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 Leia também nessa página:

Entrevista com a banda 14 BIS

Entrevista com Márcio Borges

Entrevista com Daniela Starling

 

 

Música Mineira:

Entrevista com a banda 14 BIS

 

Por Pepe Chaves

De BH, para Via Fanzine

Novembro/2005

 

O editor de VF, Pepe Chaves, e a banda 14 Bis em Belo Horizonte.

 

A banda 14 Bis foi fundada em Minas Gerais no ano de 1979, trazendo os irmãos Venturini, Cláudio (guitarra e voz) e Flávio (teclado e voz) acompanhados pelos músicos, Vermelho (teclados e voz), Sérgio Magrão (contrabaixo e voz) e Hely Rodrigues (bateria). A banda trouxe à Música Popular Brasileira uma sonoridade elaborada, com nuances de rock progressivo e ao mesmo tempo de música mineira, fazendo lembrar um pouco, o trabalho desenvolvido pela antiga banda que Magrão e Flávio integravam, O Terço.

 

No final dos anos 80 Flávio Venturini deixou o 14 Bis e saiu em carreira solo. Cláudio assumiu então os vocais principais e a banda prosseguiu em seus vôos musicais por diversas partes do mundo. Nesta entrevista gravada na Pampulha, durante o VI Encontro de Corais promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte, os integrantes do 14 Bis falaram com o diário digital Via Fanzine sobre suas composições mais “siderais”, além de suas convicções pessoais quanto à possibilidade extraterrestre e ainda, sobre o Brasil no espaço, através do astronauta Marcos Pontes, integrante da missão espacial para a Estação Internacional Freedom.

 

Via Fanzine: O que motivou a banda a adotar a nomenclatura “14 Bis”, retirada do legendário avião de Santos Dumont?

Cláudio Venturini: Quando assinamos o contrato com a nossa primeira gravadora, nós fizemos o chamado brain storm (tempestade mental), que é juntar todo mundo num lugar e começar a falar qualquer palavra ou alguma coisa para tentar achar um nome. Cada um anotava no seu caderninho, separadamente, para depois vermos o que batia. E o único nome que foi comum em todas as listas foi o 14 Bis. E achamos também, que tinha a ver conosco pelo fato de que Santos Dumont era mineiro e que fez voar algo mais pesado que o ar. Isso tinha tudo a ver com a banda, e assim, ficou!

 

Via Fanzine: A canção “Planeta Sonho”, fala da situação planetária da Terra daqui há milhares de anos, após a luz do sol se apagar e quando não houver mais “nem o bem nem o mal, só o brilho calmo dessa luz”. O que fez vocês abordarem este futuro planetário da Terra, dessa forma visionária e pós-solar, exposta na canção?

Vermelho: A gente estava conversando sobre esta canção com o Márcio Borges, aqui agora, foi ele quem fez a letra. Mas é aquela coisa de ver o planeta da gente, daqui há milhares de anos, quando o sol tiver se tornado uma estrela de fraca luz e a vida não existir mais por aqui. E apesar de todas as coisas ruins que ainda existem na Terra nos dias de hoje, a gente acredita que este planeta será um “planeta sonho” um dia, mesmo que a humanidade não esteja mais nele.

 

Magrão: É impossível, num universo imenso desse,

não haver outro planeta que não exista vida. Por que só a gente?

 

Via Fanzine: O 14 Bis, desde sua criação mostra possuir uma visão espacial e aborda em suas canções, os universos siderais, as diversas dimensões e os mistérios cósmicos. De onde vêm tanta inspiração para colocar em canções esta temática muito pouco abordada por outros músicos brasileiros?

Cláudio Venturini: Todos nós gostamos muito desses assuntos. Meu irmão Flávio Venturini é colecionador da revista Ufo há anos. Eu já li muito também e gosto bastante. Eu sempre gostei de astronomia, construí meu primeiro telescópio sozinho, eu gostava de mexer com isso. Sempre gostei de ver as cartas estelares. O Rogério Mourão lança sempre a “Efemérides Anual” e eu gostava muito de ler. O Flávio também sempre curtiu. Temos uma música instrumental que se chama “As quatro estações de Vega”, que fizemos quando descobriram que Vega tinha quatro fases distintas. Então fizemos esta música em quatro movimentos, que seriam as quatro estações de Vega. Eu tenho várias fitas, em casa, onde trabalho normalmente, e coloquei o nome de estrelas como títulos destas fitas, tipo NGC-1275, daí me perguntam: que nome é esse? E eu respondo: foi o primeiro buraco negro que descobriram (risos!), a localização estelar dele é essa. Então, nós gostamos muito de astronomia e naturalmente, da possibilidade de haver outras dimensões.

 

Via Fanzine: Vocês acreditam que possa existir vida inteligente fora da Terra?

Sérgio Magrão: Eu acredito que exista, além da gente, com certeza. E estou doido pra ver. É impossível, num universo imenso desse, não haver outro planeta que não exista vida. Por que só a gente?

Hely Rodrigues: Se só a gente fosse privilegiado, acho que seria mentira, acho que tem algo mais aí.

Vermelho: É claro, e tem tantas coisas inexplicáveis, antigas, os monumentos, lendas... A chamada harmonia das esferas, que tem a ver com a música. Platão descrevia Atlântida, temos as pirâmides... Então, obviamente, existe, pelo menos uma coisa a mais, que ainda não temos uma maneira de conseguir vê-la com clareza, mas que existe.

