Brasil Antigo
Vestígios: Culturas cerâmicas da Amazônia - Parte 2 A partir do século XIX pesquisas arqueológicas descobriram nesta região um tipo de objetos cerâmicos que possuíam uma técnica e uma arte muito superior aos que foram encontrados em outros locais do país.
Por J. A. FONSECA* De Itaúna-MG Junho/2016
Vaso da cultura Marajó. Confira: Leia também: Mais um Enigma Brasileiro – Sete Cidades–PI Assista: TV FANZINE Especiais sobre muros de pedras em Itaúna
Vamos abordar neste seguimento as principais culturas da região Amazônica, que se estenderam desde a ilha der Marajó e estado do Amapá até o interior, seguido o leito do rio amazonas na foz do rio Tapajós e mais adiante, em Itacoatiara, próximo á foz do rio Negro. Estas culturas foram as que mais se destacaram por sua vasta e formidável produção cerâmica, deixando sinais indeléveis de um “conhecimento” diferenciado em sua rica e incontestável simbologia, ainda não explicada e compreendida convenientemente. As que vamos destacar aqui são as culturas Marajó, Cunani, Maracá, Miracanguera e Tapajó, começando-se, evidentemente pela Marajoara, por sua maior variedade de peças e sinais claros de uma cultura desconhecida, se bem que assemelhada em muitos pontos a outras mais antigas em distintas regiões da Terra.
Cultura Marajó
Fala-se que a cerâmica de Marajó, especialmente, teria sido a maior expressão das manifestações artísticas do índio brasileiro, por causa de seus notáveis motivos expressados, ora por meio de pinturas extravagantes, ora por meio de incisões, excisões e apliques de figuras muito significativas. Em Marajó ou Joanes foram localizados alguns dos chamados depósitos de cerâmicas que trouxeram à tona objetos muito interessantes e úteis, como os utensílios domésticos, tigelas, travessas, potes, pratos e vasos, além de ídolos, urnas e igaçabas (potes para água), em sua maioria ornamentados com admirável bom gosto. Para os pesquisadores os objetos mais bem elaborados são as urnas funerárias que sempre eram enterradas com um cuidado especial, apesar de que os ossos que foram encontrados dentro delas estavam sempre mal conservados e, praticamente, desapareceram por causa da umidade.
Ao observarmos com cuidado os trabalhos feitos pelos indígenas temos que reconhecer que estes realizavam grandes prodígios na arte ceramista e não se pode, de boa fé, dizer-se que se tratam de trabalhos inferiores ou de conotações pobres e que não mereçam atenção adequada. Apesar de não podermos comparar estas produções amazônicas com os trabalhos dos povos etruscos, gregos ou egípcios, quanto ao seu feitio, na questão dos motivos utilizados e executados pelos nativos brasileiros não há nada que possa colocá-los em segundo plano ou mesmo considerarem-nos desprovidos de criatividade e de rica simbologia.
Mapa da Região Norte indicando as localizações dos povos cerâmicos citados neste trabalho: Marajó, Cunani, Maracá, Miracanguera e Tapajó.
O trabalho de gravação teria sido feito com a utilização de uma espécie de estilete para traçar as linhas e formar as figuras, ou por meio de sulcos profundos traçados sobre engobo avermelhado, branco ou amarelado. Este segundo era feito através de uma técnica que é modernamente chamada pelos estudiosos franceses de champ leve, que se baseava em alisar a superfície do objeto a ser trabalhado com uma camada de barro bem fina e depois cortar os contornos dos desenhos, deixando-os em “campo elevado” ou “alto relevo” (champ levé), antes de untá-los com resinas e levá-los ao fogo.
