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entrevistas:
Entrevista com Ronaldo Schlichting Empresário, administrador de empresas e pesquisador na área aeroespacial. Por Pepe Chaves* Para Via Fanzine
VLS: sonho e vidas perdidas.
O doutor Ronaldo Schlichting é natural do Rio de Janeiro e reside em Curitiba/PR. Empresário formado em Administração de Empresas pela UFPR e nas horas vagas, pesquisador de assuntos da área aeroespacial, ele tem se mostrado um crítico ferrenho à conduta da Agência Aérea Brasileira e da FAB (Força Aérea Brasileira), quanto a alguns fatos notoriamente conhecidos e abordados na presente entrevista. Ronaldo Schlichting denunciou um possível atentado à Base Aérea de Alcântara, quando do incidente que fez 21 vítimas fatais e jogou por terra os planos do Brasil se tornar independente na inserção de seus próprios satélites em órbita. O empresário critica também a falta de uma política para os minerais estratégicos no país, sobretudo, o nióbio, o qual o país possui 98% das jazidas do planeta. Na entrevista, Schilichting comenta ainda, a viagem orbital até a ISS (Estação Espacial Internacional) realizada pelo astronauta Marcos Pontes (FAB/AEB), a qual, para ele, não trouxe benefício algum à nação, além de desviar significativas verbas do Programa Espacial Brasileiro, a chamada Missão Espacial Completa Brasileira – MECB, que desenvolve os Veículos Lançadores de Satélites (VLS). Na pauta, segue também suas ponderações sobre críticas que recebeu de uma acadêmica russa e sobre o notório acidente aéreo envolvendo duas aeronaves civis, um Boeing da Gol e um Legacy sobre o Estado do Mato Grosso, causando a morte de 154 pessoas, incidente que tem merecido sua atenção.
Via Fanzine: Ronaldo, como surgiu seu interesse pelas questões ligadas a Agência Espacial Brasileira (AEB), ao Programa Espacial Brasileiro o que o leva a fazer um acompanhamento voluntário do mesmo desde a sua criação? Ronaldo Schlichting: Por ter acompanhado de perto desde 1983 o processo de liquidação do projeto nacional de transporte urbano de passageiros conhecido como "Aeromóvel" [saiba mais em www.viafanzine.jor.br/ronaldo]. Em 1989 enviei uma carta ao então Ministro da Aeronáutica, (eu disse Ministro), estabelecendo um paralelo entre este e a Missão Espacial Completa Brasileira - MECB - alertando-o que as mesmas forças que agiram contra o primeiro também já estavam se organizando para destruir o segundo. Não sou profeta, mas acertei em cheio. A FAB fracassou em sua missão e ainda causou a morte de 21 patrícios.
VF: Sobre isso, o senhor denunciou que a explosão em Alcântara, que vitimou as 21 pessoas citadas, teria se dado de forma calculista, com o intuito de boicotar o programa brasileiro para Veículos Lançadores de Satélites (VLS). O que o levou a tal conclusão? RS: Simplesmente analisando as contradições do Brigadeiro Tiago da Silva Ribeiro comandante dos três lançamentos e a leitura dos pífios relatórios elaborados pelas três comissões que tentaram, mas não conseguiram, até hoje, determinar as causas dos fracassos relativos aos vôos 01, 02, 03.
VF: Recentemente, a Dra. Elizabeth Koslova, da Academia de Ciências Espaciais de Moscou criticou-o, dizendo que sua postura em relação à possibilidade de atentado aos VLS em Alcântara seria pura especulação, pois o Brasil teria consultado os EUA para que a Base de Alcântara fosse vendida para russos e chineses. Qual a sua opinião sobre as críticas e o que nos diz sobre os fatos em si? RS: Esta gente sempre está comprometida com algum lado, geralmente com o lado de lá. Como antes, nunca, nenhum estranho à comunidade científica tinha entrado fundo nesta questão e iniciado uma discussão, justamente através da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e, bateu a ciumeira.
