Brasil Antigo
Norte de Minas Gerais: A grandiosidade do Vale do Peruaçu - PARTE 1Em nossas experiências em diversos estados do Brasil conhecendo sítios arqueológicos importantes, não tínhamos visto ainda nada igual ou semelhante, principalmente, no tocante à beleza e grandiosidade do que presenciávamos.
Reportagem de J. A. FONSECA* Do Vale do Peruaçu/MG Novembro/2018
Lapa dos Desenhos – parte de um painel lítico no Vale do Peruaçu. Leia também: A grandiosidade do Vale do Peruaçu - PARTE 1 Mais um Enigma Brasileiro – Sete Cidades–PI Assista: TV FANZINE Especiais sobre muros de pedras em Itaúna
Peruaçu é mais um desses mistérios que se acham escondidos nestas milenares plagas brasileiras, a ser compreendido pelos estudiosos modernos. Há pelo menos uma década tenho ensaiado fazer uma visita ao Vale do Peruaçu para fazer observações ‘in loco’ e ver de perto suas impressionantes gravações líticas. Já tinha visto inúmeras fotografias de lá e lido sobre pesquisas arqueológicas feitas na região. Por duas vezes planejei o intento, mas por razões variadas a viagem não pôde ser realizada, até que, finalmente, em outubro de 2018, na segunda quinzena do mês, fiz os contatos necessários e as coisas tomaram o rumo certo. E assim, eu e minha esposa arrumamos as malas e partimos para o norte de Minas em busca da realização de mais este empreendimento no interior do Brasil, onde procuro encontrar o significado da história antiga dos povos que habitaram essas milenares terras sul-americanas, especialmente o Brasil.
Percorremos em torno de 760 km de Itaúna até Itacarambi e nos estabelecemos na Pousada do Camaleão, às margens do rio São Francisco. Já havia feito previamente contato com o guia turístico Célio Lima Neto e à noite nos encontramos na Pousada para conversamos sobre nossa ida ao Vale do Peruaçu e os locais que iríamos visitar, além de outros detalhes da caminhada.
Na manhã seguinte nos encontramos com ele na entrada do Parque que fica a 15 km da cidade de Itacarambi e percorremos mais cerca de 5 km até o Centro de Visitantes, onde nos identificamos com o nosso guia. Dali, pegamos estrada dentro do Parque por mais 10 km aproximadamente, até um entroncamento, do qual seguimos adiante mais 4 km para alcançarmos o primeiro abrigo de nossa programação de visitas, a Lapa do Caboclo. Estacionamos o carro e subimos por uma ladeira íngreme preparada para os visitantes. A estrutura montada no Parque foi muito bem planejada e executada, mantendo suas condições naturais e permitindo que possamos nos incursionar por diversos lugares e fazer caminhadas rumo às grutas onde se acham as inscrições. Em muitos lugares podem-se admirar belas paisagens na região em torno, além de formações rochosas inigualáveis, os chamados espeleotemas e a beleza natural de cada abrigo.
O guia Célio e este autor na Lapa do Caboclo.
Em nossas experiências em diversos estados do Brasil conhecendo sítios arqueológicos importantes, não tínhamos visto ainda nada igual ou semelhante, principalmente, no tocante à beleza e grandiosidade do que presenciávamos e, principalmente, porque estávamos diante de uma espécie de ‘livro’ aberto expondo parte da história desconhecida de nosso país e de nossos antepassados, escrito por meio de sinais, figuras geométricas, símbolos desconhecidos, desenhos expressivos e signos diversos, traçados, em muitos casos, com rara expressividade em cores vivas e em tonalidades variadas.
Cada um dos abrigos que visitamos, a Lapa do Caboclo, Lapa do Índio, Lapa do Boquete, Lapa dos Desenhos e Gruta do Janelão (sabemos que existem muitos outros) conta a sua própria história silenciosa, relatada de forma exuberante, embora que misteriosa, e apesar de estarem estes não muito distantes uns dos outros, mostram características muito próprias nos seus registros, como se tivessem sido executados por grupos de pessoas muito diferentes, causando com isto também maior perplexidade ao observador atento.
A região que constitui hoje o Parque do Peruaçu é a maior reserva espeleológica de Minas Gerais e foi transformado em Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu por meio de decreto assinado por Fernando Henrique Cardoso em 1999. A cerca de 650 km de Belo Horizonte, na região Norte de Minas, e com 56.400 hectares de área preservada, está localizado entre os municípios de Itacarambi e Januária. O Parque abriga perto de 100 cavernas e grutas, cânions gigantescos e uma grande e variada quantidade de inscrições rupestres, algumas das quais tiveram sua idade estimada em perto de 12.000 anos.
