Ural do Norte, Rússia: – 54 anos depois:
'Não
vá lá': O
misterioso perecimento do grupo de Ígor Dyátlov
Esta história misteriosa se passou em 1959, no Ural do Norte, na
Rússia. O ocorrido impressionou
as
mentes de milhões de pessoas e continua a atormentar pelo seu mistério
insolúvel.
'O que silencia a Montanha dos Mortos'
– Parte 2/4
Por
Natália Dyakonova*
De
Moscou/Rússia
Para
Via
Fanzine
02/02/2013
O
Passo Dyátlov.
Leia também:
Nota do editor:
'Não vá lá: a aventura final'
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 1/4
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 2/4
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 3/4
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 4/4
O misterioso caso de Ettore Majorana
O estranho sumiço de Valentich
Caso Rivalino: homem desaparece em Minas Gerais
Triângulo das Bermudas: o mistério tem três lados
Os mistérios milenares do Roncador
A Misteriosa 'Z' e o coronel Fawcet
Akakor: Uma fraude chamada Tatunca Nara
Lendo os diários dos turistas...
Os diários encontrados com o grupo foram lidos
com atenção e aqui, vamos folheá-los também, caro leitor. Esses
registros podem ser usados para restaurar os eventos dos últimos dias naquela trágica
caminhada e o estado de espírito do grupo. Como
já foi mencionado, o diário geral foi escrito por todos os turistas, no
seu respectivo turno.
Os trechos dos diários vão acompanhados de
algumas notas nossas, assinaladas em colchetes.
Zina escrevendo o diário.
Do
diário de Zina Kolmogórova:
28.1.59
Há tempo que já é hora de sair, e tanta moleza,
tanta moleza. Não
entendo como é possível gastar tanto tempo para ficar prontos.
Já andamos os primeiros 30 minutos. É claro que a mochila é um tanto pesada, mas caminhar é
possível. O
primeiro dia sempre é difícil. Sashka Kolevátov estava provando o seu
dispositivo e deixou.
A segunda pousada. Caminhar ontem sem mochilas foi muito mais fácil.
Neve, neve, neve, neve,
Pelas margens dos rios gelados
Está
Nevando, nevando.
No
vale do Lozva.
Um
breve descanso sobre as mochilas. Os jovens aproveitam-no para fazer
fotos;
Zina está escrevendo algo, como de costume.
O almoço foi aproximadamente às 4 horas. Depois do jantar, fizemos uma jornada e pousamos. Eu costurava a tenda. Deitamos para dormir.
29.1.59
Yúrka [Yuri Doroshenko]
faz aniversário hoje. Caminhamos
pelo Lozva primeiro, depois voltamos para o Áuspiya. Os
lugares são lindos.
Ao longo do Áuspiya tinham passado os mansi. É visível o
traço, os entalhes, também a trilha. As marcas são encontradas com
frequência nas trilhas. Eu
me pergunto o que eles escrevem?
Os
sinais mansi esculpidos nas árvores.
Indicam a família que
está caçando na área,
que tipo de animal foi
morto e que há perigo e é preciso ter cuidado.
Agora, a pequena trilha gira estritamente para
o sul.
Agora, estivemos sentados os três: Rústik
[Rustem Slododín], Yúrka e eu. Estamos
esperando pelo resto.
Pousamos para o pernoite perto da pista de
esqui. Yúrka e eu serramos a lenha.
30.1.59
Nós vamos pelo Áuspiya, aiserm
[expressão mansi que significa “faz frio”; os turistas aprenderam
algumas palavras mansi com os moradores da vila
41o Kvartal, no
início da caminhada]. A
pequena trilha mansi terminou.
Floresta de coníferas. De manhã, estava um solzinho, mas agora, aiserm. Nós
caminhamos o dia inteiro pelo Áuspiya. Pousamos para o pernoite na
pequena trilha mansi. Hoje,
não conseguimos obrigar Kólya
[Nikolai Thibeaux-Brignoles] a
ficar de plantão, por isso, estivemos de plantão Rústik e eu.
Thibeaux, Zolotaryov, Slobodín e Dubínina.
Queimamos as luvas e a segunda jaqueta
acolchoada de Yúrka.
Ele está praguejando todo o tempo.
O
humor sempre ajuda: Yuri Doroshenko posando com a camisa acolchoada
queimada.
Hoje provavelmente vamos construir um labáz
[termo
russo para armazém temporário
para acondicionamento de mantimentos].
(Esta é a última das entradas no diário de Zina).
Trechos do diário geral
28
de janeiro.
Pela manhã, todos foram acordados com o ruído
monótono das vozes de Yúrka Kri [Gueorgui Krivoníschenko; no idioma russo, os
nomes ‘Yuri’ e ‘Gueorgi’ são consideradas variantes do mesmo nome, dali
o mesmo apelido dos dois rapazes do grupo, Yuri Doroshenko e Gueorgui
Krivoníschenko] e
Sashka Kolevátov. O
tempo ainda nos está sorrindo, pois fazem -8 graus.
Saímos às 11:45. Caminhamos
pelo rio Lozva acima. Cada um
está abrindo a trilha por 10 minutos. A
profundidade da neve este ano é muito menor do que no ano passado. Muitas
vezes temos que parar e raspar a neve molhada dos esquis, porque ainda
se encontra alguns lugares descongelados.
Semyon Zolotaryov limpando os esquis da
neve molhada.
As margens do rio na área de Vtoróy
Séverniy são rochosas,
especialmente, a margem direita, depois, as rochas (estratificadas, de
calcário) são encontradas apenas em alguns lugares, tornando-se
finalmente inclinadas as margens, sendo cobertas totalmente pela
floresta.
Margens rochosas do rio Lozva
Pousamos às 5:30 na margem do Lozva.
Hoje foi a nossa primeira noite na tenda. Os
rapazes estão ocupados com o fogão e pregando a cortina a partir do
lençol. Fazendo algumas
coisas, sem fazer outras, nós sentamos para jantar.
Dubínina, Krivoníshenko, Thibeaux e Slobodín: ótimo humor, apesar do
cansaço.
Dubínina, Slobodín, Thibeaux e Kolmogórova
Depois do jantar, permanecemos sentados ao redor do fogo por um longo
tempo, cantando canções de alma. Zina
até está tentando aprender a tocar o bandolim sob direção de Rústik,
nosso músico principal. Depois,
uma e outra vez é renovada a discussão, sendo que todas as nossas
discussões durante esse tempo eram principalmente sobre o amor. Alguém
tem a idéia de taquigrafar todos os nossos pareceres, ou redigir um
caderno especial a esse respeito. Fartando-se
de conversar, nós duas, juntamente, arrastamo-nos para dentro da tenda. O fogão
pendurado irradia calor e divide a tenda em dois compartimentos. No
compartimento do fundo, nos acomodamos Zina e eu. Ninguém
quer dormir ao lado do fogão, e decidimos colocar lá, Yúrka Kri (do
outro lado, se acomodou Sasha Kolevátov). Yúrka,
após permanecer deitado por um ou dois minutos, não suporta, passando
para o segundo compartimento... Depois
disso não conseguíamos dormir ainda por muito tempo, sempre discutindo
sobre algo, mas, finalmente, tudo ficou quieto.
Lyuda Dubínina
29.1.59
É o segundo dia que estamos esquiando. Caminhamos a partir da pousada no Lozva até a pousada no
rio Áuspiya. Andamos
ao longo da trilha mansi. O
tempo está bom: 13 graus centígrados negativos. Vento fraco. No Lozva, com frequência encontramos as náleds
[náled:
termo de origem russa para os maciços
de gelo, dispostos em
camadas sobre a superfície do
solo, gelo ou
estruturas de engenharia. Tais maciços são formados a
partir do congelamento das águas
naturais ou artificiais, derramadas ou precipitadas periodicamente].