VF: Sabemos também que o senhor passou a receber algumas retaliações e até perseguições, com direito a grampo telefônico instalado por um agente (araponga), após a divulgação de suas denúncias sobre Alcântara. Como se deram e qual foi o desfecho de tais fatos? RS: Sim, isto é verdade, mas as denúncias relativas as sabotagens em si, se estenderam também aos desvios de recursos do PNAE (Programa Nacional de Atividades Espaciais), ao ilegal "Acordo de Salvaguardas Tecnológica Brasil/EUA", também conhecido como "Acordo Sardenberg" e a participação "brasileira" no projeto da ISS, Estação Espacial Internacional, incluindo-se, o turista-militar-espacial Marcos Pontes. As ameaças começaram por e-mail e culminaram com a contratação de um policial civil da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná para me vigiar.
VF: A imprensa do Paraná noticiou que o dito araponga que investigava sua vida pessoal foi detido pela polícia de Curitiba e que o senhor foi intimado a depor neste caso. O senhor pode revelar, quem era e quais seriam os interesses dele? RS: Sim, o araponga Décio Raseira foi preso pela polícia a pedido da PIC (Promotoria de Investigações Criminais do Paraná). Com toda a certeza foi contratado para fazer um levantamento da minha vida a fim de encontrar algum "podre". Como não alcançaram este objetivo, a coisa parou por ai. Fui intimado pela PIC e lá prestei um depoimento de várias horas aos promotores Luciana Linero e Walber Alexandre de Souza, onde tive a oportunidade de passar para eles todas as informações e a documentação relativa aos fatos já narrados.
'FHC, cumprindo uma ordem de Bill Clinton quando da sua visita ao Brasil, assinou o tal "acordo" com a NASA. Mas, assim como Lula, ele também não sabia que o Brasil não dispunha dos meios científicos, técnicos e industriais para cumprir os seus termos'
VF: Além das denúncias sobre as ocorrências da explosão em Alcântara, o senhor escreveu também, pela mídia impressa e digital, alguns artigos criticando desvios orçamentários dentro da AEB, os quais vieram causar notórios atrasos aos projetos fundamentais do programa espacial brasileiro (MECB), como a conclusão dos VLS. Como teriam se dado tais desvios orçamentários e quem pode ser responsabilizado por eles? RS: O "acordo" para a participação brasileira na ISS é típico. Mesmo com verbas orçamentárias insuficientes a MECB avançava lentamente, mas avançava. Então, FHC, cumprindo uma ordem de Bill Clinton quando da sua visita ao Brasil, assinou o tal "acordo" com a NASA. Mas, assim como Lula, ele também não sabia que o Brasil não dispunha dos meios científicos, técnicos e industriais para cumprir os seus termos, para a construção do artefato que serviria para a operação da ISS. Entretanto, como o verdadeiro objetivo era o desvio da verba e não a fabricação da peça em si, o INPE e a AEB compraram da Boeing o projeto por R$ 18 milhões e gastaram o resto da verba, aproximadamente R$ 102 milhões em contratação de consultorias duvidosas, viagens, reuniões e outras despesas não especificadas, através de uma conta chamada de "contribuição institucional", simulando, tentar produzir o artefato encomendado; entretanto, não produziram um único parafuso. Quem deve ser responsabilizado? É óbvio: o Presidente da República. O TCU abriu processo para investigar o caso.
VF: Os projetos para os VLS serão retomados somente em 2008, devido aos cortes orçamentários da AEB. Para o senhor, qual deverá ser o futuro do programa espacial brasileiro? RS: Infelizmente, pelas informações que disponho o programa espacial próprio brasileiro acabou. A FAB não cumpriu sua Missão Espacial Completa Brasileira - MECB.
VF: O senhor sempre se manifestou publicamente contrário à viagem espacial do tenente-aviador, astronauta Marcos Pontes à órbita terrestre, a quem chamou de “garoto-propaganda da AEB”. Por que não se justificaria tal viagem, já que o militar estaria levando oito experimentos científicos, além da aquisição do know-how por colocarmos, pela primeira vez, um brasileiro no espaço sideral? RS: O Marcos Pontes, garoto-propaganda da NASA, é uma fraude e, assim como a ISS não faz parte do programa espacial brasileiro. Oito anos nos EUA fingindo treinar para ser astronauta e custando aos cofres públicos mais de R$ 40 milhões, um VLS e meio. Prova disso: após ele, uma milionária iraniana de 39 anos, naturalizada norte-americana, fez a mesma viagem. Foram três meses de treinamento e US$ 20 milhões pagos aos russos. E desde quando plantar feijões é experimento científico?
