Rio de Janeiro - 1985:
Rock in Rio I, eu estive lá...
Foram 10 dias de
música, emoção e confraternização de todas as tribos.
Por Pepe Chaves*
De Belo Horizonte
Para
Via Fanzine
O Rock in Rio teve uma média de público
superior a 110 mil por dia,
somando mais de um milhão pessoas em 10
dias de festival.
Das
montanhas ao litoral
Era
um mês de janeiro, como qualquer outro, chuvoso em praticamente todo o
país. E assim não deixaria de ser no Rio, de Janeiro. Mas este artigo
retrocede alguns meses antes, quando eu estava assistindo o “Fantástico”
(Rede Globo) com meus pais, no longínquo ano de 1984, quando veio a
notícia que eu mais esperava ouvir: a banda inglesa Yes retornara à
ativa e viria se apresentar no Brasil. Lembro que me voltei aos meus
pais e disse: “Eu vou!”. Meu pai retrucou: “Você está doido!”.
O
Yes era e ainda permanece sendo a banda musical que mais admiro,
sobretudo, já naquele ano de 1985, quando eu contava 20 anos e já
conhecia a banda por mais de cinco anos. As atividades do Yes estavam
interrompidas desde 1979, quando foi lançado o álbum “Drama”, já sem o
vocalista original, Jon Anderson. De acordo com o anúncio no
“Fantástico”, numa promoção do empresário Roberto Medida, o Yes, com seu
vocalista original, faria o encerramento do maior festival de Rock’n
Roll até então (e até hoje), acontecido no Brasil, o primeiro Rock in Rio.
Entretanto, não seria fácil sair sozinho de Itaúna, no interior de Minas
e seguir até o Rio, naquela época. Somei forças com outros amigos
interessados em assistir àquela apresentação, sendo eles, Geovane,
Roberto, Joaquim e Elimar (Zé Mil). Programamos seguir os cinco até a
capital carioca, no Fusca desse último, de ano 1966, naquele janeiro de
1985. O fusca branco com 19 anos de uso não estava lá grandes coisas,
mas aceitava gasolina e estava com a documentação em dia...
Decidimos que iríamos para assistir aos três últimos dias,
evidentemente, o meu maior interesse era pelo show do Yes, que fecharia
o festival, cujo início se deu sete dias antes de nossa saída. Antes de
seguirmos para o Rio, assistimos ao vivo pela tevê à histórica
apresentação do Queen - a segunda no país – que já incendiava o evento.
Cada chamada na tevê com informações do festival era motivo de emoção
para nós, que transpirávamos Rock in Rio por aqueles dias.
Além
de nós cinco, outros três amigos, Adilson, Levy e Márcio (Carrapa),
saíram de ônibus a partir de Belo Horizonte, fazendo uma espécie de tour
pelo litoral carioca, até chegar na cidade do Rio, no dia marcado para
nos encontrar. Tempo em que não existia celular nem computador popular,
antes, compramos uma revista especial do evento, que trazia o mapa da
Cidade do Rock, na Barra da Tijuca. Pelo mapa, combinamos um local de
encontro com nossos três amigos lá dentro.
No
dia 24 de janeiro, abastecemos o Fusca 66 e caímos na rota do Rio. Era
algo ímpar: cinco homens espremidos num fusca antigo, com a logomarca do
evento e uma mensagem impressa num adesivo colado no parabrisa traseiro:
“Rock in Rio, eu vou!”.
A
viagem de ida foi um verdadeiro martírio para todos. Zé Mil e Roberto
revezavam a direção. O fusca furou quatro pneus de Itaúna até o Rio. Foi
uma via sacra em borracharias com muita conversa sobre tudo quanto são
coisas da vida com borracheiros de quatro cidades diferentes naquela
noite/madrugada. Eu me lembro que na época (início do da transição de
ditadura para a democracia no país), por medida de economia de petróleo
no Governo Figueiredo, os postos de gasolina eram obrigados a fechar
suas portas às 22h – outros tempos aqueles!
Rio
em Janeiro de 1985
Depois de uma noite mal dormida num fusca na estrada, muita dor pelo
corpo e após quase despencar na Serra de Petrópolis por causa da neblina
na alvorada, finalmente, chegamos ao Rio. Era uma cena única: aquele
fusca ousado trafegando por aquelas vias que conhecíamos só pela tevê,
sendo ultrapassado pelos carrões da elite carioca, a buscar o seu
destino com a maior ansiedade do mundo...
Conseguimos encontrar o rumo da Barra e para lá seguimos, decididos a
acampar em qualquer área de camping próxima à Cidade do Rock, já que
havíamos levado barracas. Conseguimos uma área bem em frente à Cidade do
Rock, com preços módicos e ducha fria durante o dia. E lá ficamos,
acampados numa fina areia, às margens da lagoa de Marapendi,
podendo ouvir tudo o que rolava lá dentro. Ficamos amigos de alguns
argentinos que foram nossos vizinhos no camping e nos declararam seu
amor pelo Brasil.
