Arqueologia Brasileira:

 Tributo a José Azevedo Dantas

Ilustre pesquisador da arqueologia potiguar e paraibana

 

Por J.A. FONSECA*

 

Inscrições rupestres no local denominado Cachoeira das Canoas I – Carnaúba dos Dantas- RN, reproduzidas por J.A.Fonseca tendo por referência cópia dos desenhos de José Dantas.

  

O nome de José Azevedo Dantas terá de ser, obrigatoriamente, grafado nos anais da história do Brasil pelo seu inestimável trabalho de pesquisa potiguar e paraibana, realizado naquela região do Nordeste brasileiro na década de 1920. Apesar de não ter formação acadêmica em nenhuma modalidade, nem mesmo de caráter primário, este ilustre brasileiro surpreende os pesquisadores hodiernos pelo seu espírito de pioneirismo e autodidatismo, através de seus estudos e registros arqueológicos, tanto no seu aspecto de escrita, quanto no das reproduções efetuadas com os parcos recursos que possuía.

 

Segundo o historiador Helder Alexandre Medeiros de Macedo, José Dantas teria iniciado suas pesquisas arqueológicas no Rio Grande do Norte e na Paraíba em 1924, na localidade denominada Xiquexique, onde residia e que hoje correspondem aos sítios arqueológicos Xiquexique I, Xiquexique II, Abrigo do Morcego e Furna do Pau d’Arco.

 

Este surpreendente pesquisador brasileiro apesar de não ter freqüentado nenhuma escola oficial, desenvolveu estudos nas áreas da geografia, história, genealogia, meteorologia e arqueologia, além de atuar também como músico, desenhista e editor de jornais manuscritos de pequena circulação em Carnaúba dos Dantas. Iniciou-se na escrita e na leitura auxiliado por seus irmãos mais velhos, mas problemas diversos fizeram-no atuar em variadas ocupações para fins, inclusive, de sobrevivência como, por exemplo: servente, apanhador de algodão, carregador, comerciante, etc.

 

Conforme dito acima, suas pesquisas arqueológicas se iniciaram em 1924, quando ele se muniu de lápis e papel e saiu pelo sertão do Seridó registrando inscrições rupestres, anotando detalhes dos locais pesquisados e fazendo croquis das regiões visitadas.

 

Os atuais pesquisadores confirmam que as datações do Seridó cheguem próximo de 10 mil anos, ou seja, que os registros ali encontrados se tratem de constatações de ocupações humanas naquele local em época bem remota. Para estes, as pinturas rupestres da tradição do Seridó espelham os anseios e o contexto social dos grupos de caçadores-coletores nesses tempos passados. Nos abrigos deste sítio são encontradas representações de embarcações estilizadas, motivos geométricos, antropomorfos e zoomorfos.

 

Nesta região correm os rios Seridó e seus principais afluentes, Carnaúba e Acauã, onde se encontram municípios do Rio Grande do Norte e da Paraíba, constituindo-se de uma área menos árida do Nordeste. Foi nesta localidade de Carnaúba dos Dantas que se deram as primeiras pesquisas arqueológicas do ilustre brasileiro José Dantas, quando o mesmo acabou por reunir um volumoso e raríssimo manuscrito denominado “Indícios de uma Civilização Antiqüíssima”, reunindo seus estudos, escritos e reproduções das itacoatiaras, hoje arquivado no Instituto Histórico Paraibano. Este importantíssimo documento foi doado ao Instituto por seu irmão Mamede de Azevedo Dantas, após sua morte.

 

Este ilustre pesquisador, nascido em 1890, faleceu precocemente aos 38 anos de idade, vítima de tuberculose, mas deixou registrado em seu trabalho arqueológico cerca de cinqüenta sítios nos municípios de Carnaúba dos Dantas, Acari, Parelhas, Cruzeta, Jardim do Seridó, São Vicente e Santana do Matos, todos no Rio Grande do Norte, e Picuí, Pedra Lavrada, Nova Palmeira, Frei Martinho e Campina Grande, na Paraíba.

 

Em todos os lugares que pesquisou entre os anos de 1924 e 1927, fez cópias fiéis das gravuras pré-históricas por onde andou, afirmando que alguns destes registros teriam sido feitos por povos diferentes. De fato, existem grandes diferenças nos motivos e nos trações de certos registros catalogados por José Dantas nesta região. Por outro lado, se compararmos as inscrições rupestres disseminadas por outras regiões do Brasil com certos painéis levantados por este pesquisador, podemos afirmar, sem medo de errar, que se tratam de inscrições mais bem elaboradas, cujos conjuntos sugerem tratar-se de uma linguagem especial. Neste sentido, queremos destacar as inscrições gravadas na base da cachoeira denominada Grota Funda (ver figura 1) e que os arqueólogos dizem tratar-se de gravuras da tradição das itacoatiaras e nada mais.

 

Segundo pesquisas efetuadas, este painel possui cerca de 4m² de inscrições elaboradas com elevada sofisticação. Academicamente, são classificadas como representações seqüenciais de círculos puntiformes, traços verticais e estruturas geométricas, tridígitos, astros, etc., os quais levam-nos até as insculturas da Pedra do Ingá, dadas às suas semelhanças.

