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Vestígios: Culturas cerâmicas da Amazônia - Parte 1 A partir do século XIX pesquisas arqueológicas descobriram nesta região um tipo de objetos cerâmicos que possuíam uma técnica e uma arte muito superior aos que foram encontrados em outros locais do país.
Por J. A. FONSECA* De Itaúna-MG Maio/2017
Urna Funerária da cultura marajoara decorada com pinturas em vermelho e preto sobre engobo branco e apliques modelados em relevo. Confira: Leia também: Mais um Enigma Brasileiro – Sete Cidades–PI Assista: TV FANZINE Especiais sobre muros de pedras em Itaúna
As culturas cerâmicas da Amazônia continuam sendo um mistério para os pesquisadores por causa, especialmente, de seus sofisticados trabalhos em cerâmica e pela falta de elementos que possam determinar o rumo que esses povos, notadamente, os marajoaras e os tapajônicos teriam tomado, considerando-se que foram sucedidos por outros menos dotados de caracteres artísticos e menor cuidado em suas produções cerâmicas.
Especialmente estes dois povos, entre alguns outros que vamos mencionar, carregam elementos muito sofisticados na sua produção, desde o manuseio da argila na confecção de vasos, objetos variados e urnas funerárias, quanto na sua decoração, excessivamente rebuscada, dando uma impressão robusta de que tenham sido inspiradas em algo muito complexo de sua antiga cultura ou de algo que muito teria impressionado os seus autores.
Excepcionalmente, as peças funerárias carregam uma complexidade de formas e figuras, ora pintadas, ora gravadas mediante o processo de excisão e incisão, além de apliques em alto relevo, dando-lhes um aspecto de beleza e mistério. Outro fator que chama muito a atenção dos pesquisadores é o que se refere às peças denominadas “tanga” ou “babal” de uso feminino e de grande interesse por causa de sua inusitada presença somente naquela região do Pacoval, em Marajó, e de suas enigmáticas decorações.
Gastão Cruls escritor e expedicionário na região Amazônica em 1928/1929 escreveu em seu livro ‘Hiléia Amazônica’: “Uma das cousas que mais causaram admiração e espanto aos primeiros estudiosos em arqueologia americana, foi a insistência com que apareciam na sua cerâmica, como motivo ornamental, desenhos perfeitamente geométricos, que em tudo lembravam a mais pura arte clássica. Daí a tendência, logo manifestada por alguns, de radicar as misteriosas raças ameríndias às mais velhas civilizações orientais.”
Também o grande investigador das coisas Amazônicas, Raimundo Morais, escreveu em seu livro ‘O Homem do Pacoval’: “Por muito que tenhamos falado na louça aborígine encontrada em Marajó, volvido um dia, passado um mês, gasto um ano, aparecem novos motivos para a nossa incipiente literatura. O enigma envolto nos hieróglifos que decoram tão formosos objetos de argila, ganha curvas imprevistas, ângulos singulares, mataimes ainda não percebidos.”
Concordamos que há mesmo algo de misterioso nesta região em relação ao povo que aí habitou e deixou estas relíquias de barro com sua rica simbologia de estranho significado como testemunho de sua presença. Queremos neste artigo mostrar alguns destes significativos trabalhos amazonenses e seu rico acervo de ideogramas gravados na sua igualmente rica produção cerâmica, como uma marca indelével de algo que teria sido profundamente importante para estes povos.
Tesos ou ‘mounds’ – elevações construídas na ilha de Marajó, de grande extensão que serviam para habitações ou para sepultamento dos mortos.
A Ilha de Marajó tem cerca de 48000 km2 de extensão, sendo considerada a maior ilha flúvio-costeira do mundo. Situa-se na foz do rio Amazonas, estado do Pará e assemelha-se a um ovo da boca de uma grande serpente. A ilha de Marajó foi também chamada de grande Ilha Joanes, nome este que se deve ao fato de que havia sido povoada por diversos povos, entre eles os aroans, mucoans, ingaíbas, mariapans e cariponás. Entre estes povos havia também uma tribo chamada de inionas que, com o passar do tempo, reduziu-se para o nome de joanes, dando assim origem ao nome anterior da ilha de Marajó. O lado ocidental da ilha é mais elevado, situando-se a cerca de 20 m do nível do mar e o oriental ainda se encontra em processo de sedimentação e está sujeito a inundações periódicas. Possui vários canais e rios, formando uma grande quantidade de pequenas ilhas que compõem o delta interior do rio Amazonas.
A partir do século XIX pesquisas arqueológicas descobriram nesta região um tipo de objetos cerâmicos que possuíam uma técnica e uma arte muito superior aos que foram encontrados em outros locais do país. Há, entretanto, inexistência de dados precisos dos grupos pré-colombianos que ali poderiam ter habitado e escavações efetuadas em diversos lugares levaram a concluir que pelo menos quatro estilos diferentes existiram na ilha, além do regularmente chamado de marajoara. Os sítios marajoaras localizam-se na metade ocidental da ilha, próximo ao lago Arari e os tesos ali encontrados indicam terem sido construídos para fins específicos: como localização de aldeias ou como cemitérios. Além dos vasos cerâmicos com aprimoradas decorações em cores também foram encontrados ídolos, cachimbos, bancos, tangas e adornos zoormorfos e antropomorfos.
Prato em cerâmica marajoara ricamente decorado.
Tigela em cerâmica marajoara com decorações simbólicas.