A
Cidade do Rock era mesmo grandiosa e consistia numa imensa arena
projetada para abrigar muitos milhares de pessoas, com toda uma enorme
estrutura, incluindo shoppings e várias lojas, vendendo tudo o que se possa imaginar,
além de várias salas para assistir os shows ao vivo em telões e muitas
outras coisas para aguçar o consumismo dos cidadãos do Rock.
Contudo, à medida em que se aproximava do palco, havia um verdadeiro
lamaçal na pista de terra. A constante chuva fina que caia naqueles dias
alimentou e até aumentou esse lamaçal. Debaixo do
palco, para se ter uma ideia, a lama atolava até os joelhos... Não era
fácil se aproximar do palco, mas, por sorte nossa, o carioca é mesmo um povo que sempre dá um jeito de contornar
os problemas: camelôs vendiam sacos plásticos de lixo, para se amarrar nas
pernas (tipo bota) e enfrentar a lama; isso se quisesse ver as apresentações
de perto. Havia também à venda no local, “bonés-guarda-chuvas”, algo
ridículo, mas a bem da verdade, extremamente útil naquelas alturas. Eu
optei por dois sacos de lixo em cada pé.
E
lá, no local combinado, conseguimos nos encontrar com os outros três
companheiros de Itaúna. Assistimos a grandes apresentações, além do Yes,
naqueles três últimos dias do Rock in Rio. Entre elas, Gilberto Gil,
Pepeu e Baby Consuelo, Skorpions, Whitesnake, Blitz, entre outros. No
entanto, houve uma perda irreparável de um show, que eu me arrependeria
para o resto da vida. Perdemos a apresentação do Barão Vermelho, numa
das últimas aparições com Cazuza, porque decidimos ir à praia. A mais
próxima era a de Recreio dos Bandeirantes e para lá seguimos numa
lotação. O caminho era só mato e árvores, a praia era linda e em nada tinha
a ver com o urbanizado Recreio dos Bandeirantes que me surpreendeu duas
décadas depois.
A
praia foi ótima, mas na volta, o ônibus nos deixou a vários quilômetros
do evento... Foi um martírio. Tivemos que andar por uma enorme rodovia, vendo a Cidade do
Rock ao longe, creio, a uns três quilômetros ou mais. Pelo caminho, encontramos um conterrâneo nosso, o Dercinho, acampado clandestinamente num grupamento à beira da estrada.
Curioso foi que ele se tornou objeto de comentários na cidade, ao
ser entrevistado pela Rede Globo pouco antes de nossa viagem. O caminho
asfaltado era longo e à medida que nos
aproximávamos do local do evento, podíamos ouvir alguém cantando,
“Estamos meu bem por um triz, pro dia nascer feliz...”. Era o Cazuza, já
se apresentando com o Barão Vermelho no palco e nós a uns dois quilômetros de lá.
Aumentamos o passo e ouvimos ao vivo mais duas músicas do Barão, até
chegarmos correndo no camping, pegarmos os passaportes e entrarmos
voando. Contudo, ao adentrarmos a Cidade do Rock, o Barão Vermelho
acabara de sair do palco... Sentimos uma enorme frustração naquele
momento, que só seria acalentada pelo show de Gilberto Gil a seguir.
Na
cidade do Rock, estivemos também com outros itaunenses, entre eles o
Rômulo (Coroa) e o Carlos (Grilo da Lagoinha) e até o baixista Magrão,
do 14 Bis. Durante todo o tempo em
que permanecemos no local, não presenciamos nenhum desentendimento,
desavença ou ato de violência. Tudo transcorreu na mais perfeita paz e
não havia nenhum excesso de policiamento.
Yes: a música progressiva que encantou
o Rio de Janeiro.
Yes,
isso é Rock do bom
O
show do Yes foi um espetáculo à parte. Aquela noite era mágica, a chuva
entendeu isso e não deu às caras. Numa época em que os raios laser despontavam como parte integrante das grandes apresentações musicais, um
feixe verde saiu do palco e seguiu rumo ao espaço. Entravam em cena os
músicos do Yes. Ainda que sem o seu guitarrista tradicional, Steve Howe,
(substituído pelo excelente Trevor Rabin) estavam ali os maiores músicos
da Terra, na minha concepção – anos mais tarde, em 1998, eu assistiria em Belo Horizonte a
uma segunda apresentação do Yes, na ocasião, com o guitarrista Howe.
Numa
apresentação que mesclou as tradicionais canções da banda com as novas e
diferenciadas composições do álbum recém lançado, o “90125”, o Yes
emocionara os seus admiradores. Conseguimos um bom lugar para assistir ao
show, onde não havia lama e a uma boa distância do palco. Estávamos com
binóculos e pudemos ver alguns detalhes “de perto”.
