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40 anos de um marco musical:
A fenomenologia
clássica do rock progressivo
O álbum The Dark
Side of the Moon, do Pink Floyd, assim como as obras de Vivaldi,
Beethoven e
Mozart, também se tornou um clássico. Consequentemente,
este trabalho
deverá continuar sendo ouvido pelas próximas centenas de anos...
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
Richard Wright,
Roger Waters, Nick Mason e David Gilmour:
a fórmula mágica
que se transformou no Pink Floyd.
Ao abordar o bom
e velho Rock Progressivo, não podemos deixar de falar sobre o Álbum
“The Dark Side of The Moon” do Pink Floyd. Esse disco paradoxal aborda
os diversos males que atacam o homem moderno, como a ganância, a
escravidão, o tempo, o problema da individualidade e a loucura urbana.
É, por muitos, considerado o melhor disco de rock progressivo de todos
os tempos. Pela genial capa já se nota a que vem o álbum; um prisma
que “reflete” um feixe de luz branco abrindo em todas as freqüências
de cores “ocultas” em seu interior, uma clara analogia ao trabalho de
expor o homem aos seus próprios males.
Em 1973, apesar
do grande sucesso, devido aos álbuns anteriores, acreditava-se que o
Pink Floyd já havia atingido o ápice musical com seu primeiro LP
“Piper at Gates Of Dawn”, que divide com “Sgt. Peppers”, dos Beatles,
títulos de pioneirismo do Rock Progressivo. Esperava-se que o Pink
Floyd não passasse “daquilo”, já que seu principal integrante na
época, o genial compositor, guitarrista, cantor e pintor Syd Barret,
havia sido afastado da banda há alguns anos por motivo de loucura
(devido ao uso de LSD). Porém, em março daquele ano, Roger Waters
(baixo-vocal), Rick Wright (Teclado), Nick Mason (Bateria), David
Gilmour (guitarra-vocal) lançam a obra-prima do Pink FLoyd, superando
assim, inesperadamente, o seu primeiro álbum, com quase 30 milhões de
cópias vendidas. É um dos três discos mais vendidos do mundo. Soando
atualíssimo ainda nos dias de hoje, pois, por incrível que pareça, os
seres humanos continuam purgando problemas mais intensos do que 30
anos atrás.
O álbum possui
algumas curiosidades, como a bizarra coincidência de que colocando o
disco para rodar logo após o terceiro rugido do leão da
Metro-GoldWyn-Mayer no filme “O Mágico de Oz”, as letras e os sons se
encaixam perfeitamente nas imagens da tela. É uma experiência única e
comprovada. Cuidado! Sua mãe pode pensar que você é um sujeito muito
doido ao lhe ver fazendo isso. Os integrantes da banda dizem que é
pura coincidência.
A qualidade de
produção impecável, timbres e arranjos muito bem trabalhados, somados
a um encaminhamento de músicas em perfeita harmonia, além do lirismo
das composições de Roger Waters, tornam esse álbum musicalmente
inesquecível para quem ouvi-lo em sintonia perfeita e concentração em
estado puro. Mas o que tornou esse álbum uma verdadeira lenda do Rock,
é a unidade de suas músicas que faz com que as suas nove faixas sejam
entrelaçadas em um só tema (Leia-se, Disco Conceitual), como os
diversos capítulos de uma única obra temática sobre as “mazelas
humanas”.
O
famoso 'disco do prisma', um
quarentão que ainda vai render muito
A primeira
dessas mazelas é tocada em “Speak to me - Breathe”, que trata do
problema de encontrar espaço na sociedade e de como tocar a sua vida
de acordo com os problemas que aparecem pela frente. Como diz a
música, deixando-se levar por essa cômoda sociedade, você só corre na
direção de uma precoce sepultura. A seguir, temos a instrumental “On
the Run”, uma viagem lírica Floydiana. Depois dela vêm as sinistras
badaladas do relógio de “Time”, tratando da escravidão ao tempo, a que
o homem moderno está submetido e dos momentos perdidos quando não nos
enquadramos nesse relógio da sociedade. Aqui, eles parecem nos dizer
que não adianta querer domá-lo, o tempo sempre irá passar, cada vez
mais rápido. Apesar de tudo o que fazemos, sempre ficará a sensação de
que o nosso trabalho estará sempre incompleto aos nossos olhos e aos
da sociedade moderna. Mas, no final das contas, como diz a música,
você estará na realidade, somente “um dia mais perto da morte”.
Dando
prosseguimento, o ápice do álbum chega com a bela “The Great Gig In
The Sky” que, em meio aos magníficos vocais da cantora Clare Torry,
sem dizer sequer uma palavra, nos mostra sensações de desespero,
loucura, ternura, solidão e até mesmo saudade. Aqui eles mostram que
sentimentos não precisam ser passados em palavras, mesmo porque os
sentimentos existem antes mesmo das palavras existirem para podermos
nomeá-los. Após esta seção magnífica de música, ouvimos a introdução
de caixa registradora da conhecidíssima “Money”. Se o tema do álbum
são os males humanos, o dinheiro, mais cedo ou mais tarde, teria que
aparecer. De forma satírica, Roger Waters dá sua interpretação do que
o dinheiro, o Senhor dos Males Humanos, representa para a sociedade.