'Não temos governo e o Estado Brasileiro está sendo operado por uma plêiade de corruptos, controlados pela quinta coluna'
VF: Em seus artigos, inclusive, publicado por Via Fanzine, o senhor disserta sobre outra importante questão nacional, que é a do nióbio brasileiro, como também de tantos outros minérios raros que são exportados - de forma ilegal ou subfaturados - aos países desenvolvidos. Para o senhor, como o governo brasileiro trata essa realidade? RS: Primeiro, que governo? Segundo, se o Brasil tivesse um governo, este, por acaso, estaria tratando do caso? Se o Brasil parar de exportar nióbio o mundo pára. Atualmente 98% é produzido aqui, mas quem determina seu preço de compra e de venda é a Inglaterra. Estranho, não? Minas Gerais que o diga!
VF: Por que, ainda não existe no Brasil uma política semelhante a dos países árabes para com o petróleo, em relação aos nossos minerais estratégicos, dos quais, alguns, existentes praticamente só no país? RS: Porque não temos governo e o Estado Brasileiro está sendo operado por uma plêiade de corruptos, controlados pela quinta coluna. Estima-se que as nossas exportações anuais deveriam ser US$ 40 bilhões maiores, só pela exportação do nióbio.
VF: Como profundo interessado nas questões aeroespaciais, quais as suas impressões sobre o lamentável acidente ocorrido na região central do Brasil, envolvendo um Boieng B-737 da empresa Gol (com 154 vítimas fatais) e uma aeronave EMB-Legacy da Embraer, pilotada por civis norte-americanos? RS: Prezado Pepe, me classificam como um radical. Concordo, mas me considero um radical esclarecido, por tentar me aproximar da verdade e não esquecer dos fatos. Sábado, no dia seguinte à tragédia, divulguei a seguinte manifestação por e-mail ao CENIPA (cenipa@cenipa.aer.mil.br): “Até este momento nem imprensa, nem o DAC, nem a Gol divulgaram o plano de vôo do EMB - Legacy e a sua lista de passageiros, pilotado por um norte-americano, transportando norte-americanos, que invadiu a aerovia pela qual o vôo 1907 da Gol se dirigia de Manaus a Brasília e o derrubou, por que? O que estes norte-americanos estavam fazendo na região? O piloto está detido na base de Cachimbo onde fez pouso forçado depois da colisão?”. Nesta oportunidade eu afirmei que o Legacy tinha invadido a aerovia do Boeing da Gol. Não sou vidente mas acertei. Por que? Principalmente, pelo comportamento dos cidadãos do império nos países do terceiro mundo. Não é a primeira vez que uma colisão como esta acontece nos céus do Brasil, entre uma aeronave brasileira e uma norte-americana, causando um grande número de vitimas fatais. No final da década de 1950, um avião da US-Navy, transportando uma banda militar que fazia uma turnê pela América Latina - para cooptar os nossos corações e nossas mentes -, recusou-se a atender às ordens da torre do Aeroporto "Santos Dumont", não entrou no tráfego, fez uma aproximação direta, colidindo assim, com um DC-3 de uma companhia aérea nacional. Os seus destroços e passageiros caíram na baia da Guanabara. Não houve sobreviventes. Memória fraca da nossa imprensa, não? Temos mil e um exemplos sobre estes tipos de atitudes imperiais.
'Só entra na minha casa quem eu convido. Se isso é ser nacionalista de extrema direita, então eu sou um'
VF: Especula-se que no futuro a América do Sul poderá se transformar em um único bloco socialista, dirigido por uma bancada de ditadores vitalícios com ligações aos extremistas islâmicos e chineses maoístas. Como o senhor vê esta hipótese? RS: Os países andinos, exceto o Chile, poderão chegar a este ponto, mas Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, acredito que não.