Cláudio Venturini: E de uma certa forma, o pessoal procura de alguma maneira, ver aquilo que está fora do planeta, mas se bobear, isto está por aqui mesmo. Tem muita coisa que está aqui, mas que a gente não vê também.

 

Vermelho: 'O sol desceu e o objeto ficou exatamente no mesmo lugar. Não tinha

condição nenhuma de ser avião, pois ali não era rota de avião e se fosse teria passado'

 

Via Fanzine: Como vocês vêem a participação do Brasil na Estação Internacional Freedom, através da participação do tenente-coronel aviador Marcos Pontes, que presta serviço à NASA?

Cláudio Venturini: Eu acho isso fantástico, era o meu sonho de criança, imagine, eu  que adorava astronomia, adorava olhar para cima... O sonho de qualquer criança é ser astronauta. E aqui no Brasil, se envolver com essa missão espacial vai ajudar outras crianças a atentarem para isso, a estudarem mais e a se inteirarem, para avançarmos também o nosso lado científico no Brasil, a gente precisa muito disso. E o Marcos Pontes já estando lá, está sendo um espelho para estas crianças, para que aqueles que estão estudando agora, vejam que dá para chegar lá.

Vermelho: Acho muito importante, tanto que meu irmão é cientista e trabalha no Ministério das Ciências Tecnologias (MCT). E era interessante, porque quando éramos meninos, eu tocava o violão e olhava para o acorde e ele olhava para a vibração da corda! Naquela época estava começando os primeiros satélites e gente se entusiasmava com isso, éramos do interior e ficávamos sempre observando o céu aberto. Ele, inclusive, organizou e implantou através do departamento em que trabalha no MCT, uma semana de Ciências itinerante pelo Brasil inteiro, mostrando para as crianças experiências interessantes, como o magnetismo, utilizando imãs, explicações sobre a radioatividade, a energia nuclear, etc.

 

Via Fanzine: Alguma vez, vocês já viram algum objeto voador não identificado?

Cláudio Venturini: Eu nunca vi, mas sou muito interessado em ver. Gostei muito desse assunto quando vi uma palestra de um americano que esteve aqui no Brasil no final dos anos 70, começo dos anos 80. Ele trouxe uma série de filmes e fotos e achei legal que ele não tentou convencer ninguém de nada. Ele apenas trouxe fatos, nos mostrou e disse: “olha, isso aqui, nós não conseguimos explicar que tecnologia é essa, então vocês tirem suas conclusões”. Pessoalmente ainda não vi, mas acho que ainda vou ter essa sorte.

Hely: Eu também ainda não vi, mas me interesso pelo assunto e leio muito. Tem um astrônomo francês chamado Camile Flamarion e leio muito sua obra. Seu trabalho fornece muito conhecimento a esse respeito para a gente e é muito convincente.

Magrão: Gostaria muito ver, mas também não vi. Sou muito curioso, este assunto me interessa muito.

Vermelho: Especificamente não, mas eu me lembro que em Barbacena, quando eu morava com meus pais, numa certa tarde, estava eu minha mãe e minha namorada. A gente estava num morro muito alto em Barbacena, onde você vê 360 graus e no fundo se tem a serra de Tiradentes, o sol se põe atrás dela. Era inverno, a visibilidade estava boa e tinha um objeto um pouco grande, acima do sol. E foi interessante que o sol desceu e o objeto ficou exatamente no mesmo lugar. Não tinha condição nenhuma de ser avião, pois ali não era rota de avião e se fosse teria passado. Ficamos olhando para aquilo e saímos de lá sem saber o que era aquela luz que lá ficou e que nunca vou esquecer.

 

Hely Rodrigues: 'O conhecimento e a sabedoria não estão nas escolas, mas por aí,

tem muita sabedoria em regiões do interior, no camponês humilde, por exemplo'.

 

Via Fanzine: Como sabemos, Minas é um estado cheio de histórias, causos e casos. A que você atribui essa fenomenologia acentuada que se dá no estado mineiro?

Vermelho: Minas é uma terra de coisas muito interessantes. Por exemplo, a serra de Ibitipoca, que é uma serra sagrada e mágica. Se você a seguir na direção sul, ela vai dar em São Tomé das Letras. Então, ela faz parte do espinhaço de São Tomé das Letras que é uma cidade fantástica e cheia de histórias interessantes. Então, há em Minas, uma boa quantidade de cavernas e tem estas coisas, da Mãe do Ouro, das minas que sempre descobrem. Há locais maravilhosos e coisas incríveis para serem desvendadas ainda.

 

Via Fanzine: Hely, você acha válido os estudos apresentados pela ufologia? Acredita que mesmo sem o reconhecimento científico, esta disciplina possa acrescentar alguma nova luz à humanidade?

 

Hely Rodrigues: Claro. Tudo que é para o progresso da humanidade tem que existir mesmo. A curiosidade e a observação são inerentes ao ser humano. Eu acho que ninguém é detentor da verdade, então, a constatação pode vir tanto para um matuto da roça, como pode vir para um cientista de uma grande capital. Às vezes, este privilégio não é do intelectual, isso é uma ilusão, mas sim de uma pessoa humilde, mas com capacidade de o entender. Então, o conhecimento e a sabedoria não estão nas escolas, mas por aí, tem muita sabedoria em regiões do interior, no camponês humilde, por exemplo.