É tudo.
Kólya Thibeaux
Zina reparte açúcar durante uma breve pousada:
os
hidratos de carbono ajudam a repor a energia.
30
de janeiro de 1959
O diário é escrito durante o caminho, no frio,
em movimento.
Hoje é a terceira pousada fria
[pousada
sem acender o fogão] na margem do Áuspiya. Começamos
a nos habituar. O fogão
é a grande coisa. A
cortina: os lençois pendurados mostram-se plenamente justificados. O
despertar é às 8:30. Após
o pequeno-almoço, seguiremos pelo rio Áuspiya, mas, novamente, essas
náleds nos impedem de avançar. Fomos
ao longo da margem, seguindo a pista do trenó de renas. No
meio do caminho, encontramos o acampamento mansi. Sim,
mansi, mansi, mansi. A
palavra está surgindo cada vez mais em nossa conversa. Os mansi
são um povo do norte. A
r. n. de Khantia-Mansia [aparentemente, a abreviação empregada por
Zina é a de ‘região
nacional’, mas a denominação correta na época seria o ‘distrito
nacional’ de
Khantia-Mansia], pertencente à esta pequena nacionalidade, com o
centro em Salekhard, tem uma população de 8.000 pessoas. São um
povo muito interessante e original, que habita o Ural do Norte Polar,
perto da Óblast de Tyumen. Eles
têm sua escrita, sua linguagem e, como algo peculiar, os entalhes nas
florestas e os sinais especiais, representando um interesse particular.
Krivoníshenko olhando para os sinais mansi.
(Não aparece a assinatura debaixo dessa
entrada, mas foi Zina Kolmogórova que, às vezes, escrevia em
movimento).
30.01.59
Tempo: a temperatura na manhã é de -17
No dia: -13 C
Na noite: -26 C.
Forte vento sudoeste, está nevando, as nuvens
são espessas, há uma drástica diferença de temperatura. Esta
é característica do Ural do Norte.
Este é um relato peculiar da floresta. Esses
sinais
[mansi] falam sobre os
animais avistados, os acampamentos e indícios diversos e, lê-los, ou
decifrá-los, seria de especial interesse para os turistas, bem como para
os historiadores.
A trilha dos cervos terminou, começando a
trilha aberta, mas, depois acabou também. Caminhamos
pela camada da neve virgem, foi muito difícil, com a neve de 120 cm de
profundidade. A floresta
gradualmente está se rareando, há sensação de altura, começaram aparecer
as bétulas e os pinhos, anões e feios.
Zolotaryov, Doroshenko e Dyátlov: pode-se notar pelos
semblantes que os esquiadores estão muito cansados.
É impossível
caminhar pelo rio: não se congelou, havendo debaixo da neve, água e
náled. Novamente caminhamos pela margem, aqui mesmo, na pista de esqui. A
tarde está terminando, é necessário procurar um lugar para bivaque. Eis
aqui a parada para o pernoite. Há
um forte vento oeste, está
fazendo cair a neve do cedro e dos pinheiros, dando a impressão de uma
nevada.
Como sempre, fazemos rapidamente a fogueira e
instalamos a tenda sobre os ramos de coníferas. Aquecemos
um pouco perto da fogueira e fomos dormir.
(Sem assinatura)
Preparações para o pernoite: Kolmogórova (inclinada),
Zolotaryov, Dubínina e Kolevátov.
31
de janeiro de 1959
Hoje, o tempo está um pouco pior: há vento
(oeste) e neve (ao que parece, caindo dos abetos), ainda que o céu
esteja perfeitamente claro.
Saímos relativamente cedo (cerca de 10:00). Caminhamos pela pista de esqui, aberta pelos mansi. (Até agora, temos seguido a trilha mansi, pela qual, não há
muito tempo, passou um caçador montando os cervos).
Ontem, aparentemente, encontramos o lugar do
pernoite dele, os cervos não tinham ido mais longe, o próprio caçador
não seguiu os entalhes da trilha velha, e sobre o seu rastro nós vamos
caminhando agora.
Hoje, o pernoite foi surpreendentemente bom,
quente e seco, apesar da baixa temperatura (de -18 C a -24 C).
O
fogão na tenda. O fogão da caminhada foi construído pelo próprio Ígor
Dyátlov.
Hoje, caminhar é particularmente difícil. O rastro não é visível, com frequência estamos perdendo-o,
ou andamos às apalpadelas. Desse
modo, fazemos 1,5-2 km por hora.
Os
membros do grupo tinham que abrir a pista de esqui cada um por turno.
Estamos desenvolvendo novos métodos de uma
caminhada mais produtiva. O primeiro
atira a mochila e caminha por 5 minutos, depois volta, descansa por
10-15 minutos, depois, alcança o resto do grupo. Assim nasceu o método da abertura
ininterrupta da pista de esqui. A
parte mais dura toca ao segundo, que vá carregando a mochila pela pista
de esqui, aberta pelo primeiro. Pouco a pouco, estamo-nos afastando do
Áuspiya, a subida é contínua, mas bastante suave. Eis
aqui onde terminaram os abetos e apareceram umas ralas bétulas. Chegamos
ao limite da floresta. O vento
é oeste, quente, penetrante, a velocidade dele é semelhante à do ar
durante a ascensão do avião. Nast
[termo
russo para a crosta firme de neve gelada, que forma-se após um breve
degelo],
lugares escalvados. Nem
sequer há que pensar em montar um labáz.
O
mau tempo não permitiu montar o labáz.
São cerca
de 4 horas. Devemos
escolher o lugar de pernoite. Descemos
para o sul, ao vale do Áuspiya. Esse
é, aparentemente, o lugar de maior nevada.
O
pernoite no vale do Áuspiya em 31 de janeiro.
Vento leve pela neve de 1,2-2m de espessura. Cansados, exaustos, começamos a montar a pousada. A lenha
é escassa. Os
abetos são estiolados e úmidos. Fizemos
a fogueira nos troncos, não tivemos vontade de cavar um buraco. Jantamos direitamente na tenda. Faz calor. É
difícil imaginar um conforto semelhante em algum lugar da serra, com um
vento penetrante uivando, a centenas de quilômetros dos povoados.
Dyátlov
Aqui cessam as entradas no diário geral do grupo de Dyátlov.
O que aconteceu depois?
Pelas entradas nos diários vê-se que os
esquiadores não se moviam o suficientemente rápido conforme o planejado. Aparentemente,
a terceira categoria de
dificuldade estava começando
a ser sentida. Segundo lembra Yuri
Yúdin, que passou o trecho inicial da viagem com o grupo, “os
esquis se afundavam, havia uma náled incrivelmente difícil, uma vez a
cada 5 minutos (...) em cada
esqui, havia meio metro da neve molhada, e foi necessário limpá-lo. E
a rota foi planejada pelos rios, porque ir atravessando a taiga sem a
trilha era, todavia, mais difícil, através da neve chegando até o peito
(...). Portanto, Ígor
compreendeu a complexidade dessa situação, e ele me disse para que
comunicasse no instituto, que eles demorariam por dois ou três dias”.
Caminhar é difícil. O grupo vê-se obrigado a descansar com frequência.
Eles caminhavam lentamente, ora sobre a
náled, ora sobre a neve virgem, na qual precisavam abrir a pista de
esqui. Com frequência, descansavam sobre as mochilas ou simplesmente
apoiando-se sobre as varetas do esqui. Os turistas se cansavam, mesmo
saindo, às vezes, às 10 horas da manhã, perdendo assim, duas horas da
claridade do dia, tão valiosa nessa temporada do ano e reduzindo o dia
de caminhada em até 6 ou 7 horas. Como
resultado, em 31 de janeiro, eles gastaram metade do tempo previsto, mas
romperam apenas um pouco mais de um terço da rota planejada. Evidentemente,
havia um significativo atraso no horário inicialmente previsto por
eles.
