|
HOME |ARTICULISTAS| BIGIO | BLOG ZINE | EDITORIAL | ENTREVISTAS | ITAÚNA| J.A. FONSECA | PEPE MUSIC | UFOVIA | ZINE ZONE
entrevistas:
LEIA TAMBÉM NESTA PÁGINA:
Entrevista com o professor Sérgio Mattos
Entrevista com a artista plástica Corina Helene
Entrevista: José João Bosco Pereira Professor de literatura, membro da Academia Divinopolitana de Letras e pesquisador da obra de João Guimarães Rosa.
Por Manoel Amaral* De Divinópolis-MG Para Via Fanzine
100 anos de João Guimarães Rosa (1908-2008).
José João Bosco Pereira é natural de Alfenas, cursou Letras na UFSJ, em São João Del-Rei em 1995. Estudou filosofia e teologia em Juiz de Fora (1981-86). Em 2003, fez o Lato Sensu em Educação Especial na UFLA, em Lavras. Ensinou Língua Portuguesa em Alfenas, Uberaba, Belo Horizonte e Divinópolis. Lecionou Comunicação e Expressão na UNA-BH (1999-2001). Hoje, trabalha no Setor de Pesquisa da Biblioteca Pública Municipal “Ataliba Lago” de Divinópolis-MG. Publicou nesta mesma biblioteca sua primeira obra Momentos Poéticos, em 24 de outubro de 2006. No prelo, estão E Divinópolis se fez poesia (trovas), Virtudes Para O Homem Do Século XXI (poemas), O Faquir (romance), A Vida de São Miguel Do Cajuru Segundo Nhozinho Da Dona Rola, Sebastião Pereira e Vida de Padre Miguel de Cajuru (memórias). É pesquisador da obra de João Guimarães Rosa, a qual ele trata com exclusividade na presente entrevista.
Via Fanzine: Como Guimarães Rosa pode ser visto, frente os desafios do mundo? José João Bosco Pereira: Havia uma religiosidade e filosofia, bem particular de Guimarães Rosa, que incluía uma aceitação ao misticismo e esoterismo, uma espécie de animismo primitivista – bem a gosto do modernismo brasileiro. Ele dizia ter sido um jacaré dos nossos rios e tudo guardou para revelar depois. Parece-me que foi muito feliz com tudo isso, porque soube aproveitar o jeito mineiro de ruminar pensamentos e se rebelar contra injustiças. Na Antologia poética completa dele, há uma interessante entrevista que deixa claro como alia o erudicismo com a religiosidade, que defende como escritor e pensador das Gerais.
VF: Como transformou “A hora e vez de Augusto Matraga” em “Grande Sertão: Veredas”? JJBP: Veio como uma oportuna intuição, depois de muitos anos de leituras e reflexões sobre como construir uma obra exemplar tanto quanto Goethe, Torquato Tasso, Machado de Assis, Fernando Pessoa, etc. O conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga foi transformado depois no romance imortal de Grande Sertão: Veredas. Na Antologia de GR existe uma explicação mais profunda para tudo isso. Aconselho ao leitor retomar essa leitura.
VF: Minas são muitas. Como Rosa vê essa afirmação? JJBP: Como vocês sabem, GR se destacou pelo senso agudo da observação do cenário e a vida da fauna e flora de Minas, em especial do Cerrado mineiro. Ele viajava o cerrado, próximo de Codisburgo-MG, com uma caderneta de bolso, fazendo anotações e esboços de desenhos sobre buritis, animais, outras particularidades de crença, costumes e nomes diversos de pessoas e lugares. Isso foi a matéria—prima para construir Sagarana e outros contos.
VF: Qual o lugar e alcance de sua obra no bojo da literatura nacional e internacional? JJBP: Penso que GR tornou-se um gênio e com linguagem e mundo literários próprios. Sua obra está entre tantas outras, pela sua envergadura, criatividade e ousadia. Houve significativa contribuição quanto a temas regionais e universais, em especial: a questão do mal, a injustiça, as crises do homem-mulher no mundo, o filosofar dos oprimidos, a beleza e os paradoxos da vida em comunidade, o mistério da vida dentro da consciência humana e a ilogicidade da máquina do mundo, além de uma reflexão do fazer literário especifico e sua orientação do que seja obra e sua critica antropológica e sociológica das desigualdades sociais e culturais. Embora não gostasse de políticos e de falar em política, existe na Antologia de sua obra verdadeira crítica à política e ao fazer político.