Felizmente, a prevenção da área foi feita e passou a ser fiscalizada pelas autoridades, pois já existem sinais de vandalismos presentes nas pedras, escritos e cortes para retirada de inscrições, além das descamações naturais provocadas por infiltrações e pelo tempo.
Pode-se dizer que se trata de um dos mais complexos sítios arqueológicos do planeta e apesar das dificuldades de acesso, que exigem caminhadas longas num sol de 38 graus, possui hoje uma excepcional estrutura construída para receber os visitantes. Estes são sempre orientados por um guia especializado e autorizado pela administração do Parque. Nosso guia foi Célio Lima Neto, que conhecemos no dia anterior na Pousada e tivemos sorte. Trata-se de uma pessoa muito bem informada sobre Parque e outros assuntos, sobre o trabalho rupestre na região e suas curiosidades, e isto foi muito instrutivo em nosso contato com ele. Acabamos por fazer amizade e o nosso convívio momentâneo foi muito bom e com elevada dose de bom humor e de conhecimento.
Espeleotemas na Lapa do Índio.
Há algumas décadas a área do Parque era constituída de fazendas com criação de gado e havia o corte predatório de madeiras e o desmatamento, além de uma mineradora de extração de manganês. Com o trabalho de gente de peso e determinação como é o caso do espeleólogo Luiz Beethoven Piló e da arqueóloga do IEPHA Maria Elisa Castellanos Solá, que trabalharam pela criação do Parque, e o trabalho de décadas do arqueólogo André Prous, francês e radicado no Brasil, chefe do Setor de Arqueologia da UFMG em Belo Horizonte, de cujo trabalho falaremos mais adiante, foram feitas diversas desapropriações para a constituição do Parque e preservação das riquezas arqueológicas e naturais do local. Hoje ele é fiscalizado pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis.
Muito embora tenhamos estado lá na época da seca e do sol escaldante, a beleza do parque impressiona os visitantes e, mais ainda às imensas grutas e cavernas espalhadas em sua grande extensão e decoradas com grandes painéis de inscrições em colorações variadas (vermelho, ocre, amarelo e preto) e alguns grupos em baixo relevo em alguns lugares com motivos e estilos variados. Existem grandes cânions com paredões verticalizados e poderosos e caminhos arenosos, além das grutas extensas e do rio Peruaçu que corre por entre os montes e os vales.
Quanto aos milhares de inscrições que cobrem os paredões íngremes são em grande parte belíssimas e muitas delas se mostram bem conservadas, mostrando figuras geométricas poderosas, signos indecifráveis, figuras antropomorfas e de animais, além de plantas e símbolos desconhecidos. Dentre as grutas que visitei, no total de cinco, as que apresentam maior concentração e complexidade nos símbolos e figuras retratadas, são a Lapa do Caboclo e a Lapa dos Desenhos. Onde se podem ver objetos executados com perfeição e muitos deles a alturas consideráveis, chegando a alcançar até cerca de dez metros de altura. Muitos dos painéis pictóricos são de grandes dimensões, gravados em cores variadas e apresentando um conjunto mágico de elementos que parecem mais constituir uma espécie de relato ou pretendendo expressar anseios ou experiências de uma vida que não nos parecia envolta por acontecimentos banais ou simplórios que, em geral, envolveram o cotidiano de homens primitivos e de pouca percepção intelectual.
Inscrições rupestres na Lapa do Índio.
As inscrições do Vale do Peruaçu são muito variadas e fogem aos estilos que são geralmente encontrados no Brasil. Além de belíssimas em muitos casos, várias delas apresentam figuras geométricas e abstratas muito bem elaboradas, muitas das quais gravadas em alturas consideráveis, situação que é explicada por alguns estudiosos de forma natural, como se seus autores tivessem se utilizado de árvores existentes no local para fazê-lo ou escalado pedras e maciços próximos dos registros. A nosso ver, a qualidade das figuras gravadas na rocha íngreme e a quantidade das mesmas, exigiriam algo mais consistente em termos de apoio para a execução de seus traços, que são elaborados com precisão e belo acabamento. Há também uma grande quantidade de registros que teriam exigido graus de dificuldade mais extremos, o que não deixa de expressar algum mistério na sua produção e localização.
Pode-se observar também que em alguns abrigos o seu conjunto é representado de forma a pretender emitir algum tipo de mensagem, enquanto que outros mostram-se variados e menos complexos. Em outros parecem-nos que teriam sido produzidos pelo homem mais primitivo, uma vez que não expressam elementos muito sofisticados em sua feitura. Há sobreposição de desenhos em muitos casos que, curiosamente ocultam no todo ou em parte as figuras que estavam gravadas anteriormente. É mais raro encontrar no Vale do Peruaçu figuras rupestres de animais e as imagens antropomorfas que Niede Guidon encontrou na Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no sul do Piauí.
