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 Apollo 11

 

A saga dos 40 anos da Missão Apollo 11:

Do Vale do Antílope ao solo lunar Parte 6

Faz 40 anos, os primeiros seres humanos aportaram em solo lunar.

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Por Márcio R. Mendes*

De Dois Córregos/SP

Para ASTROvia_

 

 

Michael Collins, Edwin Aldrin e Neil Armstrong: tripulação da Apollo 11.

 

...3, 2, 1, Liftof!

 

Segundo Michael Collins, o lançamento é “(...) um momento perigoso, com motores gigantescos, combustíveis explosivos, temperaturas e velocidades elevadas, jatos de vento fortíssimo, e requisitos de orientação rigorosos, combinando-se para compor onze minutos cheios de tensão, desde a partida até a órbita terrestre”. Contudo, Collins coloca ainda que entre as perguntas mais corriqueiras da imprensa naqueles dias era com relação à opinião dos astronautas do momento considerado mais “perigoso”, para a qual tinha uma resposta que considera ao mesmo tempo verdadeira e evasiva: “(...) o momento mais perigoso era a parte que nos tinha escapado em nossos preparativos”.

 

Após o retorno da bem sucedida Apollo 10, em 26 de maio de 1969 a data para lançamento da Apollo 11 foi definida e anunciada pelo general Sam Phillips, para pouco mais de dois meses e meio, em 16 de julho de 1969. Neste período, a tripulação dedicou-se ao máximo nos programas de treinamento, sentindo a responsabilidade por ter tido a soma de todos os esforços, desde o lançamento do primeiro astronauta, além de serem os executores de um velho sonho de toda Humanidade.

 

Houve algumas cogitações em adiar-se o lançamento por mais um mês, dando à tripulação um pouco mais de tempo em seu treinamento. Contudo, os adiamentos, além de terem custos, incorriam na produção de mais perigos, pois certas partes da espaçonave, expostas aos combustíveis corrosivos, teriam que ser devolvidas às fábricas, para revisões e consertos.

 

Em função de uma enorme quantidade de itens, e também do objetivo maior aqui envolvido, a tripulação foi isolada com um mês de antecedência, em local apropriado, tal como uma mini-cidade, onde tudo se desenvolve em função dos seus ocupantes. Corredores sem janelas, dormitórios individuais, salas de exercício e saunas, refeitório, salas de estar e salas com apetrechos apropriados para acesso aos complexos de lançamento. Neste mini-mundo, um “exército” de profissionais está à disposição, onde os poucos que não se incluem neste grupo de profissionais, são convidados diretos dos astronautas.

 

Neste mundo aparentemente perfeito, por vezes, nem tudo ia bem. Collins conta em seu livro que quase todas as noites, se reunia com Neil e Buzz Aldrin, repassando etapas do voo. Restrito à tripulação em treinamento, naqueles dias, algo esteve à beira de um descompasso, posteriormente externado por Michael Collins.

 

Armstrong e Aldrin em treinamento no simulador do módulo de comando e em campo, durante os

ensaios de geologia. Ao lado, Collins também aparece no simulador do Módulo de Comando Eagle.

 

Lembro-me, de modo especial, uma noite ruim, após simulação notavelmente infortunada. Neil e Buzz tinham estado descendo, no LM, quando alguma catástrofe os acometera, e Houston lhes ordenara que abortassem. Por algum motivo, Neil questionou o conselho, ou foi lento na ação, mas de qualquer forma o resultado impresso pelo computador demonstrou que o LM descera abaixo da superfície lunar, antes de voltar a subir. Em palavras claras, Neil batera com o LM e destruíra a máquina, a si próprio e a Buzz. Essa noite Buzz sentiu-se irritado e me manteve acordado, com queixas a esse respeito. Eu não podia perceber se ele se preocupava por sua própria segurança no voo, caso Neil repetisse o erro, ou se estava apenas embaraçado, por ter batido diante de toda uma sala cheia de peritos...”, relembrou Collins.

