A
vida é o bem maior
Por determinados
períodos, alguns temas tomam conta do noticiário. Há pouco tempo, duas
palavras ou frases não precisam de mais detalhes para a identificação do
que se fala. A “Lista” e “produzir prova contra si”. A primeira se
referia à lista aos chamados “fichas-sujas”, pretensos candidatos que
respondem a processo. Fora elaborada e divulgada pela Associação dos
Magistrados Brasileiros – AMB. A segunda referia-se, na sua maioria, ao
direito dos pretensos bebuns convictos a não se submeterem ao teste do
bafômetro, com amparo no princípio constitucional de não produzir prova
contra si.
Todas as críticas à
lista vinham dos candidatos e de alguns formadores de opinião. As
críticas dos interessados, por mais injustas, são injustificáveis, mas
compreensíveis. As dos pretensos assessores de imprensa não merecem nada
mais do que desconfiança, possivelmente uma defesa prévia de interesses
escusos.
O fato de ser
processado não significa a culpa; nem a inocência. Não se justificaria a
alegação de que a AMB não poderia publicar por não haver trânsito em
julgado. Ora, os responsáveis pela lista repetiram várias vezes de que
não estavam atribuindo aspecto valorativo aos processados. A divulgação
já deveria estar ocorrendo há muito mais tempo, já que em regra geral,
os processos são públicos e quem pretende defender ou representar gama
da sociedade não pode pretender se esconder do seu passado. O problema
são os fatos que deram origem aos processos em si, não a publicidade.
Antes de se discutir
a produção de prova contra si como meio de impunidade aos bêbados, o
debate relevante seria a aplicação de todos os meios para a preservação
da vida. A lei deveria permitir a não realização do teste, mas isso
corresponderia a uma confissão presumida.
Pela ótica dos
magistrados que concedem habeas corpus preventivos aos interessados para
não realizarem o teste do bafômetro, ninguém deveria ser obrigado a
realizar exame de DNA para atestar a paternidade. Nada é mais prova
contra si do que esse exame. Pior, a não realização do DNA autoriza o
reconhecimento presumido de paternidade. Um exemplo mais comum entre os
famosos, especialmente em décadas passadas, quando não era comum a uso
de preservativos.
Pelé negou a
paternidade de uma filha até a morte literalmente, mas nem por isso
deixou de ser reconhecido como pai. Ou se aplica aos dois exames o mesmo
peso e se obriga os potenciais embriagados assassinos à realização do
exame, ou desobriga a todos de não produzir prova contra si em qualquer
processo. Além disso, no exame de DNA, a paternidade de forma presumida
fere o princípio constitucional da Presunção de Inocência. Neste caso
ou se produz prova contra si ou já se é previamente culpado. A lei é, e
deve ser, igual para todos e em todas as situações idênticas.
Todos devem ser
obrigados à realização do exame de DNA, por serem mais importantes o
bem-estar das crianças e o direito a um pai; e ao do bafômetro, por
estar acima dessa suposta violação os milhares de vidas de inocentes.
Todos os outros princípios são secundários. Nada, absolutamente nada,
deve ser considerado mais relevante do que a vida.
Pedro Cardoso Costa
* * *
Insatisfações pipocam por todo lado
Greve de policiais militares na Bahia; greve de policiais
civis em 13 estados; de motoristas de ônibus na capital paulista; dos
professores municipais paulistas, e assim, greve e manifestações Brasil
afora.
Ninguém entende por que tantas categorias estão
insatisfeitas num país onde tudo anda às mil maravilhas nas versões
oficiais.
Por formação histórica, a sociedade brasileira, em sua
grande maioria, é contra a greve e tacha os grevistas de irresponsáveis.
Quem faz greve são os escravos atuais que possuem, a duras penas, o
direito de manifestar suas insatisfações.
Mais do que contra a realização da Copa do Mundo de
futebol, já há algum tempo as manifestações refletem muito mais um mal
estar, uma angústia reprimida, que pode chegar até a uma aflição raivosa
contra os desmandos, a falta de qualidade nos serviços públicos e até
contra a linguagem contemporizadora das autoridades, totalmente
dissociada da realidade.
A saúde pública está num verdadeiro caos, próximo ao
esculacho, com a presença contante de atos de deboche e menosprezo aos
pacientes. Como não tem solução, as autoridades só falam dos milhões
destinados e percentuais de primeiro mundo. Ora, isso reforça que algo
está muito errado quando sai dos cofres públicos dinheiro de primeiro
mundo para fornecer um serviço desumano de mundo nenhum. As perguntas
sem respostas são as de sempre: para onde foi o dinheiro e quem deveria
fiscalizar esse percurso? Essa sangria se aplica à educação, à
segurança, ao transporte público.
Com toda essa agitação, a imprensa chapa-branca, as
autoridades e as pessoas que não utilizam esses serviços vendem a ideia
maldosa de que o povo reclama fortuitamente, apenas por capricho de
grupos contrários ao governo, por puro interesse político-partidário. É
uma defesa simplista demais para uma situação que requer serenidade.
Faltam olhar no próprio umbigo e perceberem a sujeira que fizeram com
esse país. Não podem alegar desconhecimento, surpresa ou qualquer outra
estratégia tola como essas.