VF: Guimarães Rosa foi poeta? JJBP: Sim, e que poeta. Tinha uma sensibilidade incrível diante da vida de Minas e seu povo e suas crenças. Em O burro e o boi no presépio, ele esbanja talento poético e sua lírica contempla o místico em belo texto.
Rosa acende um pito no tição.
VF: O que se propõe o livro Ave, palavra? JJBP: Propõe vários contos, poemas, reportagens, discursos... É miscelânea póstuma, retomando 1947-67. O poema Ainda coisas da poesia está sua motivação: "...a poesia devia ser um meio de restituir o mundo ao seu estado de fluidez, anterior, exemplar". E a linguagem, essa sua anfitriã desde a meninice –falava mais de oito línguas, é recriada a cada verso e página. Essa é a mineirice, mineiridade, o mineirez, mineirismo presente sempre... Sabe, GR sabia sadiamente onde ancorar sua poética. Até o esperanto estava ali presente. Não falta o linguajar do sertão, do sertanejo... Do mineiro. Há outra crônica como o conto Minas Gerais, retirado da revista Manchete (24/08/57), que faz uma salada literária maviosa, com costumes e culinária mineira: "Se são tantas Minas, porém, e contudo uma... Minas capioa, do angu, do franco com quiabo, do queijo, do tutu..." (p. 250). Isso justifica porque Rosa era especial, é único, é gênio na nossa literatura: "...A linguagem e a vida são uma coisa só".
VF: Como é mesmo aquela entrevista de Rosa ao Günter Lorenz em 1965? JJBP: É linda assim: "Às vezes, quase acredito que eu mesmo, João, seja um conto contado por mim. Gostaria de ser um crocodilo vivendo no Rio São Francisco. Ele vem ao mundo vivendo como um magister da metafísica, pois para ele cada rio lê um oceano, um mar de sabedoria, mesmo que chegue a ater cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície, são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens. Amo ainda uma coisa dos nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, o rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade".
VF: Conte-nos um pouco da biografia de Rosa. JJBP: Ele nasceu em 27 de junho de 1908. Em 1918, estudava no Colégio Arnaldo de Belo Horizonte. Fez medicina. Participou como oficial-médico da Revolução constitucional de 1932. Em 1936, "Magma", seu primeiro livro, recebe prêmio. De 1938 a 1946, com apoio de seu amigo João Conde lança Sagarana. Em 1948 foi médico e diplomata. Em 1951, chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura. Em 1956, escreve Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile. Em 1962, lança Primeiras Estórias. Em 1967 lança Tutaméia (Terceiras Estórias). E em 19 de novembro de 1967, morre, depois de tomar posse da Academia Brasileira de Letras. Ele tomou posse no dia 16 de novembro, três dias antes. E dizia : "As pessoas não morrem; ficam encantadas". Morreu de enfarte. De 1969 a 1970 a Livraria José Olímpio Editora lançou dois livros póstumos: Estas Histórias e Ave, Palavra.
VF: Quantas de suas estórias foram transformadas em filmes? JJBP: Oito estórias foram transformadas em filmes: Grande Sertão: Veredas em 1963 [depois, novela pela Rede Globo], de Renato e Geraldo Santos Pereira; A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos em 1966; Sagarana, o Duelo, de Paulo Thiago em 1972; Noites do Sertão, de Carlos Alberto Prates Corrêa em 1984; A Terceira Margem do Rio, de Nelson Pereira dos Santos, em 1994; Outras Histórias, de Pedro Bial, em 1999 e, recentemente, em 2007, Mutum, de Sandra Kogut e Aboio, de Marília Rocha.
- Literatura recomendada: O Mundo do sertão para o mundo (artigo de Eliziane Lara).
* Manoel Amaral é pós-graduado em Direito Público, escritor, pesquisador, autor do livro "História de São Gonçalo do Pará" e cinco obras (ebooks) de interesse de Prefeituras e Câmaras Municipais, residente em Divinópolis-MG. Escreve em sua página na internet no seguinte endereço: http://osvandir.blogspot.com/.