Nas
paragens ermas do Ural do Norte.
Fragmento do depoimento de Gueorgui Atmanaki,
membro da equipe de resgate: “encontramos os
acampamentos do grupo, aparentemente, eles estavam muito exaustos,
porque nós estávamos fazendo regularmente, duas ou mesmo três jornadas
deles”.
Por volta das 16 horas do dia 31 de janeiro,
chegaram à beira da floresta, debaixo do passo, que mais tarde receberia
o nome de Dyátlov. Ventos
fortes sopravam das montanhas. O
lugar estava completamente aberto, e eles precisavam de árvores para
instalar um labáz. Por
isso, decidiram descer ainda mais abaixo, para o vale do Áuspiya, onde
havia árvores normais e lenha para o acampamento. Lá,
eles pernoitaram, na esperança de construir um labáz na
manhã e depois, sair para o Otortén.
As entradas no diário foram feitas regularmente, como regra geral, após
o jantar, ainda que Zina também escrevesse em movimento. Mas
o dia 1º de fevereiro nenhuma entrada foi registrada, nem no diário
geral do grupo, nem nos diários pessoais.
O que é que se sabe sobre as ações dos dyátlovtsy durante
esse dia?
Em 1º de fevereiro, Krivoníschenko marcou nos
croquis a localização do labáz (o
croqui é uma espécie do “esqueleto de mapa”, que se faz transferindo do
mapa para o papel os objetos mais importantes: caminhos, povoados, rios
e certos pontos importantes do trecho desejado do percurso). Foram
precisamente as suas marcas que ajudaram a equipe de resgate a encontrar
o labáz e
o lugar do penúltimo pernoite dos dyátlovtsy.
Comparando a rota normal para o Otortén com a
rota do grupo de Dyátlov, após a subida ao passo e a partir do vale do
Áuspiya, a investigação considerou que, nas condições de tempo mau, o
grupo poderia ter ido erroneamente a 500-600 metros à esquerda,
encontrando-se, deste modo, nas encostas do Kholat
Syakhyl. O que havia de fazer
em tais circunstâncias? Por
um lado, a direção era imprecisa. Por
outro lado, eles já tinham passado uma parte do caminho, cerca de dois
quilômetros, e tinham pena de voltar para o vale: caminhar era difícil,
com a neve, muito frio e vento, além disso, eles estavam atrasados por
um dia no seu horário. Foi
por isso que instalaram a tenda nas encostas da montanha.
No entanto, este parecer não foi aceito por Serguei
Sógrin e Moisei Akselrod, turistas muito experientes do Instituto
Politécnico de Ural (UPI), que tinham participado das operações de
busca.
Fragmento do depoimento de Moisei Akselrod:
“1º de fevereiro. O
grupo se levantou tarde. Tarde,
porque no dia anterior, de acordo com o diário, o grupo tinha estado
muito cansado, como também porque na manhã, ou ainda tarde na noite,
depois de ter sido escrito o diário, tinham decidido fazer um labáz, com
o fim de deixar livres os ombros, fatigados com a caminhada anterior,
durante pelo menos três dias, como também aumentar a velocidade do
movimento. De manhã, o
grupo se levantou às 11 e começou a montar o labáz. Enquanto
estavam fazendo o labáz, considerando o que levariam consigo e o que
deixariam (na véspera, eles não tinham feito isso, pois o arranjo do
labáz ainda era discutido), estava pronto o pequeno-almoço. Foi
cerca das 2 horas. E
eu acho que o grupo teria saído, mais cedo, às 2:30, propondo resolver
uma das duas tarefas.
1) Passar de uma floresta para a outra, do vale
do Áuspiya para o vale do Lozva; ou,
2) dado o fato de que, durante vários dias o grupo tinha estado
caminhando por uma neve excepcionalmente profunda, sobre a qual, o
movimento resulta ser extremamente fatigante, considerando que o grupo
tinha descansado bem nesta parada semidiurna e comido tarde, —
considerando tudo isso, optariam por avançar o mais longe possível pela
borda da floresta, sem entrar nela (por razão da neve profunda), na
direção do Otortén, a fim de se encontrar já com certeza perto do
próprio Otortén na noite seguinte. O grupo
com mochilas leves sai para a rota; mas a hora relativamente tardia,
cerca das 5 horas, uma visibilidade má, ou, mais certamente, a falta da
visibilidade, faz com que o grupo pare, a fim de pernoitar fora da
floresta. Isto não é
excluído por nenhuma das opções oferecidas aqui. Foi
realmente justificada a decisão de passar a noite sobre a terra nua (eu
evito premeditadamente a palavra ‘encosta’, pois acho que a encosta como
tal não desempenhou nenhum papel no seu perecimento)? Na
minha opinião, sim. Por
quê? No ano passado,
no Ural Polar, tivemos quatro pernoites assim. Todos
passaram em condições tais, quando as razões de segurança do grupo
ditavam a necessidade de ficar onde há espaço para instalar a tenda,
enquanto, todavia, há tempo claro. Isso ocorreu
durante frios consideráveis (-25, -30C), e não houve razões para
reconhecer tal decisão como taticamente errada. Assim, Dyátlov tinha
precedentes, e ele parou para a noite, sem se acovardar, sem se submeter
cegamente às forças da natureza...”
Fragmento do depoimento de Serguei Sógrin:
"Avistando do topo do passo uma funda descida
para o Lozva, Dyátlov decidiu ir pelas alturas, o que é muito mais
cômodo do que o movimento pela neve profunda, no fundo do vale, a partir
do qual nada pode ser avistado. Portanto, em 1º de fevereiro, o grupo
não chegou a descer do passo para abaixo, mas seguiu avante pela encosta
em direção ao Otortén. À
noite, na encosta da elevação ‘1079’, foi instalada a tenda”.
Nas últimas fotos dos turistas, de fato, pode-se ver que naquele dia o
tempo não era favorável a eles: havia uma nevada espessa e ventos
fortes, quando eles aparecem pela primeira vez usando máscaras de esqui
cobrindo o rosto.
Foto da última jornada do grupo, 1º de fevereiro. Vento e neve.
A
última jornada, num momento de muito má visibilidade.
Decidiram então parar para descansar, tendo
passado apenas cerca de dois quilômetros do acampamento anterior. A
encosta era declive, a inclinação, seguramente, menor que 20 graus. Cavaram
um buraco na neve profunda, colocaram os esquis pranchas para cima,
instalando a tenda sobre estas. Segundo
conclusão da investigação, fundando-se na opinião dos especialistas, a
tenda foi instalada de acordo com todas as regras turísticas e
montanhistas, fornecendo ao grupo uma pousada tranquila.
Na
encosta do Kholat Syakhyl: a última
instalação da tenda.
Pode-se notar que Ígor Dyátlov está aflito: novamente,
o
grupo tem um atraso no seu plano de horário.
Parece que Dyátlov teria decidido
antecipadamente que seria possível fazer uma pousada fria, uma vez que
eles iriam caminhar apenas a metade do dia, depois de um almoço quente. O jantar
mesmo se planejava frio. Levaram
consigo um pouco de lenha para preparar o pequeno-almoço; no entanto, o
fogão na tenda foi encontrado desmontado e colocado na cobertura.