Parece óbvio demais que a insatisfação transcende à onda da
Copa. E nisso há outro equívoco ingênuo. Os mesmos que defendem a Copa
como vitrine para mostrar o país ao mundo criticam os protestos por
serem oportunistas. Eles defendem protestos nos desertos. Só os incautos
defendem paralisações sem prejuízo a alguém e sem nenhuma visibilidade.
Recentemente, o ministro Teori Zavaski deu um exemplo dessa
linguagem dissociada da realidade. Num dia mandou soltar 12 presos de
uma operação da Polícia Federal, no dia seguinte determina a prisão de
todos, exceto, coincidentemente, o diretor da Petrobras, o principal
acusado do esquema. E rebate aos críticos dessa decisão pingue-pongue
com a afirmação de que não mudou o entendimento e nem retrocedeu. Quer
dizer que os argumentos e fundamentos jurídicos podem ser os mesmos para
fazer ou desfazer sobre as mesmas pessoas e os mesmos fatos? Quem
entendeu que responda.
Posição semelhante são as ameaças de punição aos grevistas
de ônibus pelas autoridades paulistas. Enquanto eles ameaçam
trabalhadores insatisfeitos – e com certeza punirão – continuam os
caixas eletrônicos subindo aos ares em todo o estado de São Paulo.
É inconcebível que façam tanta ameaça de punição a
trabalhadores aviltados nos seus salários e benefícios, ao mesmo tempo
em que não há nenhuma resistência aos assaltantes de banco. É bom que as
autoridades não repitam o menosprezo do governador Geraldo Alckmin no
início das manifestações há um ano. Ao povo só resta a indignação geral
e os recados estão surgindo de todas as partes. Caso as autoridades
prefiram coisas dissociadas da realidade, esse desvario pode levar o
país a uma convulsão social.
Pedro Cardoso Costa
* * *
Cadê o metrô de Salvador?
Para um nordestino que chegava a São Paulo nos anos oitenta
nada era mais novidade do que andar por “debaixo da terra”; andar de
metrô. Com o passar do tempo deixou de ser novidade porque houve a
expansão para outras cidades, inclusive no Nordeste.
Como terceira cidade mais populosa do Brasil, Salvador não
poderia ficar de fora desse meio mais prático e rápido de transporte
coletivo.
Então, deu-se início à construção da tão necessária obra e,
como a maioria dos empreendimentos no Brasil, já se passou tanto tempo
que o noticiário já varia na sua data de nascimento. Alguns citam 1997 e
outros 1999. Para os “comunas” que dependem das notícias já veiculadas
fica difícil saber qual a data precisa.
Seja uma dessas datas, já não há argumento que justifique
tanta demora. É difícil mensurar quantas pessoas tiveram a ilusória
imaginação de ir ao trabalho e voltar com mais conforto e rapidez.
Na cantilena da construção desse metrô o que mais chateia é
o sumiço do noticiário a quantas andam as obras e quando – e se – enfim
o metrô será entregue à população. Nenhuma pessoa de bom senso poderia
sonhar que não ficasse pronta até a realização da Copa do Mundo. Ainda
que o Brasil só arrume a casa para receber visitas, nem assim os gringos
darão um passo de metrô. Quem não tiver carro particular nem dinheiro
para táxi, desfrutará da qualidade dos ônibus coletivos da capital
baiana.
Os vícios dos gestores repetem-se com essa demora infinita.
Quem está no comando sempre responsabiliza quem passou, um a um, já se
foram vários governadores e prefeitos.
Ouço críticas veementes aos “baderneiros” e aos black blocs,
mas não vejo a mesma ênfase contra esse modelo de gestão. E reforço
sempre: sou contra a destruição dos bens públicos e particulares na
mesma proporção que compreendo a saturação da população com tantos
desmandos na administração pública. E também contra o quebra-quebra, mas
não tenho fórmula substituta de protesto pacífico capaz de produzir
algum resultado.
Ao contrário do que apregoa a maioria “sensata”,
acompanhada recentemente pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal, numa entrevista, ação de fato é muito mais exercício
de cidadania contra os maus políticos do que apertar tecla no dia da
eleição, independentemente da escolha do eleitor. Atribuir essa
importância toda ao botão de urna é o maior, o mais decantado e até
histórico equívoco repassado ao povo brasileiro.
Tal como nas greves, não saberia apontar qual a forma de
protestar que, sem algum prejuízo a outrem, trouxesse algum resultado
efetivo. Assim como não tenho dúvida de que os governantes não moverão
uma palha se perceberem que os bilhões de cordeirinhos iriam às ruas
apenas para gritar palavras de ordem.
Com a palavra – e a receita de resultados – os críticos aos
protestos prejudiciais. A grande maioria que se manifesta de forma
raivosa contra qualquer manifestação sempre foi – e continua - omissa e
passiva quanto a esse modelo de administrar, como ocorre com a
construção do metrô de Salvador.
Pedro Cardoso Costa
* * *
Metrô age igual à Assembleia Legislativa
No último dia 4 de fevereiro de 2014, o Metrô de São Paulo
apresentou mais um defeito na linha 3 - Vermelha, na estação Sé. Isso
não é novidade alguma, já que no metrô e nos trens e nos ônibus os
problemas são reiterados.
Ninguém esquenta a cabeça mais com os defeitos, afinal
todos já nos acostumamos com eles. Agora com relação às desculpas das
autoridades, a grande maioria da população não tolera mais. Elas ferem
mais do que as graves consequências dos problemas com o Metrô.