Os arqueólogos do Museu Emílio Goeldi, em Belém, Pará, estudaram profundamente as culturas que viveram na ilha de Marajó e concluíram que houve cinco fases distintas de povos na região, apesar de que, nenhum deles eram procedentes de lá. Destes, o que mais deixou trabalhos cerâmicos de valor inestimável foi o marajoara, pela sua superioridade e sofisticação. O mais estranho é que estes povos desapareceram da mesma forma misteriosa como surgiram, deixando como rastro apenas os cacos cerâmicos e os objetos intactos que foram encontrados nas escavações feitas em diversos lugares da ilha, caracterizando grupos etnográficos com estilos diferenciados.
A cultura Marajoara é considerada como intrusa, assim como as demais e surgiu de forma já desenvolvida e ocupando vários pontos da ilha, onde podem ser vistas as elevações artificiais que se salientam na planície. Sua arte oleira indica, com obviedade, que era um povo constituído por verdadeiros artífices, tanto no que se refere à uniformidade das peças, quanto e, principalmente, na sua decoração. Os motivos geométricos, antropomorfos e zoomorfos, demonstram o elevado grau artístico deste povo e mostram a riqueza da simbologia de que esses eram detentores.
Afirma-se que a produção da cerâmica marajoara teve um declínio significativo no decorrer do tempo e que as peças que foram encontradas em extratos mais profundos eram de excelente qualidade, tanto no que se refere à própria cerâmica em si, quanto ao seu acabamento e decoração. Há ainda a questão dos tesos que foram construídos em diversos lugares que exigiriam algum tipo de conhecimento para organizar grupos e construí-los, considerando-se que tinham estes proporções bem avantajadas. Alguns deles, como o de Pacoval, por exemplo, chegavam a atingir cerca de 200 m de comprimento e 30 m de largura, uma altura de cerca de 13 m e a abrigar até cerca de 1000 pessoas.
O trabalho executado pelos ceramistas de Marajó era variado e de elevada complexidade e iam desde o traço mais simples até incisões e excisões bem cortadas, apresentando signos e figuras bem elaborados ou mesmo pinturas nas cores preta e vermelha, especialmente, com traços muito bem delineados.
Os desenhos feitos na cerâmica trabalhada pelo oleiro são caracterizados pelo seu traço firme e composição geométrica bem delineada, formando figuras estilizadas que, a nosso ver, poderiam tratar-se de ideogramas. Estas figuras gravadas com propósitos bem direcionados levam-nos a crer que seus autores não se tratavam de gente ignorante ou selvagem, conforme pretendem fazer parecer os que têm pesquisado sua produções extravagantes. Tanto o desenho linear traçado sobre a cerâmica, quanto aquele que foi gravado no formato champ levé (em alto relevo) apresentam combinações exóticas de retas e curvas infinitas, que em certos momentos parecem tomar formas específicas de figuras estilizadas ou “letras” de um antigo alfabeto.
Pacoval
O aterro artificial da ilha do Pacoval, no lago Arari é o mais conhecido. É como se fosse uma ilha dentro do lago Arari, formado pelo rio de mesmo nome e construída artificialmente pelos povos que ali habitaram. Nela foram encontradas grandes quantidades de urnas e vasos decorados, além das famosas tangas. Este aterro é coberto de plantações diversas, árvores e bananeiras ou pacoveiras, de onde herdou o nome. Muitas das urnas encontradas em Pacoval estavam quebradas e todas elas possuíam tampas, segundo se sabe. Seus conteúdos eram constituídos geralmente de restos humanos e terra, os quais se encontravam bem deteriorados.
Vaso da cultura Marajó e abaixo destaque da decoração de ambos os lados.
