Especial:
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Recuperando sua história: As várias faces da Pedra da Gávea - Por Carlos
Pérez Gomar
PARTES
01
02
03
04
Recuperando sua história:
As várias faces da Pedra da Gávea
Por
Carlos Pérez Gomar
PARTE 1
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Eis
como se apresenta a chamada inscrição no paredão leste, constituída
basicamente de buracos predominantemente verticais. Note-se que, embaixo
há uma segunda linha de buracos. Essa ninguém quis traduzir? E se
quiserem, existe uma meia linha mais, em terceira posição. Perceba-se
que mais embaixo seguem caneluras verticais, isto quer dizer que todas
estas marcas fazem parte do mesmo processo erosivo. Estes buracos são de
diversas profundidades e com muitas bordas onduladas, portanto, difícil
de definir onde começa ou acaba a ”letra”. Observe-se também que a
”inscrição” vai subindo para a direita.
Introdução
A intenção deste
texto é arejar um pouco o clima em torno do enigma da Pedra da Gávea, na
cidade do Rio de Janeiro, especulando discretamente sobre alguns
aspectos e procurando indicar outros caminhos. Evidentemente, sem as
visões delirantes sobre o assunto.
O problema sobre a
incógnita da Pedra da Gávea está mal explicado faz muito tempo. Em
parte, por falta de pesquisa bibliográfica e de campo. Faço estas
análises e observações porque tenho certeza de que, recuperando e
desmistificando a história irresponsável que se conta sobre esta
montanha, será mais fácil ajudar na sua preservação como patrimônio
paisagístico, monumental e histórico.
E o que aconteceu até
agora foi apenas sua desmoralização e uso comercial. As próprias
tentativas de preservação até agora não trouxeram muitos resultados.
Queiram ou não, esta montanha é um dos maiores monumentos do Rio de
Janeiro. E não tem tido a atenção que seria merecida, pois foi usada de
maneira desconsiderada para fazer sensacionalismo. O que lançou sobre o
assunto um clima de falta de seriedade.
Para confundir mais
as coisas há vários elementos que, se analisados separadamente, podem
ser falsos ou verdadeiros. Mas, quando associados formam um quadro que
suscita muitas versões. É preciso, portanto, analisar individualmente
cada um para se chegar a alguma hipótese que possa indicar caminhos de
pesquisa e, eventualmente, relacioná-los entre si.
No local, temos uma
aparente inscrição; um possível portal monumental e, com certeza, uma
face esculpida numa gigantesca cabeça de pedra. Além disso, temos também
alguns outros detalhes que não vou abordar aqui para não ampliar demais
o enfoque. É preciso separar as coisas, pois, se um elemento
não é verdadeiro, isso não implica em que os outros sejam também falsos.
Lendas em torno da Pedra da Gávea
Ao longo dos anos foi
feita uma salada com o assunto, na qual, já não se distingue mais o que
é fato real; o que tem algum valor para pesquisa; e o que foi inventado
por pura irresponsabilidade, sensacionalismo ou interesses.
Quem acha que todos
os elementos são apenas frutos da erosão, não precisa pensar mais,
porque sempre vai prevalecer essa ideia, principalmente, para quem não
conhece o local. Com certeza, não há o que discutir com quem pensa
assim, pois, mesmo conhecendo o local é difícil entendê-lo.
A maioria das pessoas
não se interessa por pesquisas, pois prefere versões sensacionalistas e
sem bases. Consequentemente, para muitos, o fato de se pesquisar a Pedra
da Gávea é um assunto irrelevante ou até inconveniente.
Durante muitos anos
estive mastigando a versão dos fenícios na Pedra da Gávea, sem poder
engolir, porque, quando cheguei conhecer um pouco a cultura púnica
percebi que não era a versão apropriada. Posso assegurar que a maioria
dos sites na internet está difundindo histórias fantasiosas e sem
fundamento como sendo um verdadeiro folclore do Rio de Janeiro.
O pior é que, um site
repete o que o outro publica, inclusive, com erros em datas e outras
informações básicas. Pior ainda, são os relatos fantasiosos e exagerados
de aviões e pessoas desaparecidas no local. E temos ainda os que,
descaradamente, apontam o local como base de discos voadores, sem nenhum
compromisso com a lógica, e outras hipóteses sem fundamento algum. Ou
então, atribuem tudo a uma “Solução Atlântida” que, em conjunto com os
extraterrestres, explicaria o inexplicável, explorando a fantasia, o
sensacionalismo e deformando ainda mais o imaginário carioca. Sepultando
assim, cada vez mais, uma apreciação sóbria do que possa ter acontecido
nesse local.
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Esta é a cópia da inscrição, segundo a visão de binóculos feita pela
Comissão, em 1833; sim, porque
só
é possível “lê-la” de binóculos. Os fenícios não tinham binóculos,
portanto nunca fariam uma inscrição,
ilegível à distância, e só perceptível em baixo, apesar de as marcas ter
aproximadamente três metros de altura.