- Contato com José João Bosco Pereira: joseboscolpp@bol.com.br
- Fotos: Divulgação.
- Produção: Pepe Chaves. © Copyright 2004-2008, Pepe Arte Viva Ltda.
|
* * *
Exclusivo: Entrevista com Corina Helene Artista Plástica. Por Pepe CHAVES* Via Internet Goiânia-GO/Itaúna-MG
Corina e uma de suas pinturas.
Corina Helene Schmidt é natural de Itaúna–MG e por diversos anos reside em Goiânia-GO. É artista plástica e já produziu centenas de obras ao longo de sua carreira, sendo destaque nos principais veículos da imprensa de Goiás. Trabalha também como professora de artes em seu atelier, onde ensina técnicas de desenho e pintura. Sua produção artística atual é bastante variada em termos de estilo, mas fica patente em seus trabalhos, o domínio das escalas de cor, das curvas e traços muito bem delineados, além de uma manifestação da vida: animais, o reino vegetal, paisagens e seres humanos. Contudo, reproduz também com mestria, paisagens de natureza morta. Em alguns de seus trabalhos, a artista mescla com classe, o figurativo acadêmico com uma espécie de neo-surrealismo, não deixando de usar também de abstração para compor suas texturas. Nesta entrevista, ela nos fala um pouco de sua profissão como artista plástica, dos trabalhos que já produziu e de seus atuais contatos com a terra natal.
Corina Helene: Sempre me interessei por desenho e pintura e também por publicações desse gênero. Gostava de desenhar nos meus tempos de colégio, mas nunca passou disso. Foi então que conheci, aqui em Goiânia, uma escola que oferecia um curso com técnicas da pintura clássica. Com um bom professor de formação acadêmica aprendi a técnica da pintura a óleo e do desenho.
Corina Helene: A pintura clássica é sem dúvida a minha maior referência. Não só pela formação que tive, mas desde sempre, pela maneira como me encantou e encanta, principalmente pela representação racional do espaço tridimensional e a beleza da iluminação. Sendo assim nomes como Michelangelo, Rafael, Leonardo da Vinci estão no topo da lista entre os artistas que mais admiro; eles são os grandes mestres. Mas, a lista se estende por muitos outros nomes: sou apaixonada pelas camponesas de Eugene Blaas, as crianças de Willian Bouguereau.Também os trabalhos de Johannes Vermeer, Jacques Louis David e o surrealismo de Salvador Dali.
Corina Helene: Apesar de ter trabalhado com parafina nos “Vasos Gregos” - série esta que pretendo dar continuidade -, hoje o que mais tenho feito é o óleo sobre tela. Gosto muito de efeitos aquarelados, onde busco trabalhar em camadas finas e transparentes. Normalmente não fujo ao realismo, mas me permito alguns vôos no modernismo, desde que embasados na técnica e, com certeza, estes não são os trabalhos que mais aprecio.
Desenho em grafite
Corina Helene: É difícil precisar tudo que já fiz desde desenhos a pinturas. Muitos trabalhos não foram fotografados e já não estão mais comigo, então com o tempo foram até esquecidos. Hoje procuro fotografar tudo para que isto não aconteça mais. Tenho dois quadros que são parte da Exposição Internacional Itinerante “Arte pela Paz”. Estes quadros se encontram hoje na Alemanha e a idéia é que esta exposição acompanhe as competições dos columbófilos. O retrato indígena foi presenteado ao Exmo. senhor Embaixador da Alemanha Uwe Kaestner, em 2003. Possivelmente, ainda está em seu poder ou então na embaixada da Alemanha em Brasília.
Corina Helene: Goiânia tem um mercado muito voltado para o modernismo. Aqui é a casa de Siron Franco e M. Cavalcanti. São artistas dentre outros conhecidos e admirados principalmente em Goiás. Quem procura por investimentos em arte com razão dá preferência a nomes já consagrados.
Onça pintada - óleo.
Corina Helene: Não é bem uma preferência... Por incrível que pareça prefiro trabalhar com figuras humanas. Mas, em Goiás valoriza-se muito o Cerrado e as coisas da Terra, então tenho pintado mais para atender a estas pequenas mostras que acontecem por aqui. A exposição “Paixão do Cerrado” – idealizada pelo Comciência – é bem antiga e é ainda a mais requisitada. Há também a exposição “Florestas Protegidas” e “As Árvores Falam”, ambas voltadas para a questão do desmatamento.