Ele mostra paradoxalmente, o que todo mundo sabe sobre a submissão que
temos a ele. Porém, é quase impossível encontrar alguém que queira se
livrar desse "mal". É de se notar, também, a muito bem executada
performance instrumental dessa música, e o riff de baixo mais
conhecido do rock.
A seguir, “Us
And Them”, que trata o problema da solidão, do respeito à
individualidade e da ambigüidade das pessoas, gerando problemas de
comunicação. Por isso, sendo estopim de tantos desentendimentos e
guerras. E finalizando essa, vem o solo do teclado delirante de Rick
Wright em “Any Color You Like”, terminando com um duelo de guitarras
bem acompanhado pelo baixo, bateria e teclado, preparando seus ouvidos
e alma para o “The lunatic is on the Grass...” de “Brain Damage”, uma
apologia à loucura. Muitos dizem que essa música é uma linda homenagem
do Pink Floyd a Syd Barret, o eterno integrante e fundador maluco do
Pink Floyd. Nota-se que, pelas referências da música, parece ser
mesmo. Fechando o álbum, “Eclipse” resume todos os aspectos da nossa
vida mundana, regida perfeitamente pela grandiosa luz do sol, mas que,
ainda assim, é encoberta pela pequena Lua. Como nós mesmos que, ante a
grandiosidade da vida, nos vemos encobertos por essas “pequenas”
mazelas que nos atormentam.
The Dark Side of
the Moon é uma obra filosófica, instrumentalmente criativa, conceitual
e fenomenológica, como jamais se viu na música contemporânea. Imortal
e atual como o Pink Floyd.
*
Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
-
Imagens:
Arquivo
VF.
- Produção:
Pepe Chaves.
* * *
Nave de Prata:
Que seja, de fato, uma Nova Era
Banda carioca lança seu primeiro álbum inspirados nos
anos 80.
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
Nave de Prata lança primeiro CD inspirados no que há de
melhor no pop e na MPB Moderna.
Lá pelos idos de 2004, o então menino, Igor Sebastian Kartnaller,
ainda com seus diminutos 17 anos, participava de fóruns de discussões
sobre música, principalmente os que focavam a consagrada banda 14 Bis
e alguns artistas do Clube Mineiro. De “esquineiros” famosos como
Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges, Flávio Venturini e, um
pouco fora do movimento mineiro, o lendário grupo O Terço.
Igor Sebastian, fã incondicional do 14 Bis,
resolveu tocar para frente um belo sonho de moço, fundou a sua banda,
a Nave de Prata. Igor sempre declara que, “Bola de meia, bola de gude”
(sucesso de Milton Nascimento e Fernando Brant e com interpretação
fantástica do grupo mineiro na primeira faixa do álbum 14 BIS II) foi
o “divisor de águas” na sua prodigiosa carreira: “uma síntese de tudo
o que eu precisava e queria para minha vida”. Ele conheceu os
integrantes do Grupo Mineiro em um show em 2003 e partiu para a sua
Long Beginner Road Music com seus (ainda mais jovens)
companheiros.
E assim,
Igor Sebastian
(Baixo/Vocal), Renan Hubner (Violão/Vocal), Tuca Oliveira (Teclados e
Vocal), Heitor Mendes (Guitarra) e Felipe Parpinelli (Bateria)
passaram a formar a simpática e carioquíssima banda Nave de Prata, que
lança seu primeiro álbum “A
Nova Era”. Todos muito jovens (Igor é o mais “idoso”
com seus 21 anos) e musicistas aplicados (Tuca já se apresentou na
tevê tocando seu acordeom com virtuosismo), mas muito estudiosos. A
evolução desses meninos foi meteórica.
Em quatro anos, fizeram diversos shows pela
cidade e lançaram um ótimo cd que contou com a produção competente do
"papa dos jingles", Ralf Canette e as participações de
Sérgio
Magrão e da
poderosa guitarra de
Claudinho
Venturini na
faixa “A
Tempestade”, de Renan Hubner. A Nova Era é uma viagem
de estilos e ritmos. “Nossa
Voz”, canção que menciona bem o título do álbum, é um
convite à reflexão.
Essa turminha boa foi bem recebida pela crítica. Digo a “crítica não
oficial”. Nomes que fazem a arte florescer na cidade e no Brasil, como
Fernando Bicudo e Mônica Buonfiglio. Vermelho, co-fundador e um dos
principais compositores do 14 Bis, embeveceu-se: “Fico feliz e
honrado com o fato de colocarem o nome da banda em homenagem a uma
musica minha, da qual gosto muito. E que foi composta aí nessa querida
cidade do Rio de Janeiro, onde morei por 18 anos”. Declarou o
autor de “Nave de Prata” (Márcio Borges/Vermelho), o belíssimo hit da
banda que iluminou o universo pop dos anos 1980 e continua, depois de
30 anos, a abrilhantar os palcos pelas cidades que se apresentam.
