Rússia

 

 

Sob o olhar da Rússia:

A história de uma fraude

No 20º aniversário da estreia do filme "The Secret KGB UFO Files" (1998).

 

 Por Natália Dyakonova*

De Moscou/Rússia

Para VF/UFOVIA

23/02/2019

 

A falsa queda de um OVNI no Ural foi perpetrada por anglo-americanos em terras russas, na tentativa de se passar por um fato. Diversas fraudes grosseiras foram imediatamente identificadas no filme, no entanto, milhares de DVDs ainda foram vendidos, com a ajuda de James Bond.

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No ambiente ufológico russo, falar sobre esse "documentário" é simplesmente considerado de mau tom. Espectadores comuns receberam o filme na Rússia com gargalhadas, especialmente aqueles que já haviam servido no exército soviético e outras estruturas da época, podendo ver claramente que se trata de uma tosca fraude. Mesmo outras pessoas não puderam deixar de notar muitos absurdos e inconsistências. Hoje vamos lembrar dessa produção cinematográfica àqueles que ainda acreditam no seu caráter "documental".

 

Ainda um século atrás, Vladimir Lenin, mestre em questões ideológicas, já apontava o papel colossal que o cinema desempenha na propaganda: "De todas as artes, o cinema é o mais importante para nós"; nos tempos soviéticos, essa frase foi escrita no saguão de cada cinema. A demonstração de uma série de vídeos é a maneira mais fácil de colocar na consciência e no subconsciente das pessoas absolutamente qualquer informação necessária ao demonstrador, porque percebemos 80% da realidade que nos rodeia através dos olhos.

 

Em 13 de setembro de 1998, às 20h, isto é, no tempo em que o maior número de espectadores se reúne ao redor dos televisores, a companhia de televisão americana TNT exibiu o filme "The Secret KGB UFO Files" ("O Dossiê Secreto do KGB sobre OVNIs"). Você pode imaginar o número de telespectadores: OVNIs! KGB! Tais tópicos "saborosos" e "quentes" em um pacote. O filme causou sensação e foi repetido várias vezes a pedido do público.

 

Resumo do filme

 

O apresentador é Roger Moore, ator de cinema britânico, ex-superespião James Bond, mais uma vez "expondo" os truques desses malvados russos – uma ótima jogada! Na mente subconsciente do espectador, tudo se encaixa imediatamente no padrão necessário aos criadores e desperta confiança em relação ao material.

 

O ator britânico Roger Moore, ex-superespião James Bond no cinema e apresentador do filme "The Secret KGB UFO Files", na Praça Vermelha de Moscou (print do filme).

 

Com um prazer mal disfarçado, o apresentador, fazendo sua narração literalmente sobre as ruínas ainda fumegantes do principal inimigo, a URSS, conta como os investigadores supostamente teriam conseguido obter "documentos ultrassecretos e fitas de vídeo do KGB" (aqui são mostrados formulários com textos em caracteres cirílicos, não compreensíveis para os espectadores ocidentais). Tal sorte é explicada tanto pela queda da Cortina de Ferro, como pela Glasnost, quando algo foi desclassificado e algo comprado de "russos corruptos" (segue o vídeo supostamente filmado com uma câmera escondida, supostamente registrando a venda e compra de supostos segredos do KGB por dez mil dólares).

 

O suposto documentário centra-se principalmente nos casos de Beriózovski (Óblast, ou Região, de Sverdlovsk) e Dalnegorsk, oferecendo também breves informações sobre o Meteorito de Tunguska. Mas uma grande parte do tempo é dedicada a outros tópicos, como o desenvolvimento e a história da URSS (neste contexto, há muitos erros em quadros documentais, a vida do povo soviético é descrita muito pior do que era na realidade, quadros  são combinados tendenciosamente, interpretados incorretamente e, com frequência, oposto à opinião dos espectadores russos), o KGB, a Perestróica, a posterior decomposição de estruturas estatais e assim por diante.

 

Erros, absurdos, falsificações

 

O filme  mostra os discursos de supostos ex-oficiais militares russos de alta patente (não há nomes, os rostos estão escurecidos, as vozes, distorcidas, a língua russa não pode ser ouvida), pesquisadores e também todo tipo de cientistas e escritores, por exemplo, um tal "escritor russo", Veniamin G. Vereschagin (cujo bigode e barba parecem claramente colados) supostamente um ufólogo. Ninguém na Rússia nunca ouviu falar de tal escritor, sendo ele completamente desconhecido no ambiente ufológico do país; segundo o filme, Vereschagin teria escrito um livro (mesmo completamente desconhecido dos ufólogos russos) com um título simples e claro, "OVNIs na URSS": o livro é mostrado, na sobrecapa dele aparece o título, mas o livro em si não é aberto, seu conteúdo permanece desconhecido. Vasculhando a Internet, eu não encontrei qualquer menção sobre o "escritor ufólogo Veniamin G. Vereschagin" e seu livro, exceto nas informações deste filme.

 

O ufólogo Veniamin G. Vereschagin e seu livro (print do filme).

 

Em um dos episódios do filme aparece Yuri A. Fomín, autor de livros sobre fenômenos anômalos (desta vez o autor é real). Mas ouvimos apenas sua primeira frase em russo: "Uma vez fui convidado para o comitê distrital do partido com pedido para dar palestras sobre OVNIs..." ‒ logo após o discurso russo é bloqueado pela tradução. Esta diz: "Mas depois da minha palestra, o presidente do partido do comitê [N. A.: este 'cargo' é um conjunto de palavras sem sentido, sem análogos russos] convidou todos os presentes para se levantar e criticar os fatos apresentados na palestra...". Sim, os comunistas realmente não gostavam de aceitar aquilo que não fazia parte do sistema de sua visão materialista do mundo. Mas agora vamos olhar atentamente para o escritório do "presidente do partido do comitê" e outros detalhes. O escritório em si se parece mais com uma espécie de despensa. O funcionário do comitê distrital do partido era um nível hierárquico bastante alto. Eles tinham seus próprios padrões na decoração de escritórios. Vamos comparar, a seguir.

 

1 – Escritório típico de um oficial soviético e partidário; 2 – Escritório do chefe do comitê distrital no filme, os presentes parecendo mais um grupo secreto de conspiradores em algum lugar no porão; atenção para as dragonas de soldado raso no ombro de um idoso funcionário do partido.

 

Um ponto muito interessante: por alguma razão, os funcionários do comitê distrital do partido estão quase todos de uniforme militar (isso não foi assim, os militares tinham suas próprias organizações internas do partido), mas o detalhe mais picante é que um deles, uma pessoa idosa, ainda usa em seus ombros as dragonas de um soldado raso! Mas nelas são claramente visíveis as letras russas "CA" ("SA", "Sovétskaya Ármiya", Exército Soviético), e é exatamente isso o que está saltando aos olhos do espectador. E essas dragonas com letras eram usadas unicamente por soldados rasos! O engraçado é que até os primeiros-tenentes eram desligados do exército soviético aos 40 anos, caso não tivessem atingido o seguinte cargo militar antes dessa idade. E aqui temos um idoso no cargo de praça... E, mais ainda, como poderia um praça chegar a uma conferência particular para pessoas privilegiadas? Em resumo: uma patada em cima da outra. Os autores do filme não tinham ideia das realidades da vida na URSS.

 

O KGB encontra um OVNI

 

O detalhe mais curioso deste filme é o episódio de filmagem em vídeo de metade de um certo objeto redondo, semelhante a um OVNI em forma de disco, com quatro a cinco metros de diâmetro que, após uma suposta colisão com o chão, teria entrado no solo sob um ângulo ligeiro. O objeto é apresentado ao público como que supostamente caído no Ural, perto da localidade de Beriózovski (Óblast de Sverdlovsk), em novembro de 1968, e em março de 1969, supostamente teria sido filmado pelas forças do KGB.

