acervo digital do historiador mineiro

 110 ANOS DE DORNAS

 

Itaúna-MG

Os 110 anos de João Dornas Filho

Ainda que não tenha ganhado projeção nacional como outros grandes escritores do estado,

João Dornas Filho se tornou um ícone da etnologia e historiografia mineiras.

 

Por Pepe CHAVES*

De Belo Horizonte-MG

Para Via Fanzine

07/08/2012

 

Historiador João Dornas Filho completa 110 anos de nascimento e sua obra segue viva.

 

Um dia ele nasceu...

 

Ainda que coberto pelo esquecimento, ignorância e falta de cultura dos nossos administradores e autoridades, gostaríamos, nesta data de 07/08/2012, em que comemoramos os 110 anos de nascimento de João Dornas Filho, de deixarmos aqui este pequeno tributo à memória do nosso querido autor e conterrâneo.

 

Faz exatos 110 anos que, em 07 de agosto de 1902, nascia no recém emancipado município de Itaúna, João Dornas Filho, que mais tarde viria a se tornar o mais expressivo escritor do município e de sua região.

 

Dornas cresceu aprendendo a amar a empoeirada cidade onde nasceu, mantendo o costume de anotar informações históricas e geográficas sobre o lugar. Era filho de João Dornas dos Santos, um republicano, co-fundador do Clube Republicano 21 de abril, em 1889. Seu pai era fazendeiro, mas Dornas acabou se interessando foi pelos essenciais valores de outras localidades de Minas Gerais, entre eles, as história, a geografia, o folclore, as crenças e culturas dos mineiros.

 

Tudo isso se transformou em combustível para abastecer os 25 livros que ele viria a lançar durante os seus 60 anos de vida, onde prevalece o teor histórico, além do autor adotar também outros estilos para seus trabalhos. Contudo, seu trabalho ficou marcado pelas obras etnológicas, as efemérides mineiras, sem deixar de manifestar suas críticas e seu inconformismo com a hipocrisia social de sua época.

 

Décadas depois de sua morte, seus trabalhos ainda permeiam os meios acadêmicos no Brasil e no exterior, pois muitos de seus livros se tornaram referências únicas para determinados assuntos.

 

Dono de uma intensa sede por informação, João Dornas Filho teve formação fundamental. O escritor cursou apenas a escola primária no grupo “Dr. Augusto Gonçalves”. Seu forte mesmo era a grande curiosidade e o desejo inato de pesquisar e registrar pessoas e, sobretudo, fatos, sejam estes, marcantes, pitorescos ou trágicos.

 

Além dos 25 livros publicados, cuja grande parte ainda pode ser encontrada em sebos virtuais, Dornas foi autor de inúmeros artigos e crônicas publicadas pela imprensa mineira. Além disso, escreveu vários ensaios para periódicos locais, dentre eles, o legendário informe cultural “Zum Zum”, cujo primeiro número foi publicado em 1917.

 

Em 1958, quatro anos antes de seu falecimento, Dornas Filho

aparece com seu amigo, Moacir Coutinho, um fazendeiro itaunense.

 

Durante sua infância, na década de 1910, Dornas trabalhou como tipógrafo e este nobre ofício o fez tomar amor e aproximá-lo da palavra escrita.

 

No início dos anos de 1920, Dornas mudou-se para Belo Horizonte, onde foi trabalhar e pôde ter contato com a modernidade nacional daquela época. Fez amizades com intelectuais belorizontinos e artistas de projeção nacional e internacional.

 

Naquela época, Dornas figurou no movimento modernista de Mário de Andrade, atuando como co-editor do panfleto "Leite Criôlo", que satirizava alguns detalhes incongruentes da recém-instalada República. Após sair de Itaúna, criou laços de amizades com diversos artistas, dentre eles o renomado pintor Di Cavalcanti, que desenhou, em pastel, uma caricatura de Dornas, raríssimo quadro que se encontra atualmente sob responsabilidade da Prefeitura Municipal de Itaúna.

 

Publicações

 

Dentre seu valoroso legado, Dornas publicou em 1936, “Itaúna – Contribuição para a História do Município” (Gráfica Queiroz Breiner; BH-MG), em que narra os antigos costumes dos habitantes santanenses, mostrando de forma clara e crua alguns aspectos sociais negativos da sociedade itaunense no passado, como por exemplo, o mau trato aos escravos por parte dos fazendeiros da região, como também, o preconceito religioso da igreja Católica para com os Luteranos, quando estes aportaram em Itaúna, entre outros. Neste mesmo trabalho, ele registra personalidades notórias da velha Sant’Ana e depois Itaúna; suas diversas agremiações culturais, seus párocos, políticos, jornais, esportes e economia, entre outros aspectos da civilização itaunense.

 

Nota-se também nessa obra, grafada em português antigo, o esmero do autor ao citar também dados referentes aos então distritos itaunenses, hoje as prósperas cidades de Itatiaiuçu, Carmo do Cajurú e Itaguara.