 

Ele ainda narrou outras particularidades de Aldrin, “Buzz se achava bastante loquaz, e à medida que a garrafa de scotch baixava em nível e suas queixas se tornavam cada vez mais altas e mais específicas, Neil apareceu de repente de  pijama, cabelo desgrenhado e friamente indignado, juntando-se ao comício. Eu me desculpei educadamente e rastejei até minha cama (...). Neil e Buzz continuaram suas discussões noite adentro, mas na manhã seguinte, ao desjejum, nenhum dos dois parecia mudado, irritado ou mal satisfeito, de modo que deve ter sido um debate franco e benéfico...”.

 

Entre os compromissos com o treinamento em simuladores, vez ou outra, estavam agendadas Conferências de Imprensa. A esta altura, essas oportunidades já ocorriam com os astronautas “engaiolados” em ambientes isolados, de vidro, com a preocupação de evitar contato direto, evitando a transmissão de germes. Uma atitude também criticada pelo próprio Collins, pois durante as tarefas diárias, eles estavam em contato direto com dezenas de outras pessoas.

 

O grandioso VAB (Vehicle Assembly Building), o Edifício de Montagem de Veículos. Neste local foram montados

os imensos foguetes Saturno V. As demais partes, como estágios, Módulo de Comando, de Serviço e o Lunar,

são provenientes de diversas empresas ligadas ao Programa espacial. Os equipamentos eram montados

no VAB, formando o conjunto. Como o foguete tinha 110 metros de altura, foi preciso projetar um edifício

à "altura", ao pé da letra. Na foto ao lado, o professor Márcio Mendes, autor desta série, em uma de suas

visitas ao VAB, no Centro Espacial Kennedy, em Cabo Canaveral, Flórida.

 

Preparativos finais

 

Devido à complexidade do sistema de lançamento, a contagem regressiva começa com uma semana de antecedência. O lançamento tem algumas “janelas” que, se não forem respeitadas, incorrem em adiamentos de um mês ou mais, uma vez que a nova data deverá proporcionar as condições planejadas de iluminação no solo lunar.

 

A contagem regressiva, normalmente anunciada em seus segundos finais, por uma voz compassada e fria, está longe de ser algum tipo de exibicionismo, vindo a criar alguma tensão. Na verdade, tal procedimento visa proporcionar segurança e ordem no preparo das etapas de lançamento; evita desperdício de equipamento crítico de voo ou de solo, ativando-os cedo demais; sincroniza etapas preparatórias e possibilita ao diretor do lançamento disparar no instante exato.

 

O lançamento da Apollo 11 estava marcado para 13h32 UT (09h32 ED), no Complexo 39-A; no entanto, para os astronautas, os preparativos começam muito cedo. Eles foram acordados por volta de 4h da madrugada, por Deke Slayton (Chefe dos Astronautas), passaram por rápida inspeção pela enfermeira Dee O’Hara (conhecidíssima de todos os astronautas, desde os tempos do Mercury) e foram levados ao refeitório, onde tiveram 23 minutos para um desjejum. Neste ambiente, onde se tenta proporcionar alguma descontração encontram-se outros colegas astronautas, também diretamente envolvidos no voo. Um artista é contratado para imortalizar suas fisionomias naquele momento. Devido ao controle rígido do tempo, logo estão de volta aos seus aposentos e depois para a sala das roupas.

 

Escovo por completo os dentes e verifico mais uma vez se minhas posses reduzidas estão embrulhadas. Alguém providenciará para que voltem a Houston. Algumas delas já marquei (oh, grande otimista!) para entrega no Laboratório de Recepção Lunar, a fim de me aguardarem, na quarentena após o voo. Despeço-me da moreninha na parede e fico pensando se voltarei a vê-la”, diz Collins.

 

Acomodados em cadeiras reclináveis, sensores biomédicos são aplicados diretamente na pele. Depois, uma vestimenta colante assegura que fiquem em seus lugares. Em seguida, os pesados trajes pressurizados exigem a ajuda de dois ou três técnicos. A mobilidade do astronauta começa a ficar reduzida e, progressivamente, ele vai se tornando uma pessoa isolada em seu próprio mundo.