Corina Helene: Trabalhando com arte aprendemos todos os dias e muitas vezes são os alunos que nos ensinam. Apenas tento passar às pessoas um pouco da técnica que aprendi. Esta vivência de atelier, a troca de idéias e a vontade das pessoas de fazer coisas novas me faz crescer, pois tenho que estudar para atender às expectativas de cada um. Por isto tudo você pode ver que nossas aulas são feitas de trocas. Eu entro apenas com o embasamento técnico na construção da forma, na aplicação da tinta e das cores certas, mas a criatividade é toda dos alunos.
Corina Helene: Na minha infância sempre gostei de desenhar e colorir, talvez por influência de um tio, também desenhista e pintor. Já no colégio, meus cartazes para os eventos tinham sempre uma ilustração. Lembro-me de uma mostra de retratos feitos em grafite realizada no Colégio Sant’Ana que me encantou. Pela primeira vez tive vontade de fazer um retrato. Sem nenhuma técnica, copiei a foto de um rosto de bebê de uma revista. Até onde me lembro o resultado me agradou bastante, mas não fui muito além disso, o tempo passou e eu acabei não fazendo muita coisa mais.
Profusão de cores e formas de um fundo de mar - óleo.
VF:
O que a senhora acha que poderia ser feito pelos poderes públicos, em
todas as esferas governamentais, no sentido de popularizar as artes junto às
populações mais carentes?
Corina Helene: Como professora espero estar sempre pronta a atender as necessidades de meus alunos. Quero crescer com eles, promover exposições e dar a todos a chance de mostrar o seu trabalho. Isto já acontece pelo site www.corina.nom.br, onde cada um tem a sua página. Como artista, quero aprender mais para apresentar trabalhos cada vez mais qualitativos. Quem sabe, para o futuro eu promova uma exposição individual...
Da série de pinturas em ovos de avestruzes.
Corina Helene: O Marcos sempre foi o meu maior incentivador. Com certeza, sem o apoio dele e da minha família não poderia ter me dedicado da forma como me dediquei, principalmente no início do meu curso. Por vezes, fiquei dias inteiros e boa parte de muitas noites me dedicando a algum trabalho, sacrificando assim, o convívio com todos. Nunca reclamaram de nada e sempre me ajudaram, seja na visualização de algum possível erro ou dando idéias. A eles, o meu eterno agradecimento.
Corina Helene: Procurem uma boa escola que tenha professores com uma boa formação. Se o seu interesse é pelo moderno, pelo clássico ou qualquer outro estilo, isto não importa, desde que seu procedimento esteja embasado no conhecimento e na técnica. Lembre-se que até para “desconstruir” é preciso saber primeiro construir.
VF: Parabéns por seu talento e pela primazia de seus trabalhos. Desejamos sucesso constante e pedimos para nos deixar suas considerações finais. Corina Helene: Agradeço a você, Pepe, por esta oportunidade e pelos elogios carinhosos. A verdade é que tudo isto ainda é muito novo para mim. Quando comecei a pintar, a idéia era de que seria apenas para minha realização pessoal, assim como um hobby. É gratificante ver que o meu trabalho agrada e é bem vindo. Para mim, receber este reconhecimento de Itaúna, que é minha terra natal, só me traz alegria. Para todos que me elogiaram e mandaram palavras de incentivo, deixo o meu agradecimento. Espero que o meu trabalho continue agradando e sendo bem recebido por vocês.
- Para conhecer mais dos trabalhos de Corina Helene, visite os sites: www.corina.helene.nom.br e ubbibr.fotolog.com/lacel
- Contato: corinahelene@hotmail.com
- Fotos: Divulgação.
- Produção: Pepe Chaves. © Copyright 2004-2007, Pepe Arte Viva Ltda.
* * *
Exclusivo: Entrevista com Sérgio Mattos Professor, jornalista e escritor. Por Pepe CHAVES* Via Internet Salvador-BA/Itaúna-MG
Prof. Sérgio Mattos: 'A indiferença é uma forma de censura tão eficaz quanto o assassinato, que, na visão de George Bernard Shaw, 'é a forma extrema de censura'.'