 

O "ufólogo" Veniamin G. Vereschagin fala emocionadamente sobre isso, referindo-se ao jornal "Вечерний Свердловск" ("Sverdlovsk da Noite") de 29 de novembro de 1968. Mas atenção! No genuíno número do jornal desta data não aparece o artigo em questão, o jornal demostrado no filme é falso em si, já que sob o seu título está escrito incorretamente "Jornal do Comitê do Partido da Cidade de Sverdlovsk e do Conselho Municipal dos Deputados do Povo" ‒ o subtítulo nesta formulação apareceu apenas a partir de 1985, nos tempos da Perestróica, entretanto o genuíno jornal da década de 1960 tinha por subtítulo: "Jornal do Comitê da Cidade de Sverdlovsk, do Partido Comunista da União Soviética e do Conselho Municipal dos Deputados dos Trabalhadores". Assim, o texto do artigo falso foi sobreposto a um jornal da década de 1980. Além disso, onde já se viu um jornal, no qual os materiais são impressos em fontes diferentes?

 

O jornal "Вечерний Свердловск" ("Sverdlovsk da Noite"): 1 – Subtítulo errado; 2 - Fontes diferentes, à esquerda, o artigo inserido.

 

Por algum motivo, os militares estão filmando o "OVNI" apenas sob dois ângulos, direito e esquerdo, não nos mostrando o que está de outro lado. Por quê? Afinal, teriam feito a filmagem para seu uso interno, sendo necessário por isso, filmar tudo com cuidado e em detalhes. "Esta parte da filmagem não entrou no nosso filme", diz o locutor. (E não é de admirar: de outro lado, simplesmente...  não há nada).

 

Logo aparecem no filme os quadros da filmagem "secreta" mostrando pessoas em roupões médicos (supostamente cientistas) fazendo a autópsia do corpo de uma suposta CBA (criatura biológica alienígena), ou melhor, do que restou dela.

 

E vamos criar um falso no estilo russo!

 

Poucos poderiam contestar que em todo o mundo há muito aprenderam a fazer falsificações em qualquer assunto. E fazê-las com uma qualidade muito alta. Embora foi precisamente essa qualidade que não esteve presente no filme de 1998. Mas veremos como foi feita esta falsificação.

 

Do que você precisa para fazer uma falsificação sobre um tema russo? "Lenin, vodka, balalaika" ‒ assim riem os russos das ideias ocidentais comuns sobre o seu país. Ah, sim, mais matrioshka, samovar, martelo e foice (muitos ainda pensam que na Rússia os comunistas estão no poder).

 

Primeiramente, precisamos de detalhes reconhecíveis: Moscou, Kremlin, neve nas ruas, pessoas sombrias, nomes russos nos créditos, discurso russo fora do ecrã, mas muito vago e até mesmo bloqueado pela tradução; jornais e outros documentos em carácteres cirílicos. Sim, tudo isso está presente no filme.

 

Entendemos a emoção e choque das pessoas que, em sua maioria, não sabem nada sobre o nosso país ou sabem muito pouco (como o expressou emocionalmente em uma certa ocasião um dos amigos online do Brasil: "comunicar-se com vocês é o mesmo que com os alienígenas!"). Os espectadores ocidentais, abrindo os olhos e as bocas, engolem este prato quente. Eles não entendem o que está escrito nos impressos em cirílico dos supostos documentos secretos. Eles tragam e digerem com calma qualquer tolice que Hollywood apresenta geralmente sobre essa "Rússia misteriosa".

 

Mas o caso do espectador russo é completamente diferente, já que para ele, os absurdos desta produção cinematográfica imediatamente saltam aos olhos.

 

Olhemos com cuidado:

 

‒ Um campo varrido pela neve. Um caminhão aberto com soldados está se aproximando da borda da floresta onde já se encontram dois jipes "Willis" abertos, nos quais vieram os oficiais. Os "Willis" no exército soviético no ano de 1969? É um absurdo. Os americanos mostram ser atormentados aqui pelos fantasmas da Segunda Guerra Mundial, quando nos estavam enviando os "Willis" pelas condições do Lend-Lease (mas a Rússia retornou a maioria deles após a guerra). O exército soviético usou de seus próprios excelentes veículos todo-o-terreno GAZ-69. E no inverno na Rússia, caminhões e veículos todo-o-terreno são sempre cobertos com lona, ninguém dirige em carros abertos, é muito frio! Outra patada, até duas, de fato.

 

1 — O jeep "Willis"; 2 — O Gas-69 usado no exército soviético, com o topo levantado.

 

E esses "Willis" do filme realmente não foram usados no exército soviético, nem em qualquer outro: eles parecem completamente novos e não têm quaisquer chapas. Mas isso foi categoricamente impossível para carros que estivessem em serviço! Então, esses jipes seguramente foram tomados de algum lugar exclusivamente para a filmagem. Vejamos o print a seguir.

           

Os veículos "Willis" aparecem sem chapas (prints do filme).

Em algum lugar atrás das árvores você pode ver um meio disco com um diâmetro de quatro a cinco metros, cravado de lado no chão. Se olharmos o ângulo sob o qual o objeto é visível a partir do solo e levarmos em consideração a velocidade aproximada de sua suposta queda, veremos então, que nem uma única árvore deveria ter permanecido perto do local da queda, dentro de um raio de aproximadamente dez metros. Até mesmo na ausência de explosão no momento da colisão com o chão. Na foto, as árvores crescem juntas. Logo, não há o menor sinal de terra jogada para fora (formação de funil), o que seria inevitável em tais casos. Na foto, a terra encontra-se em uma camada muito uniforme em torno do objeto. Parece mais que o objeto não caiu no chão, mas saiu dele (ou alguém o enterrou lá). Outra patada. 

‒ Em torno do disco, estão vagando soldados com armas AK-47, oficiais e algumas pessoas em trajes civis (estas estão vestidos à moda da década de 1980 e fingem ser funcionários do KGB). O uniforme dos soldados é real, soviético, mas com estranhezas: em vez dos cintos dos soldados eles vestem cintos de oficiais, algo não está certo mesmo com as calças, já que não correspondem à época.

 

1 ‒ Cinto do oficial no soldado do filme, seu uniforme está fora de tamanho; 2 ‒ Genuíno soldado soviético, com cinto correto.

 

Também nas dragonas de alguns soldados não há as letras "CA" ("Exército Soviético"), que foram introduzidas por ordem do Ministro da Defesa em 1967. O episódio supostamente teve lugar em março de 1969.

 

- Com os oficiais, também, algo não está certo: 1 – O oficial veste papákha, (gorro alto de pele), tipo de chapéu usado apenas por oficiais superiores, só a partir do coronel para cima; no filme este oficial, de fato, é chamado de "general", mas atenção! Ele não tem insígnia, as dragonas dos ombros estão ausentes, isso é um absurdo; 2 – Usar óculos escuros no exército soviético era proibido; 3 – Ao "entrar em campo" por ordem do Ministro da Defesa da URSS, os oficiais precisavam ter "equipamento de couro" (cinto, cinturão, coldre com arma pessoal), mas o "general" tem apenas um cinto e não tem arma pessoal; dos outros dois oficiais, aparentemente apenas um tem arma pessoal ou, no mínimo, o coldre – isso apesar do fato de os soldados estarem armados com submetralhadoras AK-47 e se encontrarem "à espera do combate". Os oficiais também usam luvas pretas, embora de acordo com as regras estas deveriam ser marrons.

 

Que oficiais mais estranhos!

 

‒ Parece que a maioria dos soldados simplesmente não tem nada para fazer, eles ficam na frente do operador, ao lado do disco, com as armas na posição "pronto para atirar parado", segurando as submetralhadoras prontas, como se o inimigo estivesse sentado embaixo de cada arbusto, e apontando os canos das armas uns nos outros e nas costas dos seus comandantes.

 

Um dos soldados no local da "queda do OVNI", encontrando-se na posição "pronto para o combate".

 

Nenhum soldado faria tal coisa, de acordo com a ordenança, a arma deve estar apenas "na posição atrás das costas"; por tal comportamento dos soldados, o comandante do exército soviético já teria sido rebaixado.