VF: Alguns de seus leitores o criticam, afirmando que o senhor exagera em suas declarações e que estaria engajado em movimentos nacionalistas de extrema direita; enquanto outros, dão razões aos seus clamores sociais e até agradecem pelos serviços prestados à nação, ao vir denunciar/opinar em questões de interesse público. Como o senhor vê tais comentários? RS: Quem é o dono da sua casa? Você ou os seus vizinhos? Você ou o ladrão? A quem pertence os seus bens? Quem protege a sua família? Só entra na minha casa quem eu convido. Se isso é ser nacionalista de extrema direita, então eu sou um.
VF: O que o faz sacrificar sua vida pessoal, privacidade e até arriscar a integridade física ao vir colocar ao público algumas questões de interesse nacional, às quais, habitualmente, orbitam, altas negociações internacionais, interesses escusos e recursos financeiros exorbitantes? RS: Citando Edward Everett Hale, "Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso".
VF: Agradecemos pela entrevista e pedimos para nos deixar suas considerações finais. RS: Nós, brasileiros, abandonamos o Brasil à sua própria sorte.
* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br). - Colaborou: Fábio Bettinassi
- Foto: AEB / Arquivo Via Fanzine.
- Produção: Pepe Chaves. © Copyright 2004-2006, Pepe Arte Viva Ltda.
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Entrevista com Glauco Arbix Sociólogo, professor da USP e autor. Por Pepe Chaves* Para Via Fanzine
Professor Glauco Arbix
Glauco Arbix, 56 anos é natural de Americana-SP e reside em São Paulo-SP. É formado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Livre-Docente do Departamento de Sociologia da USP, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Group of Advisers do United Nations Development Programme (PNUD–ONU). Coordenador Geral do Observatório de Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP. Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2003–2006) e coordenador Geral do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE, 2003-2006). Professor do Departamento de Ciência Política da UNICAMP (1996-1997) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP, 1995). Realizou estudos de pós-doutorado na Universidade de Berkeley (EUA, 2008), na Universidade de Columbia (EUA, 2007), na London School of Economics (Reino Unido, 2002), no Massachusetts Institute of Technology, MIT (EUA, 1999) e na Universidade de Cornell (EUA, 1997).
O professor Arbix é autor dos seguintes livros: Inovar ou Inovar. A indústria brasileira entre o passado e o futuro (São Paulo-SP, 2007, USP/Editora Papagaio); Brasil, México, África do Sul, Índia e China: Diálogo entre os que Chegaram Depois, com A. Comin, M. Zilbovicius e R. Abramovay (eds) (São Paulo-SP, 2002, Editora Unesp/USP); Razões e Ficções do Desenvolvimento, com M. Zilbovicius e R. Abramovay (eds). (São Paulo, 2001, Editora Unesp/USP); Local Adjustment to Globalization, com M. Zilbovicius. Genebra: (São Paulo-SP, 2001, Editora OIT); De JK a FHC. A Reinvenção dos Carros, com M. Zilbovicius (eds). (São Paulo-SP, 1997, Editora Scritta); Uma Aposta no Futuro – Os Primeiros Anos da Câmara Setorial da Indústria Automobilística (São Paulo-SP, 1996, Editora Scritta). Nesta entrevista ele nos fala um pouco sobre o tema de seu último livro, a “inovação”. O professor Glauco Arbix imprime também, suas perspectivas sobre os desígnios da tecnologia nacional, dissertando acerca da internacionalização, do desenvolvimento e novos empreendimentos da indústria brasileira na atualidade.
Via Fanzine: Professor, o que devemos entender por “inovações tecnológicas”? Glauco Arbix: Inovação tem a ver com toda e qualquer idéia que ganha corpo e se concretiza no mercado, seja por meio de um serviço, seja por meio de um produto ou processo. Inovação que não sai das prateleiras ou dos laboratórios não é inovação. É apenas uma boa idéia, que ainda precisa ser interpretada, traduzida ou processada para chegar até as pessoas. Do ponto de vista econômico, inovação é uma idéia que ganha o mercado e gera retornos para quem a produziu. Em geral, uma empresa. Muitas entidades ou órgãos da sociedade são capazes de gerar inovações, como as Universidades, centros de pesquisa, ONGs. Mas o local por excelência produtor de inovação é a empresa, que trabalha para alcançar retorno para seu investimento e, com isso, dinamiza a economia e gera emprego e renda.