 

O breakfast dos astronautas, às 4h da madrugada no dia do lançamento. Na foto, em primeiro plano e de costas,

Michael Collins, ao seu lado esquerdo Neil Armstrong e ao fundo alguém não identificado. À frente de Collins,

segurando um mapa, Deke Slayton (chefe dos astronautas) e ao seu lado Edwin “Buzz” Aldrin.

 

Collins nos conta sobre aqueles momentos históricos que antecederam o lançamento que levaria o homem à Lua pela primeira vez, “Quando estamos prontos, os três, ligamo-nos a recipientes portáteis de oxigênio, e carregando-os como malas pesadas, damos início à longa caminhada, até o furgão de transferência que, por sua vez, nos levará à plataforma de lançamento. Os corredores estão apinhados, ao passarmos, com alguns amigos velhos e co-trabalhadores, mas na maior parte com estranhos”.

 

Sobre isso, declara o astronauta, “O [Projeto] Apollo é tão grande que só conhecemos uma pequena fração dos que, como nós, investiram anos seguidos neste dia: só neste edifício existem centenas de pessoas que, em grau maior ou menor, retêm  nossas vidas em suas mãos e, no entanto, nunca as vimos. Agora, algumas se encontram nos corredores, a fim de nos apresentar uma despedida silenciosa. Pelo menos dentro do meu capacete estão em silêncio, pois só ouço o ranger de minhas galochas amarelas de borracha e o chiado do oxigênio que entra na roupa”.

 

Ele fala também do assédio de curiosos, apaixonados pelo espaço e da mídia, “Ao sairmos do edifício temos uma verdadeira cena de multidão, pois esta é a última ‘oportunidade de fotografia’, como os homens da RP a chamam, e o pátio diante de nossa porta se encontra atopetado de turmas de TV e suas luzes pavorosas, mais um exército de fotógrafos comuns e cinegrafistas. Os elementos de segurança passam um cordão de isolamento, abrindo passagem para nós, e dedicamos pequenos acenos aos fotógrafos, enquanto seguimos de pernas duras para o furgão”.

 

Collins refere-se a Guenter Wendt como o “czar das plataformas”, pois foi este o responsável pela acomodação de todos os astronautas na sala de embarque. Conta que Guenter tinha o hábito de gabar-se excelente pescador e como as piadinhas e troca de pequenas lembranças no momento de embarque é uma tradição, Collins preparou-lhe uma. Acondicionado numa sacola marrom, que destoava do que deveria levar e já causando a “desconfiança” de técnicos que o acompanhava, comprou-lhe uma minúscula truta e colocou-a presa a um cartaz com a frase “A maior truta de Guenter”. Queria causar boa impressão em quem os assistia e um pouco nervoso com as desajeitadas luvas, temia algum vexame ao deixar cair a truta em frente a tantos fotógrafos que ficariam sem entender o pandemônio de muitos à cata de um pequeno peixe morto na plataforma de lançamento.

 

São seis horas da manhã e o furgão segue por vias cheias de veículos e pessoas nos acostamentos, esperando para um aceno. Conta  Collins, “Dá para ver que é dia claro, e nos informam que já faz calor, com pouco vento – um dia escaldante no princípio. Ontem à noite o Saturno V parecia muito gracioso, suspenso por fogo cruzado de luzes de farol, a fazê-lo cintilar como uma opala delicada e colar de prata, contra o céu negro. Hoje voltou a ser uma máquina, sólida, sem besteiras e grande. Estacionamos na base da torre e desembarcamos com ruído. O primeiro elevador nos espera, as portas já abertas. Algo parece errado e, de súbito, percebo do que se trata. O lugar se acha deserto! Em todas as outras vezes que estive na plataforma de lançamento, a mesma era uma colméia de atividades, trabalhadores gritando uns com os outros, equipamentos sendo levantados e todos sinais comuns de vida em um local de construção. Agora parece que uma epidemia pavorosa matou a todos, menos os que se acham protegidos por roupas pressurizadas (...)”.