 

Esses soldados parecem adeptos de um culto à carga que vieram orar ao seu ídolo: os motivos de suas ações são completamente incompreensíveis nessa situação. Mas, aparentemente, esse era o plano do diretor americano.

 

O operador por algum motivo está se fixando longamente no emblema na manga de um dos soldados (para que o espectador esteja convencido de que este é realmente um soldado soviético), e vemos que este é o emblema de um... batalhão de construção! Muito engraçado.

 

Operador do KGB: "Este realmente é um soldado soviético". Por que um operador da KGB precisaria filmar isso quando ele teve uma nave do outro planeta diante de seus olhos?

 

A divisa é mostrada de perto no filme. No centro, é claramente visível o buldózer, símbolo de unidades militares de construção.

 

Nos batalhões de construção, serviram apenas aqueles que, por razões de saúde, não podiam prestar serviço militar ordinário (isto é, aprender tiro e outras habilidades de soldado), mas podiam trabalhar na construção de instalações militares. Eles não recebiam armas. Basicamente, o contingente destes batalhões era bastante marginal, alguns tinham problemas com a lei no passado; soldados de outros ramos das forças armadas eram enviados para lá como punição. Os batalhões de construção sempre constituíam um problema para os comandantes militares. "Você irá para o batalhão de construção" ‒ essa era a frase mais terrível para qualquer recruta. Assim, até mesmo com a imaginação mais desenfreada, é impossível imaginar que em nosso país os oficiais do KGB usariam um batalhão de construção para suas tarefas. Eles usaram suas próprias unidades militares ou tropas internas do Ministério do Interior.

 

E agora vou lhes contar mais um detalhe curioso: esta é uma filmagem não do passado, mas do futuro. Por que? Porque as divisas na manga do capote de soldado no exército soviético só seriam introduzidas em 1970; em 1969, simplesmente ainda não existiram. Que patada.

 

E quanto ao próprio OVNI, nada acontece em torno dele, isto é, literalmente nada. Apenas uma azáfama atrapalhada, idas e vindas e um franco jogo perante a câmera. É tudo. O "oficial do KGB" está acenando várias vezes com as mãos e vários soldados supostamente custam a levantar pedaços de algo que na realidade é leve.

 

Mas como eles estão fazendo isso? Você não vai acreditar: com as suas próprias mãos, até mesmo sem luvas! Carregando destroços alienígenas! Sim, é claro, os russos nos filmes americanos são sempre idiotas, mas não até tal grau! Pelo menos o KGB, de que tanto temiam, poderia ser um pouco respeitado?

 

Mãos sem luvas, segurando um "destroço do OVNI", capote e chapéu fora de tamanho, cinto do oficial – neste quadro, tudo é falso. Ao lado, "funcionários do KGB", que parecem não ter interesse algum no objeto.

 

O que pode se dizer sobre essa cena? Um clássico cinematográfico americano sobre os russos, cheio de erros e ignorância da nossa realidade. Qualquer pessoa de nosso país percebe imediatamente que os verdadeiros oficiais do KGB teriam agido de maneira bem diferente em tais condições. Se realmente a catástrofe com uma nave alienígena ocorresse perto de uma povoação, a área de cordão seria então de quilômetros e não de dez metros; аo isolar o local, um guarda com uma estação de rádio seria colocado a muitos metros da cena do incidente. A ninguém seria permitido se aproximar do lugar dentro da linha (perigoso!) e ninguém estaria agitando armas, fingindo encontrar-se na posição "pronto para o combate". Para efetuar tal tarefa, os soldados receberiam uniformes especiais e, necessariamente, máscaras de gás (como a radiação ou outro tipo de contaminação seria possível), que eram disponíveis em todos os ramos e unidades do exército soviético, e o oficial teria um porta-mapas. Por certo, onde estão os instrumentos para medir radiação? As pessoas em roupas comuns seguramente não estariam vagando perto do disco, mas o próprio objeto seria tratado por especialistas em trajes especiais.  O operador filmaria precisamente o objeto como tal, de todos os lados e sob ângulos diferentes, como também o trabalho do grupo de peritos, e não estaria interessado em filmar soldados comuns. Que "KGB" mais desajeitado, parecendo mais se tratar de algum tipo de comediantes. O diretor do filme não tinha nem a menor ideia sobre o exército soviético e sua ordenança. Patadas, patadas...

 

O emblema do KGB

 

Na cena da venda de "documentos", supostamente filmada por uma câmera escondida, há um diálogo incrível pela sua estupidez:

 

- "São exatamente os arquivos do KGB?"

- "Claro, há o emblema do KGB neles".

 

Desde quando um desenho pode servir como garantia de autenticidade de qualquer documento? Tais frases destinam-se a uma criança de seis anos, porque já na idade de sete, a criança dirá que isto é absurdo.

 

Agora sobre a imagem em si. Apenas a pessoa que conhece a URSS a partir de filmes de Hollywood pode aceitar essa primitiva imagem como o símbolo do KGB. Este símbolo foi usado exclusivamente como um distintivo para funcionários honrados da organização. O verdadeiro emblema da organização possui as características a seguir.

 

1 – Distintivo soviético correto; 2 - Distintivo de aniversário correto; 3 – Desenho do emblema do KGB errado, difundido na representação ocidental; 4 – Desenho errado, supostamente presente nos arquivos do KGB no filme, copiado do número 3.

  

‒ Tem uma grande estrela no centro, entretanto a pequena estrela no topo (como mostrado no filme) foi representada apenas em ocasiões, precisamente, quando em baixo estavam colocados os números do próximo aniversário da organização;

 

‒ A verdadeira inscrição no distintivo era "Comitê de Segurança do Estado sob o CM da URSS" (isto é, sob o Conselho de Ministros da URSS), eles nunca escreveram o abreviado "KGB" no distintivo, isto é destinado apenas a estrangeiros; então, era necessário pelo menos escrever o "Arquivo do KGB da URSS", mas mesmo assim não é: há cirílico, há três letras 'assustadoras' do "KGB" ‒ suficiente para o público!

 

‒ E, finalmente, vem a "cereja do bolo": absolutamente todos (todos!) os documentos do KGB da URSS levavam apenas o emblema da URSS e nenhum outro! Patada horrível e barato truque cinematográfico. E os documentos foram enviados para o arquivo na pasta habitual. Os arquivos genuínos têm o aspecto a seguir.

 

1 - Emblema da URSS nos documentos do KGB; 2 - Um dos arquivos do KGB, desclassificados em anos recentes; como vemos, não têm quaisquer emblemas, a palavra "ARQUIVO" é visivelmente grande.

 

Portanto, eu vou revelar um segredo aos autores do filme: a presença do emblema não é absolutamente uma prova de autenticidade, como afirma o documentário.

 

Investigação

 

E então, meticulosos jornalistas russos imediatamente começaram a investigar a história da aparição dessa obra-prima cinematográfica.

 

Para deixar claro ao leitor as condições sob as quais este filme foi feito, vou dizer brevemente o que foi a década de 1990 para o nosso Estado e seus cidadãos.

 

Se você nunca experimentou o perecimento do seu país, então será difícil para você imaginar. Pela segunda vez no século XX, a Rússia passou por tal calvário. Tudo desmoronou. As empresas pararam, a agricultura ficou paralisada, o comércio parou. Não houve trabalho. Quem o tinha, não recebia salário durante muitos meses, e alguns por um ano ou até mais; famílias inteiras sobreviviam da pensão minguante de seus velhos. Especialistas mais qualificados e cientistas renomados pegavam no trabalho não qualificado, como pintar latas de lixo ou trabalhar como carregadores; atores famosos passavam a ser operários nas obras de construção ou encarregados do vestiário. A taxa de suicídio aumentou dramaticamente. Como geralmente acontece em tais condições, a máfia e o crime desenfreados apoderaram-se do país. Como resultado de tudo isso, nossas perdas humanas naqueles anos são comparáveis às perdas de guerra, atingindo cerca de 10 milhões de pessoas. Sim, realmente foi uma guerra contra nós, vencida sem luta, por meio de bajulação, engano, Prêmios Nobel da Paz, firma de acordos políticos e militares desvantajosos com nossos "parceiros" internacionais; acordos estes que eles não pretendiam respeitar. Tudo isso, claro, foi conseguido com o apoio dos traidores internos e agentes de influência que foram preparados muito antes. Afinal, não foi em vão que os Estados Unidos emitiram a medalha "Pela vitória na Guerra Fria". Sim, eles venceram então.