O que chama a atenção é o crescimento e a
evolução dos rapazes, como cantar em quatro ou cinco vozes como fazem
Boca Livre, 14 Bis, Yes, Take 6, entre outros monstros do Rock e,
ainda por cima, pilotar com eficiência os demais instrumentos, não é
tarefa fácil para qualquer conjunto.
A Nave de Prata, aos poucos, vai fazendo parte
desse grupo seletíssimo. Destaque para
“O Segredo”,
de Evandro Mesquita e Ralf Canette:
“E o que passou não volta mais, você me faz querer ser um cara bem
melhor...”. Receita pop muito saborosa para um primeiro
trabalho. “Viajante
Solitário”, de Igor Sebastian e Niel tem tudo para ser
um dos hits desse verão.
Que seja, de fato, uma nova era e, o que mais traz a sensação de
renovação, é o fato de estes talentosos meninos abolirem de suas
vidas, aqueles rótulos tribais que a juventude insiste em desenvolver
para todos os estilos, gêneros e ritmos. A música de qualidade é
universal, seja ela como for, venha ela de onde vier.
Entrevista com Igor Sebastian,
integrante
da
Nave de Prata
Igor
Sebastian, baixista e fundador da Nave.
Arte Vital: Como surgiu a Nave de Prata?
Igor Sebastian:
A idéia inicial da Nave, surgiu após um show do 14 Bis em 2002, fiquei
encantado com tudo aquilo, sons, luz, melodias e acordes que me
fizeram viajar e acreditar num sonho. Letras que me contagiaram e me
fizeram ver além.
Fiquei fascinado com o 14, e decidi que queria seguir os passos e me
tornar músico e fundar uma banda nos moldes do 14. Em 2004 e 2005
dentro da sala de aula, fundei a Nave de Prata. O nome veio fácil, uma
música do grande Vermelho e serviu para homenagear o 14 Bis e trazer
através do nome, uma idéia visionária, nova e transformadora.
AV: Antes da formação do grupo, os "tripulantes" atuavam como na
música?
IS: Iniciamos
muito jovens na música, quase todos no mesmo período e por causa da
Nave. Tocávamos em casa, com amigos, mas nada profissional, o
surgimento da Nave veio junto a nossa formação musical. Apenas o Tuca
Oliveira que já vinha de uma bela trajetória musical, pois foi
apresentado ao Brasil em programas de televisão, pelo seu talento com
a sanfona, sendo tão jovem, na época com 12 anos ele já era conhecido
com “Juninho da Sanfona”.
AV - Como foi gravar com referenciais tão bons como Cláudio
Venturini e Sérgio Magrão?
IS: Foi
a realização de um sonho, pois tudo começou por causa do 14 Bis. A
Nave gravar com o Cláudio Venturini, um dos 10 maiores guitarristas
desse país, foi um honra, um presente e uma emoção inexplicável. Já o
Magrão também assina a co–produção do CD. Magrão é o meu maior ídolo.
Então imagine dividir os vocais com ele na faixa “A Tempestade”, não
tenho palavras. Quando comecei a pensar nisso tudo de banda, tinha
como referência o autor de “Caçador de Mim” (Sá/Magrão) e aprendi a
tocar baixo por causa do Magrão. Só tenho que agradecer por toda força
dada por ele, pelo Cláudio e por todos do 14 Bis, que também tripulam
essa Nave.
AV - Em uma cidade como o Rio de Janeiro que é considerada a
capital da Cultura Urbana do país, onde o funk, o pagode e a música
eletrônica dão as notas principais para a música de massas, foi
difícil lançar um trabalho de qualidade como o de vocês? Houve uma
aceitação satisfatória do público?
IS:
Realmente estamos no olho do furacão aqui no Rio, mas de certa forma é
bem bacana, pois o “diferente” chega com mais facilidade, chama certa
atenção. Acredito que estamos no lugar certo, mesmo com tantas
adversidades, pois se fosse fácil não teria graça. Quando decidimos
fundar a Nave, sabíamos das dificuldades, mas a Nave é isso, nossa
vontade e maior sonho é levar música de qualidade. Além disso, tentar
transformar de alguma maneira nossa geração, fazer pensar, sonhar,
amar, trazer novamente as coisas boas para o centro do debate e agir
mais do que falar. Graças a Deus conseguimos e estamos alcançando um
bom público, que vai de jovens à “Boa Idade”. Nos shows isso fica bem
evidente. Acredito que as pessoas estão sedentas e carentes por música
boa e com letras bacanas, só falta aparecer que as pessoas aprovam e
curtem.