A
investigação encontrou na parede interna da tenda uma folha de papel,
pregada com um alfinete, com uma ‘publicação’ gracejadora do jornal
estudantil “Otortén Vespertino”, datado de 1 de fevereiro. Yuri Yúdin
explica assim o título desse mini-jornal humorístico: “Em
Sverdlovsk, pouco antes da nossa caminhada, começou a se publicar o
jornal ‘Sverdlovsk Vespertino’, cujas matérias muitas vezes se
assemelhavam à imprensa amarela. Para aquele período, era um jornal
livre, e gozava de popularidade. Todos
os estudantes, independentemente das suas opiniões políticas ou, por
dizer, da sua atitude para com o partido e o governo, liam esse jornal,
e foi por isso que os companheiros puseram associativamente como título
desse papel, o ‘Otortén Vespertino’”.
Os turistas parodiaram as colunas tradicionais
do jornal, ficando o conteúdo da seguinte maneira:
“OTORTÉN VESPERTINO” № I
1 de fevereiro de 1959
Editorial: Celebremos o XXIo Congresso com o aumento da natalidade turística!
Ciência: Ultimamente, na comunidade científica
continua o animado debate sobre a existência do Abominável Homem das
Neves. Segundo os dados mais recentes, os Abomináveis Homens das
Neves habitam no Ural do Norte, na área do Monte Otortén.
Seminário Filosófico: “O Amor e o Turismo" — é
realizado diariamente na sede da tenda (corpo principal). As conferências são feitas pelo Dr. Thibeaux e a Candidata
a Dra. em Ciências de Amor Dubínina.
Adivinhação armênia: É possível aquecer os nove turistas com um fogão e um
cobertor?
Notícias de Tecnologia: Trenó turístico. Bom para ir de trem, de carro e a cavalo. Não é recomendado para transportar cargas pela neve. Para as consultas, favor se dirigir ao construtor-chefe camarada Kolevátov.
Esportes: A equipe de radiotécnicos composta
pelos camaradas Doroshenko
e Kolmogórova define um novo recorde mundial na competição para a
montagem do fogão — 1 hora 02 min. 27,4
seg.
Órgão editorial da organização sindical “Khibina”.
Quanto à “adivinhação armênia”: na época,
circulavam numerosas piadas satíricas muito populares, em vários
tópicos, incluindo os políticos, sobre a “rádio armênia”, no estilo “a
rádio armênia pergunta...”, “a rádio armênia responde...”.
Todo o comportamento dos turistas aponta que
eles não observaram nada de anormal ou alarmante, no grupo prevalecia
uma calma absoluta. A tenda foi instalada como de costume; não se
preocupavam com o tempo, nem esperavam visitas desagradáveis, nem
montaram patrulhas, mas em vez disso, escreveram um jornal alegre e
trocaram de roupa (ou ainda estavam se trocando). Durante
a jornada, os esquiadores vestem-se com trajes leves, mas antes de
dormir trocam obrigatoriamente a roupa, vestindo-se o mais calorosamente
possível e calçando os seus pés nos válenqui (botas
altas de feltro) ou búrqui (botas
de lã feltrada).
A julgar pelo fato de que na tenda foram cortados pedaços de bacon,
encontrando-se ao lado deles a faca pertencente ao grupo, como também
várias peles de bacon (as quais necessariamente teriam sido removidas da
tenda após a refeição e antes de dormir); havendo também cacau em cantil
e restos de mingau de aveia (provavelmente, cozido ainda durante o
almoço), pode-se deduzir que os turistas estavam se preparando para o
jantar. Então, precisamente aí “o momento X” chegou para eles.
No
mapa, estão marcados: o último acampamento do grupo de Dyátlov, com o
labáz, em 31 de janeiro;
o
caminho do lugar do último acampamento para o monte Kholat Syakhyl; a
tenda e as pegadas mostrando a fuga
a
partir da tenda até o cedro. A linha rosa pontilhada mostra o passo que
a partir de então leva o nome de Dyátlov.
Fragmento do depoimento de Vladislav Karélin,
graduado do UPI, turista, participante das operações de busca:
“Armando a tenda, o grupo começou a se
alojar para o pernoite e preparar uma ceia fria. Neste
momento, foram assustados por alguma coisa, e correram para fora da
tenda descalços. As pessoas,
como aquelas que estavam no grupo de Dyátlov, só poderiam se assustar
com um fenômeno fora do comum. Um assobio
do vento, um barulho, um fenômeno celeste, mesmo um tiro único não
poderiam assustá-los. (...).
Falando em geral, o grupo de Dyátlov só poderia se assustar com um grupo
de gente armada de pelo menos 10 pessoas, mas no lugar do acidente não
foi detectada qualquer evidência da presença de estranhos”.
Achados espantosos
Na manhã de 27 de fevereiro, os estudantes
Mikhail Sharávin e Evgueni Koptiélov, do grupo de Boris Slobtsov,
partiram pela encosta da montanha para baixo, seguindo a cadeia das
pegadas. Logo que, após uns
500 metros, as pegadas desapareceram, eles olharam em redor de si. À
frente, para baixo, se encontrava a borda da floresta. Não
muito longe dela, havia um vigoroso cedro, que estava alinhado com as
pegadas. Obedecendo a sua
intuição, os rapazes seguiram nesta direção. Abaixo,
viram novamente a cadeia das pegadas, sendo que estas, de fato, iam na
direção do cedro. Depois de
descer a encosta, os buscadores toparam com uma pequena saliência, da
altura de uns 5 ou 7 metros, subiram-na e acercaram-se para o cedro,
contornado-o da parte esquerda. Foi
aqui onde lhes esperava o choque: em frente deles, havia dois corpos
polvilhados de neve, perto do rasto de uma fogueira.
Dois corpos debaixo do cedro.
Quando a neve foi removida, verificou-se que
sob o cedro encontraram o seu terrível fim, Yuri Doroshenko e Gueorgui
Krivoníschenko. Além do mais,
Gueorgui não foi reconhecido imediatamente como tal, sendo que foi
tomado erroneamente por Zolotaryov: tão drástica foi a mudança causada
na aparência dos rapazes.
Os
corpos de Yuri Doroshenko e Gueorgui Krivoníshenko.
Estranha cor foi notada na tez e as mãos.
Ambos vestiam apenas camisas xadrez leves e
roupa interior, sem qualquer outra roupa. Não
tinham calçado. A tez de ambos estava com um estranho tom de marrom, as
mãos pareciam queimadas... Nenhum
dos dois estava na posição de quem tem morte por congelamento. O homem
congelado, que está sucumbindo ao frio, sempre assume a forma de uma
bola ou a “posição fetal”: puxa os joelhos contra o peito, se enrola ao
máximo para preservar o que lhe fica de calor interno no corpo. Os
dois turistas foram encontrados em poses completamente diferentes:
estendidos ao comprido, um deles deitado de costas, o outro, no abdome,
como se costuma ficar na areia da praia.
Segue o depoimento de Gueorgui Atmanaki,
participante das operações de busca (extraído da investigação
criminal):
“Aproximadamente a dois metros do local do
seu perecimento, atrás do cedro, se conservaram os traços da fogueira,
bastante grande, a julgar pelo fato de que as brasas remanescentes, com
um diâmetro de 80 milímetros, se tinham queimado até o ponto de serem
partidas em metade. Tudo estava polvilhado de neve, mas debaixo do cedro
foi achada uma camisa cowboy, não se sabe de quem, um lenço, algumas
meias, um punho de casaco ou suéter e mais algumas coisas pequenas. Um
pouco mais perto do cedro, foram apanhados oito rublos de dinheiro, em
notas de 3 e 5 rublos.
