Ônibus espacial
Ônibus espacial: Uma futura velha ferramenta Depois de tantos serviços prestados a toda humanidade, tradicional espaçonave se transforma em peça de museu.
* Por Márcio R. Mendes* De Dois Córregos-SP Para Astrovia 08/07/2011
Personagens e momentos de uma era espacial que legou tecnologia e desenvolvimentos ao homem. Imagens da Nasa mostram derradeiro lançamento do Atlantis
Quando a tecnologia vai para o museu
Após três décadas de uso intenso, é difícil acreditar que já estamos em vias de produzir mais uma peça de museu para o parque de ruínas da era espacial. Estamos assistindo ao último lançamento de um ônibus espacial. Seus irmãos, remanescentes de inúmeras viagens ao espaço, já são máquinas que perpetuam um período em que a humanidade consolidou sua presença e capacidade de permanência fora de seu ambiente natural.
Na década de 1960, ainda não se sabia se o homem poderia sobreviver além da atmosfera de seu planeta. Os pontos de lançamentos dos primeiros astronautas da série de cápsulas espaciais Mercury e Gemini pela Nasa, são hoje ruínas envoltas em espessas ervas e musgos crescidos pelo tempo, batidos pelo vento e castigados pela salinidade da região. Quando estive no Centro Espacial Kennedy, na Flórida, pude vê-los, relegados personagens, como pinturas desbotadas ao Sol, que reclamam o glamour de tempos que não voltarão jamais.
Mesmo em estado de abandono, nas instalações da Nasa, na Flórida, o acesso a algumas dessas ruínas é limitado e, mesmo que não fosse, pouco sobrou para ser visto publicamente. A memória daqueles dias e os avanços atingidos bem que mereciam melhor preservação.
As séries tripuladas Mercury e Gemini, prepararam as então vindouras missões Apollos, que culminaram com o pouso na Lua, em julho de 1969, tendo até o final de 1972 outros cinco vôos tripulados ao satélite natural. Na sequência, o Skylab, em suas três missões, fez voltar à atenção para a exploração de nosso planeta, seus recursos, seu funcionamento, de um ponto de vista sem precedentes. Era, contudo, limitado em sua operacionalidade.
A partir de então ficou claro os benefícios da presença do homem neste novo ambiente, tendo então as atenções voltadas para dois aspectos: investimentos em uma plataforma espacial com versatilidade para pesquisas ao longo de décadas e veículos com capacidade para cargas e que pudessem ser reutilizado, barateando as incursões ao espaço. Nascia assim, o “ônibus espacial”, em essência, um planador manobrável no espaço além-atmosfera e na própria atmosfera.
O veterano John Young e o estreante Robert Crippen, precursores no voo do primeiro Space Shuttle, então batizado de Columbia.
Columbia, Challenger, Discovery, Atlantis e Endevour
Após inúmeros testes da performance de voo na atmosfera, coube ao veterano John Young e o estreante Robert Crippen, lançarem ao espaço, pela primeira vez, o Space Shuttle então batizado de Columbia. A máquina mostrou-se totalmente confiável, apesar da sua aparência pesada e desajeitada, aparentando um “tijolo com asas” - como ainda haveria de ser chamado.
O ônibus espacial vai ao espaço, levado por três motores de combustível líquido. A quantidade de combustível consumida é tal que, jamais poderia ter seu volume contido na própria nave. Foi preciso anexar o tanque externamente ao corpo da nave e mesmo assim, o volume ideal planejado para o tanque não conseguiria colocá-lo em órbita, de forma que o conjunto ainda conta com a ajuda de mais dois foguetes de combustível sólido. Em suma, a grosso modo, o tanque externo leva a nave e os foguetes de propelentes sólido levam o tanque externo.
Hoje acostumamos a ver o tanque externo em sua cor laranja-avermelhado, no entanto, nos primeiros lançamentos o tanque externo tinha uma pintura branca. A pintura foi retirada para minimizar a massa total com conjunto.