 

Nos anos seguintes, publicou mais 12 livros com uma média de lançamento de um livro a cada dois anos, publicando-os até o ano de 1951. Os livros seguintes foram: “Silva Jardim” (Cia. Editora Nacional – Brasiliana, São Paulo, 1936); “Os Andradas na História do Brasil” (Gráfica Queiroz Breiner – Belo Horizonte, 1937); “A Escravidão no Brasil” (Civilização Brasileira S/A, - Rio de Janeiro, 1939); “Bagana Apagada” – contos (Editora Guairá, Curitiba, 1940); “A Influência Social do Negro Brasileiro” (Caderno Azul nº 13 – Editora Guairá, Curitiba, 1943); “Eça e Camilo” (Caderno Azul nº 21, Editora Guairá, 1945); “Júlio Ribeiro” (Cadernos da Província nº 2 – Livraria Cultura Brasileira Ltda – Belo Horizonte, 1945); “Antônio Torres” (Caderno Azul nº 31 – Editora Guairá – Curitiba, 1948); “Os Ciganos em Minas Gerais” (Movimento Editorial Panorama – Edições João Calazans – Belo Horizonte, 1949) e “Efemérides Itaunenses” (Coleção Vila Rica – Edições João Calazans – Belo Horizonte, 1.951). Além dos livros citados, participou também de trabalhos coletivos, como algumas antologias literárias, juntamente com outros autores de seu Estado. Além da pesquisa histórica em si que sempre estava a desenvolver, escreveu artigos, contos e poemas para diversos jornais e revistas brasileiras.

 

Também a nível nacional, Dornas participou de coletâneas literárias e teve trabalhos publicados em revistas especializadas em História e Etnologia. Em sua obra “História de Itaúna”, o historiador Miguel Augusto Gonçalves de Souza observou sobre a atividade literária de Dornas Filho, “Praticou, com competência, simultaneamente, o jornalismo. Dirigiu, com Guilhermo César e Aquiles Vivacqua, movimento literário reformista, através do panfleto ‘Leite Criôlo’, com grande repercussão em Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, ao ensejo da tumultuada e fecunda campanha renovadora de criação da arte moderna liderada, em âmbito nacional, por Mário de Andrade”.

 

Quase a totalidade de seus trabalhos está abrigada no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte. O material se constitui de diversas caixas com documentos, imagens fotográficas, manuscritos e obras de João Dornas Filho.

 

Homenagens e decepções

 

Em 1945, Dornas foi eleito unanimemente à Academia Mineira de Letras, quando ocupou a cadeira nº 12, cujo patrono é José de Alvarenga Peixoto. Segundo citação de Miguel Augusto Gonçalves de Souza em sua referida obra, Dornas Filho tentou reformar o estatuto da Academia Mineira de Letras, no sentido de que a mesma passasse a permitir, também, o ingresso de mulheres nos seus quadros acadêmicos, o que veio a ocorrer, de fato, somente no ano de 1959.

 

No final de sua vida, Dornas teve uma grande decepção com sua terra natal, ao se candidatar a deputado e não ser eleito, em 1958. Por tal desgosto, se mudou para a capital Belo Horizonte, onde residiu até falecer em 1962, aos 60 anos de idade.

 

O centenário de João Dornas Filho, em 07 de agosto de 2002, passou em brancas nuvens por parte dos poderes públicos municipais em Itaúna e no restante do estado, não sendo prestada nenhuma homenagem ao mais ilustre escritor da história itaunense e o mesmo acontece agora na passagem dos seus 110 anos de nascimento.

 

Uma das poucas homenagens que a cidade lhe prestou foi colocar seu nome em um grupo escolar fundado em 1965 e situado à avenida Getúlio Vargas, no bairro Santo Antônio. João Dornas Filho também nomeia uma escola estadual no município de Bom Despacho-MG e uma rua na região central de Itaúna. Seu nome também foi "emprestado" a uma biblioteca que nunca existiu, mas deveria existir no terceiro andar do prédio do Espaço Cultural de Itaúna.

 

Apesar da displicência daqueles que deveriam lembrar o seu nome e obra nesta data, João Dornas Filho continua "imortal" e sendo lembrado diariamente em todo o mundo, graças unicamente ao seu consistente trabalho literário.

 

Conforme pesquisa que realizamos em 2009 pela internet, constatamos que o trabalho de João Dornas Filho continua sendo objeto de estudo e se encontra presente nas maiores universidades do Brasil e do mundo, além de bibliotecas, escolas, coleções particulares e institutos diversos.

 

Quase a totalidade de seus livros publicados - todos editorialmente esgotados - se encontra atualmente em bibliotecas universitárias, sobretudo, de Brasil e Portugal, além de outros países de língua portuguesa. Algumas desses raras obras também podem ser encontradas e adquiridas em portais de sebos virtuais na internet.

 

Como bem disse o poeta do samba, João Nogueira:

"O corpo a morte leva. A voz some na brisa. A dor sobe pra's trevas. O nome a obra imortaliza".

 

* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine e da Rede VF.

 

- Fotos: Ilustração eletrônica de Pepe Chaves / Arquivo Via Fanzine.

 

- Consultas do autor:

 

- “História de Itaúna” – vol. I e II (Ed. Lit. Maciel Ltda. – Belo Horizonte-MG, 1986),

  de Miguel Augusto G. de Souza.

 

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