 

E nessas condições, o pessoal da TV americana veio a Moscou e, por pouco dinheiro, conseguiu tudo do que precisava. Assim, eles fizeram uma proposta para ganhar dinheiro extra para a diretora assistente do estúdio de cinema Gorki, Olga Dolgalióva, fato revelado por ela posteriormente aos jornalistas de Sverdlovsk que a encontraram. Quem se recusará a ganhar dinheiro em tais condições? Além disso, é claro que os americanos não contaram nada a Dolgalióva sobre as verdadeiras razões pelas quais precisavam filmar o episódio.

 

Quero citar a seguir, as palavras de Vadím Chernobróv, proeminente ufólogo russo, chefe do Centro "Kosmopóisk", autor de muitos livros sobre ufologia e fenômenos anômalos, ditas ao canal "Cultura" da TV russa em relação ao filme "The Secret KGB UFO Files".

 

O ufólogo Vadím Chernobróv dando entrevista ao canal "Cultura" da TV russa (print).

 

"Aconteceu a estreia do grandioso, o mais grandioso filme de todos os tempos e povos sobre catástrofes dos OVNIs, já que este filme foi promovido de acordo com todos os cânones de Hollywood, e ocupa a primeira linha nas classificações de filmes desse tipo. Este filme foi feito com objetivos especiais, para sua produção, vieram para a Rússia primeiro os emissários, que viajaram pelo país coletando informações, eles contrataram atores, inclusive conversaram com os ufólogos, convidando-os a participar de forma gratuita. Inclusive, dirigiram-se a mim, pedindo para dizer algo interessante no quadro. Mas, por dados indiretos, percebi que algum tipo de produção artística estava sendo preparada e recusei-me a participar na filmagem, agora estou muito feliz com isso, para ser honesto. Porque depois tudo acabou sendo muito pior do que a minha fantasia sugeriu".

 

Quantas câmeras houve?

 

A suspeita de que se trata de uma filmagem artística surge quando você vê que a filmagem é realizada por várias câmeras, embora no documentário é dito que há apenas duas delas: uma instalada no caminhão (que parou bem longe da floresta), e a outra está filmando a partir das mãos do operador. Mas há pelo menos três câmeras. Observe o quadro a seguir.

 

O soldado está filmando o "objeto". E quem está filmando esse soldado?

 

Então, houve uma terceira câmera. E isso já é um cinema de arte, multicâmera, uma filmagem de reportagem não se realiza desta forma. É muito duvidoso que o KGB teria feito tal filme para seu uso interno.

 

"Alta tecnologia extraterrestre"

 

Um dos participantes do filme, supostamente um ex-oficial do KGB, disse que o disco foi feito usando alta tecnologia extraterrestre. Mas há outra opinião sobre isso.

 

Prossegue Vadím Chernobróv:

 

"Os criadores não conseguiram fazer um 'disco voador' de alta qualidade, por isso simplesmente cortaram a parte inferior, que a neve supostamente esconde, mas esta parte simplesmente não existe. E depois eles representaram uma cena de arte chamada de 'catástrofe de OVNI perto de Beriózovski'. Por que precisamente Beriózovski? Porque é no Ural, e o Ural é sertão a tal grau, que tudo é possível lá. Mesmo uma flotilha de OVNIs poderia cair lá e qualquer espectador no mundo acreditaria nisso facilmente, ainda mais nos Estados Unidos".

 

Nesta perspectiva, no print pode se ver claramente que o "OVNI" consiste em várias camadas de espuma de plástico grosseiramente cortadas e coladas umas nas outras, as linhas de curvatura são desiguais e claramente feitas à mão (não, não em outro planeta); na parte inferior da foto, em primeiro plano, você pode até ver a linha de corte da metade do disco, onde a neve mal a cobre.

 

1 – O disco repousa sobre uma bétula fina, e esta mantém seu peso (ao que tudo indica, é um peso muito pequeno, como convém a um plástico espumoso); 2 – A grossura do disco é tão pequena que mesmo a pequena "criatura" supostamente sujeita a "autópsia" só poderia caber aqui deitada e em estado achatado.

 

Como foi filmado

 

O lugar onde o episódio foi filmado não fica de forma alguma no Ural: o "papel" do Ural foi "representado" por um distrito perto de Moscou, chamado de Alábino. Há um grande campo de treinamento militar, com muitas unidades militares dispostas ao redor, e todos os cineastas russos que fizeram filmes militares levaram figurantes dessas unidades.

 

O Polígono de Alábino, perto de Moscou. Segundo testemunhas, foi em um dos cantos deste polígono que foi filmada a "catástrofe do OVNI", feito de plástico espumoso. Paisagem reconhecível, não é?

 

1 ‒ Paisagem do filme; 2 ‒ Polígono de Alábino, perto de Moscou.

 

Agora está claro por que o "OVNI" caiu com tanto esmero, sem quebrar as árvores no momento de queda: ninguém permitiria que a equipe de filmagem destruísse a floresta. Eles apenas encontraram uma clareira confortável na borda da floresta e curvaram um pouco algumas bétulas jovens.

 

Roger Moore com as bétulas de Alábino no fundo?

 

Na década de 1990, nosso exército, como todo o povo, vivia nas condições difíceis, de modo que o comandante da unidade destinou de bom grado uma companhia de soldados para filmar. O problema estava no uniforme: os americanos precisavam de um uniforme da década de 1970, havia algo deste no guarda-roupa do estúdio de cinema, mas nem tudo, e é por isso que no filme estão vagando soldados com emblema de um batalhão de construção e cintos de oficiais, cobrindo as calças 'erradas' com seus capotes. Neste uniforme do estúdio de cinema, os soldados têm um aspecto simplesmente horrível: seus capotes amarrotados parecem sacos, porque estão fora de tamanho. Nenhum comandante soviético teria permitido que seus soldados aparecessem tão feios. No exército soviético, foi atribuída grande importância à aparência externa dos militares.

 

Esses "Willis" sem chapas que eu referi acima não me deram descanso: de onde eles vieram para um filme sobre o exército soviético? E alguns dias de busca na Internet trouxe o resultado: vieram de apenas nove quilômetros de Alábino, onde se localiza a base técnico-militar de outro dos nossos maiores estúdios de cinema, o Mosfilm, que já tem 107 anos de existência. Lá existe precisamente algo como uma enorme base, um museu de equipamentos militares e armas de todos os países e épocas (incluindo navios, aviões, para não mencionar transporte menor), em milhares de exemplares. Todo o conteúdo do museu é usado para produzir filmes de guerra. E foi lá que descobri aqueles mesmos Willis, sem chapas. Como veremos a seguir.

 

Que sorte, eis que são os nossos conhecidos, veículos "Willis" sem chapas, usados no filme sobre "a descoberta do OVNI no Ural".

 

As "pessoas em trajes civis" foram interpretadas por atores russos pouco conhecidos; a filmagem imitava a película antiga, por isso é difícil reconhecer seus rostos. Carros abertos no inverno? Bem, assim é muito mais espetacular para filmar, como você não poderá ver muita coisa em um carro fechado. E aqui, eis são eles, verdadeiros soldados soviéticos.

 

Toda esta companhia fantasiada de soldados estranhos está vagando ao redor de um disco de cinco metros, não menos estranho. Este "disco extraterrestre" foi feito a partir do plástico de espuma mais terrestre que possa haver e pintado também com uma tinta originária da Terra; os criadores deste "OVNI" provavelmente seriam inspirados pela forma da tampa do poço do foguete, já que é muito semelhante. Mas a tampa parece ser muito mais sofisticada.