Aproximadamente a 20 metros ao redor do cedro, se conservaram vestígios de
que, alguém que estava presente perto do cedro tinha estado cortando
ramos de abetos novos com uma faca. Se conservaram cerca de 20 cortes
desse tipo, ainda que não achamos os troncos próprios, exceto um. É impossível sugerir que esses cortes foram utilizados para
o aquecimento, uma vez que eles,
em primeiro lugar, não queimam devidamente e, além disso, havia uma
quantidade relativamente grande de material seco ao redor. Além
do mais, não houve
necessidade de cortar ou rachar, como todos
esses rebentos novos quebravam-se facilmente, mesmo com um pequeno
esforço. Você pode pensar que esse trabalho foi feito pelas pessoas,
que ora estavam muito enfraquecidas, ora tinham a mente nublada.
O
cedro. Nota-se abaixo os ramos e raminhos quebrados.
A
direita, o lugar da fogueira.
No próprio cedro, conservaram-se traços de
quebras frescas. Foi
quebrada a maioria dos ramos secos na altura de até 5 metros. Além
disso, o lado do cedro voltado para a encosta, na qual estava a tenda,
foi limpa de ramos na altura de 4 ou 5 metros. Esses ramos úmidos não
foram utilizados, uma parte deles estava atirada no chão, e a outra
parte estava pendurada nos galhos mais baixos do cedro. Parecia que as pessoas tinham feito algo como uma janela,
para que fosse possível avistar de cima aquela direção a partir do
cedro, donde eles vieram e onde se encontrava a sua tenda.
A quantidade de trabalho feito perto do cedro,
mesmo como a presença de muitas coisas que, evidentemente, não poderiam
pertencer aos dois camaradas encontrados, indica que perto da fogueira
se reuniu grande parte, se não todo o grupo (...)”.
No mesmo dia, a 300 metros no caminho do cedro
na direção da tenda, debaixo de uma bétula anã, foi encontrado o
terceiro corpo, coberto de neve apenas parcialmente.
Perto de uma bétula anã, um corpo quase coberto de neve.
Esse corpo era o de Ígor Dyatlov, com a cabeça
descoberta, estava descalço, vestindo um colete de pele, desabotoado no
peito. Sua postura também não estava consonante com a posição de uma
pessoa congelada. As mãos,
levantadas para o peito, pareciam estar tentando abrir as roupas, como
se ele estivesse ofegando. No
seu pé direito, estavam postas duas meias, uma de algodão, e a outra, de
lã, no pé esquerdo, apenas a meia de algodão. O relógio
quebrado na sua mão mostrava a hora, 5:31.
O
corpo de Ígor Dyátlov.
A exploração na encosta continuou. Após
algum tempo, Alma, o cão de
busca e serviço, encontrou o
quarto corpo debaixo de uma camada de meio metro da neve espessa. Era
o corpo de Zina. Os corpos de
Dyátlov e da jovem estavam separados por uma distância de
aproximadamente 330 metros.
O
corpo de Zina Kolmogórova.
Zina estava rígida em uma pose dinâmica, era evidente que ela esteve se
arrastando para a tenda. Estava
bem vestida: em cima da roupa interior, usava uma camiseta com mangas
compridas, uma blusa de vicunha (tecido a partir de algodão e lã)
vestida ao avesso, uma camisa cowboy, sobre a qual tinha posto um suéter
azul com o punho da manga direita arrancado. A
parte inferior do corpo também foi protegida por várias camadas de
roupa: leggings de lã, calças esportivas de algodão e calças de
esqui. Os seus pés estavam vestidos por três pares de meias, mas não
estava calçada. Na neve,
perto do seu rosto, havia manchas de sangue, por causa de epistaxe.
No mesmo dia, a tenda de Dyátlov foi
cuidadosamente examinada e lavrado um inventário de tudo o que lá foi
encontrado. O exame
confirmou que na tenda se encontravam quase todos os pertences pessoais
do grupo, como também os equipamentos públicos.
Trecho do depoimento de Evgueni Máslennikov,
expert em turismo, segundo encarregado das operações de busca:
“A tenda fica a 150 metros da crista do
contraforte (numa altitude de 900 m) da elevação ‘1079’. A
tenda foi esticada por sobre os esquis e varetas cravadas na neve, sua
entrada voltada para o lado sul, sendo as extensões laterais desse lado
intactas. No entanto, as extensões laterais do lado norte foram
arrancadas, ficando, portanto, toda a outra metade da tenda atulhada de
neve. A neve era pouca,
apenas aquilo que deixaram cair as nevascas durante o mês de fevereiro. Encontramos
na tenda: um machado de gelo, um par de esquis de reserva; diretamente a
10-15 m da tenda, estavam atirados os chinelos, as meias e o casaco de
pele pertencente à Dyátlov. Aqui
mesmo estava atirada a jaqueta
impermeável. Sobre a tenda,
estava colocada uma lanterninha chinesa acesa (mas não emitia luz). Na
tenda de Dyátlov, haviam 9 mochilas, 10 pares de esquis, 9 deles debaixo
do fundo da tenda, 8 pares de sapatos, 3,5 pares de válenquis (7 peças),
uns quantos jaquetões acolchoados e alguns outros pertences”.
Trecho do depoimento de Vadim Brusnitsyn,
estudante do UPI, participante das operações de busca:
“Por cima de todas as coisas, estava uma
vareta de esqui cortada em vários pedaços. Aparentemente, sobre ela foi
fixado o cume norte da tenda. Decidir
danificar a vareta, dado o fato de que o grupo não tinha outras de
reserva, seria possível apenas em circunstâncias especiais”.
Trecho da investigação criminal:
“A inspeção da tenda mostrou que foi
instalada corretamente e fornecia o devido alojamento para os turistas.
Dentro da tenda, estão postos dois cobertores, encontrando-se também as
mochilas, jaquetas impermeáveis e calças. Os
outros cobertores tinham sido amarrotados e se congelaram. Sobre
um dos cobertores, foram encontrados alguns pedaços de pele de bacon.
A disposição e a presença de objetos na tenda (quase todo o calçado,
todos os agasalhos, objetos pessoais e diários) testemunhavam que a tenda
tinha sido deixada de uma forma repentina, por todos os turistas
simultaneamente, sendo que, como
foi estabelecido posteriormente pela perícia forense, o sotavento da
tenda, para onde os turistas tinham colocadas as cabeças, foi cortado
a partir do interior em dois lugares, nos
trechos que permitem a livre saída de uma pessoa através dessas
incisões.
Nem na tenda, nem perto dela foram encontrados sinais da luta ou da
presença de outras pessoas”.
Em 28 de fevereiro, Vassili Tempálov, promotor
de Ivdel, iniciou uma investigação preliminar pelo fato do perecimento
dos turistas do grupo de Dyátlov.
O
dossiê da investigação criminal sobre o fato de perecimento de turistas.
Por esse tempo, a história dos turistas
desaparecidos gerou interesse em Moscou, quando o próprio Nikita Khrushchev, líder soviético,
enviou a seguinte instrução: “Encontrá-los
a qualquer custo”.
Desta maneira, o controle sobre as buscas dos
perecidos foi assumido pelos comitês regional e municipal do Partido
Comunista.
Radiograma:
“Ao camarada Máslennikov.
Após receber a sua mensagem telefônica, a
direção do comitê regional do partido adotou a seguinte resolução.
Primeiro: continuar as buscas dos camaradas
perecidos e encontrá-los, sem importar os esforços que isso custar.
Segundo: substituir os camaradas cansados, em
especial, os do grupo de Slobtsov. O
gorkom [comité municipal do partido] toma
medidas para substituir o grupo do mansi Kúrikov. O
radioperador deve ficar com vocês.
Anunciamos o plano de ação. Caso haja tempo adequado, para vocês serão enviados dois
helicópteros. Estes
trarão de 12 a 15 soldados de Busygin, armados com sondas. Caso
seja possível, no segundo voo serão enviados os sapadores com detectores
de minas. Vocês deverão enviar os cadáveres e 5 ou 6 camaradas
cansados”.