Uma vez tornado operacional, os ônibus espaciais compuseram uma frota de cinco espaçonaves que, pouco a pouco, foram sendo colocadas em uso: Columbia, Challenger, Discovery, Atlantis e Endevour. Juntas, totalizaram 135 vôos ao espaço, em missões das mais variadas naturezas.
STS-1, a primeira missão de um ônibus espacial (Columbia), levando na sua tripulação o veterano John Glenn, do antigo projeto Gemini, da Nasa.
Progressos comuns obtidos
Em poucas décadas nosso conhecimento acerca do espaço e da própria Terra mudou profundamente, sendo este o maior legado dos ônibus espaciais. Entre os tantos desenvolvimentos humanos e tecnológicos propiciados por estas espaçonaves, lembremos que as indústrias médica, bioquímica e eletrônica valeram-se das facilidades em executar experimentos com microgravidade; uma gama de novos materiais foi desenvolvida a partir de então; inúmeros satélites foram colocados em órbita e outros foram recuperados para consertos.
Serviços altamente relevantes também foram prestados por estas espaçonaves à Estação Espacial Internacional (ISS, do inglês), para onde, grande quantidade de peças, mantimentos e material diverso foi levada. Muitos desses equipamentos foram montados em ambiente de imponderabilidade, com o auxílio de um braço mecânico incorporado aos ônibus espaciais.
Até mesmo o telescópio espacial Hubble, que nos envia imagens solenes das profundezas siderais, não estaria operativo se uma missão do Space Shuttle não tivesse retirado a sua “catarata”. Além disso, astronautas originários de diversos países foram ao espaço a bordo dos ônibus espaciais, cumprindo os programas de intercâmbio entre seus respectivos países.
Astronautas realizam manutenção no telescópio espacial Hublle, na órbita terrestre.
John Glenn e Marcos Pontes
Talvez, um dos passageiros mais ilustres desses voos, tenha sido o veterano John Glenn – terceiro norte-americano a voar em uma missão Mercury e o primeiro que, de fato, realizou órbitas completas em torno da Terra, em 1962 – na época com 76 anos. Tornou-se o ser humano mais velho a ir ao espaço, participando de diversos experimentos envolvendo os processos de envelhecimento. Após seu voo na Mercury (batizada Friendship 7), não voltou ao espaço, se dedicando às questões políticas voltadas para o Programa Espacial norte-americano, tornando-se um símbolo para o país.
Curiosamente, nosso astronauta Marcos Pontes, conta em seu livro recém-lançado “Missão cumprida”, sobre seu encontro com Glenn, nos corredores da NASA, enquanto ainda era um aspirante à carreira de astronauta. Após se cruzarem, por iniciativa de J. Glenn, segundo Pontes, o astronauta veterano reconheceu nosso primeiro astronauta e tiveram uma conversa que Pontes a classificou como “estranha”.
Pontes conta que teria sido aconselhado por Glenn da importância do trabalho de “bastidores”, sobretudo, de cunho político, na obtenção e gestão de recursos para o andamento de programas espaciais, especialmente, após ter realizado pelo menos um voo.
O início de atividades do telescópio espacial Hubble e seus ajustes e manutenção, deveu-se à capacidade dos ônibus espaciais em acessá-lo em pleno espaço. Com este (e outros) instrumentos, pudemos vasculhar muito mais profundamente o Universo, proporcionando um aumento significativo nos volumes que trazem as pesquisas de ponta da Astrofísica atual.
John Glenn com seu uniforme de astronauta e Marcos Pontes recepcionando 'Buzz' Aldrin, da Apollo XI, no Brasil.
Tragédias do Challenger e Columbia
Por outro lado, nem tudo foram conquistas alcançadas nos voos dos ônibus espaciais. A primeira tragédia veio na manhã de 28 de Janeiro de 1986, quando em pouco mais de um minuto de voo (73 segundos) do ônibus espacial Challenger. O rompimento de uma junta do foguete de combustível sólido (pela baixa temperatura de apenas 2°C naquele dia) causou a explosão do tanque externo. O acidente ceifou a vida de seus sete ocupantes: comandante Dick Scobee, o piloto Michel Smith, os especialistas da missão Ronald MacNair, Ellison Onizuka, Gregory Jarvis, Judy Resnik e a passageira civil Christa McAuliffe.