O clima extremamente úmido de Marajó não permitiu a sobrevivência dos objetos não cerâmicos, dificultando assim o estudo mais pormenorizado destes estranhos povos que viveram ali. É de se estranhar que a cultura Marajoara que chegou na ilha com elevado grau de sofisticação na sua produção de peças cerâmicas tenha-se deteriorado gradativamente em suas produções, vindo, ao final, equiparar-se às demais outras culturas, mais rudimentares, encontradas na ilha de Marajó antes da chegada destes últimos. É provável que as agruras do clima e do terreno argiloso tenha contribuído para a sua decadência durante o tempo, até que desapareceram completamente. O povo que os teriam sucedido foi o do grupo Aruan, uma gente de caráter navegante e guerreira e que produziu uma cerâmica muito simples, em nada se assemelhando com a dos seus antecessores, os marajoaras. Pensam os arqueólogos que os povos de Marajó tenham vindo da região sub-andina (Equador, Colômbia, etc.), mas, de fato, estes continuam sendo para estes um grande mistério. Imaginam também que os povos Aruan tenham vindo da região do Caribe e ali se instalaram sobre os restos dos grupos que anteriormente ali viviam.
Suspeita-se que os grupos indígenas Aruaques foram os oleiros mais avançados de Marajó e que os artefatos do Pacoval teriam sido confeccionados pelas tribos mais antigas desses povos. Angyone Costa, em seu livro “Introdução à Arqueologia Brasileira” diz que “os oleiros mais adiantados de Marajó, afirmava-se, teriam sido os índios Aruak que, impelidos pelos Caraíba, atravessaram a planície amazônica, perseguidos por aqueles ferozes inimigos, que os levaram às grandes Antilhas.”
Foram também encontrados diversos tipos de peças cerâmicas em Pacoval do Arari além de urnas e vasos, como ídolos, tinteiras, ânforas, máscaras, tigelas, etc. A maioria dos ornatos nestas peças são de caráter antropomorfo, sendo que os zoomorfos foram produzidos em menor intensidade. Nos vasos e nas urnas existe uma variedade bem significativa de formas de cabeças e faces humanas, dificultando muito para os pesquisadores a identificação de um tipo padrão que pudesse caracterizar o tipo marajoara.
As cores mais utilizadas na pintura de sua cerâmica eram o vermelho, o preto e o branco, mas também se usavam outras cores como o amarelo, o azul e o cinza, que extraíam do urucum, do carajuru, do carvão vegetal, do tijuco (barro, lama), do gesso, etc.
Segundo se sabe o sítio arqueológico do Pacoval do Arari já foi totalmente destruído. Muitas das urnas que ali existiam hoje se tratam somente de cacos de cerâmicas. Escavações desordenadas em busca de vasos para comercialização e a população próxima contribuiu muito para a sua devastação. Ao final, o corte dos arbustos ajudou ainda mais a acelerar a erosão do terreno e a criação de animais domésticos como os búfalos, por exemplo, ajudaram a destruir o resto que sobrou deste centro marajoara recheado de riquezas em argila como um “livro” secreto de signos a serem decifrados.
Tanga ou babal
Em meio aos variados objetos cerâmicos encontrados especialmente na região do Pacoval do Arari, destacamos as pequenas peças de argila que foram denominadas nas pesquisas posteriormente feitas como “tanga” ou “babal”. Este fator inusitado mostra uma espécie de exclusividade de manifestação cultural, pois não se tem notícia de que outro povo no Brasil tivesse se utilizado de artifícios desta natureza, além de que se tratava de um objeto original, ricamente decorado e ao que parece, individual e único. O escritor Gastão Cruls chamou estas pequenas peças de “babal” e disse que esta é a palavra da tribo Aruan utilizada para designar a tanga, cujo significado seria também o de avental. Disse ainda que esta peça feminina vem de uma cultura pré-colombiana.
Durante muito tempo não foi dada a devida atenção àqueles pedaços de cerâmica ornamentados, pois pensava-se que se tratassem apenas de fragmentos de grandes peças. Pensou-se até mesmo que pudessem ser uma espécie de colher de barro por causa de sua forma côncava e quase sempre de forma mais ou menos regular. Somente após ter sido encontrada uma figura esculpida em argila usando um adorno como este é que se soube qual teria sido o seu uso verdadeiro. Depois disto, a pesquisadora Heloisa Alberto Torres afirmou terem sido encontradas “tangas” em urnas funerárias pertencentes a mulheres de Marajó.