 

À esquerda, o suposto "OVNI", à direita, cobertura de um poço do míssil.

 

O disco era leve, sendo soprado pelo vento o tempo todo, então o diretor americano viu-se obrigado a fazer várias vezes os duplos necessários, representando a "descoberta", entre as bétulas, de uma grande imitação feita do plástico de espuma.

 

De acordo com Olga Dolgalióva, ela experimentou um verdadeiro choque quando descobriu em que aventura tinha participado. Ninguém perguntou aos americanos sobre o porquê de toda essa azáfama em torno do disco durante a filmagem: eles pagavam, e com isso, bastava. E assim, nenhum dos que pisaram na neve na borda da floresta em Alábino, muito perto de Moscou, naquela gelada quinta-feira do março, não poderia imaginar que estivesse assistindo ao grande evento histórico – a descoberta, na floresta invernal do Ural, de uma acidentada nave alienígena...

 

Autópsia do "alienígena"

 

Olhemos com cuidado:

 

1 ‒ Os autores do filme estão se referindo o tempo todo ao "serviço de inteligência mais poderoso do mundo"; mas essa inteligência, ao que parece, nem sequer tinha seus próprios laboratórios regulares. Portanto, no filme, a autópsia supersecreta de um alienígena, sob a supervisão do terrível KGB, está sendo realizada... no auditório habitual dos estudantes, com ferramentas ruins, pelas mãos dos estudantes dos anos superiores e sem a menor precaução.

 

Os graduados da Cadeira de Anatomia da Academia Séchenov de Medicina (Moscou), enquanto assistiam ao filme, reconheceram um dos auditórios familiares da sua alma mater. Os correspondentes do jornal "Труд" ("Trabalho") encontraram facilmente a sala onde os americanos filmaram a "autópsia". As mesas especiais, e até pôsteres que são visíveis no filme ao fundo do local, tudo acabou por se encontrar no lugar. Segundo afirma Roger Moore no filme, "esta universidade médica estatal depois tornou-se privada..."; mas isto não é verdade, a Academia Séchenov de Medicina ainda é uma enorme instituição pública, com uma longa história (obviamente, na década de 1990 ela também teve dificuldades e foi por essa razão, mais provavelmente, que os estudantes aceitaram ser filmados no episódio).

 

2 ‒ A autópsia do organismo alienígena teria que ser realizada em condições de máxima proteção, uma vez que não se sabe o que pode conter. Mas os "peritos médicos" parecem mais bem uns estudantes descuidados em pé ao redor da mesa, embora vistam roupões médicos de uma brancura de neve, mas mesmo sem máscaras, aventais e chapéus! Isto é, eles estão bem conscientes de que o manequim não contém nenhum perigo para eles. Mas a "lady expert" no filme, para justificar esse absurdo, imediatamente faz uso do estereótipo americano: "Isso é típico para os russos [N. A.: sim, é claro, aqui todos somos idiotas]... (...) ...mesmo em Chernobyl, eles não usavam meios de proteção [N. A.: não é verdade! Comparação incorreta, houve circunstâncias completamente diferentes]".

 

Desconformidades: 1 – Em 1969, essas botas de cano alto ainda não estavam em uso; 2 – Em 1969, nenhuma mulher jovem teria saído de casa com cabelo tão desgrenhado, mas na década de 1990, isso se tornou moda. Os "luminares da medicina", por toda a sua aparência, são mais parecidos com os estudantes médicos inexperientes.

 

3 – Durante a autópsia, o esterno geralmente é removido para que os órgãos internos possam ser facilmente expostos. Mas aqui mostram-nos como a mão de um jovem (supostamente um "luminar da medicina") se introduz sob as costelas e puxa de lá um pedaço de alguma coisa... Porque o manequim era muito duro e ele não podia cortá-lo.

 

4 – Segue adiante aquilo que só nós, os russos, vemos corretamente: os documentos. Sob o documento da autópsia há uma assinatura interessante: "Tolmakov, subdecano da Cadeira de Anatomia de... Medicina de Moscou" – a linha sai além do quadro sem que possamos ler o nome completo da instituição médica, contudo, vemos logo o sobrenome "Semashko". Mas na URSS/Rússia não existe tal cargo como "subdecano da Cadeira de Anatomia"! O que existe é o "catedrático da anatomia" e há também o "decano da faculdade". E o nome do famoso médico N. A. Semashko é levado apenas por uma instituição de medicina, o Instituto Médico de Moscou – de estomatologia! E é improvável, claro, que os dentistas tenham habilidades suficientes para efetuar a autópsia do organismo alienígena. Então, mais outra tosca fraude.

 

5 – Olhemos para o documento da autópsia. Lá aparecem quatro nomes e apenas uma assinatura – da jovem que manteve os registros. Abaixo, se encontram mais duas assinaturas - do já citado "subdecano da Cadeira" e mais uma, de um tal P. Kravtsov, "representante do departamento especial de Moscou" (subentende-se o KGB?). Este P. Kravtsov também é um personagem muito interessante: 1 – Não existiu nunca nenhum "Departamento Especial de Moscou", o que existiu realmente foi um "Departamento Especial sob o Distrito Militar de Moscou"; ele se ocupava de contra inteligência militar! O que seu "representante" deveria fazer na autópsia? Seria mais lógico que um representante da Diretoria de Inteligência Científica e Técnica do KGB assumisse essa tarefa.

 

Selos e assinaturas falsificadas no documento de autópsia.

 

Mas isso não é tudo. O documento é decorado com dois selos. Pegamos uma lupa e vemos que ambos os selos pertencem ao alegado KGB. Ainda que após a assinatura do médico, deveria estar colocado o selo de sua instituição médica (bem, parece que os cineastas não encontraram um selo assim). Mas os "selos do KGB" também estão incorretos.

 

Um dos falsos "selos do KGB" no "documento da autópsia".

 

‒ A inscrição neles diz: "Comitê de Segurança do Estado da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas". Mas no selo genuíno deveria estar: "Comitê de Segurança do Estado sob o Conselho de Ministros da URSS".

 

‒ Na realidade, apenas a palavra "Comitê" era escrita com letra maiúscula, enquanto as palavras "segurança do estado", ambas com letra pequena, e aqui, todas as três palavras são escritas com letra maiúscula.

 

Este selo é artesanal, provavelmente, comprado em um quiosque para turistas.

 

Moscou da década 1990, comércio de rua com símbolos soviéticos.

 

Após o colapso da URSS, foi possível comprar qualquer um dos seus selos por um centavo em qualquer esquina, os artesãos habilmente os cortavam, e os turistas também estavam muito dispostos a comprá-los. Portanto, o "documento" da autópsia não vale nada.

 

6 ‒ Outro detalhe absolutamente maravilhoso. O "perito Sergei Goncharov" explica longamente e em detalhes que, quando a câmera é ligada e desligada, figuras supérfluas podem ser capturadas acidentalmente (quadro de flash). Deste modo ele explica a aparência, por trás dos estudantes que estão fazendo a "autópsia", de pessoas de uniforme militar, supostamente os próprios "representantes do departamento especial", ou seja, do malvado KGB. Vamos olhá-los com cuidado. E resulta que... são um verdadeiro presente para um espectador crítico!

 

1 ‒ "Representante do KGB"; 2 – Uniforme genuíno de major do KGB da URSS.

 

– O uniforme genuíno dos oficiais do KGB possui galões azuis e barras (faixas) da mesma cor nas dragonas; aqui, o "representante" tem galões pretos (distintivo da artilharia) e dragonas com barra clara;

 

– As dragonas em si são simplesmente únicas: uma barra é distintivo de oficiais subalternos, até o capitão inclusive, elas têm estrelas menores; duas barras e grandes estrelas é o distintivo de oficiais superiores, começando com o major; na foto, o dito "representante" tem uma barra como a de oficiais subalternos, entretanto, as grandes estrelas correspondem ao tenente-coronel; as estrelas estão fixadas muito perto da borda, porém, deve haver uma distância de 35 mm da borda até o centro da estrela (no caso do tenente-coronel).

