Especial:
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Recuperando sua história: As várias faces da Pedra da Gávea - Por Carlos
Pérez Gomar
PARTES
01
02
03
04
Recuperando sua história:
As várias faces da Pedra da Gávea
Por
Carlos Pérez Gomar
PARTE 2
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À
esquerda, vemos marcas no alto do paredão que alguém poderá tomar por
inscrições, mas não são.
À
direita vemos uma falsa cabeça que afirmam alguns, assim teria sido a
Pedra da Gávea.
Esta
cabeça foi apenas uma peça sem base alguma, feita para o filme ”O
Diamante Cor- de- Rosa”,
no
entanto é divulgada na internet como se fosse um exemplo de arte
fenícia. Na realidade,
não
tem nada a ver com a Pedra da Gávea e muito menos com arte fenícia.
A Face e a Íbis
E aqui há vários
problemas. Predominando uma falsa versão, ainda que lendária da história
– se não propriamente do Brasil, ao menos, do Rio de janeiro - seria
uma obrigação dos cariocas saber a verdade sobre o que é de fato a Pedra
da Gávea. Quem fez aquela face? Porque ao que tudo indica, mesmo não
havendo inscrição, a face foi feita, com certeza.
E podemos fazer uma
afirmação provocativa. Se aquela face e a “Íbis” do Pão de Açúcar - na
verdade há uma silhueta de pássaro, mas daí a dizer que seja uma íbis é
exagero; ou seria condor? - e a face da Gávea teriam sido feitos por
mãos humanas. Seus escultores teriam sido os fundadores do sítio do Rio
de Janeiro, porque o balizaram por algum motivo. No mínimo porque foram
tocados pela sua imponência. E isto não é pouca coisa.
Fazer aquele trabalho
não é nenhuma insignificância. É uma injustiça histórica atribuir esse
trabalho a quem não o fez. Automaticamente, deixando no limbo os
verdadeiros autores deste trabalho sofrido e inspirado, quem sabe, em
que sentimentos profundos, pelos quais pagaram caro e foram esquecidos,
substituídos por histórias fantasiosas inventadas a partir de 1924.
Simplesmente lendas
É lamentável que até
montanhistas que já visitaram o local por várias vezes, mesmo assim, não
conseguem se libertar das coisas que continuam a ser repetidas: fenícios
ou erosão. Por uma questão de honestidade, é preciso sempre se
contestar.
Ressalta-se o exagero
com que a teosofia comparou a montanha com um touro alado da Assíria,
como o da ilustração abaixo. O símbolo do poder assírio, justamente, o
poder que ameaçava todas as cidades fenícias no século IX a.C. E os
fenícios ainda teriam se dado o trabalho de homenagear seus inimigos
(!?).
A montanha não tem os
detalhes que se vê na figura. Poderíamos ver apenas um, arremedo bruto
de um animal, com boa vontade que, inclusive, é admissível. Mas de
maneira alguma seria obra humana. Uma face, um portal, são coisas
realizáveis, mas esculpir uma montanha desse tamanho não tem nenhum
exemplo na história, simplesmente porque estaria fora de propósito. E,
muito menos, seria realizável por um povo emigrante que estava
enfrentando tremendas dificuldades no Oriente Médio.
No paredão oposto ao
das “inscrições” também há marcas na rocha, na mesma altura e, com
certeza, não são inscrições. Finalmente, poderia dizer que qualquer povo
mais desenvolvido e qualquer escultor razoavelmente inteligente,
procuram, antes de lavrar alguma coisa, aplainar razoavelmente a
superfície. Nada disso vemos na Pedra da Gávea.
O mistério da Pedra
da Gávea é justamente esse, não há escrita. E isso quer dizer muita
coisa. Porque há uma face, mas não há escrita. Quem a fez não tinha
escrita, ou não a usava. Por outro lado, até agora não foi achada
nenhuma peça ou trabalho mais sofisticado que esteja à altura do nível
de pedreiros fenícios do século IX a.C. Isso seria facilmente
identificável.
