeira visita de dois dias ao local e fui hospedado no próprio Hotel Fazenda, por gentileza do proprietário. Infelizmente, depois soubemos dos tantos erros que foram cometidos e percebemos que ele não estava sendo muito franco, apesar de ter-lhe fornecido todas as nossas observações em primeira mão. Possivelmente, após o primeiro relatório não achou conveniente nos dar mais informações. Talvez, por isso mesmo, repentinamente, ele se fechou e não tivemos mais contato. Em outubro daquele mesmo ano, novamente por conta própria, fiz outra visita de três dias ao local, onde pude levantar muita informação em campo e junto às testemunhas, ficando impressionado com o saque que havia sido feito no sítio.

 

Fiz então o relatório final onde tento esclarecer tudo o que me foi possível. Se se trata de um sítio arqueológico pré-colombiano, só vamos ter certeza se forem feitas escavações técnicas e se os profissionais da área pararem de se omitir e de desprezar o sítio.

 

Talvez, este assunto só seja resolvido se entrar uma entidade estrangeira com técnicos habilitados a pesquisar este tipo de sítio arqueológico. Medições com GPS poderiam fornecer dados sobre estruturas enterradas e algumas prospecções nos locais certos ajudariam muito. Sistemas de detecção por satélite como o atual Geo SAR, que detecta tanto abaixo da vegetação como abaixo do solo, seriam decisivos.

 

Evidentemente que a pesquisa tem que ser feita por uma equipe multidisciplinar, mas, infelizmente, os arqueólogos nacionais não se decidem a participar. E agora estamos em um impasse: nenhum organismo protege ou assume a guarda do sítio que não é reconhecido oficialmente e, com isso, o proprietário da fazenda impede a sua pesquisa. Evidentemente, seria mais fácil arquivar os problemas do que solucioná-los. Como os dois peritos eram da USP, atribuiu-se a eles a suprema verdade e, assim, não se investiga mais nada. 

 

A seguir, disponho algumas observações e imagens de alguns detalhes registrados, que poderão esclarecer melhor o presente relato.

 

Assim estava a pavimentação em 2003, quando a área foi escavada pelo proprietário, inclusive, usando um buldozer que passou até em cima destas pedras. Hoje faltam algumas e outras estão deslocadas. Fica evidente que isto é uma estrutura arquitetônica de uma pavimentação e não uma formação natural, como apontou o referido laudo técnico. Inclusive, houve a preocupação de alinhar as fileiras de pedras, além de se perceber que os blocos têm seus lados aparelhados rusticamente. O bloco maior que se vê a direita tem 1.33m de comprimento, com mais de 40 cm de espessura por 30 cm de largura, o que perfaz um peso médio de  400 quilos.

 

 

Aqui vemos como a pavimentação original foi destruída pela escavação realizada sem cuidado algum. Pedras menores que deviam completar os espaços entre as maiores foram retiradas. As pedras eram mexidas com alavancas, como a que se vê ao fundo. Não havia cuidado algum, porque esse não era o objetivo. Na realidade, eles não sabiam nem o que estavam fazendo. Na visita que fiz ao local percebi que esta pavimentação, ou seus restos, encontra-se em um plano horizontal regular. Dando a ideia de estar orientada em direção ao solstício de inverno.

 

 

Estes são os restos da parte interna do muro demolido, com possível uso de barro como aglutinante. A face externa de pedras sem rejunte foi totalmente demolida. Para o lado esquerdo da pavimentação estava o muro de pedras aparelhadas, que foi totalmente demolido e teve as suas fundações novamente enterradas. Esse muro corria paralelo às fileiras da pavimentação. Testemunhas o descreveram com restos de uma escada no meio.

 

Como se vê, a destruição e alteração do terreno foram enormes. Quem saberia quanta coisa ali se perdeu para sempre? Qualquer possível objeto de cerâmica poderia ter sido esmigalhado, e nessa desordem que se vê, não seria possível achar muita coisa substancial. Basta imaginar o buldozer escavando o paredão à esquerda.

 

 

Para localizar as pedras, em 2012, tivemos que escavar superficialmente e pudemos fazer um croqui de parte das pedras que foram enterradas para não serem localizadas - após a denúncia ao Ministério Publico, em 2004. Os peritos que estiveram no local não viram nada disso, se é que foram levados a este mesmo local. E nem viram o muro já demolido e seus restos enterrados junto ao barranco à esquerda. Consequentemente, sem localizar os verdadeiros indícios, os peritos técnicos foram levados a levantar juízo errôneo acerca dos poucos vestígios que restavam no local.