O
show durou cerca de 1h30, com uma boa interatividade de Jon Anderson com a
plateia repleta. O músico britânico, trajando uma camiseta com os
dizeres “I Love Rio”, até arriscou
falar o português por boas oportunidades. O tecladista Tony Kaye usava
uma camisa do uniforme número dois do Flamengo. E ali na nossa frente
estavam o intrépido baixista Chris Squire e o excelente baterista Alan
White - que tocou também na Plastic Ono Band de John Lennon e Yoko.
O
repertório que trazia as principais composições da banda emocionou o
público, que não permitia que os músicos deixassem o palco ao final. Ao findar o show do Yes, os
músicos deixaram o palco, mas a massa gritou um forte bis e eles
retornaram. Foram apresentadas mais três canções, sendo a que fechou o
Rock In Rio I, “Owner the lonely hearts”. Os músicos se abraçaram,
saudaram o público e deixaram o palco, agora, definitivamente.
E, à
medida em que sentíamos que o evento terminaria ali, depois daquele
show, aqueles momentos ganhavam mais importância e emoção, dado ao
sacrifício e as dificuldades para estarmos ali, testemunhando um momento
histórico e legendário para o Rock no Brasil.
Após
a saída da banda, as
luzes da plateia permanecem apagadas e o hino do Rock Rio começa a ser
ouvido, “Se a vida começasse agora, se o mundo fosse nosso de vez...”. Com
sua trilha sonora, o maior evento de Rock do país estava terminando. Não
sem antes, derramar cachoeiras de fogos de artifício, do alto de alguns prédios ao
redor da grande arena, além de um intenso espetáculo pirotécnico do lado
de fora. Findava ali, o maior espetáculo do Rock, na terra do Carnaval.
Rio,
Rock e números
De
17 a 27 de janeiro, transcorreram 90 horas de muita música da melhor
qualidade, emanada pelas distintas vertentes roqueiras.
A
Cidade do Rock foi uma obra grandiosa, construída num terreno de 250 mil
m², onde foram necessários 77 mil caminhões de terra para sua concepção.
De
acordo com a organização do festival, o palco utilizado ainda é
considerado o maior do mundo, com seus cinco mil metros quadrados, 80
metros de boca de cena e três palcos móveis. A estrutura também era
impecável na Cidade do Rock: dois centros hospitalares, dois shopping centers, dois heliportos
e varios Fast Foods, Beer
Garden e lojas de conveniência.
Os
sistemas de sonorização e iluminação eram sincronizados por computador,
numa época em que a popularização desta ferramenta era sequer cogitada.
Um público superior a 1,3 milhão de pessoas esteve prestigiando os 10
dias de evento, o que equivale a cinco vezes mais que o Festival de
Woodstock.
Ainda de acordo com a organização, durante os 10 dias de apresentações foram consumidos: 1,6 milhões de litros de bebidas em quatro
milhões de copos; 900 mil sanduíches; 7,5 mil quilos de macarrão; 500
mil pedaços de pizza e, curiosamente, 800 quilos de gel para cabelo. O Mc Donald's entrou para o Guiness, o livro dos recordes e lá ainda
permanece, ao vender em 24 horas, 58 mil sanduíches. E diga-se, lá, nós
passamos a sanduíches. Na época, foram
vendidas no país quase dois milhões de camisetas alusivas ao festival.
O melhor saldo após a
realização do mega festival, seria o Brasil ter entrado para o roteiro de
apresentações das grandes estrelas musicais, a partir dos anos seguintes. Outras
versões do Rock in Rio foram produzidas alguns anos depois, inclusive, na Europa. Mas
nenhuma delas deteve a originalidade e o glamour daquela primeira.
Go
back to Minas
No
dia seguinte ao encerramento do Rock in Rio, desmontamos as barracas, batemos a areia
dos corpos e das tralhas e “take the long way Minas” - num trocadilho
com o Roger Hodgson, do Supertramp. Ao sairmos do Rio, um errinho típico de mineiro:
trocamos a saída para Petrópolis pela de Teresópolis. E na direção errada,
lá fomos nós, queimando a sagrada gasolina do Figueiredo por cerca de 60
quilômetros de inúteis idas e voltas, até descobrirmos o correto caminho
mineiro.
Felizmente, a
viagem de volta foi amena e o fusca se comportou bem, inclusive, não
furou nem mesmo um pneu, extravasando as nossas expectativas mais
otimistas, que previam dois furos na volta. Enfim, retornamos sãos e salvos à
terra de Sant’Ana, trazendo do Rio, excelentes recordações musicais e
turísticas, bem como do amável povo carioca que nos recebeu muitíssimo
bem, por todos os locais em que passamos.
Ao
chegarmos em Itaúna, um dos limpadores do parabrisa do fusca
simplesmente se soltou. Era um sinal de que o “Potente” tinha se
exaurido com aquela aventura. Em compensação, seus tripulantes estavam
mais leves, de alma lavada e com muita história para contar daqueles
dias mágicos que vão existir para sempre.
* Pepe Chaves é editor do diário
digital Via
Fanzine e da Rede VF.
- Fotos: divulgação.
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