AV - Grande parte
dessa conquista do primeiro cd foi mérito de vocês, sem dúvida. Vocês
contaram com uma fera produtiva que é o Half Canetti, talvez o maior
produtor de jingles do Brasil. Como foi ganhar de presente a música “O
Segredo”, de Evandro Mesquita (em parceria com Canetti) que é ícone da
geração que deu o "pé na porta" para a música pop no Brasil?
IS:
Costumo dizer que o Ralph foi e é nosso guru musical, foi maravilhoso
dividir com ele a produção desse cd. Em relação à música “O Segredo”,
partiu do Evandro, que falou para o Ralph que ficaria bacana a canção
cantada pela Nave, que tem a cara jovem...
Assim que ouvimos, achamos show e logo ingressou para o cd. Nada
melhor pra gente, pois a Nave traz na bagagem toda formação da década
de 70/80, quando a Blitz e o Evandro, foram os percussores do Rock
Nacional, além da honra que é levar na tripulação dessa Nave o Evandro
Mesquita. A música veio traduzir toda essa influência que habita essa
Nave de Prata, que relembra e traz com uma nova roupagem, com a
característica da Nave.
AV
- E os planos para voos futuros do Nave de Prata?
IS:
Os Planos são muitos. Em breve estaremos fazendo shows da turnê “A
Nova Era” por todo o Brasil para divulgar nosso cd. Ainda esse ano
deve ocorrer uma surpresa muito bacana que vai ser um sonho para nós,
mas ainda não posso revelar, mas assim que estiver tudo certo
divulgaremos por aqui e pelo nosso site que é o
www.navedeprata.com
e pela internet (Orkut etc.). Estamos na fase de curtir e agradecer
todo esse movimento que está ocorrendo pelo lançamento desse primeiro
trabalho. logo, logo o segundo vem por ai...
E a nave vai!
*
Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
-
Imagem:
Arquivo
VF.
- Produção:
Pepe Chaves.
* * *
Cartola:
O
compositor dos compositores
Mestre Cartola
saiu de uma favela carioca para se
tornar uma das
primícias da Música Popular Brasileira.
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
Cartola, difusor
do samba e da MPB.
"O rapaz foi lá e disse: 'Cartola,
vem cá. O Mário Reis tá aí, queria comprar um samba teu'. 'O quê?
Comprar samba? Você tá maluco, rapaz? (...) Eu não vou vender coisa
nenhuma.' (...) Ele disse: 'Quanto é que você quer pelo samba?'. Eu
virei pro cara, no cantinho, disse assim: 'Vou pedir 50 mil réis'. 'O
quê, rapaz? Pede 500.' (...) Com muito medo, pedi 500 contos. 'Não,
dou 300. Tá bom?' Eu disse assim: 'Bom, me dá esses 300 mesmo'. Mas
com muito medo (...) Mas botou meu nome direitinho, legal (...). Ele
comprou, mas não deu para a voz dele. Então gravou Chico, Francisco
Alves." (Folha de S. Paulo, 21/jun.2000)/
Dono de uma obra ímpar na música popular brasileira e tendo
sido gravado por gente de peso, ele teve que exercer outros ofícios
para sobreviver. Foi tipógrafo, contínuo (boy) do Ministério da
Indústria e Comércio, gráfico e pedreiro. O hábito de usar chapéu para
proteger a cabeça do cimento lhe rendeu o apelido: Cartola.
Com esse nome, Angenor de Oliveira se tornaria conhecido e
respeitado como um dos grandes da MPB. Seria para sempre o mestre
Cartola. Nascido em 11 de outubro de 1908, no bairro do Catete, no Rio
de Janeiro, Angenor foi o terceiro filho de Sebastião de Oliveira e
Aída Gomes de Oliveira. Ainda moleque, tomou gosto pela música e pelo
samba. Aprendeu com o pai a tocar cavaquinho e violão.
Aos oito anos foi morar em Laranjeiras, zona sul carioca.
Já nessa época, saía nos desfiles do Dia de Reis e no rancho do
Arrepiado, um tipo de grupo carnavalesco posterior aos blocos e
anterior às escolas de samba.
Com 11 anos, devido a problemas financeiros, sua família
mudou-se para o morro da Mangueira — na época, com cerca de apenas 50
barracos. Com 15 anos, após a morte de sua mãe, Cartola abandonou os
estudos, tendo terminado apenas o primário. Junto com seu amigo e
principal parceiro de composições, Carlos Cachaça, criou o bloco dos
Arengueiros.
Em 28 de abril de 1928, fundou, ao lado de Saturnino
Gonçalves, Marcelino José Claudino, Francisco Ribeiro e Pedro Caymmi,
entre outros, o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Estação Primeira
de Mangueira, segunda escola de samba do Rio de Janeiro. Foi Cartola
quem compôs o primeiro samba da escola, "Chega de Demanda", lançado em
1974, no álbum "História das Escolas de Samba: Mangueira".