A questão das culturas mais avançadas que se desenvolveram na Amazônia, talvez menos pomposas do que as dos incas, maias e astecas, sofreram de uma espécie de grande lacuna nos restos deixados por esses povos, o que vem dificultar de forma contundente o estudo e as conclusões sobre os mesmos. No caso marajoara, apenas os tesos, cerâmicas e cemitérios, basicamente, dão-nos indicações da existência dessas culturas, impedindo que se possa aprofundar mais concisamente na sua compreensão, como viveram e para onde teriam indo. Paralelamente, outras culturas como a Tapajó, a Cunani, a Miracanguera, também se mostraram neste contexto misterioso e carente de elementos mais consistentes, apesar de que seus estilos, tipos de cerâmica e técnicas utilizadas não correspondam muito entre si.
A “arte” marajoara é a mais conhecida dentre as muitas que existem no Brasil e para os estudiosos ela não se apresenta apenas como um elemento de beleza plástica significativa, mas também e, principalmente, pelo conteúdo dos motivos utilizados pelos seus autores. Muito além de sua beleza e mesmo harmoniosa proporcionalidade, estes trabalhos em cerâmica mostram com incisiva eloquência um universo cultural desconhecido para os pesquisadores, que parecem envolver crenças, costumes e até mesmo um conhecimento desconhecido que se perpetuou no tempo e chegou até nós de forma enigmática.
Se compararmos os trabalhos de cerâmica dos povos que habitaram o Brasil na época da descoberta, vamos encontrar somente nos grupos tupis e guaranis peças bem elaboradas e decorações mais sofisticadas, não podendo tal propósito ser adotado em relação aos outros grupos, alguns dos quais sequer se utilizavam de objetos de origem cerâmica, por não os conhecerem. Anibal Mattos em seu livro “Pré-História Brasileira” escreveu: “Julgamos desnecessário enaltecer a importância da louça para o estudo das civilizações antigas. A sua influência na história e na evolução da arte é do mais elevado interesse para o etnólogo e o arqueólogo.” O estudo do progresso e da arte de um determinado povo pode mesmo ser possível por meio do exame de sua cerâmica, mesmo que haja insuficiência de elementos sobre a vida de seus fabricantes, pois como já foi dito, o fato de terem-se encontrado silvícolas que não tinham o conhecimento do uso da argila para a confecção de objetos de uso comum, vem caracterizá-los numa condição cultural de menor desenvolvimento do que os que a utilizavam.
Vaso da cultura Marajó com desenhos excisos e apliques modelados em engobo vermelho.
É bem possível que tenha existido artesãos especializados na cultura Marajó, especialmente, apesar de que consideram-se como autores destas magníficas peças decoradas somente as mulheres. É importante destacar que não muitos grupos indígenas do Brasil desenvolveram trabalhos tão belos e sofisticados, podendo se destacar além da cultura Marajoara, a de Maracá, a dos Tapajós, a Cunani e a Miracanguera.
Neste trabalho queremos mostrar o elevado grau dos trabalhos ceramistas dos povos amazônicos e a complexidade de seus objetos cerâmicos e de sua sofisticada simbologia, dos motivos gravados na louça em incisões, excisões, apliques e até mesmo pinturas bem concatenadas sobre engobo vermelho, branco ou amarelado, objetivando, ao que parece, transmitir uma ideia especifica, além de só pretenderem expressar uma espécie de arte.
É incontestável o elevado grau de qualidade de seus oleiros, que os estudiosos afirmam tratarem-se somente de mulheres, mas diante da sofisticação encontrada, ousamos aventar a hipótese de que deveriam haver também oleiros e artistas homens trabalhando nestas peças ou então estas mulheres, exímias ceramistas e de elevados dotes artísticos, tinham contato direto com os caciques e pajés da tribo, que eram os repositórios vivos da tradição e da simbologia de seu povo.
Estranhos signos em fragmentos de cerâmica da cultura marajoara.
A título de esclarecimento ‘engobo ou engobe’ é um tipo de fina camada de cerâmica, branca ou colorida por óxidos, com que os autores encobriam suas peças para dar-lhes melhor acabamento ou modificar, após queima, a sua cor ou a textura de sua superfície ou mesmo para decorá-la posteriormente ao seu gosto.
Os variados símbolos encontrados em sua ‘arte’ são de elevada sofisticação, como pode ser percebido claramente, levando-nos a pensar que os autores ou autoras destas peças magníficas tenham tido, obrigatoriamente, conhecimento de um grande manancial de elementos tradicionalmente conhecidos para permitir a sua feitura e a variedade com que foram produzidos. Em uma nova abordagem iremos dar seguimento a esta estanha simbologia que encontra-se vastamente produzida na esplêndida cerâmica dos povos amazônicos.
* J.A. Fonseca é economista, aposentado, espiritualista, conferencista, pesquisador e escritor, e tem-se aprofundado no estudo da arqueologia brasileira e realizado incursões em diversas regiões do Brasil com o intuito de melhor compreender seus mistérios milenares. É articulista do jornal eletrônico Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br) e membro do Conselho Editorial do portal UFOVIA. E-mail: jafonseca1@hotmail.com.
- Ilustrações: J. A. Fonseca.
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- Produção: Pepe Chaves © Copyright 2004-2017, Pepe Arte Viva Ltda.
Esta matéria foi composta com exclusividade para Via Fanzine©.
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