As paradas trazem cansaço, dores nas pernas, na cabeça;
vontade de fazer xixi e outras necessidades fisiológicas, sofrimento que
seria amenizado se tivesse um banheiro limpo para uso. Um sofrimento
menor daquele causado pelas justificativas infundadas, porque dói na
alma das pessoas.
O secretário responsável pelo Metrô argumentou que o
problema pode ter sido causado por sabotagem porque as pessoas
asfixiadas apertaram um botão de alarme. Quem conhece o inferno que é o
metrô lotado não poderia esperar outra atitude a não ser fazer valer a
lei natural da sobrevivência, uma tentativa desesperada de continuar
vivo. O óbvio para os cidadãos não o é para o governador e seus
auxiliares.
Basearam seus argumentos porque teriam sido ouvidas
"palavras de ordem", sem nenhuma outra fundamentação lógica que
reforçasse essa tese. Não apresentaram nem sequer uma imagem de
televisão nem de celular como indício da suspeita de sabotagem. Essa
tese só teria sentido se alguns sabotadores tivessem bola de cristal
para estarem no metrô certo, naquele que fosse apresentar defeito, na
viagem e na estação onde apresentasse o problema, além de estarem dentro
e com a porta fechada. Se um desses itens fosse alterado, não daria
certo o plano dos "meliantes".
É fato que as pessoas não toleram e, de forma progressiva,
não vão mais tolerar passivamente serviços ruins e vão reagir cada vez
com maior veemência. Disso, as autoridades ainda fingem não entender. Os
serviços são prestados por servidores que não possuem qualificação
técnica e psicológica, não sabem informar nada com precisão e não tem um
telefone, nem um plano emergencial para amenizar qualquer interrupção do
metrô ou dos trens.
E essa reação não é maior porque o acesso do povo
brasileiro à informação ainda é predominante por meio do rádio e da
televisão, que não divulgou a troca da frota de veículos pela Assembléia
Legislativa de São Paulo, a um custo de quase 6 milhões de reais.
Cabe ressaltar que alguns dos carros que seriam trocados
nem sequer chegaram a ser usados. Os carros "velhos" foram comprados em
2010, modelo Vectra, ao custo total de 8,9 milhões de reais. Desistiram
de trocar a frota inteira após perceberem que a maioria não tinha sequer
1.000 quilômetros rodados. Daí se estabeleceu que só deveriam ser
substituídos aqueles com mais de cinco anos de uso ou com mais de 100
quilômetros rodados.
No modelo de governar de Geraldo Alckmin, abrir uma porta
para escapar da torrefação do metrô paulistano – e poderia ser de
qualquer outro transporte coletivo – é sabotagem, é ação articulada; mas
o mesmo argumento não se aplica ao grupo que troca Vectras por Cruzes
tendo como justificativas o poder e direito privilegiado dos
diferenciados do andar de cima.
Caso sejam mantidas justificativas como a do governador
para um caos que todo mundo conhece e para compras como fez a sua base
aliada, com a tomada de consciência da população, fatalmente as
consequências sociais serão muito graves em curto ou médio prazo, sem
possibilidade de contenção apenas com balas e cacetadas das polícias
militares. Pelo tamanho do movimento, a reiterada desculpa de que se
trata de um grupo articulado de baderneiros não servirá.
Pedro Cardoso Costa
* * *
A
hora do mensalão mineiro
Com a prisão dos mensaleiros, especialmente do
ex-primeiro-ministro José Dirceu, o brasileiro agora tem certeza de que
gente de cima vai para cadeia. O recado está dado a todos aqueles que já
corromperam muito apostando na impunidade – até então com toda razão.
Em virtude da preocupação com as verbas de publicidade do
governo federal, grande parte da mídia vem dando eco à choradeira dos
advogados dos presos, perdidos com a quebra da espinha dorsal de suas
habituais chicanas.
Há uma inquietação exacerbada de alguns setores da
sociedade, especialmente de funcionários públicos comissionados, de que
essa punição não passa de perseguição ao governo ou que será apenado
apenas esse caso. Alegam que a corrupção grassa neste país desde que foi
descoberto e que só agora houve prisão.
É gritantemente lógico que uma hora se faz o que deveria
ter sido feito antes. Foi assim com a escravidão, vai ser assim com a
manutenção do voto obrigatório, com a necessidade de reconhecimento de
firma e tantas outras situações tipicamente brasileiras. Não seria
diferente para frear a impunidade generalizada.
Esses torcedores são capazes de ignorar que sete dos onze
ministros do Supremo Tribunal Federal – STF foram nomeados por Lula ou
por Dilma Rousseff. Se a Suprema Corte é um primor ou um covil, a
responsabilidade não é de outro governo.
Esse raciocínio se assemelha ao de quem defendesse o
direito de um ladrão não ser preso por ter sido pego no primeiro assalto
a banco porque outro mais esperto ficou imune após vários assaltos. Para
um petista inebriado pela mania de conspiração, não se aplica o
princípio legal da individualização da pena nem a popular lógica de que
cada um responde pelos seus atos.
Ninguém de bom-senso se pode dar por satisfeito com a
punição apenas de um caso isolado. As instituições têm que funcionar
para punir a todos, especialmente àquele que se aproveita da confiança e
da fé pública para meter a mão exatamente no que deveria cuidar.