A entrevista:
Via Fanzine - Professor Mattos, o que lhe motivou a escrever o seu último livro Mídia Controlada - A História da Censura no Brasil e Mundo (Editora Paulus, 2005)? Sérgio Mattos – Na verdade, minhas pesquisas e livros giram em torno dos veículos de comunicação, principalmente a Televisão, e tudo que historicamente lhe dizem respeito. A censura sempre esteve presente na historia da comunicação e dos veículos. No caso específico, este livro “Mídia Controlada”, evoluiu com base em dois textos que preparei e apresentei durante o V e o VI Ciclos de Estudos de Estratégia da Escola de Comando e estado-Maior do Exército (ECEME), apresentados respectivamente no dia 3 de junho de 1991 e 18 de maio de 1982, no Rio de Janeiro. A partir dos dois textos continuei minhas pesquisas e neste livro desenvolvo algumas observações com o objetivo de contribuir para a análise de alguns ângulos das relações entre o Estado e os meios de comunicação. Neste livro analiso o impacto de governos em veículos de comunicação de massa, discutindo os principais meios pelos quais o Estado tem historicamente influenciado e controlado os veículos de comunicação. Descrevo e contextualizo a história da censura no mundo e no Brasil, além de considerar a censura exercida em períodos de conflitos armados. Pontuo também as novas formas sutis de censura que estão sendo impostas aos veículos de comunicação em particular e à sociedade em geral.
Via Fanzine - E como era tratada a Comunicação no Brasil nos tempos da ditadura? Sérgio Mattos - No Brasil, a censura foi um legado da colonização. Ela sempre esteve com a gente desde o início. Mas, durante o período de 1964 a 1985 os governos militares aplicaram vários tipos de pressão econômica aos meios de comunicação e massa. Como instrumentos de pressão econômica podemos citar: concessão da publicidade oficial para este ou aquele veiculo; exercício de pressões oficiais sobre o anunciante privado, forçando-o a conceder anúncios ou deixar de veiculá-los em jornais não-simpáticos ao governo, ou induzindo-o a concentrar suas publicações em veículos que estivessem apoiando suas decisões políticas. Além da censura política e econômica a ditadura também exerceu a censura policial contras os veículos de comunicação e contra jornalistas e intelectuais de um modo geral. A institucionalização da censura federal teve inicio no país com a lei 4.483, sancionada em 16 de novembro de 1964 e regulamentada pelo decreto 56.510, de 28 de junho de 1965. Observe-se que os Atos institucionais baixados pelo regime militar foram instrumentos fortíssimos de censura, principalmente o AI-5. Com a edição do Ato Institucional nº 5, no dia 13 de dezembro de 1968, a censura passou a ser exercida com toda a força no Brasil. Nos dias seguintes à edição do AI-5 foram feitas mais de 200 prisões de jornalistas, políticos, artistas, professores e religiosos. A Censura aos veículos de comunicação, principalmente a televisão, durante o regime militar, além de facilitar a manipulação da opinião publica, limitou o crescimento da produção do próprio veiculo, castrou a criatividade e incentivou a autocensura, que passou a ser adotada pelas próprias emissoras, que constituíram seus departamentos de autocensura ou de controle de qualidade. Durante o governo Médici (1969-1974) inúmeras pressões foram exercidas sobre as emissoras de televisão mediante punições com multas e até suspensão de alguns programas, como medida corretiva. A censura nesse período era efetuada mediante lacônicos e secos bilhetes dirigidos às redações dos veículos de comunicação ou por meio de telefonemas dirigidos aos editores. A censura entre 1968 e 1978 utilizou muito “bilhetes” de proibição. O último deles, que foi encaminhado aos jornais em novembro de 1978, censurava a divulgação de notícias sobre o general Hugo Abreu, que liderava um grupo de militares dissidentes. Entre os inúmeros bilhetes de caráter nacional ou regional, sobre todo e qualquer assunto, visavam proibir as ações e declarações provenientes da Igreja Católica e de seus membros. Nessa época, o papa, bispos e padres foram censurados por meio de ofícios, circulares, bilhetes xerografados ou transmitidos por telex.