Este adorno é considerado como um dos objetos mais perfeitos que foram encontrados nos tesos de Marajó, tanto no que se refere à qualidade do material utilizado para fazê-lo, quanto à própria elaboração do mesmo, incluindo ainda a sofisticada decoração, quase nunca repetida. Gastão Cruls afirma em seu livro “Hiléia Amazônica” que além de serem peças caprichosamente elaboradas, em exames feitos em mais de seis dezenas delas, não foi encontrada nenhuma repetição na sua decoração sendo, portanto, como se fosse uma peça única neste detalhe. Informa-nos também Angyone Costa em seu livro “Introdução à Arqueologia Brasileira” que “ordinariamente essas tangas eram fabricadas com muito mais cuidado que os vasos mais ricos. A argila que lhes era destinada, depurada de quaisquer grãos de areia e muito mais cautelosamente preparada que a louça, achatava-se até adquirir a espessura de 5 a 7 milímetros”.
Tangas da exótica arte ceramista de Marajó, únicas nas culturas pré-colombianas.
Segundo estudos, as tangas eram expostas ao fogo depois de confeccionadas. Em seguida eram polidas de ambos os lados e cobertas com uma camada de lama muito fina de cor vermelha, branca ou creme, que lhe dava uma superfície lisa e resistente. Depois eram aplicadas em cada uma delas, segundo o gosto individual, os desenhos simbólicos com exímia precisão.
Não se compreende perfeitamente qual teria sido a razão especifica que determinava o uso da tanga, pois além de terem sido encontradas uma grande quantidade delas que tinham desgastes naturais nos furos, indicando o seu uso, foram encontradas também muitas peças simples, apenas pintadas de vermelho, sem decorações de qualquer espécie. Seriam, estas pertencentes a outro grupo de mulheres, talvez menos nobres do seu grupo social?
Sabe-se que somente em alguns poucos lugares no mundo pode ser encontrada a presença deste tipo de tanga feminina feita de cerâmica. Um desses lugares foi entre os povos caldeus e o outro foi no Egito antigo, antes da era faraônica. Pensa-se que este artefato tenha sido uma espécie de sinal sagrado que representava a Deusa da Maternidade, o princípio germinador feminino.
Camutins e Santa Isabel
Bancos de cerâmica de base circular da cultura Marajoara, com pintura em vermelho e motivo decorativo com incisões. Eram utilizados pelos xamãs.
Existem alguns tesos que se encontram localizados às margens do rio Anajás, não muito distantes do Pacoval do Arari, onde também foram encontrados materiais cerâmicos e ossadas humanas em urnas funerárias. Angyone Costa afirma que o teso principal de Camutins tem cerca de 260 m de comprimento, 80 m de largura e uma altura de 13 metros. A cerâmica encontrada aí é muito semelhante à do Pacoval, sendo que as urnas se mostravam mais pintadas do que gravadas com relevos, como é muito comum encontrar-se na região.
Este ponto da ilha de Marajó ficou famoso, porque foram encontrados diversos tesos às margens do igarapé Camutins, afluente do rio Anajás, onde uma grande quantidade de cerâmica foi desenterrada. Segundo os pesquisadores que estiveram na região os moradores e artífices ceramistas de Camutins enterravam seus mortos nos mesmos tesos onde viviam. Existem muitos destes aterros artificiais (tesos) no igarapé de Camutins, à margem direita do rio Anajás.
Também podem ser encontrados depósitos de trabalhos cerâmicos no teso de Santa Isabel, a noroeste do Pacoval. Apesar de mais escassos, afirma-se que os trabalhos cerâmicos desta localidade são de excelente qualidade, com pinturas e traçados em relevo muito parecidos com os de Pacoval.