Por isso, esse julgamento será muito mais relevante se
servir como marco de ruptura com a impunidade do que pela punição em si.
O Ministério Público Federal e o próprio Supremo Tribunal – STF devem se
equipar de tecnologia avançada para acelerar o andamento do mensalão
mineiro a fim de evitar a prescrição, uma indústria que imperou até hoje
em benefício do andar de cima. É bom que todos saibam que o relator é o
ministro Luís Roberto Barroso, que pegou o processo num espaço exíguo de
tempo, caso se confirme a possibilidade de prescrição em 2014.
Com certeza não deixará de ser julgado, mesmo que haja um
esforço concentrado. Além disso, os futuros julgamentos precisam ser
mais céleres. Ao contrário do que a maioria interessada diz, a
eternidade não qualifica nenhum julgamento.
Assim como não podem ficar impunes as máfias do cartel no
metrô do estado de São Paulo, da prefeitura da Capital/SP com a cobrança
de propina às construtoras, o Carlinhos Cachoeira, a investigação da
riqueza de Antonio Palocci, cuja residência, de milhões de reais, era de
propriedade de um ajudante de pedreiro desempregado e muitos outros. Sem
esquecer as quase duzentas ações penais contra políticos tramitando, em
banho-maria, no STF, relacionadas pela revista Carta Capital.
O STF também deve redobrar o cuidado para evitar a
concessão de habeas corpus de legalidade duvidosa e de resultados
catastróficos. Gilmar Mendes tem no seu currículo a soltura do banqueiro
Daniel Dantas e de Roger Abdelmassih, condenado a quase 300 anos de
prisão, ficando livre como um passarinho para continuar estuprando as
suas pacientes. Após essas prisões, toda a Justiça brasileira estará na
berlinda e terá que ser célere e implacável com a impunidade, sob pena
de ter dado um tiro no próprio pé e ficar ainda mais desacreditada.
Pedro Cardoso Costa
* * *
Profissionais de invasões
Notícias recentes nos jornais afirmavam que houve um
aumento exponencial nas invasões de prédios vazios e terrenos baldios na
capital paulista. Mas a questão é o porquê de tantas invasões, com pouca
ou nenhuma resistência do poder público. Ninguém sabe ao certo como se
desencadeia a organização de grupos para invadir terrenos e prédios.
Ninguém duvida que há uma negligência absurda da prefeitura em evitar
esses abusos.
Problema maior é que a grande maioria dos invasores já se
tornou especialista nessa matéria e não é formada de pessoas sem-teto,
denominação dada aos invasores. Longe de precisar efetivamente de uma
moradia.
Muitos têm o objetivo meramente especulativo. Pertencem à
classe média. Numa invasão na região do Grajaú, bairro da zona sul da
capital paulista, a maioria tem casa própria e carro, outros possuem
imóveis alugados e tem invasor com carro acima de cem mil reais. Vários
cercam mais de um imóvel para revenda. É assim em todas. Não estão nem
aí se ocupam um terreno de quem paga aluguel e não tem nenhuma condição
de adquirir uma casa de outra maneira. Essa é a ética e solidariedade
daqueles que mais gritam contra a injustiça da falta de moradia. Não
associa que, por causa de sua ganância, vidas podem ser ceifadas nas
próximas chuvas de verão.
Ninguém desconhece que há muito tempo a falta de moradia é
um problema crônico no Brasil inteiro. Esse problema precisa ser
encarado para beneficiar quem precisa de um lar e não permitir que se
torne uma indústria de favorecimento aos espertos e desonestos,
protegidos por servidores omissos e corruptos. O Poder Público é o
responsável pela segurança geral dos imóveis dos cidadãos. E ainda que
inicialmente a vigilância caiba ao proprietário, toda construção tem que
ter o aval da prefeitura quanto à sua regularidade. Nesse momento seria
a hora de agir e evitar as construções irregulares, que tanto matam
nesse país de muitos governos, de muitas regras e de nenhuma eficiência.
Há outro agravante: quando há desapropriação, geralmente a
Justiça obriga o Poder Público a indenizar os donos pelo material
utilizado nas construções, exatamente sob o pretexto de que só
construíram em razão da negligência dos entes estatais. Isso gera uma
despesa triplicada. A primeira é exatamente o pagamento de indenização a
quem construiu onde não deveria. A segunda são as despesas com a
retirada dos moradores, derrubada das edificações, acondicionamento e
transporte dos entulhos. E por último, todo valor gasto com a
readequação do imóvel para a finalidade pretendida, já que os terrenos
são perfurados para a construção de fossa e da própria estrutura das
casas.
Seria preciso criar um cadastro de todos aqueles
comprovadamente sem-teto, com os números dos respectivos CPF e título de
eleitor para evitar que uma mesma pessoa seja favorecida mais de uma
vez. O beneficiado teria seu nome mantido no banco de dados, com
bloqueio automático caso viesse tentar um novo cadastro, pelo menos até
que todos os demais recebessem suas moradias ou se desligassem
voluntariamente.
Hoje, acobertada pela ineficiência ou desídia das
prefeituras, há uma verdadeira institucionalização de invasores de áreas
para vender terrenos - a maioria até mais de um - e depois invadir
novamente e fazer tudo de novo, tornando a invasão uma profissão
bastante lucrativa.