VF: Atualmente o Brasil pratica políticas de apoio e fomento às empresas que investem em inovações tecnológicas? GA: Há muitas políticas públicas e programas orientados para o estímulo da inovação. Nem todas são eficientes. A sociedade e a economia no Brasil ainda não são muito amigáveis à inovação. Ou seja, ainda é difícil inovar no Brasil, já que os riscos, os custos e a burocracia atrapalham muito.
VF: Neste caso, o que poderia ser feito? GA: A primeira preocupação cabe ao Governo, que deveria zelar para melhorar a infra-estrutura da economia, aliviar a carga tributária, diminuir a burocracia e estimular o surgimento de novas empresas. Toda sociedade avançada impulsiona a criação de empresas, seja facilitando o crédito, seja diminuindo custos administrativos e do trabalho. Ao mesmo tempo, há experiências positivas em vários países que poderiam ser utilizadas aqui no Brasil, como os incentivos à aproximação das empresas com as universidades; a montagem de sistemas de avaliação de desempenho das firmas; a criação de indicadores que permitiriam a comparação de suas atividades com a concorrência, dentro e fora do país. Há uma outra parte dessa história, tão ou mais importante, pois diz respeito ao setor privado. As empresas brasileiras ainda investem muito pouco em inovação. E isso não é bom para a economia e nossa sociedade. É preciso lembrar que a busca da inovação exige investimento nas pessoas, antes de mais nada. Sem pessoas esclarecidas, abertas a novas idéias, ousadas e preparadas tecnicamente, dificilmente as empresas e o Brasil vão poder avançar.
VF: Quais são as principais características da antiga e da nova indústria brasileira e o que diferencia ambas? GA: O Brasil é um país muito grande e contraditório. Há setores muito avançados que convivem lado a lado com segmentos muito atrasados. Os empresários que pararam no tempo são aqueles que não conseguem se adaptar às mudanças que ocorreram no mundo – e no Brasil – nos últimos 20 anos. Quem pensou um dia que poderia competir sacrificando bons salários ou comprometendo a qualidade de seus produtos ou serviços, dificilmente vai crescer e ganhar expressão. Hoje em dia, as empresas de futuro são as que apostam nas áreas intensivas em conhecimento. Não há um setor que esteja fora disso. Na velha indústria, a história era contada de modo a diferenciar os setores mais dinâmicos dos mais atrasados. Hoje não é bem assim, pois todos os setores, os de vanguarda e os mais maduros, precisam inovar para manter a sua fatia no mercado. Se quiserem aumentar sua participação, vão ter de inovar bastante, de forma sistemática.
'A Lei de Inovação foi um enorme avanço. Ficou parada no Congresso nacional por anos. Agora, com sua aprovação, todos os processos de aproximação e desenvolvimento conjunto de iniciativas entre o setor privado e as universidades foram facilitados'
VF: Em que consiste e como o senhor explica a chamada “contracultura da inovação”? GA: Inovação é quase sempre identificada à alta tecnologia, o que é um equívoco. A visão que limita a inovação à tecnologia está com o pensamento voltado apenas para as grandes empresas, capazes de investir muitos recursos em laboratórios, cientistas ou patentes. Essas empresas inovam, certamente. Mas há um número enorme de pequenas e médias empresas que conseguem mover a roda da economia inovando no dia-a-dia, com pequenas mudanças, que levam a outras mudanças junto aos seus fornecedores. E, dessa forma, como num dominó, acabam alterando o conjunto das engrenagens da economia. Países como a Noruega, Dinamarca, Holanda e Estados Unidos possuem, certamente, grandes empresas. Mas o oceano de pequenas e médias empresas que move suas economias está muito longe dos laboratórios e dessa visão esquemática de inovação. Essas empresas, que fazem desses países os campeões da inovação, diversificam permanentemente seus produtos e serviços, mudam suas marcas, alteram sua logística, oferecem novos modelos de negócio. E, na maior parte das vezes, fazem isso se utilizando de conhecimento maduro, já dado. Ou seja, não necessariamente produzem conhecimento novo. Essas empresas, em grande medida, combinam de forma inteligente um conhecimento já disponível na sociedade. Essa é a questão chave que deve nos ajudar a criar uma cultura da inovação pelo avesso, ou uma contracultura da inovação. É preciso mudar de hábitos, de mentalidade. Seria bom diminuir preconceitos e aumentar o nosso grau de tolerância. Saber ouvir e recombinar sugestões ajudaria bastante. Essa é a disposição essencial para transformar o Brasil num país muito mais inovador do que já é.
