O
Clube do
Canhão
“Logo que recebemos vossa honrosa missiva de seis do
corrente, reuniram-se os cientistas deste observatório que houveram por
bem responder, como se segue, todas as perguntas formuladas:
1) Será possível enviar um projétil à Lua?
Resposta: Sim, é
possível alcançar a Lua com um projétil, contanto que se consiga
animá-lo de velocidade inicial de onze mil metros por segundo. Demonstra
o calculo que tal velocidade é o bastante, à medida que nos afastamos da
Terra...
2) Qual é a distância exata que há entre a Terra e o seu satélite?
Resposta: A Lua
não descreve em torno da Terra trajetória de círculo, mas sim, de
elipse, num dos focos da qual está situado nosso globo. Daí vem por
conseqüência que a Lua está ora mais próxima, ora mais afastada... A
diferença entre a maior e a menor distância é relativamente considerável
e não devemos desprezá-la. Com efeito, no apogeu a Lua está a trezentos
e noventa e oito mil e quinhentos quilômetros e no perigeu, a trezentos
e cinqüenta e dois mil quilômetros.
3) Qual será a duração do trajeto do projétil ao qual tenha sido
imprimida a velocidade inicial bastante, e, conseqüentemente em que
momento deverá ser lançado para que vá encontrar a Lua em determinado
ponto?
Resposta: Se a
bala conservasse indefinidamente a velocidade inicial, onze mil metros
por segundo, que lhe fosse imprimida no momento da partida, gastaria
apenas nove horas aproximadamente para chegar ao seu destino. Mas como a
velocidade inicial irá continuamente decrescendo, deduz-se, feitos os
cálculos, que o projétil empregará trezentos mil segundos ou oitenta e
três horas e vinte minutos até chegar ao ponto onde as atrações
terrestre e lunar se equilibram e, a partir desse ponto, cairá na
superfície da Lua em cinqüenta mil segundos ou treze horas, cinqüenta e
três minutos e vinte segundos...
4) Em
que momento exato estará a Lua na posição mais favorável para ser
alcançada pelo projétil?
Resposta: Em
conseqüência do que deixamos dito, deve, em primeiro lugar, escolher-se
a época em que a Lua estiver no perigeu e, simultaneamente, o curso do
projétil de distância igual ao raio da Terra, isto é, seis mil,
trezentos e oito quilômetros... Necessário é, portanto, esperar a
coincidência da passagem pelo perigeu com a passagem pelo zênite. Por
feliz acaso, dia cinco de Dezembro do próximo ano, a Lua preencherá as
condições indicadas.
5) Em
que ponto do céu deve fazer-se a pontaria com o canhão destinado a
lançar o projétil?
Resposta:
Supondo-se admitidas as considerações que precedem, o canhão deve ser
dirigido para o zênite do lugar, de modo que o tiro venha a ser
perpendicular ao plano do horizonte e o projétil fuja assim mais
rapidamente aos efeitos da atração terrestre. Mas para que a Lua passe
pelo zênite de um lugar terrestre é necessário que este lugar não tenha
latitude maior que a inclinação do astro, isto é, que o lugar esteja
compreendido entre o equador e os paralelos que distam dele vinte e oito
graus para o norte ou para o sul.
6) Que lugar
deve ocupar a Lua no céu, no momento da partida do projétil?
Resposta: No
momento em que o projétil for lançado ao espaço, a Lua, que avança em
cada dia treze graus, dez minutos e trinta e cinco segundos, deve estar
afastada do ponto zenital quatro vezes esta grandeza, isto é, cinqüenta
e dois graus, quarenta e dois minutos e vinte segundos, espaço que
corresponde ao caminho que percorrerá durante o percurso do projétil.
Tais são as respostas às perguntas feitas pelo Clube do Canhão ao
Observatório de Cambrígia”.
A
Lua de Julio
Verne
O trecho acima foi transcrito da obra de Julio Verne,
Viagem ao redor da Lua, publicada na década de 1860, em que descreve
a inquietação de um grupo excêntrico de pessoas ligadas à criação ou
aperfeiçoamento de armas, sobretudo canhões, na época da Guerra da
Secessão nos Estados Unidos, ou Guerra Civil Americana, ocorrida entre
1861 e 1865.
Seja pela sua genialidade, seja pelo aspecto científico e
até profético, Julio Verne escreveu, sem saber, muitas congruências com
a realidade dos voos lunares da série Apollo que seriam efetivados
somente mais de 100 anos depois de sua obra fictícia.
Na ficção, exasperados pela falta de conflitos bélicos,
onde poderia por à prova as suas invenções, o grupo “Clube do Canhão”
necessitava urgentemente de um trabalho à altura. Destarte, foi
convocada uma reunião, onde o presidente do Clube fez a proposta de...
Atingir a Lua! Este objetivo proporcionaria, além do trabalho, uma
distinção e respeito ao grupo como realizadores dessa proeza. Há de se
convir que a vida imitou a arte quando o presidente John F. Kennedy fez
proposta semelhante em plena Guerra Fria.
Naquela época, alguns já vislumbravam os terrenos
alagadiços da Flórida como o ponto escolhido para um espaçoporto, a
exemplo do local descrito por Julio Verne como ponto de partida para a
Lua, a Colina das Pedras ... também na Flórida.