Pedro Cardoso Costa
* * *
Reduzir, reaproveitar, reciclar
Em 2006, esse título deveria ser acrescido de mais um “R”
para significar o quadrado mais famoso da seleção brasileira: Ronaldo,
Ronaldinho, Roberto Carlos e Robinho. Definitivamente, a relevância dos
“Rs” aqui tem o objetivo de tentar salvar o planeta, e não apenas o
Brasil que, comprovadamente, não foi salvo pelo seu quarteto mágico.
Virou moda falar em reciclagem como alternativa ao aumento
de consumo e de produção. Em alguns países essa medida já está num
estágio bastante avançado, grupo do qual o Brasil não está incluído.
Faz-se necessário a inclusão imediata para que haja solução para o lixo
e tudo que está relacionado a ele.
Mas antes mesmo de se praticar a reciclagem, há dois
procedimentos necessários, que não dependem dos cidadãos em geral, mas
das autoridades e das empresas. O primeiro “R” seria para reduzir a
produção de bens descartáveis, uma exclusividade da indústria de
produção, que não tem correspondido nem pelas empresas brasileiras nem
pelas multinacionais. Exemplos: o uso de uma toalha de pano em vez de
papel, copos de vidro ou de louça para substituir os de plásticos,
processos e documentos de papel deveriam dar lugar aos eletrônicos.
Já o segundo “R” preventivo refere-se ao “reaproveitamento”
das coisas materiais. De início, a resistência à aplicação desse “R” vem
sob a alegação de segurança quanto à higiene. Nesse ponto o Brasil ainda
engatinha. E, como de hábito, culpa-se logo o fato de não ter uma lei
especificando como deve ser reaproveitado isso ou aquilo. Deveria
acontecer uma mudança de hábito antes da lei. Casas e apartamentos
deveriam ser construídos com estrutura para reuso de água de pias e de
máquinas de lavar, como já se faz em países desenvolvidos.
Fecha-se o ciclo de “R” com o da “reciclagem” que se
confunde naturalmente com os demais. Num determinado momento os “Rs”
anteriores se esgotam, aí está a fase da reciclagem, praticada de forma
parcial pela população. Faltam políticas públicas efetivas para permitir
aos cidadãos a entrega do material reciclado. Os munícipes deveriam
exigir de forma incisiva que cada prefeitura coloque em prática a
reciclagem em toda a cidade, com a retirada do material na residência.
Na cidade de Cerquilho, em São Paulo, a coleta de material reciclado
ocorre em dias determinados e noutros os orgânicos. Se o morador
misturar ou inverter os resíduos, ele recebe uma multa e não é retirado
enquanto não for separado.
O conjunto dos verbos reduzir, reutilizar e reciclar deve
ser praticado concomitantemente; um não exclui os outros. Eles se
complementam e todos são necessários para consolidar a cidadania e a
construção de um planeta melhor. Mas para isso acontecer precisa de uma
atuação integrada entre pessoas, empresas, ONGs e governos.
Pedro Cardoso Costa
* * *
Mídia será alvo das manifestações
Alguns segmentos sociais precisam entrar em consonância com
a sociedade brasileira. Um desses é a mídia brasileira, em especial os
canais de televisão aberta.
Na cobertura das manifestações era claro o viés para
desmoralizá-las, quando tratava de forma generalizada como vândalos,
baderneiros e depredadores, cujos adjetivos visavam enfraquecer os
movimentos. Outro posicionamento que deixava isso muito claro era
responsabilizarem os manifestantes pelo início dos incidentes contra a
Polícia Militar.
Essa cobertura tendenciosa continua com as tais respostas
das autoridades às reivindicações. As matérias são sempre narrativas,
sem qualquer análise técnica para comprovar a viabilidade dos delírios
das autoridades.
Quando o Supremo Tribunal Federal – STF mandou prender o
deputado Natan Donadon, ninguém se dignou a questionar o relator ou
presidente da Corte por que a prisão só ocorreu três anos depois da
condenação e logo após a insurgência nacional. Além disso, nenhuma
pesquisa é feita para averiguar os muitos processos contra parlamentares
que continuam mofando nos escaninhos dos tribunais brasileiros.
Mesmo conclamando por melhor qualidade na saúde e educação
e maior segurança, a resposta federal girou em torno da reforma
política. Todos aceitaram como se fosse algo sério e não disseram uma
vírgula no que isso melhoraria nessas áreas. Também não se compreende
por qual motivo não há uma menção à extinção do voto obrigatório. Não há
questionamento sobre o fato das medidas só trazerem resultados para
prazo longínquo, quando a necessidade é para ontem. Nada, absolutamente
nada, está sendo feito para melhorar essas três maiores reivindicações
imediatamente. O resultado mais próximo seria o trabalho compulsório por
dois anos para os alunos de medicina que ingressarem a partir de 2015
nas faculdades. Ou seja, no mínimo teria início em seis anos. Até lá
milhares já morreram sem atendimento nas filas.
A cereja desse bolo de embromação foi a aprovação de uma
emenda constitucional para a retirada do segundo suplente de senador.
Não há registro na história de que um segundo suplente tenha ocupada a
vaga de senador, já que para isso teria que saírem o titular e o
primeiro suplente. Mas essa enganação conseguiu até manchete de primeira
página do jornal O Estado de S. Paulo sobre a retirada do segundo
suplente, que, numa análise séria, traz zero de benefício à população.