Cultura Cunani
Os ornamentos dos artefatos cerâmicos da região do rio Cunani, no estado do Amapá, são constituídos de pinturas e apliques em relevo imitando rostos humanos. Depois que fabricavam suas peças seus autores aplicavam nelas uma lama branca de argila (tabatinga), que depois de queimadas davam-lhes uma cor amarelada. Antes, porém de levá-las ao fogo, aplicavam-lhes os desenhos nas cores vermelha e preta, extraídas do urucum e do jenipapo. As linhas imitando gregas eram sempre traçadas com muito cuidado e pode-se dizer que com admirável maestria. Como estes objetos estavam enterrados em poços profundos, preservados numa espécie de nicho estendido para o lado (escavado na terra), os que foram descobertos pelo pesquisador Emílio Goeldi do Museu Paraense, estavam em perfeito estado de conservação e segundo ele, as pinturas tinham um aspecto excelente como se tivessem sido feitas recentemente, apesar da sua idade.
A cultura Cunani tinha uma característica especial para enterrar suas urnas com os cadáveres de seus mortos. Em geral, eram cavados profundos buracos, protegidos por blocos de pedra, com uma extensão cavada no fundo à semelhança de uma bota, onde eram depositadas as urnas e outros objetos de cerâmica. Sabe-se que foram encontradas peças cerâmicas muito variadas nestas cavidades artificiais, mas que não se poderiam jamais compará-las com as de origem marajoara.
Existem urnas funerárias com destaques de caras humanoides e outras peças como vasos menores, pratos, tigelas, etc., pintadas com fundo regularmente amarelado e desenhos variados e gregas destacados na cor vermelha.
Numa escavação feita num destes poços que chegam a atingir 2,50 m de profundidade, pesquisadores do Museu Paraense (hoje chamado de Museu Paraense Emílio Goeldi) encontraram dezoito urnas de tamanhos e formas variadas, ajustadas com cuidado no espaço aberto e escavado em semicírculo para o lado, no fundo do poço. Praticamente em todas elas havia fragmentos de ossos humanos. A ornamentação cerâmica foi também produzida em relevo ou em relevo com cores vivas e formas estilizadas. Podem-se encontrar aí desenhos com figuras semelhantes a vírgulas, outras como se fossem “gregas” e outras delineando formas geométricas misturadas com desenhos quadriculares. Os animais são pouco representados nos trabalhos cerâmicos da cultura Cunani.
Cultura Maracá
Esta região localiza-se às margens de um afluente do rio Maracá, no braço norte do rio Amazonas, acima da ilha de Marajó, no estado do Amapá. Em grutas naturais foram encontradas urnas funerárias que representavam nos seus bordos figuras humanas e de animais. Muitas delas estavam quebradas por ação do soterramento e do crescimento de plantas dentro delas, cujas raízes fizeram-nas estalar e entrelaçar-se aos ossos que havia no seu interior.
Muitos outros vasos foram encontrados nesta região e alguns deles chegam a medir cerca de 1,50 m de altura. Sua cor é a de um verde acinzentado e são de forma oval muito elegante, segundo falam os estudiosos desta cultura. Os lados destes vasos são sempre ornados com animais como crocodilos e cobras, e os bordos pintados com linhas tracejadas tipo “gregas” ou de forma labiríntica.
Em geral as urnas funerárias de Maracá são do tipo tubular, uma espécie de cilindro coberto por uma tampa, que geralmente trazia esculpido um rosto humano. No corpo desta eram acopladas certas protuberâncias, braços e pernas, assemelhando-se estas urnas a uma pessoa assentada, segurando fortemente os joelhos. Os ossos dos mortos eram colocados dentro das urnas depois de limpos. Suspeita-se que os cadáveres eram deixados por um certo tempo enterrados para a decomposição e depois eram retirados os seus ossos, raspados e colocados nas urnas.