 

Via Fanzine: Vocês pretendem continuar abordando o cosmos  em suas canções?

Cláudio Venturini: Sempre! Quando a gente olha para cima, a gente tem noção do quão pequenos somos, isso faz bem, para a gente se colocar no devido “lugar cósmico”. Então este assunto vai ser sempre uma matéria importante em nosso trabalho, pois aborda o que há de mais importante que conhecemos: o universo.

 

Via Fanzine: O ultimo álbum de vocês é intitulado “Outros Planos”. Quais são os outros planos?

Cláudio Venturini: São todos os planos espirituais, os planos físicos e também os reais, em todos os sentidos. Isso foi baseado um pouco na teoria do caos, que diz uma algo assim: “as idéias e os sentidos, são as coisas mais verdadeiras que você tem, porque o que você vê com os seus olhos e ouve com seus ouvidos, nem sempre corresponde à realidade. A verdade mesmo, não existe, o que existe de verdade, são as idéias e os sentidos. E se você se guiar pelas suas idéias e pelos seus sentidos, você vai estar muito mais perto da realidade do que se se guiar pelos seus olhos”.

 

* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine e da ZINESFERA.

- Foto: Paulo H. Ferreira / BH.

- Colaborou: Guilherme de Paula Almeida.  

 

*  *  *

Clube da Esquina:

Entrevista com Márcio Borges

escritor e compositor

Por Pepe Chaves

De BH, para Via Fanzine

Novembro/2005

 

Pepe Chaves entrevistando Márcio Borges.

O escritor e compositor belorizontino Márcio Borges é dos mais inspirados letristas da MPB em toda sua história. A sua contribuição como autor, ao Clube da Esquina, extravasa seu próprio nome e passa a integrar canções criadas com co-parceiros do primeiro escalão da MPB. Seu nome figura como do principal parceiro de seu irmão, o músico e compositor Lô Borges.

Márcio Borges nasceu numa família onde todos são músicos, incluindo seu pai, o Sr. Salomão e alguns de seus 10 irmãos, sendo os mais ativos: Telo, Marilton, Yé e Solange. Escreveu em 1996 o antológico livro “Os sonhos não envelhecem”, uma narrativa que registra detalhes dos tempos de efervescência do Clube da Esquina (movimento musical tipicamente mineiro, do início dos anos 70) em Belo Horizonte. O Clube era na verdade apenas uma junta musical de vários parceiros e amigos, dentre alguns os músicos, Beto Guedes, Flávio Venturini, Milton Nascimento, Lô Borges, Vermelho, Wagner Tiso, Toninho Horta, Tavito, Marilton Borges e dos letristas, Fernando Brant, Márcio Borges, Murilo Antunes, Ronaldo Bastos, dentre outros que aderiram posteriormente ao movimento.

Na literatura, Márcio é dono de uma linha poética única e autêntica, onde procura casar a beleza das palavras coloquiais com o sentido das frases de impacto, formando idéias e pensamentos sedutores aos amantes das bem tramadas letras de canções. Dentre tantas as parcerias estabelecidas que levaram a mensagem deste poeta mineiro, é inevitável não citar algumas, como, "Clube da Esquina nº 2", "Equatorial", "Planeta Sonho", "Vento de Maio", "Voa Bicho", "Nave de Prata", "Pura Paisagem", "Tudo o que você podia ser", "No Meio da Cidade", "Dança do Tempo" e uma que ele acabou de compor em parceria com Lô Borges, "O Silencio e o Som".

Ele nos concedeu a presente entrevista após assistirmos a um show do 14 Bis numa praça da Pampulha, no encerramento do VI Encontro de Corais de Belo Horizonte. Este evento contou com apoio da Prefeitura de Belo Horizonte que homenageou o Clube da Esquina, com belas canções interpretadas por alguns corais belorizontinos. Márcio nos falou de seu trabalho na divulgação do Clube, de seu livro, “Os sonhos não envelhecem” e do museu temático do Clube da Esquina, que entra no ar via Internet, em dezembro, mostrando diversos aspectos dos “tesouros ocultos” da boa música mineira.

A entrevista

Pepe Chaves: O que o senhor nos diz desse “renascimento”, a olhos vistos, do Clube da Esquina em todo o Brasil? Quando cantores das novas gerações, gravam músicas feitas por vocês, há mais de vinte anos e elas voltam para a mídia?

Márcio Borges: Eu vejo isso com ótimos olhos! Acho que é um momento muito bom que estamos vivendo. Ainda hoje conversei com o Milton (Nascimento) e ele está muito alegre com este renascimento, este vigor.  Acho que as novas gerações  estão interessadas em nossa história recente e estão empenhadas em desenterrar os tesouros ocultos da nossa cultura. E durante muitos anos estes tesouros do Clube da Esquina estavam enterrados fora da mídia, fora dos jornais e das gravadoras. Mas isso não eliminou a beleza das nossas músicas a durabilidade delas. A prova disso é este movimento aqui hoje, a cidade prestigiando este grande festival de Corais que homenageia o Clube da Esquina. Eu também estou como o Milton me falou hoje: “em estado de graça”, com tudo isso.