Muitos apresentadores de televisão instigam a violência
policial. José Luiz Datena, um verdadeiro camaleão nas suas posições,
lidera com a frase matreira de que a “cobra vai fumar”, numa alusão
explícita à truculência policial. Quando vier a revanche, eles não vão
se lembrar do telhado de vidro. Assim como os políticos, a mídia,
liderada pela Rede Globo, está atravessada na garganta da sociedade
brasileira. Nas manifestações anteriores muitos jornalistas já foram
hostilizados, e se a mídia não encontrar o rumo certo de fazer
jornalismo, a “cobra vai fumar” nos próximos protestos.
* * *
Primavera Brasileira
O movimento por um país mais administrativamente decente
recebe crítica por sua principal virtude, o fato de não ter um dono. Ele
não se originou de partidos, nem ONGs, nem grupos religiosos nem de
radicais. Seus fundadores são estudantes, para não dizer do povo, de
todos os brasileiros insatisfeitos. Se seguissem alguma instituição
seriam tachados de alienados, quando não seguem são chamados de
perdidos, sem foco e sem ideal. Os críticos não conseguem entender que a
importância está no fato de a participação ser justa, seja iniciado
espontaneamente ou por alguma organização.
Outra parte grandiosa critica o fato de os insurgentes não
andarem de ônibus. Mesmo o jornalista Roberto Pompeu de Toledo entrou
na onda ao sugerir que esses deveriam pleitear passagem gratuita de
avião. Por essa ótica eu nunca deveriam ter me manifestado contra a
violência doméstica, especialmente o espancamento de mulheres pelos
companheiros, já que eu nunca agredi minha esposa.
Antes da manifestação histórica do último dia 17 de junho,
grande mídia chamava genericamente a todo o movimento de baderneiro,
além da veemência dela e das autoridades na defesa da truculência
policial, como condição inevitável. Sempre era a polícia quem reagia.
Não levavam em conta a possibilidade de infiltração por quem tem
interesse em desmoralizar e tirar a legitimidade do movimento.
Depois do ocorrido a miopia acabou e reconheceram que os
baderneiros são uma minoria. Além disso, ninguém, absolutamente
ninguém, disse que a responsabilidade de prendê-los é da polícia. E aí
cabe reconhecer que não é fácil no meio daquela multidão e também tem
que ter o apoio claro das lideranças, dos manifestantes de bem,
inclusive com força suficiente para reprimirem os baderneiros, é
necessário repetir que eles devem ser responsabilizados civil e
penalmente pelos seus atos, uma redundância, mas que serve como reforço.
De forma nenhuma se justifica quebra-quebra. Mas só não é
compreensível que uma agência bancária quebrada pelos oportunistas
repercuta muito mais do que as centenas que voam aos ares todos os dias
pelas dinamites da bandidagem. E, por maiores que sejam os prejuízos, é
uma gota d’água no oceano da corrupção que, de tão arraigada na nossa
cultura, as pessoas defendem a diminuição e não em acabar.
Nesse afã de criticar, a maioria se esquece de que o nome
correto é criminoso para quem quebra ou danifica bens alheios, sejam
públicos ou particulares, ou agride outras pessoas.
Outra crítica dissimulada é diminuir a importância do
aumento da passagem. É caro qualquer valor cobrado por serviços de
qualidade idêntica à dos transportes públicos no Brasil. Quem utiliza
trem, metrô ou ônibus em horário de pico sabe que é indecente e
desumano. Ainda que fosse gratuito teria que melhorar, pois como está
ofende a dignidade da pessoa humana.
Todos já sabiam que qualquer fato poderia ser a gota
d’água. Foram os 20 centavos. O movimento cresceu de centenas para
milhares numa semana. É preciso definir uma data nacional de
manifestações simultâneas em todas as capitais e grandes cidades. Daqui
por diante, assim como nas greves, seria importante manter em estado de
manifestação, até que se inicie um processo de melhorias nos serviços
públicos e privados.
Ferrenhos analistas dizem que as autoridades não sabem como
responder aos pleitos por não ter um foco. Em nenhuma hipótese essa
ausência de metas é da responsabilidade dos manifestantes. Já que os
governos não sabem, aqui vai uma sugestão: bastaria melhorar acima de
mil por cento a qualidade do ensino público básico, a saúde, a
segurança, os transportes coletivos, as estradas, o saneamento básico, a
limpeza dos rios, o acesso à cultura. Só isso. O verdadeiro motivo de
tamanha oposição é não saber conviver com reivindicações e isso é bem
mais grave do que os baderneiros.
* * *
O merecido bolo
Não
resta dúvida de que a sociedade brasileira tem demonstrado uma
insatisfação total diante da péssima prestação dos serviços públicos.
Por enquanto, os protestos têm se limitado aos gritos. De tanta
gritaria, alguns slogans viraram meros clichês.
Um
desses são os gritos por justiça... justiça... justiça... Todos os dias
a televisão brasileira transmite programas mostrando pessoas numa grita
geral diante de mais um corpo de um jovem assassinado pela polícia, por
ex-companheiro do tráfico ou do crime em geral. Essas reclamações não
têm trazido resultados práticos. Eis o ponto crucial para um debate.
Existe uma cobrança generalizada por mais politização dos brasileiros e
se alega a pouca participação nas ações dos gestores públicos.