 

7 ‒ Depois, os cineastas, segundo nos conta Roger Moore, vão procurar testemunhas e participantes da própria autópsia. E se dirigem para o "Instituto de Biologia da URSS". Mas em Moscou não existe e nunca houve um instituto com tal nome. Existem Institutos de Pesquisa Científica de Biologia Genética, Biologia Protéica, Biologia Vegetal, etc. Mas não há e nunca houve um instituto de simplesmente "biologia". Bem, seguimos vendo.

 

E, oh, que alegria! É precisamente nesta instituição inexistente que os bravos buscadores da verdade americanos encontram... os três atestados de óbito dos três participantes da autópsia, aqueles jovens estudantes (que conveniente, nenhum dos curiosos vai procurá-los, mas ao mesmo tempo você pode mais uma vez ver a crueldade brutal do KGB!). E o espectador russo novamente começa a gargalhar. Pela simples razão de que as certidões de óbito em nosso país são emitidas apenas em duas cópias: a primeira permanece para sempre nos arquivos do cartório de registro civil, que registra nascimentos, casamentos e mortes. E a segunda é dada à família do falecido. Mas aqui aparecerão umas terceiras cópias-fantasmas em um instituto também fantasmal (e para que um instituto de pesquisa científica teria precisado mantê-los? É um absurdo). A "lady expert" do filme certamente não acredita na morte natural de desafortunados estudantes. Honestamente, nós também. Por que? Porque esses depoimentos outra vez são falsos, e não morreu ninguém daqueles que despedaçavam o coitadinho do manequim na mesa do auditório do instituto.

 

Vamos olhar atentamente para esses testemunhos.

 

Para exacerbar o dramatismo, o filme diz que todos os três médicos que tinham realizado a autópsia do "humanoide" morreram em um mesmo dia, 24 de março de 1969, literalmente uma semana após a autópsia. Mas para os seus certificados de óbito foram usados impressos de estilo moderno, introduzidos apenas nos meados da década de 1970. Com isso, na linha onde diz "República", está indicada não a RSFSR (República Soviética Federativa Socialista da Rússia, nome oficial do país como parte integrante da URSS), como era nos tempos soviéticos, mas a RF (Federação Russa), como na atualidade. Até mais engraçada parece a formulação da causa da morte do ponto de vista do idioma russo – "hemorragia cerebral": isso é uma tradução literal dos idiomas ocidentais, entretanto o análogo russo, adotado oficialmente na medicina, traduz-se como "hemorragia no cérebro".

 

Erros nos certificados de óbito. O selo é absolutamente ilegível.

 

De onde vêm tantos erros? Parece que alguém já tinha conhecido uma vez a língua russa e as nossas realidades, mas há muito tempo esqueceu de tudo e ficava constantemente confuso durante a produção do filme. E se ouvirmos as revelações dos peritos ufólogos russos, veremos que a situação realmente é assim.

 

Revelações dos peritos ufólogos russos

 

No filme são entrevistados alguns peritos, com a finalidade de dar um elemento de seriedade e autenticidade à fraude cinematográfica. Trata-se, entre outros, de Paul Stonehill, um emigrante da Ucrânia, que por alguma razão criou um "Centro Ufológico Russo" na Califórnia, e dois diretores da federação conjunta russo-americana para as anomalias na atmosfera – Vladimir G. Ajája e Richard Haynes.

 

Vladimir Ajája [N.E.: Já mencionado pela autora no seu artigo sobre o Caso Voronej], oficial do submarino, presidente da Academia da Ufologia Informaciológica e Aplicada, doutor em filosofia e candidato de ciências técnicas, professor, concedeu os seguintes comentários sobre o filme:

 

Vladimir G. Ajája (print do filme).

 

"Eu mesmo não assisti ao filme, embora todos os que assistiram afirmam que eu participo dele na qualidade do perito dando uma entrevista sobre a catástrofe do OVNI no Ural em 1968. Uma vez que tomei conhecimento dos escritos de Paul Stonehill, autor do vídeo, percebi há muito tempo que ele é uma espécie de Barão von Münchhausen ufológico. Mas como eu acabei por me envolver nesta história? Na primavera passada, o pessoal da TV americana veio a Moscou. Eles me convidaram para o Palace Hotel com objetivo de me entrevistar sobre o desenvolvimento da ufologia na Rússia. Eu contei daquilo que sabia, mas não disse nem uma só palavra sobre o incidente em Beriózovski, já que jamais tinha ouvido sobre isso. O que foi que fizeram depois de minha entrevista do outro lado do oceano, eu não sei. Hoje, a técnica de telemontagem avançou tão longe que na televisão, você pode ver qualquer coisa que o autor do programa desejar.

Paul Stonehill, escritor e perito americano que participa do filme.

 

E agora um pouco sobre o próprio Paul Stonehill, quem a partir de 1973 mora na Califórnia, para onde se deslocou da Ucrânia, ainda na sua infância. De que se ocupa? De tudo. O seu cartão de visita diz que sua principal ocupação são os serviços de tradução nas áreas de negócio, publicidade, entretenimento, finanças, direito e medicina. Isso é básico. E logo seguem, particularmente: aviação, eletrônica, química, mecânica, indústria petrolífera e exploração espacial. Além da tradução, Stonehill está envolvido no cinema. Que tal amplitude! Nem Leonardo da Vinci, juntamente com Lomonósov, poderiam resistir tal competência. E, no entanto, acontece que o Paul universal recentemente se tornou o chefe do 'Centro Russo de Pesquisa Ufológica'. Isso mesmo – nos confins do mundo e vinte e cinco anos depois.

 

Fui informado de que na qualidade de consultores foram listados nos créditos do filme o inglês Philip Mantle, como representante da British UFO Association, e Anton Anfálov, um jovem da Ucrânia, país natal de Stonehill. Mas acontece que Mantle já não mais é membro dessa associação, e Anfálov é um desinformador comum que anexou todos os títulos ufológicos possíveis e impossíveis a si mesmo" (De uma entrevista à revista "Оракул" ("Oráculo"), nº 2, 1999).

 

Em meados de dezembro de 1998, o filme foi exibido aos participantes do Congresso Internacional de Ufologia na cidade italiana de Cagliari. Este congresso contou com a presença de Boris Shúrinov, famoso ufólogo russo, presidente da Comunidade Ufológica (UFOS). Vendo o entusiasmo com que os seus colegas receberam essa mistificação, ele não resistiu, tomou a palavra e não deixou pedra sobre pedra dela. "O auditório ficou em silêncio. Depois, um homem, que investiu dinheiro neste projeto, entrou em cena e disse que eu era um 'agente do KGB e, portanto, estou tentando esconder os fatos'" ‒ disse o ufologista.

 

Boris Shúrinov, presidente da Comunidade Ufológica (UFOS).

 

"Depois, em todos os congressos ufológicos – no Chile, no Brasil, em San Marino – eu fiz uma exposição dessa farsa e do principal mentiroso americano, o perito Paul Stonehill. Mas não tive muito sucesso. Porque eles imediatamente me chamavam de oficial do KGB, e Stonehill pessoalmente, me chamou de antissemita. A lógica é simples: ele é um judeu e eu o ataco, o que significa que sou um antissemita" (De uma entrevista ao jornal "Комсомольская Правда" ("Komsomólskaya Pravda"), 01.06.04).

 

Perito militar

 

Robert Sсholnik, o "military expert" do filme, sobre os soldados que aparecem no "documentário secreto do KGB": "Eles usam uniformes de inverno. Não há insígnia nas roupas pelas quais eles poderiam ser identificados por sua classificação militar. Apenas têm divisas nas mangas".