Cultura Miracanguera
Miracanguera localiza-se à esquerda do rio Amazonas, entre a cidade de Itacoatiara e a foz do rio Negro. O nome Miracangüera significa “ossada de gente” (mira = gente; canguera = ossada; osso). Os tipos de peças cerâmicas encontradas nesta região possuem características mais avançadas do que as demais e mesmo do que as de Marajó, uma vez que a composição da argila com que trabalhavam seus oleiros era mais selecionada e as peças eram mais finas e melhor adornadas, e recobertas de uma camada de tinta esbranquiçada que lhes davam uma ideia de porcelana polida. As urnas funerárias que aí foram encontradas têm semelhança com as de Marajó, Cunani e Maracá, segundo Emílio Goeldi.
Muitos brasileiros talvez não saibam que existe uma região como esta, oculta no interior da Amazônia, que é chamada de Miracangüera. Seus poucos artefatos que vieram à tona vêm provocando uma grande polêmica em todo o mundo. Tal fato vem ocorrendo por causa da descoberta de uma estranha e excepcional quantidade de peças cerâmicas elaboradas com elevada perfeição e diferente de tudo o que já foi encontrado até então no Brasil. Sua descoberta se deve ao eminente explorador João Barbosa Rodrigues, em meados do século XIX, o qual teria percorrido por muitos anos diversos afluentes do Amazonas, mapeando-os a serviço do governo imperial do Brasil.
Casualmente, Miracangüera foi encontrada quando João Barbosa seguiu uma pista dada por um viajante, com o qual havia visto uma vasilha de cerâmica de qualidade excepcional e que muito o impressionara. O local, segundo informações recolhidas, era próximo de onde se acha hoje a cidade de Itacoatiara, no estado do Amazonas. Lá, João Barbosa encontrou muitos pedaços de vasilhas em cerâmica de elevada e rara qualificação, jamais vistos em qualquer outra região do Brasil. Em suas pesquisas percebeu que seria difícil localizar o grupo indígena que poderia ter produzido aquelas peças, pois as tribos que ali existiam não tinham condições culturais para produzir cerâmicas com a qualidade das mesmas, além de que seus prováveis executores pareciam ter desaparecido completamente. João Barbosa faleceu em 1909 sem ter conseguido sensibilizar o governo brasileiro para a importância da pesquisa neste local. Consta que em 1925 o antropólogo Kurt Nimuendaju fez tentativas de encontrar Miracangüera, mas a ilha onde ela se localizava teria sido encoberta pelas águas do rio Amazonas e ocultado definitivamente seu mistério.
Outros arqueólogos norte-americanos também estiveram no local, mas nada encontraram. Para João Barbosa Rodrigues aquele povo extraordinário de Miracangüera e sua arte não era originária da região e se tratava de mais uma cultura perdida, excepcionalmente avançada, que teria vivido naquele longínquo recanto do Brasil.
Emílio Goeldi do Museu Paraense afirmou que a cerâmica de Miracanguera, no estado do Amazonas, tem forte parentesco com a da cultura de Marajó, Cunani e Maracá, com figuras moduladas e relevos que lembram as peças produzidas por estes povos.
Cultura Tapajó
Vaso de cariátides da cultura Tapajó, modelado com a utilização de anti-plástico (cauixi e caco moído).
A cultura tapajônica desenvolveu-se numa vasta região às margens do rio Tapajós, no local onde hoje está a cidade de Santarém e por isto mesmo, este sítio arqueológico se encontra bem deteriorado em vista do crescimento urbano e natural sobreposição das construções modernas sobre os antigos assentamentos indígenas. Supõe-se que esse grupo étnico se desenvolveu ali desde o final do primeiro milênio até por volta do século XVII, mas os dados disponíveis para se fazer uma avaliação segura são escassos.