Pepe: A que o senhor atribui este reconhecimento?

Márcio: Eu acho que é uma coisa que a gente merecia mesmo. Sem falsa modéstia, nossas músicas são muito boas mesmo. São duráveis, não foram feitas com intenção de sucesso. Elas foram feitas com intenção de se caprichar o máximo. Elas dão um show de harmonia e são admiradas pelos maiores jazz men do mundo. O Clube da Esquina tem fã-clube no Japão, na Dinamarca, na Finlândia... E nós estamos aqui hoje contrariando o ditado que diz, que “Santo de casa não faz milagre”. E estamos simplesmente seguindo o que o resto do mundo tem feito: que é respeitar nosso trabalho, valorizá-lo e nos sentirmos influenciados por ele. Porque nós fizemos um trabalho de uma grande qualidade e credito isso, principalmente,  ao fato de termos feito sem estarmos buscando sucesso. Nós estávamos buscando verdade, amor, solidariedade e aquilo o que valia a pena de transmitir de uma pessoa para outra. O Brasil pode ter esquecido isso por um tempo, mas a gente sabe que nossa mensagem é suficientemente forte, para não ser apagada com o tempo. Está aí a prova, independente de prestigio ou não da mídia, dos veículos convencionais de comunicação, as nossas musicas estão aí, nas novelas nas rádios... Não tem uma novela na Rede Globo que é lançada e não tenha pelo menos uma música nossa. Então há sempre um arsenal de músicas bonitas e inesgotáveis e é isso que o povo brasileiro como um todo, está reconhecendo.

'Estamos todos vivos, então estamos

a fim de dar um depoimento vivo dessa história'

Pepe: Como é essa história de Museu Virtual do Clube da Esquina?

Márcio: A história do museu veio para ser uma pedra a mais nessa construção, no sentido de colocarmos à disponibilidade da população brasileira, das novas gerações e das pessoas que se interessam pela nossa história, alguns subsídios para pensarem naquilo, alguns dados imateriais, como a nossa história de vida, a nossa música, a nossa ideologia, aquilo que nos levou a compor. Estamos todos vivos, então estamos a fim de dar um depoimento vivo dessa história. E daí surgiu a idéia de se fazer o museu, que é assim, numa acepção menos retrógrada possível da palavra, pois é um museu voltado para o futuro, para a atualidade. Não será um museu voltado para o passado, para juntar quinquilharias, mas para transmitir e perpetuar este amor, esta amizade e esta vontade de “fazer coisas boas”. A partir do dia 02 de dezembro de 2005 entrou no ar o site www.museuclubedaesquina.org.br. Nós estamos fazendo este museu com o patrocínio da Copasa e principalmente, com o patrocínio da Petrobrás, que consideraram este movimento como um movimento de utilidade pública que visa preservar a nossa cultura e nossa história.  

Pepe: Nos fale um pouco de seu livro “Os sonhos não envelhecem”.

Márcio: Eu diria que o livro foi um embrião para esse movimento do museu. A partir do livro, comecei a fazer muitas palestras e conferências em escolas. Viajei o Brasil inteiro visitando escolas e universidades, falei para milhares de alunos e jovens, contando essa nossa história. Narrei um pouco do livro, contando como era o clima naquela época e isso teve uma grande aceitação por parte dos jovens que me ouviram ao longo desses anos todos, porque lancei o livro em 1996 e não tenho feito outra coisa senão viajar o Brasil e o exterior divulgando o livro e nossas intenções. Um trabalho, aliás, que vem se somar a um trabalho magnânimo, feito pelo Milton Nascimento, que nunca se esqueceu de suas origens no Clube da Esquina e se tornou o principal divulgador dessa grande geração que transitou aqui, pelas ruas de Belo Horizonte. E aqui, nós conseguimos construir esta obra, que se mostrou duradoura, vencendo estes anos todos que vieram por aí.

 'Hoje é muito difícil de acontecer isso no mercado fonográfico:

uma música se impor por sua qualidade!

Hoje ela se impõe por sua massificação,

pela quantidade de dinheiro que

foi aplicada na divulgação dela'

Pepe: O senhor é parceiro de expressivos músicos mineiros. Tem alguma nova parceria pra vir à tona que possa nos adiantar?

Márcio: Ontem mesmo acabei de fazer uma canção nova com o Lô (Borges), que se chama “O Silencio e o Som”, que é mais ou menos no naipe de “Quem sabe isso, quer dizer amor”. Continuamos na ativa, continuamos compondo. Há aquela teia de amizade tecida entre os parceiros: é o Bituca com Telo; é o Telo comigo; sou eu com o Lô; o Lô com o Beto (Guedes); o Beto com Murilo Antunes... Ou seja, nós temos uma teia de amizade e composição que nunca parou, continua ativa. O que aconteceu foi que a mídia passou a funcionar sob determinadas diretrizes, que a gente combatia a vida inteira. Que é aquela instituição um pouco vergonhosa do “jabá”, do cara pagar para ser executado em rádio e tevê. Nós nunca pagamos para sermos executados. Hoje vimos aqui, milhares de pessoas cantando nossas músicas e nem um tostão foi gasto para que elas fossem divulgadas. Elas se impuseram por si mesmas. Hoje é muito difícil de acontecer isso no mercado fonográfico: uma música se impor por sua qualidade! Hoje ela se impõe por sua massificação, pela quantidade de dinheiro que foi aplicada na divulgação dela. E acho que isso reduz um pouco, a grandeza do mercado fonográfico. Porque hoje a grandeza da música brasileira, a qualidade, está fora do mercado fonográfico, são as produções independentes, que provam isso que estou dizendo.