Na cópia que serviu
para a “tradução” foram anexados no meio de algumas “letras”, traços
horizontais que nunca existiram no paredão. Desta forma, forçando um
pouco, poder-se-ia “ler” muita coisa em idioma púnico. Só se veem
claramente buracos horizontais no início e do lado esquerdo.
Na verdade, existe
uma linha de desgaste que tangencia a parte superior de toda a primeira
linha de buracos e onde é mais profunda, dando a idéia de traços
horizontais.
Na cópia, primeiro
está a inscrição como a Comissão a viu, na segunda linha deram uma
“acertada” para poder ler melhor, na terceira linha está a transcrição
em hebraico, idioma que Bernardo Ramos conhecia um pouco. Na quarta
linha, a tradução admitida, que Invertendo se lê: “Tiro Fenícia Badzir
filho de Jethbaal”.
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Compare a “inscrição” com estes textos fenícios
autênticos.
Fica bem claro que a desordem que se vê na “inscrição do paredão”
não
corresponde à ordem que vemos nos textos fenícios. Será que ainda não
está suficientemente claro?
Fenícios no Rio?
Nessa transcrição há
coisas que não batem. Os fenícios nunca chamaram seu território de
Fenícia ou “Foenisian” como foi transcrito. A Fenícia nunca existiu como
país, eram cidades estados e a região se autodenominava País de Cannan.
A denominação “fenícios” foi usada pelos gregos para denominar os
habitantes dessas cidades. E os fenícios se diziam cananitas.
Badezir não tinha
esse nome. Uma das poucas referências conhecidas feitas a ele é a de
Flavio Josefo que, em sua “Historia dos Hebreus”, o chama de Baaldozor.
Provável origem do nome Baltazar. Este nome certamente é constituído de
duas palavras Baal (a divindade), e tzor (fortaleza). Flavio Josefo
também diz que ele reinou seis anos e morreu com 45 anos.
Por coincidência a
saída de cenário de Baaldozor coincide com a batalha de KarKar, onde
morreu seu cunhado, o rei Achab de Israel, que era casado com Jezabel,
irmã de Baaldozor. Flavio Josefo obteve esses dados através do escritor
Menandro de Éfeso, que os viu nos arquivos reais de Tiro, lá pelo ano
300 a.C.
Outra coisa que não
bate é que os fenícios não economizariam palavras para glorificar um
monumento gigantesco tão longe de seu país. Sim, porque a “inscrição” da
Gávea só tem cinco palavras. Finalmente, Baaldozor, estava metido até o
pescoço em problemas do Oriente Médio, sempre pressionado pelos
assírios, comandados por Salmanasar III. Ele e todos os outros reis da
região.
Ao admitir que ele
tenha vindo para o Brasil, estão dizendo indiretamente ele era um
covarde ou omisso. Uma vez que a sua cidade-estado passava por uma
situação aflitiva, porque todos os outros reis das outras cidades
cananeias lutaram e enfrentaram os assírios.
Na batalha de Karkar
havia pelo menos 12 reis formando uma coligação, segundo a versão
assíria, descrita na estela de Kurk. O nome de Baaldozor não consta
nessa estela, mas, supõe-se que alguns nomes não foram registrados ou
constam com outros nomes dados pelos assírios.
Também pode ter
acontecido que o contingente de Tiro estaria contabilizado com o grosso
da tropa que era constituído pelo exército do Reino de Israel, cujo rei
era seu cunhado. Inclusive, o nome do rei de Judá, Josafat, não aparece
na estela, e ele estava lá.
É evidente que o
“serviço secreto” de Salmanasar III não era muito eficiente e,
consequentemente, não tinha informações precisas sobre o inimigo que
estava enfrentando. Mas, na versão dele, para efeito de registro, usou o
nome de 12 reis, como sendo seus inimigos derrotados. Não se sabe
direito o resultado da batalha. Mas como em toda batalha todos perderam
um pouco.
Posteriormente, um
rei de Tiro teve que acabar fugindo dos assírios. E foi para Chipre, em 701 a.C.
Esse rei foi Luli, mas só viajou 200 km. Se Baaldozor tivesse vindo para
o Brasil, enfrentando uma viagem transoceânica de oito mil quilômetros,
Flavio Josefo e Menandro de Éfeso nunca saberiam quantos anos ele viveu.