A ‘inscrição’ e a tradução
Não teria nenhuma
lógica fazer uma inscrição torta, porque para fazer qualquer trabalho de
desgaste da rocha ali teria que se utilizar um andaime, ou pênsil, ou
escorado no chão. Naquela altura do paredão, teria que se usar pênsil,
mas um andaime pênsil inclinado não teria sentido, seria irracional.
Mas para quem ainda
tiver dúvidas, vá até lá. Do lado esquerdo, descendo para a Gruta da
Orelha, poderá ver alguns detalhes desses buracos. E não tenha medo de
não ser um erudito em línguas mortas, use apenas seu bom senso.
Se alguém pretende
achar vestígios fenícios no Brasil, primeiramente tem que parar de
aceitar histórias da carochinha como verdades. A história das ânforas
achadas na Baía de Guanabara foi uma delas, que continua a ser
divulgada. Havia ânforas, sim, mas eram modernas. Se havia ânforas quase
certamente haveria um navio, e onde está o navio? Ou vieram voando?
Porque essa “pesquisa” não continuou?
Esta cópia da
“inscrição” com certeza vem desde a antiga fazenda São José da Alagoinha
da Gávea, a atual Villa Riso. A fazenda já se relacionava com o governo
e instituições oficiais desde longa data e, posteriormente, passou à
propriedade do conselheiro Ferreira Vianna.
Esta foi a cópia que
Bernardo de Azevedo da Silva Ramos usou para fazer sua tradução, sem, no
entanto, nunca ter chegado perto do paredão das inscrições. Sua
“tradução” foi feita em 1928, ou seja, 95 anos depois, baseando-se numa
interpretação feita sem precisão alguma, como se pode ver claramente
comparando a foto com a cópia.
Coincidentemente,
quatro anos antes o professor Henrique José de Souza fundou a Daharana,
a primeira loja Teosófica, em 1924. E, então, quatro anos depois,
Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, então com 70 anos, fez a dita
tradução.
Parece - e tenho
quase certeza - que os dois fatos têm alguma relação. Inclusive, o
professor Souza chegou a modificar a tradução de Bernardo Ramos, dizendo
que Jetball era o filho de Badezir (e não ao contrário) e que este tinha
uma irmã gêmea chamada Jetbal-bel. É claro que na falta de base para
criar estas lendas, usaram o que tinha a mão: a Bíblia. E como sabiam
que existiu uma irmã de Badezir chamada Jezabel, casada com o rei Achab
de Israel, possivelmente, completaram o nome.
Como pode o professor
Henrique Jose de Souza pretender melhorar e corrigir a fantasiosa
tradução de Bernardo de Azevedo da Silva Ramos?
Está claro que havia
um objetivo a ser atingido a todo custo. Usaram a montanha em beneficio
próprio pela primeira vez. Pelo menos, é o que parece.
Compare as inscrições
verídicas fenícias com os buracos da chamada “Inscrição da Gávea”. Para
quem acha que algum pedreiro fenício fez esta inscrição na Pedra da
Gávea, diria que esse pedreiro e seu supervisor não deviam ser muito
versados em lavratura de pedra, nem deviam saber fazer um andaime reto.
Aquilo nunca foi nem poderia ter sido um trabalho de fenícios do século
IX a.C. Quem assim mesmo acha que os fenícios fizeram uma inscrição,
conhece muito pouco dos fenícios e isto é regra quase geral na
população.
Portanto, qualquer
história que fosse contada sobre a Pedra da Gávea seria engolida
facilmente pela maioria do público. E se essa versão viesse apoiada em
um pesquisador conhecido, além de apoiada e encomendada por uma seita
mística e espiritualista como a Sociedade Teosófica Brasileira - como
foi -, a aceitação seria quase total, ao menos junto à população menos
instruída.
Foi isso o que
aconteceu. E agora, o Rio de Janeiro tem uma lenda importada para contar
um fato que, provavelmente, terá raízes puramente sul-americanas.
Anos atrás, discordar
dessa versão seria como contestar a Bíblia e, ainda mais, se por trás do
assunto estavam dois nomes respeitados. Mas todos podem errar. Já é
tempo de procurar outras versões para esta montanha. Na verdade, esta
versão nunca convenceu nenhum pesquisador científico sério, nem a
ciência oficial. Pior, contribuiu para dar um clima de chacota ao local.
O que, no mínimo, é uma infâmia. Repetir essas versões na internet é um
mau serviço que se faz.
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PARTES - e
subtítulos
01 - Introdução /
Lendas em torno da Pedra da Gávea / A 'inscrição' e a tradução
02 - A Face e a Íbis
/ Simplesmente lendas / Fenícios no Rio / Versão da Sociedade Teosófica
03 -
Estórias e fatos / Faces na pedra / Ponte pênsil
04 -
O
Portal e as peculiaridades / ‘Íbis’ do Pão de Açúcar
- Textos e fotos:
Carlos Pérez Gomar
- Produção: Pepe Chaves
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