'Alguns veículos, que adotaram uma postura amigável e de sustentação às ações governamentais, têm-se beneficiado de empréstimos, subsídios, isenção de impostos, além de receberem publicidade oficial. Outros, que têm assumido postura crítica perante as políticas governamentais, não têm recebido o mesmo tratamento'
Via Fanzine - Quais foram as mudanças mais significativas que surgiram após a ditadura? Sérgio Mattos – Após a ditadura o que acabou foi a forma de Censura Policial. Os outros instrumentos de controle continuaram e continuam sendo praticados. Podemos afirmar que as pressões políticas e econômicas, em conjunto com a censura, exerceram e continuam a exercer grande influência no desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no Brasil. Alguns veículos, que adotaram uma postura amigável e de sustentação às ações governamentais, têm-se beneficiado de empréstimos, subsídios, isenção de impostos, além de receberem publicidade oficial. Outros, que têm assumido postura crítica perante as políticas governamentais, não têm recebido o mesmo tratamento. Exatamente por isso não podemos perder a noção de que a censura também pode ser motivada indiretamente. Ela pode induzir a autocensura, estimulando um sentimento de compromisso político que gera o medo de contar a verdade. A censura é um instrumento por meio do qual se pode manipular a realidade. Entretanto, deve-se registrar que apesar das crises e tentativas de controlar a mídia por meios econômicos ou policiais, ou pela falta de ética tanto do profissional como do veículo, nunca conseguiram impedir a existência de profissionais, tanto aqui como em qualquer lugar do mundo, que conseguem resistir às pressões, revitalizando a função social e crítica da imprensa, que contribui diretamente para a conscientização da população e para o livre exercício da cidadania.
Via Fanzine - Para o senhor, até que ponto os interesses econômicos externos investem e influenciam nos grandes veículos da mídia brasileira? Sérgio Mattos - Houve uma época em que os grandes proprietários da mídia norte-americana pensavam que deveriam adquirir veículos de comunicação para exercerem suas influências. Depois, a partir dos anos 70 do século passado, descobriram que para controlar os veículos, principalmente do terceiro mundo, bastava controlar as fontes de produção e distribuição dos conteúdos de mídia e controlar as verbas publicitárias. Mais recentemente começaram a se tornar comum a prática das fusões entre grandes corporações da mídia mundial (produtores, distribuidores e transmissores/veículos de informações). Esta moda ainda não chegou ao Brasil, mas devido às dificuldades financeiras enfrentadas nos últimos 10 anos, os proprietários de mídia do Brasil conseguiram a aprovação de uma lei que permite a participação acionária do capital estrangeiro na mídia impressa. Algumas empresas de mídia brasileira já contam com esta participação. Em julho de 2004, por exemplo, a Editora Abril vendeu uma parcela de 13,8% para o grupo americano Capital Group, num acordo estimado em 50 milhões de dólares, abrindo perspectivas para outros grupos. Esse foi o primeiro aporte de capital estrangeiro na mídia impressa desde a modificação da lei que passou a permitir essa participação. Apesar de ainda não termos registradas fusões de grupos de mídia no Brasil, várias experiências conjuntas estão sendo realizadas em parcerias que se apresentam como alternativas de sobrevivência da mídia impressa. O jornal Valor Econômico, por exemplo, é uma experiência fruto de ação conjunta das Organizações Globo e o Grupo Folha. Outro tipo de experiência é a de O Dia e o Jornal do Brasil que firmaram parceria para impressão dos veículos no mesmo parque gráfico para reduzir custos. Assim sendo, podemos dizer que no Brasil outras tendências que se apresentam como fortes indicadores para o futuro da mídia impressa: haverá uma maior convergência no que diz respeito à distribuição do conteúdo jornalístico; novas parcerias entre grupos de mídia serão realizadas em níveis nacional e regional; a mídia vai tentar manter a fidelização de leitores e anunciantes; na tentativa de reduzir custos, o processo de desmonte das equipes (demissões de profissionais observadas nos últimos cinco anos) tende a continuar; como conseqüência das possíveis fusões de empresas haverá uma redução, para os cidadãos, do número das fontes de informação. Gostaria, entretanto, de reforçar que a influência estrangeira, a concentração da mídia nas mãos de poucas pessoas, a orientação para o lucro, a dependência de subsídios e isenções oficiais, a localização nos grandes centros e diversos outros fatores, que abordo no livro Mídia Controlada, mostram como o jornalismo ainda hoje se sente dependente e de certo modo censurado, seja externa ou internamente. A crítica a todos estes elementos é essencial, pois a liberdade de imprensa é imprescindível para a construção de uma sociedade democrática e livre.