'quando fizemos estas músicas há 20 ou 30 anos atrás,

estávamos fazendo músicas duradouras,

destinadas a vencerem o tempo'

Pepe: Há um disco antológico chamado “Os Borges”, lançado pela família Borges há mais de 20 anos, que reúne das melhores canções compostas em família. Por que o disco “Os Borges” não foi relançado,  haja vista sua denodada qualidade criativa e seu valor artístico?

Márcio: O disco "Os Borges" foi gravado depois que o Lô gravou o disco do tênis [N.E.: primeiro disco solo de Lô Borges, traz a foto de um tênis Adidas de cano alto na capa, daí o nome “disco do tênis”]. A Música “Voa Bicho”, de "Os Borges", foi regravada recentemente por Milton Nascimento e Maria Rita, vindo a ser tema de novela. E foi o que eu disse no inicio, aos poucos, estes tesouros ocultos do Clube da Esquina estão voltando à tona, e quando são redescobertos, nos surpreendem pela atualidade. E quando nos surpreende, eles agradam. Isso prova que, quando fizemos estas músicas, há 20 ou 30 anos, estávamos fazendo músicas duradouras, destinadas a vencerem o tempo.

Pepe: Márcio, obrigado pela entrevista. Peço-lhe para nos deixar as suas considerações finais:

Márcio: Eu mando um grande abraço para a galera de Itaúna, e informo que estou às ordens, se quiserem me convidar para ir aí fazer uma palestra, bater um papo com os estudantes.

Pepe: Então esteja convidado desde já, uai!

Márcio: Estou aqui pra isso, me dedico a isso e adoro estabelecer esta ponte entre as velhas e as novas gerações, para a gente provar na prática, que "os sonhos não envelhecem"...

* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine.

- Fotos: Paulo H. Ferreira / BH.

 - Visite o Museu Virtual do Clube da Esquina:

www.museuclubedaesquina.org.br

*  *  *

Música itaunense:

Entrevista com Daniela Starling

Por Pepe Chaves

De BH, para Via Fanzine

Abril/2002

 

Cantora, compositora e instrumentista, Daniela Starling é autora de dois CDs “Essência” e “Entre os Mundos”.

A inspirada musicista nos concede aqui uma entrevista exclusiva onde fala um pouco de seu trabalho e sua vida.

Daniela é formada em Direito pela Universidade de Itaúna, mas se enveredou pelos caminhos da música desde cedo. Natural de Belo Horizonte reside em Itaúna desde os nove anos

de idade, quando começou a fazer

os primeiros acordes.

 

D A N I E L A: 'CANTAR É MINHA PRECE,

MEU QUERER MAIS QUE A VIDA OFERECE,

CANTAR PARA ESQUECER

QUE NÃO SE PODE QUERER TUDO,

TUDO DE UMA VEZ...'

VF: Quando e como se deu o seu envolvimento com a música?

Daniela Starling: Desde pequena eu tinha aquela loucura de tocar um instrumento, aos 10 anos ganhei um violão, já sonhava com piano. E tudo que botavam na minha mão eu tocava, só não toco instrumento de sopro. Então é um envolvimento natural, uma coisa quase que transcendental, que sinto que vem como um canal de luz pra mim, que me faz bem e tenho visto fazer bem para os outros.

VF: O seu segundo CD é dedicado ao seu pai, que era saxofonista. Nos fale dessa homenagem.

Daniela: O meu pai tocava saxofone e gostava muito de música instrumental. Ele tocava todos os instrumentos também, mas o instrumento dele e era o saxofone, assim como falo que o meu instrumento é o piano, mas toco outros. Eu dediquei o CD a ele porque tem 22 anos que ele morreu, mas sinto que até hoje ele está me dando força. E sinto que eu também estou realizando um desejo que ele teve, ele estava aqui, na música, mas acabou fazendo Direito também, pela necessidade de sobreviver que a música não te dá. E até hoje sinto a presença dele, por isso dediquei o CD a ele.

VF: Para você o que é mais importante, cantar, tocar ou compor?

Daniela: As três coisas, pois uma coisa não existe sem a outra. Eu só componho no violão, uma melodia puxa uma harmonia, ou vice e versa e coloco as letras, agora também não consigo existir sem isso, eu não me considero apenas intérprete, eu preciso da composição, eu gosto da criação; ela até me acalma.

VF: Como é trabalhar com música em Itaúna?

Daniela: É difícil... Eu acho, como em qualquer lugar. Porque existem níveis de dificuldades e concorrência, conforme o espaço e quantidade pessoas. Mas não considero Itaúna mais ou menos difícil... É difícil, como mexer com música é difícil no país que a gente está, que tem pouco incentivo, pouco crédito.

VF: Em 1999 você lançou “Essência”, o seu primeiro CD. Nos fale um pouco desse trabalho.