Cartola e Dona Zica da Mangueira
Em 1931, o compositor se tornou conhecido fora do morro por
intermédio do cantor e compositor carioca Mário Reis, quando este foi
à Mangueira para comprar músicas do bamba. Ele voltou com os direitos
de gravação do samba "Que Infeliz Sorte", lançado em 1932, por
Francisco Alves, que mais tarde se tornaria um de seus maiores
intérpretes.
Nos anos 30, suas composições ganharam fama na
interpretação de gente como Carmem Miranda, que gravou em 1932, "Tenho
um Novo Amor", e Araci de Almeida com o samba "Não Quero Mais", de
1937. Este último, feito em parceria com Carlos Cachaça e Zé da Zilda,
foi premiado no desfile da Mangueira de 1936 e regravado por Paulinho
da Viola, em 1973, com o título de "Não Quero Mais Amar Ninguém". Seu
maior sucesso dessa fase, porém, foi o samba "Divina Dama", gravado
por Francisco Alves, e que, segundo o próprio Cartola, foi composto
numa quarta-feira de cinzas, em homenagem a uma mulher por quem ele
tinha se apaixonado.
Em 1940, criou ao lado de Paulo da Portela o programa "A
Voz do Morro", na Rádio Cruzeiro do Sul, no qual apresentavam
composições ainda sem título para que o público pudesse nomeá-las.
Também com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres formou,
em 1941, o Conjunto Carioca que, apesar da vida curta chegou a se
apresentar em São Paulo, na Rádio Cosmos, durante um mês. Com o samba
"Vale do São Francisco", último criado por ele para a Mangueira, a
escola sagrou-se campeã em 1948.
Músicas que falavam de amor sempre foram as preferidas do
compositor, "gosto de fazer samba de dor de cotovelo, falando de
mulher, de amor, de Deus, porque é isso que acho importante e acaba se
tornando uma coisa importante", declarou certa vez.
Com essa simplicidade Cartola agradava não só ao gosto
popular como também à elite cultural do Rio de Janeiro. Era admirado
por intelectuais, como o maestro Villa Lobos que, em 1942, o
apresentou a Leopoldo Stokowsky — famoso maestro norte-americano
interessado em conhecer música popular brasileira. Nesse encontro foi
gravada a música "Quem me vê Sorrindo", feita em parceria com Carlos
Cachaça.
Mas a simplicidade não implicava em composições fáceis.
Músico que praticamente aprendera a tocar de ouvido, Cartola não era
óbvio em suas criações. Letras que falavam de amor sem, no entanto,
ser vulgares ou melodramáticas e melodias que fugiam ao lugar comum,
rendiam elogios e admiração de sambistas como Nelson Sargento, que
declarou nunca ter se atrevido a sugerir uma parceria com o amigo por
considerá-lo "um compositor finíssimo".
Álbum lançado em
1979.
Cartola teve inúmeros parceiros em suas composições. Gente
como Silvio Caldas, em "Na Floresta", e Noel Rosa, com quem compôs
"Não Faz Amor". Mas foi com seu compadre, Carlos Cachaça, que Cartola
dividiu o maior número de criações. Da primeira parceria entre eles
saiu o samba "Pudesse Meu Ideal", de 1932.
Aos 38 anos, após a morte de sua primeira mulher, e
acometido de uma grave doença, provavelmente meningite, deixou o morro
por alguns anos e foi morar em Caxias. Chegou a ser dado como morto e
sumiu do cenário musical.
Em 1956, foi encontrado por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte
Preta, lavando carros em Ipanema. Graças a ele, Cartola voltou a
cantar, agora na Rádio Mayrink Veiga. A partir daí, o compositor é
redescoberto por uma nova safra de intérpretes.
Em 1964, casou-se com Eusébia Silva do Nascimento, a Dona
Zica da Mangueira. No mesmo ano, eles abriram o restaurante Zicartola,
na Rua da Carioca, no centro do Rio.
O local logo se tornaria ponto de encontro de sambistas
tradicionais e músicos da geração bossa-nova, como Paulinho da Viola -
apontado pelo próprio Cartola como o seu sucessor.
Dessa nova geração de músicos, Nara Leão foi uma das
primeiras a gravá-lo, quando incluiu em seu primeiro álbum a música "O
Sol Nascerá", composta por ele e Elton Medeiros. Mas o primeiro
registro da voz de Cartola só seria feito somente em 1966 com uma
participação sua no disco de Elizeth Cardoso, no qual canta a música
"A Enluarada Elizeth". No disco "Fala Mangueira", produzido em 1968,
por Hermínio Belo de Carvalho, Cartola volta a aparecer ao lado de
Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Clementina de Jesus e Odete Amaral.
Só em 1974, aos 65 anos, o compositor gravaria, numa
iniciativa do pesquisador musical, produtor de discos e publicitário
Marcus Pereira, um disco inteiro com suas composições sob o título
"Cartola".
Em 1976, lança o seu segundo disco também com o titulo de
"Cartola". É nele que podemos encontrar uma de suas mais famosas
composições: "As Rosas não Falam".