A cerâmica Tapajó ou de Santarém foi descoberta por Kurt Nimuendaju em 1923 e se constitui de uma grande variedade de peças moldadas cuidadosamente na forma de vasos, ídolos, tigelas, pratos, etc. Em geral, estas peças eram decoradas com figuras zoomorfas e podem ser encontradas em grandes áreas juntamente com muitos fragmentos de outras peças. Os ídolos feitos de argila parecem arremedos de formas humanas, mas suas feições são deformadas e muito variadas, e não se sabe por que estes foram esculpidos assim, pois nos trabalhos executados com figuras de animais a definição destes foi sempre bem detalhada. Os objetos cerâmicos produzidos por este povo são assimétricos e não era fato comum a utilização da pintura nos seus artefatos. Muitos deles possuíam pinturas, mas em muitos casos se destacava somente a cor da argila com que foram moldados.
Cronologicamente, os trabalhos cerâmicos dos povos Tapajó ficaram estabelecidos entre os anos 1000 e 1500 de nossa era e passaram a ser conhecidos como peças de estilo inciso e ponteado. Para os pesquisadores esta cerâmica seria de origem Arawak ou teria sido fortemente influenciada por estes povos, pois afirmam serem esses possuidores de uma cultura superior. O tipo de antiplástico utilizado na cerâmica de Santarém (Tapajó) é o cauixi, que por causa de sua maleabilidade e maciez confere à peça um elevado grau de dureza e ao mesmo tempo leveza.
Há uma grande diferença entre as peças cerâmicas da cultura Marajó e Tapajó, sendo esta também complexa, mas ao mesmo tempo de conotações simples, contendo uma ornamentação forte, constituída de adornos variados à base de “caretas” que mostram figuras humanas e de animais. Diz-se que se trata de um trabalho de cerâmica essencialmente compósita, ou seja, de figuras modeladas ajustadas em toda a sua estrutura. Raramente pode-se ver pintura nesta cerâmica.
No seu caráter ornamental muito raramente vamos encontrar os avançados desenhos geométricos da cultura marajoara, embora que seus traços ilustrativos sejam também muito interessantes e lembram igualmente signos encontrados em outras regiões mais distantes da Terra. Para muitos a arte ceramista tapajônica pode parecer superior à marajoara, por causa de suas rebuscadas esculturas compondo seus vasilhames e encontrados em elevada quantidade. Porém, o trabalho executado minuciosamente pelos artistas oleiros de Marajó supera os componentes rebuscados das peças tapajônicas e afastam esta hipótese, quando estas são avaliadas criteriosamente em seu conjunto. Entretanto, a arte oleira dos Tapajó é muito sofisticada e apesar de terem sido encontradas algumas réplicas de várias peças, o seu bom gosto se mostra excessivamente claro nos vasos ou fruteiras ornamentados com múltiplas cariátides, pequenas figuras modeladas com fisionomias humanas e de animais, ou mesmo mistas, dispostas em torno da vasilha e trazendo-lhe beleza e um estilo altamente delicado.
A região onde mais se concentrou este grupo indígena, como já dissemos, foi em Santarém, estendendo-se para localidades diversas às margens do rio Tapajós. De tudo o que foi dito, vê-se que a cultura tapajônica possui características bem diferenciadas da marajoara e uma das mais marcantes é que entre os Tapajó não vamos encontrar urnas funerárias, porque este povo agia de forma diferente com os seus mortos.
Muiraquitãs e ídolos de pedra
Apesar de as peças arqueológicas chamadas de muiraquitãs e ídolos de pedra não estarem diretamente relacionadas à questão abordada neste trabalho que trata da cerâmica amazônica e seus símbolos, estas foram também aqui incluídas porque foram encontradas na região do rio Tapajós e estão ligadas a estes povos cerâmicos, perfazendo um mistério especial à parte, que vamos comentar.
Muiraquitã amazônico em forma de rã.
Os Muiraquitãs, em geral, são pequenas estatuetas cortadas com grande precisão e polimento excepcional com figuras em forma de sapo (as mais comuns) e outras formas zoomorfas, em pedra verde e muito resistente. Foram encontradas também algumas destas peças esculpidas em pedra branca, mas o mais comum é encontrá-las na cor verde.