VF: Por favor, nos fale da “lei de inovação” e disserte sobre o nicho de empresas que poderá usufruir da mesma. GA: A Lei de Inovação foi um enorme avanço. Ficou parada no Congresso nacional por anos. Agora, com sua aprovação, todos os processos de aproximação e desenvolvimento conjunto de iniciativas entre o setor privado e as universidades foram facilitados. Não há bem um nicho, pois toda e qualquer empresa pode se utilizar dos benefícios da lei.
VF: O conceito da inovação está associado somente às empresas que trabalham com tecnologia de ponta ou pode ser também associado aos pequenos produtores, desprovidos de altas tecnologias? GA: Claro que as pequenas empresas são inovadoras. E, em muitos países, são mais inovadoras que as grandes, pois não tem muito a perder. Se pegarmos a lista das 500 maiores empresas norte-americanas, cerca de 60% delas não existiam há 20 anos. Isso significa que elas cresceram nas barbas dos grandes conglomerados. Tornaram-se grandes hoje. E puderam fazer isso porque surfaram as ondas da sociedade que valoriza a informação e o conhecimento. Empresas como a Google, Yahoo, Sun, Oracle, Microsoft, Apple, para citar apenas algumas, eram pequenas há alguns anos. Hoje, tornaram-se maiores e mais dinâmicas que as grandes corporações industriais.
'O Brasil, com toda a sua inventividade expressa na musica, no futebol, na literatura, na pesquisa científica, precisa muito mais de um banho de civilização para diminuir a pobreza e a desigualdade do que de palpites de gênios'
VF: Qual a influência das empresas consideradas estratégicas no processo de inovação no Brasil? GA: Se você fala de empresas ligadas ás áreas estratégicas para o País – como as ligadas à biotecnologia, nanotecnologia, fármacos, software, tecnologias de informação e comunicação, energia – a importância é total. Se o Brasil descuidar delas, comprometerá o futuro de todos nós.
VF: Como deve ser visto e analisado o “ganho inovador” junto às chamadas “parcerias de risco” que temos assistido, sempre que um novo conceito é lançado no mercado? GA: As parecerias de risco ainda são muito pouco utilizadas no Brasil. Em vários outros países há um mercado muito consolidado que incentiva o investimento de risco. Para inovar, as empresas precisam investir: em geral, tempo, dedicação e recursos. Se o retorno não está à altura, há desestímulo à inovação.
VF: Para o senhor, qual seria a empresa brasileira que pode ser considerada como a mais inovadora? GA: Não saberia dizer qual é a mais inovadora. Mas, dentre as grandes, podemos citar a Brasken, Natura, Embraer, Marco Pólo e Sabó. Dentre as médias, a Bematech e Itautec. O Brasil ainda não dispõe de indicadores confiáveis que permitem a comparação entre as empresas e, por exemplo, a montagem de um ranking capaz de bem responder sua pergunta.
VF: E no exterior? GA: Todas as que eu citei anteriormente, e que navegaram as águas da informática e do mundo computadorizado. Mas há as gigantes de hoje do mundo das comunicações, como a Nokia, finlandesa. Ou do entretenimento, como a Sony, japonesa. Ou a Philips. Lembre-se que muitas dessas empresas eram minúsculas ou inexistentes há alguns anos.
'Quanto mais o consumidor for ouvido antes da inovação chegar ao mercado, maior será o benefício. É disso que tratam as pesquisas mais recentes sobre inovação e a proximidade com os consumidores'
VF: Qual seria o seu conselho para uma turma de empreendedores ou tecnólogos recém formada em uma faculdade brasileira? GA: Abram suas cabeças. Sejam tolerantes. Não amordacem sua curiosidade. Olhem para fora do país. Sejam cidadãos do mundo. Sejam antenas da raça.