Mas
são esses mesmos que não criticam um vidro quebrado, um carro virado, um
rolo de papel atirado nos endeusados políticos. Certa vez, o governador
Mário Covas tentou passar por cima do professorado em greve e foi
atingido por um ovo na testa. Repetiu-se a argumentação de época do
risco à democracia.
Claro que em sã consciência ninguém é favorável à depredação de bens
públicos. Entretanto, os chamados formadores de opinião precisam apontar
uma forma de reivindicação adequada e que traga resultados concretos.
Por
exemplo, precisam dizer como se deve fazer um protesto contra o aumento
abusivo no preço das passagens de ônibus para forçar a diminuição do
preço. Quebrar não deve, impedir a saída das garagens não pode, pois
atrapalharia a vida de quem não tem nada a ver. Tudo bem: basta os
críticos dizerem o que deve ser feito.
São
totalmente ignorados os emails, os telefonemas, os desabafos em redes
sociais e as denominadas manifestações pacíficas. A prova recente disso
são as eleições dos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, da Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias da Câmara dos
Deputados.
Os
palpiteiros literalmente agem como todo brasileiro comum. Eles se
colocam acima ou fora do problema ao atribuir solução sempre como dever
do outro. Há que se ter a coragem de defender algumas medidas drásticas
nos embates reivindicatórios. Por mais erros que cometam, a opinião
pública tem que definir de qual lado está. Defender participação sem
consequências é contraditório e sociologicamente insustentável.
Como
tento praticar as ideias que defendo, certa vez fui convidado para falar
sobre cidadania e a participação política.
Pedi
aos organizadores que fizessem dois bolos. Um de chocolate, com cerejas
na cobertura, o outro de fubá, bem sem doce, propositalmente horrível. E
comecei a falar de tratamento igualitário, de participação das pessoas
para que os políticos melhorassem a condição social da população. Sempre
que faço qualquer palestra, sugiro que as perguntas sejam feitas na hora
da dúvida para saírem mais contextualizadas – e não no fim, como a
maioria exige.
Com
os demais componentes da mesa, começamos a comer o bolo de chocolate, e
a plateia o de fubá. Em poucos minutos, um cidadão indagou por que a
diferença de tratamento, se eu pregava exatamente em sentido contrário.
Respondi que o objetivo seria aquele questionamento. Expliquei que assim
são as políticas públicas no Brasil. Enquanto eu não corresse o risco de
perder o bolo de chocolate, eu jamais melhoraria o bolo deles. Apenas
melhoraria o deles, se não houvesse risco de perda, mas somente
igualaria se houvesse ameaça de perder tudo. Eu resistira enquanto
pudesse e usaria todas as armas para manter minha mordomia. Já a
população só chegaria a igualdade se me vencesse. E nós estamos no plano
físico, e o Estado é a prova inconteste de que, em última instância, a
força física é quem predomina. Cabe aos formadores de opinião mencionar
como e até onde empregá-la. Outro discurso é teoria dissimulada com o
objetivo deliberado de manter cada um comendo o bolo que merece.
* * *
O
Supremo ‘venezuelizou’
Poder falar: isso não tem preço. Graças a essa
possibilidade é que posso dizer que respeito, do ponto de vista apenas
subjetivo a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de
a Câmara votar os vetos como quiser, mas discordo totalmente dessa
posição e acho que apenas se acovarda diante da complexidade das
consequências da decisão. Isso no caso de alguns ministros, quanto a
Antonio Dias Toffolli e Ricardo Lewandowiski, por que suas escolhas
falam por si.
Voltando aos vetos. A ministra Carmen Lúcia alegou a não
interferência entre os Poderes. Perdão, ministra. O Poder Judiciário tem
exatamente a função precípua de “interferir” nos outros. Parece-me que é
pacífico que fica a cargo da Suprema Corte a observância ao estrito
cumprimento da Constituição Federal por todos os Poderes, inclusive
daquele em que está inserida.
Além disso, não está em discussão a tripartição nem a
independência dos poderes. Discute-se a desobediência à ordem
constitucional, e essa salta aos olhos, como gosta de mencionar o
ministro Gilmar Mendes.
Se não for assim, os ministros têm a obrigação de dizer
para que serve o prazo de 30 para os vetos serem votados e a disposição
que diz que se esse prazo for extrapolado, as demais matérias, sem
exceção, ficam sobrestadas. Para rememorar: a validade das leis no
Brasil não é a partir das decisões judiciais, mesmo que seja da Suprema
Corte. E que são válidos os atos que não contrarie as leis.
Não há que se falar numa interposição, como se a Suprema
Corte, de livre e espontânea vontade, invadisse a Câmara, o Senado ou
outro órgão qualquer; nem sobre um Poder. Mas quando se está em
julgamento, parece óbvio ululante que a demanda judicial, por si, já
caracteriza a possibilidade de uma interferência, em caso de uma decisão
de mérito. Ao se pleitear, presumidamente, já há uma busca última de
alguém corrigir um erro para se fazer o que é justo, o que é certo legal
ou constitucionalmente.
Com esses posicionamentos, fica muito claro, que a pretexto
da não interposição, os deputados e senadores podem fazer o que bem
entender, pois as normas legais, incluindo a Constituição Originária,
não tem valor jurídico algum da porta para dentro da Câmara e do Senado
brasileiros. Donde se conclui que os deuses congressistas estão acima
das leis; que dá no mesmo afirmar que não são todos que precisam cumprir
a Constituição.