 

E aqui o "military expert" revela sua incompetência: como eu já referi, a insígnia está ausente no suposto "general", os dois outros oficiais têm dragonas, como também alguns dos soldados têm galões e dragonas de praças, é possível ver isso em algumas das fotos acima. E a passagem sobre a ausência de insígnias, à qual se refere o perito, é uma tentativa de justificar a patada da equipe de filmagem (faltavam os uniformes da época, tudo é composto). Na vida real, pelo semelhante uso incorreto do uniforme, seria possível ir imediatamente para o calabouço. Eu posso imaginar apenas uma opção quando os soldados ficariam sem insígnia: um lance na retaguarda profunda do inimigo. Mas aqui eles se encontram na retaguarda profunda do seu próprio vasto país.

 

O perito prossegue: "Vejo também que eles estão armados com submetralhadoras Kalashnikov, principais armas de pequeno calibre que estavam em serviço no exército russo. Aqui está a coronha, aqui está o clarim, aqui está o cano sem receptor. Isso corresponde a Kalashnikov [N.A.: para dizer a verdade, isso corresponde a qualquer submetralhadora]".

 

O "military expert" Robert Sсholnik: "Aqui está a coronha, aqui está o clarim, aqui está o cano sem receptor".

 

E você sabe, neste caso eu também sou um perito militar: se há neve por toda parte, e os soldados estão vestidos de capotes e chapéus de pele, posso dizer que não é verão que está lá fora, e que o uniforme deles é invernal. Eu também posso apontar meu dedo para a coronha e o cano da submetralhadora e dizer como é que são denominados. Eu até acho que de mim poderia sair um perito algo melhor: por exemplo, posso dizer que os soldados têm AK-47, mas não têm cartucheiras com carregadores e facas-baionetas no cinto para a submetralhadora, no entanto, soldados com armas devem tê-los necessariamente. (Mas, aparentemente, não havia tais coisas no estúdio de cinema). Logo, se estes soldados são tão belicosos, encontrando-se sempre na posição "pronto para o combate", então, gastariam todos os cartuchos de guerra de uma AK-47 exatamente em quatro segundos; e o que fariam depois, sem as cartucheiras? E o "military expert" nem percebe isso. Sim, o perito não convenceu de que realmente é um perito.

 

Películas

 

Entre outros peritos, no filme aparece um suposto "film expert" ("perito em filmes"), um tal "Sergei Goncharov" (de cuja identidade eu francamente duvido muito: por alguma razão, o "perito russo" pronuncia palavras russas com um terrível sotaque americano, mas fala muito fluentemente o inglês, o que é raro no nosso país), que considera algumas películas e confirma sua autenticidade. Mas na Rússia não existe tal profissão como "perito em filmes" ‒ há expertos em películas, há especialistas e consultores da época e da temática tratada no filme. Estas são pessoas diferentes. É possível estabelecer a autenticidade da película (isto é, que corresponde à produção em um tal país e em uma tal época), através de caros e complexos exames químicos e não simplesmente segurando as caixas com as películas nas mãos, lendo as inscrições sobre elas e revendo os quadros à luz. Esta é a mesma abordagem que já vimos no caso do emblema do KGB: se o emblema está presente, então, significa que a tal coisa é genuína. Da mesma maneira, o "film expert" Mr. "Sergei Goncharov" estabelece autenticidade à película.

 

Bem, sim, são películas velhas de celuloide. Mas não há qualquer informação sobre o que exatamente é filmado nelas. O que o espectador russo espera ver nessas caixas com películas? Fitas reais de arquivo, em especial, destinadas estritamente para uso oficial, tanto mais no KGB; essas caixas necessariamente deveriam ter inscrições sobre onde e quando foi filmado o conteúdo, a que departamento elas pertenciam, número do caso, número de armazenamento, períodos de armazenamento, etc. Nada disso está lá. Mr. "Sergei Goncharov" nos mostra uma caixa, nomeia o local de sua produção ‒ "a cidade de Pereslavl" (na verdade, Pereslavl-Zalessky) e depois, "o tipo de emulsão A-2". Essa é toda a perícia. Mas a película pode ser colorida, em preto e branco, negativa, reversível e positiva. De que tipo é essa película? O "film expert" guarda silêncio sobre detalhes tão importantes. Mas nós podemos lidar com isso e conduzir nossa própria perícia.

 

Caixas supostamente contendo películas com materiais sobre o "Caso Beriózovski" (print do filme).

 

A inscrição mais miúda, abaixo da inscrição "Tipo A-2", é indistinta, mas parece-me que diz... "Preto e branco". É realmente? Vamos ver o que é essa película "tipo A-2". Abrimos livros de referência e... (rufar do tambor!) ‒ é isto: "Película isopancrómatica negativa a preto e branco A-2. Finalidade e âmbito: para fotografia aérea e terrestre com dispositivos de produção de filmes e de fotografia". Preto e branco! E o todo-poderoso KGB pode fazer com que este filme magicamente produza quadros coloridos, como no filme em questão. Xeque-mate, inteligência estrangeira!

 

Nesse ponto, poderíamos terminar de nos referir ao "film expert". Embora ele continua tentando convencer os espectadores, mostrando-nos a inscrição em russo à margem da película, dizendo "película segura" (ou seja, simplesmente não é inflamável), a palavra russa "começo" claramente sobreposta ao filme (eu jamais tinha visto anteriormente tal palavra no início dos filmes russos), a data em russo e, finalmente, o mesmo "emblema do KGB", nosso velho conhecido!

 

"Depois de estudar a película, o perito concluiu que o filme era autêntico. Mr. Goncharov concluiu que o tipo de película e as características técnicas da câmera com que foi feita a filmagem eram totalmente consistentes com os usados pelo KGB e pelo governo soviético daquele período". E que, acaso o KGB e o governo soviético tinham algum tipo especial de películas e câmeras? Afinal, o próprio Mr. Goncharov mostra-nos apenas a "A-2", um tipo de película muito usual.

 

Essas são as "provas". "Nós acreditamos, claro", riem os telespectadores russos. Pessoalmente, eu teria demitido tal perito, porque na verdade ele não é um perito, como vimos. Mas o público ocidental vai acreditar.

 

O já mencionado autor Paul Stonehill, que participa do filme na qualidade de perito: "Eu vi muitos filmes feitos na década de 1960, e esse filme é da mesma qualidade. Este não é um filme feito na década de 1990 ou na de 1980".

 

Mas uma conclusão diametralmente oposta foi tirada por Ricardo Varela Corrêa, ufólogo e engenheiro eletrônico brasileiro do INPE: em 1999, ele provou de maneira convincente que esse "documentário secreto do KGB" não pôde ser feito na década de 1960, mas já na modernidade, no final da década de 1990, utilizando modernos equipamentos de filmagem, com efeitos especiais, fazendo-o parecer um filme daquela época.

 

Ricardo Varela Correa, ufólogo e engenheiro eletrônico (print do filme "Linha de Frente 1999 - Ufos: Verdades e Mentiras").

 

No episódio da 'descoberta' do OVNI pelos militares na floresta, o especialista brasileiro encontrou em alguns momentos sombras da pessoa que está filmando, segurando nada menos que uma câmera digital moderna, com todos os seus detalhes característicos (o microfone, a frente da câmera com protetor de lente, etc.). E foi aquela mesma terceira câmera a qual me referi acima!

 

Sombra do operador com uma câmera digital, no suposto "documentário secreto do KGB de 1969".

 

Segundo o engenheiro, é significativa mesmo a ausência de marcas, ranhuras e riscos comuns a todos os filmes feitos em películas antigas. Também conseguiu identificar os "flashes" no filme (efeito existente em filmagens com películas de celulose) como um 'flare', colocado por computador.

 

O soldado com a câmera velha está sendo filmado por um operador com câmera digital.

 

O soldado que percorria o local com a velha câmera nas mãos, fingindo filmar, era apenas uma fraude, mesmo porque esse tipo de filmagem teria sido feito por um oficial especialista da Diretoria de Inteligência Técnica do KGB, e não por um soldado do batalhão de construção. Mas aqui temos um típico filme americano sobre russos...

 

Ordens e relatórios

 

Roger Moore afirma que eles supostamente têm em seu poder uma ordem do Ministro da Defesa dizendo que a unidade militar 67527 deve ajudar ao KGB neste caso da descoberta do OVNI.