Daniela: O CD “Essência” era aquela coisa de essência mesmo, foi tirado do âmago, da alma mesmo. E ele me deu uma alegria inesperada... Porque o meu desejo até então, era lançar este CD pelo prazer de ouvir aquelas musicas que eu já compunha, arranjadas, soltá-las no espaço... E quando eu soltei, elas voaram maravilhosamente e isso me deslumbrou de certa forma... A gente tem essa parte do deslumbre e tem essa essência toda propagada, foi muito bom.

VF: No dia 13/09 você estará lançado “Entre os Mundos”, o seu segundo CD. Como você o analisa, tendo como referência o primeiro trabalho?

Daniela: “Entre os mundos”, porque, quando a música canta “entre os mundos se esconde uma palavra de fina renda, seda ou véu”, isto é, uma coisa tão tênue, mas as pessoas se separam tanto, têm abismos tão grandes entre uma e outra. E existe uma outra definição também, como a capa do CD sugere, aquela coisa planetária, de várias vidas. E assim foi “Entre os Mundos”, a musica veio de uma vez na minha cabeça, dizendo essas coisas... E tem uma ansiedade nesse CD que ele tem que ser tão bom, ou melhor, que o primeiro. Então existe essa obrigação que pesa um pouco em cima dele. Pesa também porque novamente é uma produção independente, nesse caso, porque o primeiro era pra sair, o segundo é porque você está na estrada, e se você está na estrada, você está no mesmo pé, está lançando CD independente. Nós ficamos um ano e meio gravando e pagando estúdio... E “Entre os Mundos” teve um prazer muito pessoal nos arranjos, coisa que no primeiro fui mais dependente do Ricardo Batata como arranjador. Isso gera um prazer maior e uma expectativa de o que a crítica e as pessoas vão falar desse trabalho.

VF: É difícil produzir um CD independente no interior de Minas?

Daniela: É difícil demais! Quase impossível, não... Você não pode pensar realmente, na dificuldade. É uma loucura porque você chega num ponto que não consegue continuar, porque você está zerado! Eu ainda não consegui uma profissão que me dê um salário fixo pra eu manter um contato fixo com a música, e normalmente este contato fixo não lhe devolve... E no fim das contas você está pagando pra tocar. Então existe essa dificuldade, a dificuldade financeira é a pior. Eu não vou falar que não temos apoio, porque é melhor falar do que a gente tem, e sem dúvida eu tive e tenho apoio. Não tenho por um lado, mas tenho por outro, então é melhor falar do que a gente tem.

VF: Em seus dois CDs você contou com a participação de diversos músicos da cidade. Como você vê o potencial do músico itaunense de modo geral?

Daniela: Eu acho que Itaúna é uma cidade que recebeu várias bênçãos. Uma delas foi dar para pessoas aqui da cidade, a arte em geral. Nós temos artistas aqui maravilhosos... é uma coisa que para você ver numa cidade só, é raro. Você vê um saindo daqui outro dali. Mas em Itaúna, estão aqui, nós temos compositores com letras maravilhosas, artistas plásticos com obras maravilhosas. E os músicos que convidei e aceitaram participar do CD, foram todos de uma sensibilidade extrema, foi ótimo!

VF: Para você qual é a importância de projetos voltados para o incentivo cultural, como as leis de incentivo Estadual e Federal?

Daniela: Essas leis seriam tudo na vida do artista! Eu não sei se está faltando lei para números de artistas, ou se poucos artistas privilegiados conseguem e a maior parte não, e o porque disso. Eu costumo falar que é como um time de futebol, que ganha o campeonato e recebe sempre mais recursos, e os outros times vão ficando cada vez mais fracos... Por mais que recebemos créditos - e sinto que isso é verdadeiro - eu pessoalmente, não consegui a Lei de Incentivo à Cultura. É uma coisa que me daria um impulso e não conseguimos beber dessa fonte.

VF: Por que acontece isso?

Daniela: Não sei... Não posso dizer se existe uma política no meio disso... Por que uma pessoa consegue e outra não? É a sorte? Não sei...

VF: Você acha que a produção artística local seria beneficiada se fosse criada pelos vereadores, uma Lei de Incentivo Municipal à Cultura, nos moldes daquelas já existentes nas esferas Estadual e Federal?

Daniela: Claro que sim! Dessa forma a gente teria que concorrer com menos pessoas, esse formigueiro humano que está em todos os campos... E reverteria ao município recursos que só se tem acesso por benefícios das leis Estadual e Federal.

VF: Como você vê o investimento do Poder Público na Cultura de Itaúna?

Daniela: Itaúna consegue uma verba para a Cultura que muitas outras cidades não têm. Eu já vi cidades menores que Itaúna repassar muito mais para a Cultura. Você vai lá tem um prêmio muito maior, eles fazem divulgação no Estado todo, você fica conhecido até na Europa se você for lá e ganhar o festival... Mas Itaúna não; repassa, mas existe este limite. O número de concursos que temos aqui é bom, é melhor tê-los que não tê-los, agora, em se tratando de premiação...

VF: Que tipo de música você tem ouvido?

Daniela: Eu estou ouvindo direto Elis Regina e quanto mais eu ouço, mais eu chego à conclusão de que ela foi a melhor cantora do Brasil. É claro que em termos de vocal, temos cantoras maravilhosas, mas a Elis tinha um arrepio... uma coisa que tocava.