De forma inédita o voo levava a primeira professora ao espaço, Christa McAuliffe, numa demonstração de que já era possível ao cidadão comum realizar incursões espaciais, sendo escolhida justamente uma educadora para tal demonstração. Embora o acidente não fosse o primeiro no âmbito dos voos espaciais, foi o primeiro envolvendo um ônibus espacial e se fez uma tragédia de grandes proporções. Tamanho impacto custou anos para que fosse superado, gerando muita discussão e mudanças dentro da agência espacial americana.
Outra tragédia envolvendo um ônibus espacial ocorreria em 1° de fevereiro de 2003, quando menos era esperada. Após ter cumprido com sucesso seus objetivos em órbita da Terra, a missão STS-107 já estava em seus últimos minutos de voo, mas ainda na atmosfera, quando sofreu uma explosão. O acidente se deu em decorrência do impacto da espuma que reveste o tanque externo contra um ponto da asa esquerda, afetando, justamente, o material de proteção térmica da espaçonave. Padeceram neste voo mais sete astronautas: comandante Rick Husband, o piloto William C. McCool, e os especialistas da missão Michael P. Anderson, Ilan Ramon, Kalpana Chawla, David M. Brown e a médica Laurel Clark.
Respectivamente, as tripulações da Challenger e da Columbia, todos perderam suas vidas quando das explosões desses ônibus espaciais.
Mudanças estratégicas
Em decorrência da nova tragédia, ocorreram novos adiamentos nas viagens espaciais, afetando, inclusive, o possível (até então) voo do brasileiro Marcos Pontes, que já estava praticamente formado como astronauta. Segundo Marcos Pontes, naquele voo do Columbia, ele perdeu sete amigos, especialmente o israelense Ilan Ramon que lhes era mais próximo. Várias medidas de segurança foram revistas pela agência após estes acidentes.
O ônibus espacial Atlantis posicionado para o lançamento sa última missão desse veículo, a STS-135, que levará quatro astronautas à Estação Espacial Internacional. Imagens da Nasa mostram derradeiro lançamento do Atlantis
Atlantis fecha a saga
Coube ao ônibus espacial Atlantis selar a aposentadoria desses veículos pela Nasa. A missão STS-135, como as demais, parte do Centro Espacial Kennedy para colocar fim na era dos ônibus espaciais. Este voo histórico é dirigido pelo diretor de programa, Kathy Winters e levará a bordo quatro astronautas: o comandante Chris Ferguson, o piloto Doug Hurley e os especialistas de missão Sandy Magnus (única mulher) e Rex Walheim.
Nessa derradeira missão de um space shuttle, o ônibus espacial Atlantis foi lançado com sucesso por volta de 12h30 (horário de Brasília). O veículo estará transportando mantimentos à Estação Espacial Internacional, numa missão que terá 12 dias de duração.
Encerrar um programa após tragédias como estas, seria a maior afronta à memória dos que nele pereceram. As jornadas prosseguiram, até chegarmos à então derradeira missão STS-135 que, esperamos, fechará com chave de ouro, se tornando ícone junto a todas as demais missões, tal como um marco dessa futura velha ferramenta, responsável pela consciência de nossa promoção como inteligência a ocupar um lugar neste incomensurável Universo.
* Márcio Rodrigues Mendes é físico, astrônomo e professor. É consultor em astronomia e astronáutica para os portais Astrovia e Via Fanzine.
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- Extras: Clique aqui para assistir vídeo do lançamento (STS-135 Atlantis) Clique aqui para assistir vídeo desse lançamento Clique aqui para assistir vídeo com som original Vídeo mostra o derradeiro pouso do Endeavour
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