 

Ele continua narrando a histórica entrada para o Módulo de Comando Columbia, anexado ao gigantesco foguete Saturno V, que os levaria para fora de seu mundo: “Essa subida em elevador, esta primeira elevação vertical, assinalou o início da Apollo 11, pois não mais podemos tocar a Terra. E tenho mais uma visão, entretanto, um último fragmento de esquizofrenia, ao me situar em passarela estreita a 320 pés de altura, pronto para embarcar no Columbia. Neil já entrou na espaçonave, eu vou em seguida”.

 

Os astronautas têm seu último contato com o público e vão embarcar no furgão que os levarão até a torre de

lançamento. Observe que Collins, por último, além da maleta, traz uma sacola marrom, com a truta para Guenter.

 

Normalmente, o comandante ocupa o assento esquerdo; o piloto do Módulo Lunar o assento direito e o piloto do Módulo de Comando o assento do meio. No entanto, quando Collins juntou-se à tripulação, tendo vencido seu período pós-operatório, Aldrin já havia treinado a partir do assento do meio. Neste caso então, houve uma troca de posições entre Collins e Aldrin. Agora, Collins se situava à direita e Aldrin ao meio. Na verdade, durante o lançamento e a viagem de pouco mais de dez minutos na atmosfera, os astronautas são meros administradores dos equipamentos, monitorando o desempenho de centenas de itens através de luzes indicadoras e mostradores. Praticamente todo funcionamento do foguete é feito em etapas pré-programadas.

 

Quando Neil embarca, eu entrego a truta a Guenter e sua gente; e eles brincam um pouco. Depois descalço as galochas, agarro a barra dentro da escotilha central e balanço as pernas o mais que posso à direita. Depois de dois resmungos e empurrões, consigo finalmente pôr minha traseira no assento, com a cabeça em descanso estreito e as pernas acima de mim, os pés presos por presilhas de titânio. Não é posição cômoda, ainda mais nesta roupa, que aperta na virilha, mas posso agüentar qualquer coisa por duas horas e meia – todo o tempo que nos resta antes do lançamento”, narrou Collins.

 

Quando a tripulação embarca, Fred Haise (astronauta da tripulação de apoio) estava dentro do Módulo de Comando, fazendo as últimas verificações que competem à equipe de apoio. Haise seria escalado para a famigerada Apollo 13, que não conseguiu descer na Lua. Segue o rápido aperto de mãos, como despedida, e a escotilha é fechada. Pelos próximos oito dias, estarão longe de todos os outros seres humanos. O Columbia está pronto com sua preciosa carga.

 

O interior é apertado e há uma parafernália de comandos, contudo, é um caos personalizado. Muito provavelmente, outra tripulação estaria em maus lençóis, pois boa parte dos comandos menos usados acaba adornado com etiquetas que foram acrescentadas de última hora, a ajudar nas lembranças de alguns itens. Muito se fala dos produtos da era espacial e entre eles, o velcro. Pequenos pedaços desse revolucionário material está colado num ou noutro canto, entre instrumentos, ao gosto da tripulação.

 

FERVURA> 50, diz um deles, lembrete típico a informar que se a temperatura de saída do radiador adjacente ultrapassar 50 graus, o sistema de controle ambiental da espaçonave procurará levá-la para baixo (...).  S-BAND AUX TO TAPE SEC PRIOR TO DUMP, diz outro, auxílio mnemônico para me poupar o embaraço na operação de nosso gravador de fita”, lembra Collins.

 

Pintado de cinza naval, o grande painel bem defronte aos astronautas, contém dois horizontes artificiais, dois teclados de acesso ao computador e acomoda um grande número de disjuntores, além de quarenta e oito lâmpadas de advertência, mais de trezentas chaves e inúmeros mostradores.