VF: Como você define seu trabalho?

Daniela: Eu tenho que ser a primeira pessoa que deve gostar do meu trabalho, se não gostasse, eu não levaria para os outros (risos). Existe um cansaço em fazer tudo... Quando ouço este CD novo, ouço com um ouvido de crítica, eu sei das coisas que gostaria que fossem diferentes; outras que considero até melhor que eu poderia imaginar e sinto que o trabalho por si só, já começa a ganhar a sua própria existência. Principalmente, nas minhas melodias, existe uma coisa que acalma. Eu vejo as pessoas comentarem isso de volta, e isso me agrada e sinto que até eu, às vezes, fico calma ouvindo meu CD. E é isso mesmo que quero: uma tranqüilidade no coração de todo mundo!

VF: Existe em suas letras um cuidado poético no sentido de casar a palavra bela com uma expressão forte. Nos fale disso.

Daniela: A poesia está tão na veia como a música... Eu não consigo separar essas duas coisas. Muitas pessoas chegam perto de mim e falaram: por que você não faz uma musica mais fácil? Mas o que é mais fácil? Usar palavras usuais? Você usar termos que tem vários significados abrange uma profundidade muito maior. E não custa, uma pessoa ouvir uma musica e se sente agradada, ir lá na letra e procurar o sentido daquilo... em hebraico em vez de se dizer “eu te amo”, se diz “meu espírito ama seu espírito”. É por aí...

VF: Quais são planos para depois do lançamento de “Entre os mundos”?

Daniela: Eu vou ter que parar agora, por causa do neném. É o principal agora, ter que parar depois do lançamento do CD. Eu até fiquei em dúvida, se lançava ou não. Eu poderia esperar o neném nascer, acabar de amamentar pra acabar o CD, mas vou soltar o CD e ver que rumo ele toma. Depois acredito que vou ter que fazer uma divulgação para aparecer de novo. É impossível saber quando eu vou voltar. Estou pretendendo voltar em março, mas ainda restrito, porque o filho vai ter toda prioridade.

VF: Você pretende um dia sair de Itaúna e ir para os grandes centros em busca de uma carreira de consagração nacional?

Daniela: Muitas vezes as pessoas chegam e falam: quando elas ficarem famosas a gente não vai poder chegar pero delas. Essa fama só existirá se você conseguir um sucesso a nível nacional e isso só existe nos grandes centros. Eu já morei em Belo Horizonte, mas não quero morar lá. Poderia ser um canal que me levasse para Rio e São Paulo. Você pode ver que todos os artistas mineiros que se projetaram estão em Rio e São Paulo, tem que ser lá. Eu não quero, porque não tenho condições, e segundo, porque não tenho coragem. Com um contato eu iria, mas pegar um violão botar nas costas, ainda mais agora que vou ser mãe, chegar em São Paulo e tocar num bar? Não é isso o que pretendo! O que é você se lançar na mídia? É você ter no mínimo 100.000 cópias de um CD, pagar rádio que vai tocar, pagar distribuidora. Aqui tenho o apoio das rádios, porque sou uma artista itaunense... A gente conseguiu entrar em Belo Horizonte com o primeiro CD e só, porque se não tiver um produtor ali cutucando, não toca mais... Você tem elogio, crítica favorável, mas não toca. Pagar uma novela pra tocar seu CD; pagar uma Xuxa, um Faustão... E aí, não tem como ir para os grandes centros.

VF: Você nasceu em Belo Horizonte, mas vive em Itaúna há mais de 20 anos. O que essa cidade significa para você?

Daniela: Itaúna é o lugar que escolhi pra viver né? Itaúna é uma cidade maravilhosa. Eu ando pelas ruas aqui, em tudo quanto é bairro, tudo asfaltado, tudo com esgoto... É muito raro você ver miséria. É uma cidade que fico maravilhada com o transito, os motoristas param para os pedestres passarem. Então adoro cada árvore que as pessoas plantam, é uma cidade arborizada, bonita. Você pega um carro ou uma bicicleta, você está num lugar bonito, numa cachoeira numa montanha. Tenho este prazer de subir a montanha, ver o por do sol... Então é uma cidade que está no coração demais, se eu tiver que deixar Itaúna será só porque uma coisa muito grande me espera.

VF: Agradecemos e pedimos para deixar seu toque final:

Daniela: Meu recado final é que as pessoas não abram mão dos seus sonhos e que tenham uma comunhão maior com essa essência mesmo. Com a Natureza! Que as pessoas saibam usar de tudo o que elas têm, cuidado do que elas têm também, para ter de volta o prazer... Tudo está aí para te oferecer, se você souber cuidar você vai ser feliz com isso. Então, que as pessoas saibam cuidar da Natureza, da natureza própria, respeitando os outros e as coisas que foram dadas para nós.

Daniela Starling – inspiração e poesia.

Foto: arquivo Via Fanzine.

Visite a página de Daniela Starling:

www.viafanzine.jor.br/daniela.htm

 

* * *

 

Cobertura:

1980 – Show de Guilherme Arantes

A histórica e primeira apresentação do consagrado

compositor paulista na idade do Rio de Janeiro.