 

 

Este croqui mostra parte da pavimentação (vista de cima) e os espaços em que, supostamente, se encontravam outras pedras que a integravam. Não há o que discutir quanto ao fato de se tratar de obra humana. Qual seria a sua origem é mais um problema a se resolver. Contudo, pelo tipo de corte nas pedras e sua localização, dificilmente seria uma estrutura “Colonial”.

 

Alguns dos blocos e lajes que os peritos não viram em 2004, localizados por nós em 2012. Estas pedras se encontram espalhadas colina acima e há muitas mais entre o capim, estando a maioria semienterrada. Esta laje acima mede 55x75 cm, com 16 cm de espessura e seu peso é de 160 quilos.                                                                                                       

   

Outra laje com dois lados curvos e dois retos, que não pode ser de formação natural.

 

Outro bloco com 1.30m, com uma parte soterrada.

 

 

O bloco da esquerda se assemelha a uma arquitrave de vão. Na esquerda uma laje é vista sobre um bloco.  

 

 

Comparação de um bloco nas fotos de 2004 com blocos de uma alvenaria pré-colombiana, vista do lado direito. Qual é a semelhança? A semelhança está na suavidade das arestas que, em parte, são curvas em função do método utilizado para talhá-las – cujo processo é mostrado na ilustração abaixo. Trata-se do processo chamado de polimento, em virtude de ser feito martelando com pedras mais duras e ir desbastando de maneira bem diferente ao efeito de uma talhadeira de aço.   

 

 

Os blocos e lajes de Palmeiras não foram talhados com ferramentas de aço, mas de maneira similar a esta. Primeiramente são usadas pedras grandes e depois, o acabamento é feito na superfície com pedras pequenas, que dão o aspecto suave e pontilhado. Esses martelos líticos, preferencialmente, eram de formato ovoide e nos Andes têm o nome de “jiwayo”. Posteriormente, quando era preciso alisar as superfícies destes blocos se usavam pedras planas com areia e água para dar um desgaste por polimento mais acentuado.

 

O arquiteto Jean-Pierre Protzen, da Universidade da Califórnia, que estuda arquitetura pré-histórica sul-americana, fez experiências de talha de pedra com técnicas antigas e obteve blocos com este mesmo acabamento. Ele mostra o processo no seu livro “Inca Architecture and Construction at Ollantaytambo”.

 

Stella E. Nair, uma arquiteta da mesma universidade também desenvolveu pesquisas sobre este assunto.  No entanto, mesmo nos Andes podemos encontrar nas construções, tanto blocos polidos, como blocos simplesmente fragmentados, que são aproveitados da quebra de blocos maiores e estes não apresentam a superfície ou as arestas polidas. Entretanto, na fazenda Palmeiras encontra-se dos dois tipos.

 

Se até hoje não se registrou um caso semelhante em território nacional, não vem ao caso, porque as evidências para quem visita o local são claras. Talvez, não se registrou, porque foi ignorado e destruído, exatamente como está sendo feito naquela localidade.

 

 

Comparação entre uma superfície de um paralelepípedo obtido com talhadeira de aço e um bloco de Palmeiras. A esquerda um bloco atual, similar a um bloco da época chamada “colonial” à direita um bloco de Palmeiras, com a superfície muito mais lisa, causada pelo método de talha, enquanto no bloco mais moderno nota-se a superfície corrugada, efeito de talhadeiras de aço. Na quebradura do vértice do bloco de Palmeiras se percebe o quanto é antigo esse bloco para ter uma textura superficial de coloração bem alterada. Nota-se também que em época bem posterior a sua talha original já tinha sofrido uma quebradura na parte inferior da aresta, evidenciando um desmoronamento ou seu deslocamento por ação humana, o que se confirma por uma camada de alteração superficial muito menos espessa. Na cor predominante da superfície se vê a antiguidade (a cor amarronzada); já no vértice esbranquiçado, em cima, se nota que foi recentemente arrastado, atritando e desbastando levemente a superfície por ser a camada esbranquiçada, a segunda. Na quebradura que expôs a cor original do bloco quando talhado, vemos que foi recentemente danificado, possivelmente, pela ação dos dentes da buldozer.

  

 

Fotos de 2004 mostram lajes bastante padronizadas, onde se nota as arestas suavizadas, o que indica o mesmo processo de talha explicado aqui. Por que estão à flor da terra e amontoadas? Sendo antigas deveriam estar mais enterradas. A explicação é que, com certeza, já estavam sendo amontoadas para serem levadas embora. Ou seja, o saque deste sítio data de muito tempo atrás. Ou mesmo, teria sido demolido propositalmente para o aproveitamento de suas pedras. 

 

* Carlos Pérez Gomar é pesquisador e arquiteto.

 

- Fotos: Arquivos de Carlos Pérez Gomar.

 

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