VF: Em seu livro, Inovar ou Inovar. A indústria brasileira entre o passado e o futuro (São Paulo-SP, 2007, USP/Editora Papagaio), o senhor afirma que a inovação “Não se trata de um fenômeno novo. Afinal, as inovações acompanham a humanidade desde o início dos tempos, antes mesmo do alfabeto, da roda ou da agricultura”. Mais adiante o senhor cita duas inovações contrastantes, mas de certo modo, podem ser consideradas úteis às suas respectivas épocas: o motor a vapor e bomba atômica. O que podemos esperar em termos de progressos inovadores, seja pela perspectiva de um futuro breve ou mesmo de um distante? GA: A inovação tecnológica continua sendo chave, ainda que não seja ela a responsável pelos motores da economia. As citadas por você marcaram época, abriram novos capítulos na história da humanidade, para o bem ou para o mal. A ciência e a tecnologia não existiriam sem as sociedades. E, pode estar certo, não nos darão um futuro melhor se não passarem pelos filtros sociais, pelo debate democrático. O enclausuramento do cientista pode levar ao seu distanciamento da sociedade. Nós devemos desconfiar, no bom sentido, positivo, de todos os que exibem suas credenciais de autoridade quando questionados em sua utilidade, praticidade e racionalidade. Não é porque representa o supra-sumo da tecnologia que é bom. Nem sempre é assim, infelizmente. Ninguém pode estar avesso aos apelos do bom senso, nem mesmo as mentes mais privilegiadas. Esse é o fundamento da civilização humana. O Brasil, com toda a sua inventividade expressa na musica, no futebol, na literatura, na pesquisa científica, precisa muito mais de um banho de civilização para diminuir a pobreza e a desigualdade do que de palpites de gênios.
VF: O que as empresas do Vale do Silício (Califórnia, EUA) legaram de forma efetiva às demais empresas do mundo, em termos de inovação e racionalismo industrial? GA: Elas mostraram que podem crescer rapidamente utilizando o conhecimento como arma. Nos anos 60, um automóvel era composto de 70% de matéria prima e 30% de trabalho humano, em suas várias formas. Um chip de computador atual é composto por 99,9% de conhecimento. É preciso aprender com as empresas da Califórnia.
VF: Sabemos que diversas corporações são beneficiadas com idéias inovadoras, muitas das vezes, simples, vindas de engenheiros, técnicos ou mesmo de operários. São novas concepções que vêm enxugar custos, aperfeiçoar produtos, agilizar os negócios e o comércio em geral, entre outras. Mas, onde o consumidor final se torna o grande beneficiado por tais idéias? GA: Quando uma idéia inovadora se torna matéria, deixa o papel e chega ao mercado, é possível que o consumidor seja beneficiado. Quanto mais o consumidor for ouvido antes da inovação chegar ao mercado, maior será o benefício. É disso que tratam as pesquisas mais recentes sobre inovação e a proximidade com os consumidores. Mais uma vez, os gênios fechados em suas torres de marfim produzem inovações. Mas nem sempre são as melhores e as que mais beneficiam a sociedade.
'O debate econômico foi raso nos últimos anos. Concentrou-se na maior parte das vezes nos juros (altos), no câmbio (desfavorável) e na inflação. Parece que os analistas estavam cegos para o que acontecia no interior das empresas'
VF: Como o senhor vê o processo de internacionalização de algumas das maiores indústrias brasileiras? GA: Há um movimento muito grande que está se ampliando nos países emergentes. Empresas que nem sempre dominam tecnologias de fronteira, que não têm muita prática de gestão internacional, que não possui muito capital, está saindo para fora de seus países de origem e disputando mercados mais sofisticados. Isso acontece na China, na Índia e também no Brasil. Trata-se de um fenômeno novo, que ainda pede muita pesquisa para ser compreendido, dada à sua importância para esses países.