 

Por Nelson Tangerini*

Do Rio de Janeiro/RJ

Para Via Fanzine

 

Guilherme Arantes e Nelson Tangerini em 2003.

 

Será que ninguém faz música hilariante? Será que ninguém faz música para teen-agers? Será que ninguém faz música romântica neste país? Sim, Guilherme Arantes, um jovem paulistano que aos poucos vai conquistando um lugar ao sol, nessa tão confusa, tão mal humorada, ranzinza, discutida, dissecada, conturbada e decantada música brasileira.

 

As pessoas que estão politizadas até a alma, certamente não gostariam de ver Guilherme Arantes, compositor e tecladista, cantando A cara e a coragem, um hino à rebeldia  e à inquietação dos adolescentes. Enfim, um lamento infanto-juvenil.

 

Gui, como é chamado pelos amigos, é uma pessoa tímida e cheia de carinho com o público, na sua grande maioria uma garotada que vai dos 10 aos 20 anos. Momentos antes do show, o telefone não parava de tocar: “Eu tenho 14 anos, será que dá para eu entrar?”.

 

Nos primeiros dias, o panorama era assustador. A minoria privilegiada que assistiu aos shows tomou ciência de uma coisa: que o Gui é uma virtuose no piano e no sintetizador.

 

Muito bem acompanhado de Luiz (bateria), Pedrão (baixo), Ivo (guitarra) e Judy Spencer (teclados da iluminação), o paulistano só fez desfilar um repertório que vai de baladas românticas e marchinhas de carnaval (com participação da Rainha do Rádio, saudosa Emilinha Borba). Mas o público o acompanhou mesmo em Amanhã, Cuide-se bem, 14 anos, Loucos e caretas (marchinha de carnaval com uma overdose de bom humor) e O meu mundo e nada mais. Além de dar um banho de romantismo e hilaridade, Gui deixou bem claro que o Brasil, como sendo um país tropical e terra do sol e do som, esse povo multicolorido prefere um som mais simples, mais franco e mais objetivo, somado a uma linguagem mais franca, mais honesta e juvenil-sensual.

 

Gui faz hoje o que Roberto & Erasmo fizeram no início da Jovem Guarda. É um novo porta-voz da criançada.

 

Em sua primeira apresentação no Rio, mais precisamente no Teatro Tereza Rachel, o artista mostrou-se um pouco nervoso. As falhas técnicas não o impediram de mostrar o seu talento como cantor-compositor-pianista-tecladista.

 

“Gente, é a primeira vez que apresento um show meu para os cariocas. Sou um artista paulistano e limitado única e exclusivamente a São Paulo. Vou fazer o possível para que o show seja do agrado de vocês”.

 

Após essa terapia, de conversa com o público, Guilherme Arantes emendou Lira de um caboclo, onde diz: “Eu sou um caboclocidadão da capital, da grande província do sertão industrial. Desde a minha infância, eu sigo a lira mágica, signo da inocência a me impelir à música”.

 

A letra, como a música, é pequena, mas em tão poucas palavras dá a noção do que seja o Parque Industrial. Mas o Gui não fica só aí. Canta uma música de Walter Franco, Respire fundo e convida o público a assistir aos show do A Cor do Som: “É um show lindo. Eu vi em São Paulo e adorei. Infelizmente não vou poder ver, porque não vou ter tempo”.

 

Quando Gui dá os primeiros acordes de Respire fundo, o artista apresenta a música como sendo de um amigo, um artista paulistano que muito o sensibiliza e que muito o agrada. Trata-se de Walter Franco, o autor da caleidoscópica Cabeça, que criou o maior ti-ti-ti no FIC.

 

Em 1980, num papo informal, Guilherme Arantes contou algumas mágoas que guarda dos críticos e dos programadores de rádio.

 

Tangerini: Sua música não é divulgada nas rádios. Pelo menos no Rio é assim, não?

Guilherme: Lá em São Paulo estão tocando minhas músicas. No Rio, o pessoal só toca a turma daqui. Eles não tocam o pessoal de São Paulo. Não sei o porquê.

Tangerini: Mas já tocou bastante Guilherme Arantes nas rádios...

Guilherme: Sim, quando eu fazia temas de novelas da Globo.

Tangerini: O que você acha dos críticos?

Guilherme: Muito chatos. Muito fechados. Inclusive Ana Maria Baiana se trancou. O Tárik de Souza se fechou e abriu de novo. Tinhorão é aquilo que todos já sabem. Os críticos aqui caem de pau. Eu estive em Nova Iorque e fiquei bobo. O crítico lá constrói o cara numa boa. Olha, aqui, está faltando isto...

 

        

* Nelson Tangerini, 51 anos, nasceu no Rio de Janeiro a 21 de maio de 1955. É professor de Língua Portuguesa e Literatura, jornalista, escritor, poeta, compositor e fotógrafo. Tem livros e matérias  publicadas e uma música gravada, Energia Azul, de parceria com Adalberto Barboza, pela banda Suburblues. Em 1980,  Tangerini fazia faculdade de Comunicação-Jornalismo e tinha 25 anos.

 

- Contato: n.tangerini@uol.com.br

 

- Foto: Arquivo do autor (2003).

 

- Esta matéria foi publicada na revista Música, no 37, páginas 30 e 31.

 

    

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