 

O crawler (veículo transportador de foguetes) carregando um Saturno V até a torre de lançamento. Este imenso veículo trafega a um 1 km/h, por 16 quilômetros, numa estrada especialmente pavimentada para suportar o peso.

 

Acomodado em seu acento, Collins percebeu um detalhe que classificou como “horripilante”. Notou que Armstrong realizava suas tarefas de verificações mantendo em mãos uma lista de itens e não percebeu que um bolso volumoso de seu traje, próximo ao joelho, esbarrava de leve em uma espécie de “joystick”. Girando-o de apenas 30°, disparava-se a torre de escape que libertaria o Columbia do restante do Saturno V, levando-o para longe, em caso de perigo iminente. Tal medida acarretaria no aborto da missão, sendo planejado para que o comandante possa executá-la de forma rápida, com um único comando.

 

Collins chamou a atenção de Neil para o fato e ele tratou de acomodar melhor o aparelho naquele bolso, confessando que já via as manchetes de jornais, relatando o fiasco que poderia ter sido a missão: “DISPARO À LUA CAI NO OCEANO!”.

 

Ele relembra o quanto sentiu subir a adrenalina, nos momentos finais do lançamento, “De modo inevitável, ao se aproximar o grande instante sua chegada é anunciada pela tradicional contagem regressiva até zero. Anestesiologistas e diretores de lançamento partilham essa inclinação, a de assustarem as pessoas, aumentarem a teatralidade em volta do acontecimento que já leva em si, trauma bastante para reclamar toda consciência de alguém. Por que eles não contratam uma belezoca com voz cheia, para murmurar ‘É hora de ir, meu bem?'. Seja lá como for, minha bomba de adrenalina funciona magnificamente, quando o monstro começa a viver”.

 

Todos os cinco motores do 1° estágio são ligados simultaneamente quando faltam nove segundos para o “zero”. Neste curto período o empuxo produzido é levado à plena potência, fazendo todo o conjunto ranger, tracionando as presilhas que ainda prendem o foguete ao solo. Exatamente no “zero” as presilhas são soltas, juntamente com os últimos cabos que ligam o saturno V à torre. Muito lentamente o gigante se eleva e os astronautas sentem a partida, embora não possam ver nada do exterior. Nos primeiros dez segundos o foguete não terá se elevado mais que sua própria altura e placas enormes de gelo se desprendem do corpo do Saturno V. Esse gelo é resultante da condensação e solidificação da umidade do ar nas proximidades dos reservatórios de combustível resfriado do foguete.

 

A rampa que leva ao Módulo de Comando instalado no alto do foguete. Ao lado, atuais peças de museu:

o traje de Armstrong ainda sujo de poeira lunar; as luvas pressurizadas usadas pelos astronautas

e Armstrong segurando um "capacete bolha", típico das missões Apollo.

 

E a nave vai...

 

Partimos! E sabemos disso, não apenas porque o mundo está berrando 'partida' em nossos ouvidos, mas porque os acentos, em nossas calças, vêm nos dizer. É confiar nos instrumentos e não no corpo, dizem sempre ao piloto moderno, mas esta fera fica melhor quando a sentimos. Sacode, estala, rola! Ruído, sim, muito ruído, mas principalmente movimento, enquanto somos jogados a esquerda e a direita, contra nossas amarras, em pequenos solavancos espasmódicos. É dirigir como se estivéssemos doidos, com uma mulher nervosa guiando um carro largo por um beco estreito, e só espero que saiba onde vai, porque nos primeiros dez segundos estamos perigosamente próximos da torre umbilical. Respiro com mais dificuldade quando passamos pela marca dos dez segundos e o foguete parece descansar um pouco, já que tanto o barulho quanto o movimento decaem perceptivelmente. Todas as minhas luzes e mostradores estão em boa forma e um olhar à esquerda, posso afirmar que os outros dois terços da espaçonave também se comportam. Nós três estamos em grande silêncio – ninguém parece sentir qualquer júbilo por deixar a Terra, apenas a percepção aguçada do que estará à frente”, descreve ele.