'Logo após a ditadura a imprensa brasileira assumiu a posição de querer passar o Brasil a limpo e praticou o denuncismo. Àquela época foram cometidos muitos pecados, mas pelo menos a imprensa não se omitiu'
Via Fanzine - O senhor pode citar algum exemplo notório ocorrido no Brasil ou no mundo, onde uma informação de interesse comum foi censurada em detrimento de interesses multinacionais? Sérgio Mattos – Não. Para tanto seria necessário a realização de uma pesquisa específica, que detalhasse o que e quando ocorreu. No caso dos últimos conflitos de guerra temos exemplos claros de informações censuradas e que eram de interesse de grupos ou de nações. Mas com referência específica à sua pergunta responder sem um levantamento fica difícil. Sabe-se, por exemplo, que durante a ditadura era proibido divulgar que a Tibras e/ou a Dow Química eram plataformas industriais extremamente poluidoras e esta proibição beneficiava as multinacionais que estavam se implantando no país.
Via Fanzine - Como o senhor entende o papel da mídia brasileira nesses tempos em que, caem deputados, surgem denúncias envolvendo autoridades políticas e que vêm à tona alguns nomes que jamais supúnhamos que estariam envolvidos em fraudes? Sérgio Mattos - Apesar da Constituição de 1988 garantir plena liberdade de imprensa, é preocupante o ressurgimento da censura prévia no Brasil, incluídos aqui as tentativas de aprovação da Lei Mordaça e o uso de outras ferramentas econômicas, jurídicas e policiais para intimidar a imprensa e os jornalistas. Logo após a ditadura a imprensa brasileira assumiu a posição de querer passar o Brasil a limpo e praticou o denuncismo. Àquela época foram cometidos muitos pecados, mas pelo menos a imprensa não se omitiu. No presente momento que estamos vivendo com denúncias de corrupção política e CPIs, a imprensa também não está se omitindo, ela está cumprindo o seu papel, mesmo desagradando a muitos.
Via Fanzine - Professor, existe uma situação, onde de fato, as informações devem ser censuradas pelo próprio bem-estar das populações, em face aos assuntos tratados como sendo de Segurança Nacional e outros de mesma envergadura ou, para o senhor, as pessoas necessitam saber a mesma verdade a que estão cientes os seus governantes? Sérgio Mattos - Vou responder a esta pergunta citando John Stuart Mill, com o qual concordo plenamente, que disse: “Decidir que opiniões devem ser permitidas ou proibidas significa escolher opiniões para as pessoas. Quem escolhe opiniões para o povo possui controle absoluto sobre suas ações, e pode manipulá-las em beneficio próprio com perfeita segurança”. Assim sendo, por principio, sou contra todo tipo de censura. Outra citação interessante, que reforça minha posição, é uma frase do Papa Pio XII que disse: “Abafar a opinião dos cidadãos, reduzi-la ao silêncio forçado, é, aos olhos de todos os cristãos, um atentado ao direito natural do homem, uma violação da ordem do mundo, como deus estabeleceu”. Para concluir podemos ainda citar John Adams que disse: “Caso, algum dia, venha a ocorrer um aperfeiçoamento do gênero humano, os filósofos, teólogos, legisladores, políticos e moralistas descobrirão que a regulamentação da imprensa é o problema mais importante, difícil e perigoso de resolver”. Assim sendo, devo, como todos, apoiar e fazer valer o que está registrado no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
'O desenvolvimento tecnológico e o fortalecimento das estruturas burocráticas governamentais poderão contribuir para o surgimento de novos métodos de controle dos meios de comunicação de massa'
Via Fanzine - Por favor, nos fale um pouco do conteúdo do seu livro Mídia Controlada: a história da censura no Brasil e no mundo. Sérgio Mattos - A história da comunicação social em todos os países mostra constantes conflitos originados pela censura. No Brasil, o controle exercido sobre a mídia, seja econômico, político ou policial, existe desde o inicio do jornalismo e se mostrou mais agressivo em determinados momentos históricos, como no período da ditadura militar de 64. Neste livro, “Mídia Controlada” eu procuro resgatar a história dessa censura no Brasil e no mundo, analisando os instrumentos de controle, as leis e a estrutura dos meios de comunicação. O conteúdo do livro, além da introdução, das conclusões e dos anexos, está distribuído em cinco capítulos básicos: 1) Os instrumentos de controle dos meios de comunicação no Brasil; 2) O controle político e econômico; 3) A censura policial – história da censura no mundo; 4) Censura policial no Brasil – história da censura no Brasil; 5) O desenvolvimento dos meios de comunicação no Brasil. Vale destacar que no primeiro capítulo, quando tratamos dos instrumentos de controle, a Lei Mordaça, o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e a Ancinav e a Lei Geral das Comunicações são abordadas. No capitulo 3, na parte destinada à história da censura no mundo, nos concentramos também na censura de guerra, estabelecida desde a guerra da Criméia, em 1854, até os dias atuais com a invasão do Iraque e a censura exercida sobre a mídia americana pelo governo Bush.