Em 1977, sai "Cartola - Verde que te Quero Verde" e,
encerrando sua curta discografia, em 1979, chega às lojas seu LP
"Cartola - 70 Anos". "Acontece", seu primeiro show individual, foi
realizado em 1978. Antes, já tinha participado ao lado de João
Nogueira do projeto Pixinguinha. O sucesso do espetáculo rendeu a ele
uma turnê por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No mesmo ano,
Cartola mudou-se para Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio), por considerar
o bairro mais tranquilo.
Um ano depois, descobre que está com câncer. Cartola sabia
que sua doença era grave, mas manteve segredo sobre ela todo o tempo.
Para todos dizia que tinha uma úlcera.
Uma semana antes de sua morte, manifestou à sua família um
desejo: "quando for enterrado quero que Waldemiro toque o bumbo".
Mestre Cartola morreu em 30 de novembro de 1980. Atendendo a seu
pedido, no dia 1º de dezembro, data de seu funeral, Waldemiro,
ritmista da Mangueira, que havia aprendido com ele a encourar seu
instrumento, marcou o ritmo para o coro de "As Rosas não Falam",
cantada por uma pequena multidão de sambistas, amigos, políticos e
intelectuais, presentes em sua despedida. Cobrindo o seu caixão estava
a bandeira do Fluminense, time do coração.
*
Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
-
Imagem:
Arquivo
VF.
- Produção:
Pepe Chaves.
* * *
Música:
MPB: crise, que
crise?
Onde foi parar a Música Popular
Brasileira?
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
Geraldo Vandré,
Chico Buarque, Tom Jobim, Marcos Valle,
Milton Nascimento
e Paulo César Pinheiro: onde foi parar a MPB?
A Música Popular Brasileira está em crise. Pelo menos
aquilo que se rotulou, na década de 70, como MPB. A que se inscreveu
na História como transgressora e libertária nos tempos da ditadura.
Levando essa bandeira na era dos festivais no circuito Sampa-Rio.
Aliás, essa música, em 2007 comemorou 40 anos dos primeiros
festivais, e este ano, 50 anos de Bossa-Nova.
Os compositores como Geraldo Vandré, Chico Buarque, Edu
Lobo, Gonzaguinha, Paulo César Pinheiro, Tom Jobim e Milton
Nascimento, entre outros, eram nomes expressivos dessa época. Apenas o
último, o mineiro-carioca de mil tons, conseguiu se fixar,
atualizando-se, no gosto da juventude de hoje.
Se não acredita, meu querido leitor, então faça o teste.
Pergunte a jovens na faixa de 16 aos 25 anos, quem é Edu Lobo, Marcos
Valle, Taiguara, Geraldo Vandré? Agora, pasme! Sequer o ícone querido,
Chico Buarque, é conhecido.
A culpa é de quem? Das rádios que não tocam mais esses
compositores? Não creio. Deve haver outro fator endógeno no meio do
caminho como a pedra do poeta itabirano.
O brasileiro padece da enfermidade inquieta do niilismo.
Tudo acaba em nada. Às vezes dá um tempo como chuva de verão, só para
“deixa ficar, que eu quero ver aonde vai dar esse chove não molha”.
Como se joga fora, descartando-a como passadista, a Bossa
Nova? O movimento musical mais expressivo da história da música
popular brasileira. A música que levou e leva o Brasil mundo afora até
hoje. Os que viajam pelas Américas sabem disso. Se for para a Europa,
aí é que ela continua tocando. Marcos Valle está muito bem, obrigado,
em Londres.
A Tropicália dos baianos ainda sobrevive porque Gil e
Caetano sempre tiveram proximidade maior junto aos jovens músicos, aos
anseios dos ouvidos mais roqueiros e pop. Hoje você pode escutar hits
dos dois sendo tocados em releitura por bandas de rock. Se bem que, em
termos de rock, a musica brasileira contemporânea produziu poucos que
prestam e os que prestaram viraram lendas vivas.
A minha tese é a de que os grandes compositores da era dos
festivais se acomodaram. O público brasileiro, exigente, também
descartou essa turma talentosa. Colocando-os como os “órfãos da MPB”.
Não há mais milicos atravancando as nossas liberdades, criando um
clima para a música de protesto. Por isso, mesmo a fórmula dos velhos
festivais se exauriu. Muitos, da minha geração de 60, se exilaram,
órfãos de Marx, migrando para o esotérico. Na música para a New Age,
na literatura para o recontar sufi-bíblico-alcorânico de Paulo Coelho.
Muito melhor como parceiro de Raulzito, sem dúvida.
E aonde buscar uma saída? Creio que o exemplo mais
expressivo, está na proposta de Chico Science e Mestre Ambrósio em
Pernambuco, por exemplo. Há outros indícios de mudança nos recantos
mais escondidos do nosso Brasilzão...
Não podemos nos dar o luxo de jogar no lixo boas propostas.
Pela nossa riqueza rítmica e cultural. Essa diversidade que encanta
estrangeiros ao ponto de aqui virem buscar as nossas batidas e
transformá-las, pela beleza e pelo marketing, num batuque universal.