A tenda com as coisas nela encontradas foi
levada para Ivdel para a identificação, e os corpos de turistas, para
efetuar a autópsia. Alguns
dos estudantes que participaram das buscas retornaram para as suas casas
em 3 de março. Os rapazes estavam cansados, encontrando-se alguns deles
até em um profundo estado de estresse pela trágica morte dos
companheiros e os achados espantosos...
Em 2 de março, encontraram o labáz de
Dyátlov, que se localizava quase ao lado do campo da equipe de resgate.
A
equipe de busca encontra o labáz do
grupo de Dyátlov.
Radiograma de Evgueni Máslennikov para Sverdlovsk:
"03.03, 18:30
“As buscas no vale do Lozva falharam hoje. 22
homens foram até o passo, tendo que voltar por causa da nevasca, nenhuma
visibilidade. Em vez disso, coletamos a lenha e fortalecemos o
acampamento, preparando-o para a chegada do reforço.
O grupo de busca de Slobtsov e Kúrikov
encontrou a 400 metros da nossa tenda pelo Áuspiya acima, o labáz de
Dyátlov. Neste, foram achados víveres de 19 gêneros, de 55 quilogramas
de peso, como também a botica de reposição, botas quentes de Dyátlov, um
par de botas de esqui, um bandolim, um sortimento de baterias com luzes
e um jogo de esquis de reserva.
Movendo-se precisamente do lugar encontrado do
seu pernoite, onde ficou o labáz, para o passo, num tempo mau, o grupo
de Dyátlov poderia facilmente tomar a crista do contraforte da montanha
‘1079’ pelo passo ao Lozva. Mas o mistério principal da tragédia
continua a ser a saída de todo o grupo para fora da tenda. Além do
machado de gelo, a única coisa que foi encontrada fora da tenda, uma
lanterninha chinesa, no seu telhado, confirma a probabilidade da saída
para fora de uma única pessoa vestida, que deu a todos os outros alguma
razão para deixar apressadamente a tenda.
A causa pode ser algum fenômeno natural extraordinário, ou o voo de
um foguete meteorológico, que foi avistado em 1/II em Ivdel, e em 17/II,
pelo grupo de Karélin. Amanhã, continuaremos as buscas com as forças
novas e faremos o envio da carga planejada.
Máslennikov”
O voo deste “foguete
meteorológico” foi
avistado por muitos, mas vamos discutir isso em detalhe mais tarde.
A perícia médico-legal e o quinto corpo
Em 1º de março, chegaram voando a Ivdel, vindos
de Sverdlovsk o promotor criminal Lev Ivanov e o médico legista Boris
Vozrozhdiônniy. Todas as perícias médicas no decurso posterior da
investigação foram dirigidas precisamente por Vozrozhdiônniy.
A autópsia dos corpos pôde ser realizada apenas
em 3 de março, como tinham sido fortemente congelados e foi preciso que
se descongelassem a temperatura ambiente.
Seguem os detalhes principais dos volumosos
pareceres dos médicos legistas, Vozrozhdiônniy e a sua equipe, sobre os
quatro primeiros cadáveres de turistas.
Gueorgui Krivoníschenko:
tez de cor parda; na região temporal esquerda, há duas escoriações de
cor parda vermelha, da densidade do pergaminho; congestão nas regiões
temporal direita e occipital; escoriação no dorso do nariz, tornando-se
uma ferida na região do ponto e asas do nariz; lábios edematosos;
escoriações múltiplas de vários tamanhos na face, peito, coxas e pernas,
nos braços e palmas das mãos; parte traseira da mão esquerda edematosa,
aqui aparece uma ferida escalpada de 8 x 2 centímetros; ao longo do
punho esquerdo, há escoriações de 5 x 2,5 centímetros; sobre as falanges
médias dos dedos 4º e 5º, há uma profunda ferida de cor marrom escuro,
da densidade do pergaminho, com carbonização; uma considerável
queimadura da planta do pé e na perna esquerda; orelhas congeladas;
escoriações de vários tamanhos no lado direito do peito; órgãos internos
cheios de sangue; os pulmões de cor lilás escura, ao serem apertados,
fazem escorrer sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido
espumoso. A última ingestão de alimentos ocorreu de 6 a 8 horas antes da
morte. Nenhum vestígio de álcool. Causa da morte: hipotermia.
Yuri Doroshenko:
tez de cor parda; cabelo queimado na parte direita, na região da
têmpora, sincipício e occipício; vestígios de sangramento nasal; sobre a
bochecha direita há vestígios de um líquido cinzento espumoso, que
escorreu da boca (o mesmo líquido foi encontrado nos pulmões); perto dos
lóbulos de ambas as orelhas há estranhos setores pardos e sólidos, de 4
e 6 centímetros; mesmas escoriações sólidas, de 2 e 1,5 centímetros,
aparecem na parte interior do ombro direito, ao longo delas são feitas
umas incisões lineares; as falanges terminais dos dedos das mãos e pés,
congelados; múltiplas escoriações de diversos tamanhos nos braços e pés;
edema das meninges; os rins e o coração cheios de sangue; os pulmões de
cor cianótica vermelha, ao serem apertados, fazem escorrer em grande
quantidade o sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido espumoso.
A última ingestão de alimentos deve ter ocorrido entre 6 e 8 horas antes
da morte. Nenhum vestígio de álcool. Causa da morte: hipotermia.
Ígor Dyátlov: a cor da tez é descrita como
“cianótica vermelha”; escoriações de vários tamanhos na face, pálpebras
superiores, antebraço direito, braços e pés; sangue coagulado nos lábios
(a fonte do sangramento não é indicada); edema das meninges; órgãos
internos cheios de sangue; pulmões de cor lilás escura, ao serem
apertados, fazem escorrer sangue líquido escuro e um sanguinolento
líquido espumoso. A ingestão de alimentos ocorreu de 6 a 8 horas
antes da morte. Nenhum vestígio de álcool. Causa da morte: hipotermia.
Zina Kolmogórova:
a epiderme da face e as mãos de cor lilás vermelha; lábios edematosos,
de cor cianótica vermelha; congelamentos de 3º e 4º grau das falanges
dos dedos das mãos; escoriações de cor vermelha escura, da densidade do
pergaminho, nas pálpebras superiores, no dorso e na ponta do nariz;
escoriações múltiplas de vários tamanhos nas mãos e palmas das mãos;
ferida de 3 x 3 centímetros, com um pedaço de pele escalpado na mão
direita; uma grande escoriação no lado direito passando para as costas,
29 x 6 centímetros; edema das meninges; órgãos internos cheios de
sangue; pulmões de cor lilás escura, ao serem apertados, fazem escorrer
sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido espumoso. Manchas
cadavéricas de cor cianótica lilás estão dispostas no lado traseiro do
tronco (os peritos modernos acreditam que Vozrozhdiônniy tomou por
manchas cadavéricas o eritema gelado, que na década de 1950 ainda não
era classificado como um sinal separado da morte por congelamento).
Virgem. Nenhum vestígio de álcool detectado. A última ingestão de
alimentos ocorreu de 6 a 8 horas antes da morte. Causa da morte:
hipotermia.
Enquanto isso, na encosta da montanha Kholat
Syakhyl, as buscas continuavam.
Em 5 de março, Vladislav Karélin
e um dos soldados do grupo do tenente Potápov encontraram com a ajuda de
sondas o corpo de Rustem Slobodín. Ele estava sob uma camada de neve de
12 a 15 centímetros, a meio caminho entre Dyátlov e Kolmogórova, ou,
mais precisamente, a 150 metros de Kolmogórova e a 180 metros de
Dyátlov.