Mídia Controlada: a história da censura no Brasil e no mundo, livro de Sérgio Mattos, lançado em outubro/2005.
Via Fanzine - Agradecemos pela entrevista e pedimos para o senhor nos deixar suas considerações finais. Sérgio Mattos - Gostaria de agradecer a oportunidade de divulgar meu trabalho em Via Fanzine, esperando que tenha respondido de forma a esclarecer os leitores sobre o que ocorre no mundo da mídia sob censura. Naturalmente que maiores detalhes podem ser encontrados no livro Mídia Controlada: a história da censura no Brasil e no mundo, onde exemplos detalhados são relatados sobre todos os tipos de censura e não apenas aqueles praticados contra a imprensa. No livro abordamos também as tentativas de se censurar a Internet que vêm favorecendo o fortalecimento do que poderíamos considerar como a era de liberdade de expressão quase absoluta e em escala global. Isso tem estimulado muitos governos autoritários a lançar mãos de todo tipo de tentativas de censurar e-mail e sítios na web. Vale lembrar que o desenvolvimento tecnológico e o fortalecimento das estruturas burocráticas governamentais poderão contribuir para o surgimento de novos métodos de controle dos meios de comunicação de massa. Métodos muito mais eficazes, pois a tendência que se pode observar é que a censura está se tornando cada vez mais sutil e complexa, desde que Herbert Marcuse desenvolveu a tese que ele denominou “tolerância repressiva”. Segundo Marcuse, qualquer idéia perturbadora pode ser simplesmente ignorada ou, quando tolerada, ela é sobrelevada e obscurecida, gerando com a permissividade, “uma espécie de censura ao contrario”. A indiferença é, portanto, uma forma de censura tão eficaz quanto o assassinato, que, na visão de George Bernard Shaw, “é a forma extrema de censura”.
* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine.
O livro Mídia Controlada: a história da censura no Brasil e no mundo, de Sérgio Mattos, pode ser adquirido nas principais livrarias do Brasil ou através da Editora Paulus pelo e-mail: editorial@paulus.com.br ou telefone (11) 5084-3066 e fax (011) 5579-3627. O endereço postal da Editora Paulus é: Rua Francisco Cruz, 229 – Cep 04117-091 – São Paulo - SP- Brasil. Web site: www.paulus.com.br.
- Para saber mais sobre Sérgio Mattos, visite: Home page oficial: www.sergiomattos.com.br Blog: http://smattos.blog.com e http://metasigma.multiply.com - Fotos: Divulgação.
- Produção: Pepe Chaves. © Copyright 2004-2007, Pepe Arte Viva Ltda. |
Voltar ao topo.
PÁGINA INICIAL
|
HOME |ARTICULISTAS| BIGIO | BLOG ZINE | EDITORIAL | ENTREVISTAS | ITAÚNA| J.A. FONSECA | PEPE MUSIC | UFOVIA | ZINE ZONE
© Copyright 2004-2008, Pepe Arte Viva Ltda.