Fica a pergunta em tom de provocação. Espicaçar para traçar
uma reta. Antes que acusem o nosso espaço sistêmico pela culpa da
pirataria e pela programação das rádios. A Internet é mais embaixo.
*
Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
-
Imagem:
Arquivo
VF.
- Produção:
Pepe Chaves.
* * *
Literatura:
A vingança é
eterna
O desejo de
vingança é uma constante na historia humana e um dos grandes temas da
literatura.
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
O Conde
de Monte Cristo: a volta por cima.
Alexandre Dumas
(1802–1870) foi equivalente, na França do século XIX, aos roteiristas
da novela das oito no Brasil de hoje. Românticos e aventurescos, seus
livros alcançavam um público vasto e voraz. Um de seus romances mais
populares, O Conde de Monte Cristo, ganhou uma belíssima edição
com notas e ilustrações da época. Narra as desventuras de Edmond
Dantes, marinheiro preso sob acusação falsa de ser partidário do
Imperador deposto, Napoleão Bonaparte - ofensa grave em 1815, tempo de
restauração monárquica. Depois de uma fuga espetacular da prisão,
Dantes, enriquecido por um providencial tesouro escondido,
reinventa-se como o Conde de Monte Cristo e busca destruir aqueles que
o desgraçaram.
Os exageros
folhetinescos de Dumas - vilões soltam faíscas de ódio no olhar - hoje
soam cafonas. No entanto, Monte Cristo sobrevive. Um coração bondoso e
generoso dirá que o apelo da historia está na restauração da justiça.
O motor do romance, porém, é a vingança. Embora todo cidadão de bem
declare ter aversão moral pelo conceito, a vingança delicia leitores
há séculos.
O livro
de Dumas.
“A vingança é
um tipo de justiça selvagem que deve ser arrancada como uma erva
daninha pela lei” escreveu o filosofo Francis Bacon, no século
XVII. De fato, aprendemos que o Estado de Direito só pode existir
quando a lei substitui as velhas retaliações tribais. O aparato
judicial moderno deve, portanto, sempre se afastar da vingança. No
entanto, essa sempre fará parte da natureza humana. E é essa condição
que se tornou um dos motivos literários mais antigos. Basta pensar no
grego Aquiles, na Ilíada de Homero, arrastando com uma biga o cadáver
do troiano Heitor para vingar a morte do amigo Pátroclo.
Cada período
histórico tem a sua sanha de vingança particular. Na Tragédia Grega,
século V a.c, a vingança costuma ser exercida contra o próprio sangue.
Medeia é o exemplo mais terrível. A virada do século XVI, época áurea
do teatro inglês tinha em William Shakespeare, a sua verve criadora.
As “peças de vingança” fora um gênero bastante popular no caldeirão
cultural que antecede o período renascentista na grande Londres.
Hamlet traz à cena um príncipe que vinga a morte do pai. Porém, essa
trama quase que se perde em elucubrações filosóficas.
Heathcliff, o
herói perverso de O Morro dos Ventos Uivantes (1847), clássico
romântico da inglesa Emily Brontï, busca desforras de humilhações
sofridas na infância, quando foi adotado por uma família de
proprietários rurais e tratado como serviçal. De certo modo. Ele é avô
dos marginais cariocas que caçam os ricos nos contos de Rubem Fonseca
- o personagem principal de O Cobrador, de RF, é um pobre-diabo
que encontra a realização matando ricaços.
Com suas enormes
diferenças, cada um desses autores explorou uma ambivalência
fundamental: a fome de justiça convive muitas vezes com a sede de
sangue.
*
Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
-
Imagem:
Arquivo do autor.
- Produção:
Pepe Chaves.
* * *
Focus:
Quando o rock nina os seus prodígios
O Focus pertence
a uma raça diferente, contemporânea, de músicos.
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
Focus
Para início de conversa, eles são europeus do continente,
um povo mais inclinado a consumir (e com certa parcimônia) do que a
fazer rock. Um grupo de rock europeu - holandês, mais especificamente
- há alguns anos atrás, seria considerado uma curiosidade, ave rara.
Nunca um candidato sério às listas de "melhores" ou às paradas de
"mais vendidos". No entanto, o Focus ocupa os dois lugares com
assiduidade e naturalidade.
A raça nova de rockers como o Focus costuma ter uma forja
comum temperando seus espíritos: o conservatório de música. E é lá,
justamente, que vamos encontrar nosso primeiro personagem, Thijs Van
Leer, 19 anos em 1969, colando grau com distinção em piano, arranjo e
teoria. Thijs era um músico aplicado e com interesses múltiplos: além
do curso no Conservatório Real de Amsterdam ele estudou História de
Arte na Universidade de Amsterdam, órgão e música renascentista com o
maestro Anthony Van Der Horst, dirigiu uma banda de jazz com colegas
de colégio. E, além de tudo isso, era um fã exaltado do Traffic,
especialmente de Stevie Winwood.