A Lapa dos Caboclos, por exemplo, que possui um painel excepcional de pinturas é um dos maiores sítios em concentração de figuras no estilo geométrico, além da Lapa dos Desenhos que também impressiona por sua beleza e riqueza na variedade dos objetos gravados na rocha e no trabalho executado por seus autores.
Inscrições rupestres na Lapa do Boquete.
Como já dissemos, em quase todos os painéis do Peruaçu (que são inúmeros) vamos encontrar a superposição de figuras, indicando ocupações diferentes na área e culturas variadas na região. Tal fato leva-nos a pensar qual teria sido a intenção desses homens (artistas) desconhecidos do passado do Brasil (que não teriam sido os silvícolas da época da descoberta), para desenvolverem tão grandioso trabalho na pedra tosca e com tanta versatilidade e beleza plástica, a qual impressiona até mesmo o mais descuidado visitante. Muitas das cores utilizadas pelos mesmos ainda se destacam de forma muito viva e mostram a habilidade desses desconhecidos habitantes do Brasil remoto e que não apresentavam, em muitos casos, características parecidas com os povos que viviam nesta região no momento de sua descoberta. É certo, podermos afirmar, que não se tratavam das mesmas famílias.
O amarelo, o ocre, o vermelho forte, além do preto (usado em menor escala) se mostram firmes e admiravelmente expressivos, mantendo a qualidade das enigmáticas figuras, em sua maioria, e destacando-se à distancia, a partir do momento em que podem ser vistas. Por mais que as estudemos e queiramos dar a elas um momento específico e atribuir-lhes autores ou motivações, a sua existência pura e simples e a forma excepcional com que se mostram ao observador, nos afiguram como um mistério e nossa mente revela-se insatisfeita diante desta sua inexplicável expressividade, riqueza de elementos e complexidade. É importante saber que tal posicionamento não se refere ao conjunto pictórico do Vale do Peruaçu como um todo, mas a grupos específicos de figuras mais enigmáticas e dotadas de conotações que não podem ser facilmente identificadas.
Não se sabe ao certo as idades das pinturas do Vale do Peruaçu e, como foram datados em aproximadamente 12.000 anos os resquícios da ocupação encontrados nos abrigos, dá-se às inscrições uma data semelhante, por atribuírem-se a sua feitura aos povos que moraram ali. Estas, por sua vez, foram produzidas em grande quantidade e possuem forte expressão visual e conteúdos variados. Sob o ponto de vista deste autor elas, em seu conjunto, apresentam características controversas, pois ao mesmo tempo podemos ver inscrições com sinais mais simples e convencionais junto ou próximo de outras mais bem elaboradas e com elevado grau de sofisticação. Isto vem mostrar que estas deveriam ter sido feitas por pessoas diferentes, pois demonstram sinais de uma ‘arte’ produzida por elementos de graus de instrução e determinação não compatíveis entre si. Seria algo como comparar-se um trabalho artístico de um pintor já experiente com os rabiscos de um iniciante ou de uma pessoa não muito afeita aos princípios da arte. E, o que nos causa estranheza, é que elas se acham gravadas num mesmo espaço ou próximas, deixando-nos a dúvida sobre as épocas em que teriam sido feitas e quem teriam sido os seus verdadeiros autores.
Inscrições rupestres na Gruta do Janelão.
Sob nossa observação, o que se torna patente é que os homens que produziram os painéis com figuras mais bem elaboradas e de maior conteúdo visual e simbólico, não poderiam pertencer aos grupos dos que usavam quase sempre a base do rochedo para gravar suas impressões, rabiscos e outras manifestações mais simplórias e, portanto, com menor cuidado sua elaboração e na reprodução dos elementos pictóricos.
- Leia a parte 2: A grandiosidade do Vale do Peruaçu - PARTE 2
* J.A. Fonseca é economista, aposentado, espiritualista, conferencista, pesquisador e escritor, e tem-se aprofundado no estudo da arqueologia brasileira e realizado incursões em diversas regiões do Brasil com o intuito de melhor compreender seus mistérios milenares. É articulista do jornal eletrônico Via Fanzine e membro do Conselho Editorial do portal UFOVIA. E-mail: jafonseca1@hotmail.com.
- Fotografias: J. A. Fonseca.
Leia também: A grandiosidade do Vale do Peruaçu - PARTE 1 A grandiosidade do Vale do Peruaçu - PARTE 4
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Esta matéria foi composta com exclusividade para Via Fanzine©.
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