A escolha da Flórida – antes na ficção e depois na
realidade - como ponto de partida de um projétil rumo à Lua é devido a
inúmeros fatores: trata-se de um local relativamente próximo do equador
terrestre. Todo foguete dali lançado, executa um arco inclinado para
Leste e assim, aproveita um impulso adicional devido à rotação da Terra
neste sentido. Nesta direção, o percurso é desimpedido em direção à
África, sobre o oceano. Por fim, há uma cadeia de ilhas que se estende
nesta direção, proporcionando algum apoio para estações de rastreamento.
Na década de 50 o Cabo Canaveral, onde se situa o atual
centro de lançamentos da Nasa, na Florida, com seus 15 mil acres, ainda
era um lugar desolado, com um emaranhado de vegetação rasteira e muitas
palmeiras em forma de leque. Terrenos alagadiços era o habitat para
aligátores, coelhos e imensa variedade de pássaros. O acesso era feito
através de uma estrada que cruzava o rio Indian, o rio Banana até a
praia de Cocoa, onde, mais tarde, se fixaria o grosso da comunidade de
cientistas, técnicos e engenheiros aeroespaciais, assim como alguns dos
astronautas.
Em
busca da Lua: lançamento de um Saturno V e ilustração do lançamento
balístico de Verne.
As décadas de 50 e 60 foram de profundas transformações
nesses locais com a chegada de um contingente crescente de uma população
e das grandes estruturas que comporiam o futuro espaçoporto local.
Inúmeras casamatas, pistas de pouso, o gigantesco VAB (Vehycle
Assembling Building), refinarias e estocagem de combustíveis
líquidos e salas para controle de lançamento.
Após inúmeros ensaios em missões batizadas com uma
numeração subsequente, na série Apollo, o foguete Saturno V dominou
aquelas paisagens nos finais dos anos 60 e início dos anos 70. Olhar
aqueles 110 metros de altura do foguete que pesa mais de três mil
toneladas, preso à complexa torre vermelha, não é fácil acreditar que
aquilo fosse capaz de voar.
Seu corpanzil pintado em branco com detalhes em preto, era
na verdade, composto por oito segmentos, começando pelo 1° estágio e
terminando com a “torre de escape”, todos metodicamente planejados e
empilhados para uma batalha contra a gravidade terrestre, vencendo-a ao
fim, e arremessando um conjunto de máquinas capaz de atingir a Lua,
sustentando a vida de três astronautas.
Equilibrando-se num jato de gases inflamados, o 1° estágio
produzia um empuxo com cifra de difícil assimilação: por volta de 3
milhões e 400 mil quilogramas de empuxo! Mesmo
com essa força titânica, estamos no início da viagem e usando apenas o
mínimo para acelerar gradativamente o foguete a partir do repouso à uma
velocidade de 11 Km/segundo, como já prevista por Julio Verne em meados
do século 19.
Foguetes Saturno V: utilizados nas missões Apollo e no Skylab.
A viagem começa lenta: nos dez primeiros
segundos, o Saturno V (usado para enviar o homem à Lua e atualmente à
Estação Espacial Internacional) não sobe mais que sua própria altura e
parece uma estrutura que se equilibra com dificuldade. No entanto, está
queimando por volta de 14 toneladas de combustível por segundo. A Física
é implacável neste ponto: perdendo peso vertiginosamente e mantendo o
mesmo empuxo, sua aceleração só tende a aumentar. No interior do Módulo
de Comando, os astronautas ouvem um troar distante, mas intenso. Mesmo
gritando, dificilmente seu companheiro ao lado irá ouvi-lo.
Para se chegar a esse veículo foram necessários mais de 400
anos de tentativas e erros. Desde Leonardo da Vinci, Santos Dumont, os
irmãos Wright e muitos outros cientistas e entusiastas. Mencioná-los
todos seria impossível aqui. Todo esforço para levar uma pequena e
frágil peça – o Módulo lunar – até o hostil ambiente da Lua reunia uma
sinfonia de exigências para que todos os aparatos envolvidos
funcionassem perfeitamente. Como já foi escrito, “um mundo em miniatura,
recebendo da Terra um mínimo de assistência”.
Para citar algumas das empreiteiras que a Nasa envolveu na
construção dessa máquina complexa, a divisão espacial da North
American Rockweel Corporation (Califórnia); a Rocktdyne; a
Grunman Aircraft Enginnering Corporation; a Boeing Company; a
Divisão de Mísseis e Sistemas Espaciais da McDoanld Douglas Company;
a International Bussines Machines Corporation e muitas outras
empresas associadas a essas.
Fomos à Lua e retornamos de lá em um esforço gigantesco.
Mesmo assim, somos meros imitadores de Julio Verne que sem nenhum apoio
de Instituições semelhante às acima citadas, voou sozinho, em sua mente
genial, lançando três seres humanos em um obus lançado balística e
matematicamente em direção à Lua. Ao final, copiamos também sua técnica
de resgate dos astronautas, quando os aventureiros também são resgatados
no mar.
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*
Márcio Mendes
é físico, professor em Dois Córregos/SP, astrônomo amador
membro da
REA
(Rede Astronômica Observacional) e consultor de Astronomia para
Via Fanzine.
- Fotos:
Nasa/divulgação/da Obra de Julio Verne.
- Leia outros artigos
exclusivos do autor:
www.viafanzine.jor.br/mmendes.htm
- Produção:
Pepe Chaves.
Do Vale do Antílope ao solo lunar
PARTES:
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