 

Abaixo, apresentamos para efeito de comparação, uma reprodução de parte do painel da Grota Funda e de parte do painel da Pedra do Ingá, reproduzidos pelo autor deste artigo. As semelhanças são marcantes e ambos os painéis fazem-nos pensar tratarem-se de tábuas de uma escrita primitiva, ou melhor, de uma civilização remota no Brasil. 

 

Parte do painel do sítio Grota Funda – Carnaúba dos Dantas – RN (reprodução J.A.Fonseca).

 

 

 

Parte central do painel da Pedra do Ingá

(reprodução de J.A Fonseca).

 

Da mesma forma podemos comparar algumas outras inscrições reproduzidas por José Dantas e reproduzidas por este autor (ver figuras abaixo) a verdadeiros “letreiros”, cujos caracteres muito se aproximam de signos de uma escrita primitiva. Ajustando a esta perspectiva, podemos aproximar os registros rupestres encontrados no sítio localizado às margens do Rio Bojo, no local conhecido como Cachoeira das Canoas e classificado como Cachoeira das Canoas I, II e III.

 

 

Parte do painel das inscrições em Cachoeira das Canoas II

Carnaúba dos Dantas – RN (reprodução de J.A.Fonseca).

 

 

Parte do painel das inscrições em Cachoeira das Canoas III

Carnaúba dos Dantas – RN (reprodução de J.A.Fonseca).

 

 

O próprio pesquisador José Dantas em seu manuscrito destaca a excepcionalidade destas inscrições lapidares ao escrever:

 

Perscrutando bem a impressão desses desenhos e o sentido que eles revelam, pude concluir que, não se trata da existência do gentio brasileiro e sim de uma antiqüíssima civilização pré-histórica, talvez dos tempos neolíticos, pelas formas e sinais que apresentam essas figuras em contraste com as dos indígenas, historicamente conhecidos”.

 

E mais:

 

Logo após, entrando em constantes indagações sobre sinais dessa natureza, fui informado, em diferentes pontos desta zona se encontram as tais pinturas, ora tocadas a tinta vermelha como as que acabamos de observar, ora cavadas na própria rocha, como tive ocasião de verificar mais tarde”.

 

Estas últimas que até então eram desconhecidas para mim, fui vê-las nas pedras da Grota Funda mo riacho do Olho d’água e dias depois nas cachoeiras do Bojo, nas nascentes do mesmo riacho”.

 

Através destas colocações do insigne pesquisador, podemos perceber que, além de o mesmo tratar-se de um inspirado autodidata e perspicaz investigador, demonstra também ser um excepcional observador, podendo delimitar com clareza o que se tratava de registros de caráter geral e multifacetado, daquilo que se assemelhava “escandalosamente” a sinais de uma escrita pré-histórica.

 

Isto lhe dá, além da confirmação de grande perspicácia e mente brilhante, uma conotação de vanguarda e ousadia por afirmar estarem aqueles registros relacionados a uma “civilização pré-histórica, talvez de tempos neolíticos, pelas formas e sinais que apresentam essas figuras”.

 

O que surpreende é que um homem como este, vivendo em pleno sertão brasileiro, sem qualificações adequadas para empreender estudos tão específicos, tenha chegado a contribuir tão magnificamente para a pesquisa do passado de nosso país. O importante documento com inacreditável qualidade, escritos manuais e desenhos elaborados com lápis de cor, se tornam ainda mais surpreendentes pela sua fidelidade na reprodução das inscrições e nos levantamentos mediante croquis das regiões por ele visitadas.

 

Por tudo isto, seu nome não poderá jamais deixar de ser gravado definitivamente entre os grandes nomes de nossas terra por sua persistência, coragem e determinação, que mesmo sendo possuidor de parcos recursos de ordem financeira e cultural não hesitou em desenvolver um dos mais significativos trabalhos de pesquisa na região do Nordeste brasileiro, registrando com precisão as suas conclusões.

 

De seu trabalho, destacamos algumas inscrições rupestres que se enquadram, como ele mesmo observou, na série dos sinais ou caracteres que lembram uma escrita primitiva e que, pela sua forma de apresentação sugere-nos tratarem-se de uma escrita, com uma idéia bem definida e sobre a qual, precisamos desenvolver estudos mais aprofundados para compreendeera escrita, com uma i-faz sucesso nos dias de hoje.-la.

 

Se observarmos, sem preconceito, para os exemplos que incluímos neste artigo iremos notar semelhanças com outros sinais em outras partes do Brasil e perceber que uma espécie de linguagem perdida esteve presente entre os povos mais antigos do Brasil. 

 

* J.A. Fonseca é economista, aposentado, espiritualista, conferencista, pesquisador e escritor, e tem-se aprofundado no estudo da arqueologia brasileira e  realizado incursões em diversas regiões do Brasil  com o intuito de melhor compreender seus mistérios milenares. É articulista do jornal eletrônico Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br) e membro do Conselho Editorial do portal UFOVIA.

E-mail: jafonseca1@hotmail.com.

 

- Fotografias e ilustrações: J. A. Fonseca.

 

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