 

“(...) qualquer piloto sabe, com base na fábula que lhe foi contada, ou então na experiência amarga, que a extensão da pista atrás dele é a medida mais inútil que pode tomar; o que conta é o que se acha à frente” - assim se sentia o astronauta naqueles momentos em que deixava a Terra.

 

O Saturno V segue perdendo peso a cada segundo e em dois minutos e meio o 1° estágio terá completado sua tarefa, levando-o a 60 quilômetros de altitude. Nesta altitude o 1° estágio se desprende para cair no Oceano Atlântico. Então, o conjunto todo já perdeu três quartos do seu peso inicial.

 

Quando o 1° estágio se apaga, os astronautas são bruscamente jogados para frente - como reza Primeira Lei de Newton - e logo que o 2° estágio começa a funcionar, são novamente jogados contra os acentos. Este outro estágio, em pouco mais de seis minutos de funcionamento terá produzido uma velocidade de 24.000 km/h e estará a mais de 180 quilômetros sobre a Terra. Ainda durante o funcionamento do 2° estágio, quando houver indicação de altitude de 96 km, a torre de escape será descartada e agora Neil não precisará mais se preocupar com seu bolso volumoso a roçar aquele controle. A capa protetora é levada pela torre de escape e, doravante, as pequenas vigias do Columbia estão desimpedidas. Pode-se ver lá fora, contudo, o céu já é negro.

 

O conjunto ainda não tem velocidade suficiente para entrar em órbita. É preciso mais um empurrão, dado pelo único motor do 3° estágio, que funciona por cerca de três minutos, quando, então é desligado, mas não descartado. O conjunto desliza em uma órbita suave.

 

Collins se situa e conta, “O mundo lá fora de minha janela é arrebatador; nos três curtos anos do Gemini 10, esqueci como é belo, enquanto as nuvens e o mar deslizam majestosamente em silêncio. Achamo-nos ‘de perna para o ar’, porque nossas cabeças apontam para baixo, em direção à Terra e nossos pés na direção do céu negro e será nessa posição que permaneceremos nas próximas duas horas e meia. O motivo de estarmos nesta posição e que permitir o sextante, no ventre do Módulo de Comando, aponto para as estrelas, pois uma das coisas mais importantes que preciso fazer é tirar duas medidas estelares, a fim de assegurar que nosso equipamento de orientação e navegação funciona bem, antes de resolvermos dar o mergulho e abandonarmos nossa boa órbita terrestre”.

 

O conjunto, ainda preso ao 3° estágio executa as órbitas de “parqueamento”, onde uma enorme lista de verificações deve ser cumprida, além de transformar o veículo de sua condição passiva para um veículo ativo. Não há muito tempo para admirar a paisagem.

 

Esta é a "bolacha" (no jargão dos astronautas) da Apollo 11. Trata-se do símbolo escolhido para a missão.

Essa "bolacha" era bordada e pregada à roupa dos astronautas. Esta foi elaborada, com aprovação de todos,

pelo Michael Collins. Foi escolhida como símbolo uma Águia (nome de batismo do Módulo Lunar “Eagle”)

 que leva um ramo nas garras, simbolizando "Paz".

 

Os astronautas já podem retirar seus capacetes bolha e luvas, caso contrário, algumas tarefas seriam impossíveis. Collins desliza para a baia de equipamentos, desembrulhando diversos instrumentos que são entregues aos seus companheiros, além de acomodar as luvas e capacetes em local apropriado. Uma filmadora é montada e colocada em seu local para registrar a manobra de acoplamento com o Módulo Lunar Eagle.