No entanto, eles afirmam que viveu 45 anos e reinou seis, sucedendo-o no
trono, Mattan, ou Mettenos, seu filho.
Tampouco, seria
verdadeira a versão de que houve uma revolta contra Baaldozor e foi
instaurada outra forma de governo, porque nesse caso, seu filho,
provavelmente, não o teria sucedido. E nem teria havido mais reis em
Tiro. No entanto, houve reis até a tomada da cidade por Alexandre em 331
a.C., quando Alexandre só poupou alguns habitantes idosos e nomeou como
rei, a um mendigo vendedor de água de nome Abdalonimo.
Por respeito a um
homem que não conheci e cujo nome foi usado indevidamente, prefiro ficar
com a possibilidade de que ele tenha sido morto ou ferido seriamente na batalha de Karkar, ao
lado de Achab, defendendo sua terra. A única coisa honorável que poderia
fazer e, por isso, seu reinado terminou em 853 a.C., igualmente ao
reinado de Achab.
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Touro alado assírio
Versão da Sociedade Teosófica
A versão da Sociedade
Teosófica acaba sendo desonrosa para sua memória. Na versão da Teosofia,
Badezir ou Baaldozor teria vindo ao Brasil em grande missão espiritual.
Isso não tem nenhum fundamento lógico. Para quem conhece algo da Bíblia
sabe que Jezabel, Irmã de Badezir, não era muito sofisticada
espiritualmente, se comparada com os espiritualistas e místicos de nossa
época.
Os dois eram filhos
de Ithobaal ou Jetball, um sacerdote de Astarté que havia tomado o trono
ao assassinar o rei Phales. Eles foram criados assistindo a sacrifícios
de crianças nas chamas dos templos. Que grande missão espiritual eles
poderiam desenvolver por aqui?
Eram pessoas de outra
cultura e outro tipo de espiritualidade, que não podem ser julgados por
nossos conceitos atuais.
Na verdade, toda a
família, desde Achab, Jezabel, Badezir (Baaldozor) e mais alguns, não
estão bem conceituados na Bíblia e não se entende bem como
“espiritualistas” dos nossos dias que, nitidamente, tiveram formação
religiosa cristã, teriam ido procurar raízes ali.
Poderia ser uma
contestação, considerando que tanto a maçonaria, como a teosofia, tem
pontos de atrito com a religião católica. E, assim como a maçonaria tem
Hiram Abiff (arquiteto fenício que, segundo a lenda, construiu o templo
de Salomão) como seu patrono, a Sociedade Teosofia teria procurado Baaldozor como
patrono lendário. Na versão da teosofia, Badezir deu origem ao nome
Brasil. Isso seria outra justificativa. Mas, é claro que essa afirmação
não tem base nenhuma.
Não tem muita lógica
usar Badezir como fundamento de uma sociedade mística de nossos dias. E,
muito menos, pretender enterrá-lo na Pedra da Gávea como se pretendeu,
ao menos, numa lenda. Esta lenda não é lenda de verdade, porque não
remonta a nenhuma tradição muito antiga, mas sim, a 1924.
Houve quem chegou a dizer que Badezir
teria sido cremado na Pedra da Gávea (!). Os fenícios não usavam a
cremação a não ser para os sacrifícios de crianças e animais, reis
eram enterrados em sarcófagos, tal como o costume egípcio.
Eventualmente, havia uma cremação, mas era
uma rara exceção. Alguém também disse que os fenícios eram imberbes (!).
E, então, por que colocariam uma barba
enorme na face da Gávea?
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PARTES - e
subtítulos
01 - Introdução /
Lendas em torno da Pedra da Gávea / A 'inscrição' e a tradução
02 - A Face e a Íbis
/ Simplesmente lendas / Fenícios no Rio / Versão da Sociedade Teosófica
03 -
Estórias e fatos / Faces na pedra / Ponte pênsil
04 -
O
Portal e as peculiaridades / ‘Íbis’ do Pão de Açúcar
- Textos e fotos:
Carlos Pérez Gomar
- Produção: Pepe Chaves
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