 

Mas aqui estão os problemas, Mr. Bond:

 

‒ A unidade militar 67527 não pôde ser encontrada tanto entre as unidades ativas, quanto entre as dissolutas. Além disso, após o fim da Segunda Guerra Mundial, os números de cinco dígitos permaneceram apenas para as unidades e formações soviéticas estacionadas fora da URSS (operacionais, de retaguarda e de comunicações governamentais).

 

‒ O KGB nesses casos usava as tropas internas do Ministério do Interior (e não da Defesa), os números de suas unidades eram de quatro dígitos;

 

‒ Roger Moore: "Após um exame mais detalhado dos elementos do uniforme dos soldados, vemos essa divisa, que, de acordo com nossos dados, corresponde ao tipo de tropa a que pertencia a unidade militar 67527". Eu vou lhe desapontar, Mr. Bond, mas com esses dados alguém lhe enganou: a divisa corresponde às tropas de construção, e elas tinham na URSS números de apenas três dígitos.

 

Os documentos em si (a ordem do Ministro da Defesa, o relatório do KGB sobre o incidente perto de Sverdlovsk) têm um aspeto muito difuso, é impossível divisar uma única letra cirílica; em cima, é sobreposto o texto em inglês, também desfocado. Os "documentos" não são autênticos, é uma imitação. Comparemos a seguir.

 

1 – Alegada ordem do Ministro da Defesa da unidade militar 67527; 2 – é assim como aparenta o documento original do Ministério da Defesa da URSS do ano 1969; 3 – Alegado relatório do KGB sobre o incidente em Beriózovski; 4 – Assim aparenta o documento original do KGB daquela época.

 

Segundo diz o apresentador Roger Moore, "Fazemos uma pergunta: se esse filme não é falso, então realmente está registrada nele a visita dos alienígenas? Ou trata-se de uma desinformação lançada no período da Guerra Fria?".

 

Então, onde está sua lógica, camarada Bond, James Bond? Se "isso" foi "lançado no período da Guerra Fria", por que então ninguém sabia sobre isso, sendo descoberto apenas quando vocês ganharam essa guerra? Que tipo de estúpidos são esses russos: eles mesmos criam uma excelente bomba de desinformação, mas logo, por algum motivo, classificam-na profundamente.

 

Dados secretos sobre OVNIs na URSS

 

Contudo, existiram dados secretos sobre OVNIs na URSS? Claro que sim. Você poderia citar um país em que os serviços de inteligência não manteriam essas informações classificadas? Isso é normal, em primeiro lugar, para evitar o pânico entre a população. Além disso, todos esses serviços têm por objetivo especial apagar o interesse da população pelo tema dos OVNIs, "expondo" as testemunhas oculares e ridicularizando-as (o riso é a arma mais poderosa para combater tais assuntos). Cito a seguir o ufólogo Vladimir Ajája:

 

"(...) Quanto a saber se o estado esconde do público qualquer informação sobre OVNIs, deve ser assumido que sim. Com base em quê? Com base na lista de informações que constituem segredo estatal e militar. De fato, em 1993, o Comitê de Segurança do Estado da Federação Russa, a pedido escrito do então presidente da Associação Ufológica, cosmonauta-piloto Pavel Popovich [N. A.: cosmonauta número 4 na URSS] entregou para o centro ufológico liderado por mim cerca de 1.300 documentos relacionados aos OVNIs. Estes foram relatórios de órgãos oficiais, de comandantes de unidades militares, relatórios de particulares. A 'Lubyánka' [N. A.: nome de praça de Moscou onde fica o prédio do KGB, atual FSB] se livrou da dor de cabeça extra e nós reabastecemos nosso banco de dados, pelo que ficamos gratos a eles".

 

Mas o verdadeiro ímpeto na história de observações e estudos de fenômenos anômalos, em primeiro lugar, dos OVNIs, se passou na URSS apenas no chamado "fenômeno Petrozavódsk", ocorrido em 20 setembro de 1977, após o qual o projeto "Rede" foi criado. Dele, participaram o Ministério da Defesa da URSS e a Academia de Ciências da URSS (nenhuma participação do KGB).

 

Quais foram os motivos para criar a falsificação?


Consideremos. O primeiro e, como sempre, o principal motivo foi o dinheiro. Exibições na TV, publicação de livros, a venda massiva dos discos DVD. Assim, o ufólogo russo Vladimir Ajája recebeu uma carta de Paul Stonehill; nesta carta, houve uma oferta, ao próprio Ajája, seus colegas e amigos, para a compra de um novo livro, escrito com base no sensacional filme e complementado pelos comentários do próprio Stonehill. Segundo afirmam, o primeiro lote de livros sobre os "OVNIs soviéticos" se esgotou instantaneamente no Ocidente.

 

 

O filme "The Secret KGB UFO Files" (1998), aqui comercializado em formato DVD, promete revelar "a verdade".

 

Outro renomado ufólogo russo, o já citado Boris Shúrinov, apresentou outra versão: a falsificação deveria desviar a atenção da escandalosa exibição, em 1995, de fragmentos roubados de películas sobre a alegada autópsia de cadáveres alienígenas de Roswell; a autenticidade dessa autópsia foi posteriormente confirmada pelo coronel Philip Corso (que teria visto pessoalmente o misterioso cadáver em 1947 e que, em 1961-1964, liderou o departamento de tecnologias estrangeiras no Pentágono) em seu livro publicado no verão de 1997. E foi exatamente em 1997 que os americanos vieram para a URSS com a tarefa de fazer sua própria versão de um filme sobre "alienígenas soviéticos", autópsia destes, etc., para mostrar ao público "vejam o que estão ocultando os russos!" Assim, a criação desta fraude poderia ser o que chamamos na Rússia de "distração de atenção para um objetivo inadequado".

 

Vou fazer mais uma suposição: se você ouvir atentamente as palavras do apresentador e do restante dos participantes do filme, certificar-se-á que a maioria deles claramente tem uma ideia no subtexto: não existem quaisquer OVNIs, na verdade, eles são uma "operação de cobertura" dos serviços de inteligência de diferentes países, escondendo o segredo dos seus próprios desenvolvimentos científicos e técnicos altamente classificados.

 

Resumindo

 

Documentos autênticos não foram usados no filme, e a falsificação com o OVNI simulado, apresentado como uma sensação, desconsidera tudo o que pode estar associado à "certeza". Além disso, agora fica claro por que esses chamados "documentos secretos" nunca foram publicados antes – eles simplesmente não existem! Acrescente a isso as "mágicas" películas em preto e branco produzindo imagens coloridas e a autópsia de manequim em um auditório universitário; a filmagem com a câmera digital e uns "peritos" muito duvidosos e o uso de atores nas filmagens. E tudo o mais, como descrito acima. Eu tenho uma pergunta: os criadores deste filme realmente desprezavam a tal ponto o público, considerando possível mostrar-lhe um produto de tão baixo nível?

 

"Muito do que é mostrado neste filme lança em choque até mesmo especialistas neste campo", diz o filme. Isso é muito certo, mas por outro motivo: é chocante pela arrogância da falsificação. Na opinião de verdadeiros peritos, trata-se da especulação mais flagrante na história da ufologia.

 

Para qualquer caso (ou seja, por causa da categoria de espectadores que não iria acreditar no produto), os cineastas introduziram uma espécie de reserva no texto que Roger Moore pronuncia atrás do quadro: "Mas mesmo que esses materiais sensacionais sejam verdadeiros, muitas questões restam então em relação à sua aparição".

 

O leitor tem essas perguntas?

 

Eu não tenho.

 

P.S.: Ah, sim, e eu não sou agente do KGB.

 

* Natália Dyakonova é articulista, pesquisadora em ufologia e correspondente em Moscou/Rússia para Via Fanzine e UFOVIA.

 

- Tradução do russo ao português: Oleg Dyakonov.

 

- Ilustrações: Fontes livres da internet/divulgação.

 

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