O
corpo de Rustem Slobodín.
Os três corpos se encontravam em linha reta
entre a tenda e o cedro. O corpo de Slobodín também estava em uma pose
dinâmica, de bruços, com a cabeça na direção da tenda, seu braço
esquerdo atirado para o lado, e o punho cerrado da mão direita, acercado
para o peito. O pé direito encolhido para o abdome, um dos pés calçado
em válenok (bota).
O outro válenok faltava.
Slobodín vestia um suéter preto, roupa interior quente, camisa cowboy,
calças de esqui, alguns pares de meias e um gorrinho de esqui na cabeça.
O relógio “Zvezdá” (“Estrela”) na mão esquerda mostrava 8 horas e 45
minutos. Em torno do corpo, formou-se o assim chamado “leito do
cadáver”, ou derretimento típico da neve sob um corpo ainda quente, com
o posterior congelamento e a formação da náled,
ou capa superficial de gelo.
Em comparação com o restante de cadáveres,
Rustem apresentava traumas mais graves. Apesar da evidente falta de
lesões externas e marcas do golpe, ele foi diagnosticado com uma fratura
no crânio. O exame forense revelou o seguinte.
Rustem Slobodín:
epiderme da face de cor cianótica vermelha; a epiderme do tronco,
membros superiores e inferiores, de cor cianótica rosa; escoriações
menores de cor parda vermelha na testa, e acima destas, dois arranhões
de 1,5 centímetros de comprimento; na pálpebra superior do olho direito,
havia uma escoriação de cor parda vermelha, com a congestão nos tecidos
subjacentes; sangue coagulado no nariz; lábios edematosos; na metade
direita da face “um pouco edematosa”, múltiplas escoriações menores de
forma irregular; na metade esquerda da face, escoriações da mesma
natureza; escoriações na região dos nós dos punhos; escoriação de cor
parda ao longo da borda da palma esquerda. O exame interno revelou: nas
regiões dos músculos temporais direito e esquerdo, congestões difusas
com a impregnação dos tecidos moles; a partir da borda dianteira do osso
temporal esquerdo para frente e para cima, há uma fenda de até 6
centímetros de comprimento, e com o desconjuntamento de bordas de 0,1
centímetros, a fenda localiza-se a uma distância de 1,5 centímetros da
sutura sagital; desconjunções da sutura temporocoronal dos ossos do
crânio a esquerda e direita (classificadas como 'post-mortem'); os ossos da
base do crânio intatos; falta da congestão claramente definida nos
tegumentos subcerebrais; os pulmões de cor cianótica vermelha, ao serem
apertados, fazem escorrer abundantemente um sanguinolento líquido
espumoso e sangue escuro líquido; presença de manchas cadavéricas de cor
cianótica avermelhada na parte traseira do pescoço, tronco e
extremidades (os peritos modernos acreditam que Vozrozhdiônniy tomou por
manchas cadavéricas o eritema gelado, que na década de 1950 ainda não
era classificado como um sinal separado da morte por congelamento).
Causa da morte: congelamento.
Opinião do perito Boris Vozrozhdiônniy: “O
indicado trauma no crânio foi ocasionado por um instrumento contundente.
No momento do seu surgimento, indubitavelmente, causou um curto
aturdimento de Slobodín, contribuindo com que ele se congelasse o mais
rapidamente possível. Considerando as lesões acima mencionadas, Slobodín
nas primeiras horas, a partir do momento em que foi abatido,
encontrava-se em capacidade de se mover e se arrastar”.
Esquema de fratura do crânio que recebeu Slobodín.
Com isso, o leitor deve lembrar que o cadáver
de Slobodín não tinha características externas deste suposto “golpe
ocasionado por um instrumento contundente”. O fato é que o
perito simplesmente não foi capaz de encontrar nenhuma outra explicação
para esse estranho trauma no crânio.
O
caráter segredo do caso e o funeral
O caso do perecimento de turistas do grupo de
Dyátlov foi imediatamente cercado por um véu de silêncio. Muitos dos
participantes das buscas tiveram que assinar a obrigação de
não-divulgação das informações. A imprensa guardou silêncio.
Lembrou o juiz de instrução Vladimir Korotáyev,
que investigou o caso durante os primeiros três dias:
“Os jornalistas, vieram muitos. Eu me
encontrei com um do jornal “Rússia Soviética”... Klinov, o promotor
regional, bateu com o punho: ‘Que não haja nenhum jornalista aqui!’. E
todos desapareceram como que por encanto”.
Vladimir Korotáyev
Apenas dois jornalistas puderam visitar a cena
dos acontecimentos.
Um deles, Yuri Yarovoy, trabalhou no jornal
local do Ural. Viajante experiente, ele participou das buscas do grupo
de Dyátlov, atuou como testemunha e fotografou os corpos para a
investigação. Posteriormente, em 1966, publicou a novela “Categoria mais
alta de dificuldade”, baseada na história dramática do grupo de Dyátlov.
Mas, em 1959, ninguém publicou nada sobre o perecimento de turistas.
O segundo jornalista, Gennadi Grigóryev, esteve
em Ivdel por acaso, retornando de outra missão, da qual foi o
encarregado pela redação. Segue uma anotação de seu caderno.
“No segundo dia da minha estadia em Ivdel
ouvi dizer que sumiram 9 pessoas. Eu estava tão cativado, cheguei-me a
interessar cada vez mais pelas buscas. Já não conseguia lidar com o meu
trabalho, fui para o aeroporto, e uma hora depois estava voando. Quando
avistei do avião a tenda e as pessoas, já não me interessava mais nada,
exceto as buscas. Pedi para que me levassem no helicóptero às montanhas.
Mas não me aceitaram. Eles disseram: “Para que? Não é permitido escrever
sobre isso no jornal”... Depois, voltaram os helicópteros. Descarregam
os cadáveres. Todos cobertos de neve. Gelo no cabelo. Foram fechados com
lençois e colocados em uma maca, num caminhão. Após o voo, o general,
que veio hoje de UralVO [circunscrição militar do Ural], reuniu
aos pilotos, e eles aconselharam sobre os voos posteriores. Aos pilotos
foi-lhes trazido o almoço de refeitório e eles partiram para o voo
novamente”.
Todavia, mais tarde, graças ao coronel Ortyukov,
encarregado das operações de busca, Grigóryev conseguiu visitar o passo,
reunindo-se com as equipes de busca, mas apenas por pouco tempo, pois
muito em breve ele foi ordenado a retornar.
Em Ivdel, encontrou-se com Yuri Yarovoy.
“Ele
[Yarovoy],
tinha estado lá de 22/02 a 03/03, com uma câmera fotográfica e bem
vestido, como um turista. Ele me contou algumas coisas. Assim, os
rapazes [das equipes de busca], ao chegar, estavam ansiosos por
resgatar os seus companheiros. Depois, quando viram os cadáveres,
ficaram deprimidos. Mas todavia mantinham a esperança de que os outros
ainda estivessem vivos, e estavam apressados para ir buscá-los. Mas
quando encontraram o labáz, perderam o ânimo. Começaram, então, a buscar
por mortos. Foi especialmente pesado ver os sinais da luta pela vida: os
dyátlovtsy tinham rasgando as suas roupas, atirando-as no fogo, para que
não se apagasse. Eles lutaram por suas vidas como homens de ferro. Você
nunca deve voar para lá sozinho, sem treinamento. Pode acabar mal para
você. Além do mais, não são bem-vindos lá todos aqueles que não sejam
turistas, pois consideram a gente estranha como um fardo’, me disse
Yarovoy.