VF: Por que, graças a determinados projetos inovadores, empresas brasileiras como a Embraer e a Petrobrás já podem ser consideradas, sem sombra de dúvidas, como “indústrias do primeiro mundo”? GA: Porque essas empresas disputam de igual para igual com as grandes de seu setor, e vencem. São competitivas. Pagam melhores salários. Valorizam mais seus funcionários. Estimulam sua qualificação. Não se trata de pintá-las mais bonitas do que são. Elas têm defeitos. Mas estão desenvolvendo um padrão produtivo hoje que, historicamente, somente cabia às multinacionais. Isso é um avanço para o Brasil.
VF: Existe alguma inovação lançada por indústria brasileira que serviu de modelo ou exerceu influências no exterior? GA: Os aviões da Embraer, a prospecção em águas profundas da Petrobrás, o Bina do telefone, nosso programa contra a AIDS, nosso futebol, hoje internacionalizado, nossa música.
VF: Temos visto a balança comercial brasileira operar de forma magistral, se superando nos últimos resultados. Este superávit já pode ser considerado como um efeito do fator inovação na indústria nacional? GA: O debate econômico foi raso nos últimos anos. Concentrou-se na maior parte das vezes nos juros (altos), no câmbio (desfavorável) e na inflação. Parece que os analistas estavam cegos para o que acontecia no interior das empresas, a verdadeira revolução que estava se operando. Somente dessa forma podemos compreender o boom das exportações brasileiras apesar das adversidades do câmbio. É certo que o Brasil contou com a boa fase da economia mundial. Mas em outros momentos em que isso ocorreu, perdemos o bonde. Há algo de novo ocorrendo no mundo real das empresas.
'Em parte, nosso futuro depende de nossas escolhas. Escolhas de governo, do setor privado, da nossa sociedade. Nem sempre fazemos as melhores escolhas. O Brasil pode ser muito mais do que é'
VF: Como o senhor vê o desenvolvimento do e-commerce (comércio eletrônico) como fator de inovação na comercialização no Brasil? GA: É chave. Quem quiser apostar, aposte alto. Pode demorar. Pode se dar num ritmo mais lento do que o esperado. Mas trata-se de área de futuro.
VF: E por falar em internet, em que esta tecnologia tem influenciado para a dinamização dos produtos, consolidação de novos empreendimentos e parcerias e, até mesmo, para a divulgação das últimas novidades tecnológicas lançadas no mercado de consumo? GA: A Internet promoveu uma revolução no mundo. Revolução que mal começou a andar. Nunca tantos tiveram acesso a tanta informação. O passo essencial é a dosagem e comportamento dos filtros. Na escola tradicional, o professor é um filtro, pois orienta, ajuda a consolidar valores, moldar caráter. Na internet, há os bons sites, ou bons blogs. Mas precisamos de uma legião de e-professores, ou e-bússolas.
VF: Para o senhor, qual é o futuro tecnológico da indústria brasileira? GA: Em parte, nosso futuro depende de nossas escolhas. Escolhas de governo, do setor privado, da nossa sociedade. Nem sempre fazemos as melhores escolhas. O Brasil pode ser muito mais do que é. Temos uma estrutura de pesquisa básica que poucos países possuem. Nem sempre sabemos transformar esse conhecimento em tecnologia ou inovação. Se conseguirmos, poderemos ter um futuro brilhante.
VF: Agradecemos pela entrevista e pedimos para nos deixar suas considerações finais. GA: Gostaria de agradecer a oportunidade que você me deu de expor minhas idéias. Se elas conseguirem ajudar pelo menos um ou uma brasileira a se localizar melhor na teia do mundo, terá valido a pena.
* Pepe Chaves é editor do jornal Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br). - Colaborou: Sérgio Pinto de Almeida (Editora Papagaio, São Paulo-SP).
- Recomendamos o livro de Glauco Arbix: Inovar ou Inovar. A indústria brasileira entre o passado e o futuro (São Paulo-SP, 2007, USP/Editora Papagaio, Brasil). - Para adquirir este livro, peça pelo e-mail: livros@editorapapagaio.com.br.
- Foto: Divulgação/Arquivo Via Fanzine.
- Produção: Pepe Chaves. © Copyright 2004-2008, Pepe Arte Viva Ltda.
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