Estes pequenos objetos eram uma espécie de signo feito numa pedra de extrema dureza que os índios traziam preso ao pescoço e que têm despertado grande interesse e surpresa junto aos estudiosos, pois se assemelham a pedras de jade, que não podem ser encontradas na região, além de serem cuidadosa e ricamente trabalhadas com a forma de animais, principalmente a rã. Este aspecto de sua presença naquela região tem causado muito desconforto entre os pesquisadores, porque tal objeto exigiria um elevado grau de cultura para desenvolver este tipo de trabalho. Surgiu então até mesmo uma espécie de lenda para justificar a sua presença, que apesar de não ter sido assimilada pelos estudiosos, não deixa de ser interessante e torna ainda mais misteriosa a presença destas peças naquele meio. De qualquer forma, não há até o momento uma explicação plausível que venha justificar como os muiraquitãs, usados por aqueles indígenas, possam ter surgido entre eles.
Diz-se que estas peças têm íntima relação com a cultura tapajônica e são alvo de muitas controvérsias. Estas pedras verdes da Amazônia têm sua existência fortemente ligada à questão das mulheres guerreiras, as amazonas que, segundo se sabe pelas crônicas antigas, atacaram Francisco Orellana em 1541 naquela região. Quem escreveu sobre elas foi o frade Gaspar de Carvajal, que fazia parte da equipe de Orellana e que afirmou que sua embarcação foi fortemente atacada por estas guerreiras ferozes. Segundo ele tratavam-se de mulheres altas, belas e robustas, de cabelos compridos e negros, e pele clara. Andavam nuas e guerreavam da mesma forma que os guerreiros homens. Eles conseguiram escapar delas batendo-se em retirada e dentre os feridos o próprio frade teria tido um olho perfurado durante a luta.
Os Ídolos de Pedra se tratam de estranhos objetos que muito fogem das características naturais destes povos tapajônicos e foram encontrados junto de lagos e de rios na região de Santarém, somando-se estes pouco mais do que duas dezenas de achados. São, em geral, esculpidos em esteatite, um tipo de pedra resistente como a pedra-sabão e não possuem nada neles que combine com os artefatos usualmente fabricados pelos povos dali, inclusive seu estilo e método de fabricação. Mostram quase sempre figuras zoomorfas, mas muito estranhas e são esculpidos em um só bloco de pedra, com polimentos bem feitos e um trabalho de escultura muito bem elaborado. Sua cor é geralmente o acinzentado e o vermelho arroxeado, possuindo entre 20 e 30 cm de comprimento. É curioso que estes ídolos mostram sempre figuras diferentes e mistas, pouco convencionais, e a pedra em que foram regularmente esculpidos não é encontrada com facilidade naquela região.
As figuras esculpidas se assemelham muito ao estilo dos Andes e, portanto, diferem muito dos trabalhos executados regularmente pelos habitantes locais, não podendo por isto, serem os mesmos classificados em relação a nenhuma cultura que teria vivido por aquelas paragens. Os trabalhos executados pelos povos Tapajó foram regularmente moldados em cerâmica e não se tem notícia de que tenham se utilizado de instrumentos líticos para este fim. Os trabalhos tapajônicos em cerâmica também já foram abordados neste trabalho e mostram sua habilidade no manuseio da argila.
* J.A. Fonseca é economista, aposentado, espiritualista, conferencista, pesquisador e escritor, e tem-se aprofundado no estudo da arqueologia brasileira e realizado incursões em diversas regiões do Brasil com o intuito de melhor compreender seus mistérios milenares. É articulista do jornal eletrônico Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br) e membro do Conselho Editorial do portal UFOVIA. E-mail: jafonseca1@hotmail.com.
- Ilustrações: J. A. Fonseca.
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