Caminhamos ao longo de uma tranquila rua de Ivdel. Yarovoy ficava feliz
de ter saido de lá. Por mais que ele tratasse de esconder de mim essa
alegria, não conseguiu. Ele tem feito as suas anotações, mas não me leu
nenhuma. É claro que ele guardou muito para sim. Provavelmente, também
vai escrever alguma coisa, e o fará mais rápido que eu”.
Não houve outros jornalistas na cena dos
acontecimentos.
Qual foi a causa do caráter tão extremamente
secreto do caso? Afinal, não são tão raros os casos do perecimento de
turistas em suas rotas. Mas aqui temos várias razões.
Em primeiro lugar, as buscas pelos turistas
atraíram interesse
do
mais alto nível, em Moscou. Nikita Khrushchev ordenou que os jornais
comunicassem sobre o sucedido somente após serem encontrados todos os
turistas desaparecidos. Mas as buscas demoraram, logo o caso passou para
a
papelada confidencial, desaparecendo por muitos anos da vista do
público.
Em segundo lugar, a história do perecimento dos
turistas não tinha nenhuma explicação razoável que a investigação e as
autoridades poderiam oferecer à sociedade agitada, o que gerou como
resultado uma série de rumores mais diversos...
Em terceiro lugar, naquele preciso momento, em
28 de fevereiro a 1º de março, na cidade de Sverdlovsk (onde moravam,
estudavam e trabalhavam os integrantes do grupo de Dyátlov) estava sendo
realizada a Copa do Mundo de Patinação de 1959 em um clássico poliatlo
entre as mulheres, ficando os funcionários do partido e do governo muito
temerosos de que os sussurros e boatos na sociedade sobre o perecimento
dos nove turistas fossem estragar o belo panorama geral.
Finalmente, cada funcionário do partido e cada
burocrata temiam muito receber a repreensão, ou algum outro tipo de
punição, por “ter permitido” ou “não ter assegurado”, bem como “não ter
controlado” a situação, etc. Por isso, foi do seu melhor interesse
extinguir qualquer informação extra.
Enfim, todas essas pessoalidades oficiais
chegaram a tal ponto, que começaram a sugerir muito insistentemente às
famílias dos jovens perecidos, para que estes fossem sepultados não em
Sverdlovsk, mas em Ivdel, prometendo edificar um monumento em sua honra.
Mas todos os parentes ficaram extremamente indignados com tal proposta e
a recusaram. Ainda assim, em 9 de março, as autoridades tentaram fazer o
menos perceptível possível, o funeral dos cinco primeiros turistas
encontrados em Sverdlovsk. No próprio UPI, alguém estava arrancando
constantemente o anúncio do tempo e do lugar do funeral. O cortejo
fúnebre foi obrigado a fazer seu caminho pelas ruas remotas e os
participantes não foram autorizados a ir para o cemitério a partir da
entrada principal, tendo que passar através de um buraco feito na cerca
especialmente com esse propósito.
O
cortejo fúnebre avança pelas ruas periféricas da cidade.
Muita gente assistiu ao funeral.
Apesar do sigilo oficial, muita gente assistiu
e a cidade encheu-se de rumores sobre o misterioso perecimento dos
jovens. Acima de tudo, muitos foram impressionados com a estranha cor da
pele dos perecidos: uns diziam que “parecia estar sepultando negros”,
outros notavam a cor laranja marrom dos rostos.
Lembra Vladimir Bogomólov, na época, estudante
do 2º ano do UPI:
"No
átrio da décima habitação coletiva estudantil na Rua de Lenin, sobre os
escabelos, estão expostos os ataúdes decorados com andrinópola,
albergando os corpos de Ígor Dyátlov, Zina Kolmogórova, Yuri Doroshenko
e Rústik Slobodín.
A
despedida.
As
tampas dos ataúdes permanecem abertas e, dando uma volta ao redor, todos
os que vieram se despedir deles têm a oportunidade de ver com os
próprios olhos as faces dos nossos amigos calados: apagadas que estão
com uma coloração marrom e escoriações. Em cima deles, inclinaram-se os
pais, parentes e amigos dos falecidos, inconsoláveis, com lágrimas nos
olhos. Nesse instante, fomos avistados pelos parentes de Zina
Kolmogórova, aos quais não há muito tínhamos visitado na sua aldeia,
depois da caminhada de agitação e propaganda em dezembro: tínhamos
cantado então, canções fogosas e líricas junto com Ígor e Zina. É claro
que, ao ver-nos, os parentes de Zina romperam novamente em soluços. É
difícil suportar, os olhos se enchem de lágrimas.
O
cortejo fúnebre alinha-se na Rua de Lenin e segue em coluna para o
Instituto Politécnico, para que os jovens amigos que nos estão deixando
possam se despedir dos edifícios acadêmicos da sua querida ‘Alma Mater’.
Tampouco, aqui permitem aos estudantes despedir-se com dignidade dos
seus amigos. O oficial de milícia
[corpo de guarda civil na URSS], parado na encruzilhada,
redirige a fila da Rua de Lenin para a Rua Kuzbásskaya. A fila move-se
pelo corredor até o muro desmontado do cemitério, na volta da Rua
Kuzbásskaya. Lá, já estão cavadas as sepulturas. Os ‘dyatlovtsy’ partem
no seu último caminho nas mãos cuidadosas dos seus amigos”.
Os pais de Gueorgui Krivoníshenko decidiram
sepultá-lo num outro cemitério, que ficava mais perto ao seu domicílio,
mas no mesmo dia com os outros.
O irmão de Gueorgi disse para o jornalista
Gennadi Grigóryev que eles, os familiares, tinham a impressão de como se
o Estado tivesse querido compensar alguma culpa sua: para o funeral, foi
cedida uma fina orquestra militar e tudo foi organizado por
representantes das autoridades, sendo que não foi requerido nenhum
esforço de parte dos parentes. Moisei Akselrod, que conhecia bem as
vítimas, lembra que a mãe de Krivoníshenko perguntou-lhe no funeral,
escondendo as lágrimas: “Diga-me, o meu filho morreu como um homem?”.
Mas para a data do funeral dos cinco turistas
encontrados, as equipes de busca ainda não conseguiram localizar os
corpos dos quatro restantes membros do grupo de Dyátlov. Será que eles
teriam sofrido um destino diferente?
Aguarde a parte 3/4 -
prevista para o dia 15/02.
* Natália P. Dyakonova
é licenciada em Filologia, diplomada em Pintura, autora de uma serie de
artigos sobre a Literatura, Arte e História. Pesquisadora e historiadora
por inclinação.
É consultora e correspondente em Moscou para o diário digital
Via
Fanzine e da
Rede VF (Brasil). É editora do blog
Protocivilización.
- Tradução: Oleg I. Dyakonov.
- Revisão final e
adaptação: Pepe Chaves.
- Imagens:
- As fotos do grupo
tomadas pelos próprios turistas estão na internet em livre acesso,
receberam a divulgação após o dossiê do caso ter sido acessado pelos
pesquisadores.
- O mapa de rota
foi confeccionado pela autora a partir de imagem do Google Earth.
Leia também:
Nota do editor:
'Não vá lá: a aventura final'
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 1/4
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 2/4
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 3/4
'Não vá lá': o misterioso perecimento do grupo de
Ígor Dyátlov - Parte 4/4
O misterioso caso de Ettore Majorana
O estranho sumiço de Valentich
Caso Rivalino: homem desaparece em Minas Gerais
Triângulo das Bermudas: o mistério tem três lados
Os mistérios milenares do Roncador
A Misteriosa 'Z' e o coronel Fawcet
Akakor: Uma fraude chamada Tatunca Nara
- Leia outras matérias exclusivas de
Natália Dyakonova em português:
Tradições do Natal e Ano Novo na Rússia: história e atualidade
Mistérios em torno do geoglifo no Ural
|