 

Collins executa seu serviço de observação de algumas estrelas pré-determinadas, para alinhar a plataforma espacial, comentando com seus companheiros que está tendo dificuldades em reconhecê-las, pois a visão não é das melhores. Antares, em Escorpião é fácil encontrar, mas a programação exige que se faça apontamento para Menkent. Collins pede ajuda ao computador de bordo que faz o apontamento para onde acredita-se, seja Menkent. Basta então alinhar os fios da ocular sobre a estrela e apertar um botão. Depois o processo é repetido usando-se outra estrela de referência; desta vez a estrela Nunki, em Sagitário.

 

“(...) e o computador me dá um tapinha nas costas, enviando a informação de que minhas medidas diferem de seus dados angulares em 0,01 grau. Exibe essa informação como 00001. Em M.I.T-ês, uma leitura perfeita de 00000 é chamada ‘cinco bolas’. Eu consegui ‘quatro bolas um’. Glen Parker, um dos instrutores do simulador, e eu, apostamos uma xícara de café. Sobre isto, minha primeira medida, Glen não acha que eu vá conseguir melhor do que quatro bolas dois, mas acredito que consiga cinco bolas. A aposta é uma compensação, e depois de transferir esses dados para o chão, aduzo: '...e digam ao Glenn Parker, lá no Cabo, que ele teve sorte. Não me deve uma xícara de café'. Houston não faz idéia do que estou dizendo, mas concorda em transmitir a informação”, relembra Collins.

 

O tempo de viagem já é de uma hora, e a espaçonave está sobre a Austrália nesse momento. Dentro em breve, o nascer do Sol será visível pelas vigias do Columbia e Collins procura pela volumosa Hasselblad, a famosa máquina fotográfica escolhida para ser usada na Lua e a bordo. O espetáculo do nascer do Sol é imperdível, porém o ambiente no interior do Columbia já dá sinais de que as atividades foram bastante intensas até o momento. A Hasselblad encontra-se perdida (!) e deve ser encontrada antes do TLI (injeção trans-lunar), pois qualquer equipamento solto quando o 3° estágio for ligado, impulsionando todo o conjunto para a Lua, poderá tornar-se um “míssil”!  

 

Apesar de estarmos viajando para a Lua, muitos procedimentos da época seriam considerados proibitivos hoje. Collins descreve um deles,  que antecipou o TLI, onde medidas apuradas de valores devem ser computadas: “(...) precisamos escrever listas compridas de números, que nos dirão como voltar para casa, caso algum desastre ocorra depois do TLI, e não pudermos falar com o chão. Em determinado momento, tinha sido planejado equipar o Columbia com um tele-impressor, o que teria sido ideal para retransmitir colunas de números, mas um tele-impressor foi considerado coisa desnecessária, de modo que agora é preciso que Bruce MacCandles, do Controle da Missão em Houston, leia cada algarismo, e que eu os escreva, todos eles, em minha lista de verificações, voltando a ler para Bruce para confirmar. Falta agora menos de uma hora para o TLI, hora de me amarrar novamente no assento direito, de capacete e luvas (...)”.

 

A TLI é uma manobra crítica, pois requer precisão absoluta, envolvendo três fatores: alcançar a velocidade exata, ser dirigida para uma trajetória muito precisa e ambos devem ser feitos em poucos segundos. O tempo de viagem estimado é de aproximadamente três dias, no entanto, em três dias a Lua terá se deslocado em um percurso de 265 mil quilômetros. Nestas condições, a nave não poderá ser apontada para onde a Lua está, mas para onde estará depois de três dias. Para piorar, estaremos passando de uma trajetória curva em torno da Terra, para uma trajetória mais próxima de uma linha reta, portanto, uma linha que tangencia a órbita terrestre e leve toda a espaçonave para um ponto vazio no espaço, onde se espera que a Lua esteja ao final desse tempo.

   

Continua na Parte 7 (Desfecho da missão Apollo 11) em breve no ar

 

* Márcio Mendes é físico, professor em Dois Córregos/SP, astrônomo amador membro da REA (Rede Astronômica Observacional) e consultor de Astronomia para Via Fanzine.

 

- Fotos: Nasa/JPL/Carlota Mendes/do Arquivo de M. R. Mendes.

 

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