Piora a situação o fato de os meios de comunicação não
contra-argumentarem, de os especialistas famosos se manifestarem, em
razão da repercussão que trariam com suas posições favoráveis ou não.
Todos silenciam.
Conclusão: a Constituição diz que todos são iguais em
direitos e obrigações. Todos. Estabelece que as diferenças do que prevê
deve estar Nela. Expressa que os vetos devem ser votados em 30 dias. Tá
explícito. Também diz que se não forem votados nesse prazo, todas,
todinhas, sem exceção, as matérias ficam sobrestadas, paradas, até que
os vetos sejam votados. Ela diz que o Supremo é o responsável pelo seu
cumprimento, por todos, sem exceção.
O Supremo Tribunal Federal diz que não. Com juízes dando
lição jurídica aos colegas discordantes, como o ex-advogado do Partido
dos Trabalhadores, que não passou para juiz singular, mas se tornou
ministro do Supremo Tribunal Federal. Esse comentário serve apenas como
vingança, já que o defendi contra esse argumento, por entender possível
a pessoa evoluir e se capacitar.
E eu, somente bacharel em direito, com fundamento no
direito de livre manifestação do pensamento, digo a todos, com exceção
aos juízes, presumidamente conhecedores das regras federais, que o Poder
Judiciário tem como função precípua interferir em todos os Poderes,
mesmo que seja com o gosto de jiló ou de fel do ministro Ayres Britto.
Claro, que com as suas decisões!
Ia me esquecendo: nossa Suprema Corte superou a da
Venezuela na decisão que empossou um presidente num leito hospitalar, de
onde talvez não saia.
* * *
Golpes oficiais
O chamado jeitinho brasileiro tornou-se sinônimo de
expertise do nosso povo ao longo do tempo. Já foi muito enaltecido,
cantado em verso e prosa. É universal entre as camadas sociais. Seu
significado é ser contrário à forma correta de praticar algum ato.
Têm algumas condutas tanto mais reiteradas quanto negadas.
Quem quer passar no primeiro exame para tirar uma habilitação para
dirigir sabe muito bem do que se está falando. Isso vem de muito longe.
Em agosto de 1995 a revista Veja São Paulo trouxe na capa a compra de
uma carta por 200 reais. A reportagem apontava que a repórter não sabia
dirigir. Ela cometera faltas propositais que seriam suficientes para
reprovação de quatro candidatos, mas foi aprovada, além de o instrutor
ter feito praticamente tudo por ela para evitar mais erros. Assim
funciona o Brasil oficial. Quando se paga por fora, vale tudo, mas
acontece; quando não, busca-se pelo em ovo e a coisa não anda.
“Limpar” pontos da carteira de habilitação era um negócio
tão explícito que faixas tomavam conta de toda a cidade de São Paulo. A
lei Cidade Limpa ajudou a diminuir, mas vez outra aparece alguns
anúncios. Cada lugar tem o modo próprio dos seus golpes oficializados.
No desfile das escolas de samba no Anhembi é de doer a
omissão dos órgãos oficiais. Primeiro, se proíbe entrar com comida e
água. Lá dentro, um cachorro quente, apenas com pão, salsicha e alguns
grãos de milho custa 7,00 reais. Quando permitem entrar com uma garrafa
d’água, que custa 1,50 fora, os controladores da entrada retiram a
tampinha “para evitar que atirem na pista”. Lá dentro se consegue as
garrafas lacradas com as mesmas tampinhas ao custo de 5,00 reais.
Outro exemplo de golpe corriqueiro é a proibição de tirar
fotos com as máquinas próprias em festa de formatura. Nem mesmo
contratar um fotógrafo do seu gosto é permitido. É o verdadeiro golpe
casado.
No caso dos desfiles, o espaço é público, jorra dinheiro
público para as escolas e o evento se torna uma mistura que ninguém sabe
onde termina o público nem onde começa o privado. Isso serve para não
identificar responsáveis com clareza quando precisar, como no caso da
boate Kiss, em Santa Maria/RS.
Fiscalizar talvez seja a função mais essencial da
administração pública. Nela, a omissão é a regra e a corrupção grassa
país afora. Os preços deveriam ser tabelados dentro dos sambódromos ou
de quaisquer eventos públicos para evitar os abusos, que começa com o
preço dos ingressos. Em São Paulo custou de 80 a 120 reais nas
arquibancadas, mesmo com a derrama de dinheiro público para as escolas.
Com relação às formaturas, cada pessoa poderia ser livre
para levar sua máquina ou seu fotógrafo. O argumento de que o espaço não
poderia comportar tanta gente não passa de desculpa, afinal, a maioria
iria apenas levar suas máquinas e “revelar” quando quisesse ou pudesse.
De novo, caberia uma fiscalização sobre o preço abusivo das fotos mais
valiosas do mundo.
Esse funcionamento “casado”, formando uma verdadeira teia
de aranha, com abuso nos preços, ocorre também nas casas de shows,
buffet, prestação de serviços de TV, internet e outros. Muitos são
verdadeiras cadeias particulares, mas todas deveriam ser fiscalizadas,
além de muitos emaranhados desses pertencerem ao próprio poder público.
E o pior, nesses eventos um questionamento é rechaçado com ameaças e não
se tem a quem recorrer. Como sempre, o cidadão fica apeado no meio deste
misto de ganância particular e negligência pública. |