Foi com a idéia vaga de fazer "um Traffic holandês" que
Thijs se uniu aos amigos Martin Dresden, baixista, e Hans Cleuver,
baterista. Seu primeiro emprego não teve muito a ver com o Traffic:
foram chamados a integrar a banda do musical Hair, versão holandesa.
Mas isso lhes trouxe bons contatos, um convite para um teste e,
afinal, a gravação de um LP: a Europa estava ansiosa por produzir rock
próprio, autônomo, que pudesse fazer frente ao heavy-metal inglês, a
grande onda do momento.
Durante a gravação deste primeiro disco - In And Out of
Focus - houve dois fatos interessantes, Primeiro, Thijs descobriu que
não só sabia cantar como conseguia fazer o yodel, vocalização
ondulante e complicada, típica da música dos Alpes. Segundo, seu amigo
Jan Akkerman, 24 anos, guitarrista, violonista e tocador de alaúde
formado pelo Liceu Musical de Amsterdam, uniu-se ao grupo.
Como costuma acontecer, o sucesso não veio. Não na escala
que o recém-batizado Focus ("era um nome internacional, sintético") e
sua gravadora esperavam. Os curtidores holandeses garantiram as boas
vendas do avulso "House fo The King" - bem uma amostra do futuro som -
Focus - mas a invasão de Londres e Nova York não se consumou.
Um tanto desiludido, Akkerman abandonou o grupo e foi se
unir ao seu antigo colega de conjuntinho de baile, o baterista Pierre
Van Der Linden, para formarem um novo grupo junto corn o baixista
Cyril Havermans. E então o improvável aconteceu: Thijs Van Leer
decidiu que esse grupo era melhor do que o seu. E se mudou para a
companhia de Akkerman & Cia., levando consigo o nome Focus.
O lançamento de Moving Waves, álbum do novo Focus,
comprovou o acerto de sua escolha. Com o terreno consideravelmente
preparado por grupos como o Yes, o Emerson Lake & Palmer e o King
Crimson, o som do Focus, intrincado, melódico, quase erudito, se
tornou a sensação de Londres. Os críticos acolheram Eruption, a
suite-rock sobre o mito de Orfeu que ocupa todo um lado de Waves, como
"uma obra-prima fundamental do rock contemporâneo". Os elementos
estavam todos no lugar, e o catalisador tinha sido Van Der Linden,
músico 90% erudito, ex-integrante da Orquestra de Ópera de Amsterdam.
1972 é o ano da grande virada para o Focus. Excursionam
pela Grã-Bretanha, colecionando elogios e casas lotadas: "Eles nem
deviam gravar em estúdios, pois são absolutamente perfeitos num
palco", diz o jornal Melody Maker. O avulso Sylvia, tirado do álbum
duplo Focus 3, chega ao 1º lugar na parada inglesa e, surpresa das
surpresas, na América também. Foi um ano de mudanças: o contido Cyril
Havermans deixa o grupo por uma carreira individual. Em seu lugar vem
outro agente de transformações, o gorducho Bert Ruiter, 26 anos,
autodidata, nenhuma base clássica, mas muito rock e pop, música de
dança.
O conflito inevitável começa a roer o grupo lentamente,
durante a primeira excursão americana. "Bert tem uma energia muito
grande, um estilo parecido com o de Jack Bruce, que é sua maior
influência", diz Thijs. "Ele foi levando a gente pouco a pouco por um
caminho mais simples, mais aberto, mais rítmico, mais 2 por 4". O
primeiro a se deixar contaminar foi Thijs. Depois, Akkerman. "Acho que
foi no Texas, uma noite, que Jan veio me perguntar se ele podia se
soltar, tocar coisas mais simples, mais... terra a terra... alegres.
Eu fiquei contente porque vi que não era só eu que estava achando o
Focus complicado demais."
Quem não gostou foi Pierre. "O clima ficou péssimo entre
Pierre e Bert. Bert queria solar, balançar, Pierre não deixava. Pierre
queria fugas, flautas, não se conformava com o que ele chamava 'a
nossa vulgaridade", diz Jan. Um álbum ao vivo, gravado durante uma
espetacular temporada no Rainbow de Londres deixa os fãs em compasso
de espera, esconde um pouco a briga. "Lá pelo fim de 73 eu estava
convicto que o grupo ia acabar", diz Jan. "E, para dizer a verdade,
não me importava muito, não. Eu já estava cheio da máquina rock de
fazer sucessos".
De fato não deve ser fácil, A geração européia de onde veio
o Focus repete, numa outra escala, evidentemente, o esquema brasileiro
de rock. São músicos muito puros, que tocam por brincadeira ou prazer,
que quase nunca têm contato com uma estrutura ferozmente empresarial
de música. A indústria de música, na Europa continental, está voltada
basicamente para a canção, o pop, o easy music. Rock era, até os anos
70, brincadeira de garotos, festas de dança. Nenhum esquema
profissional - pubs, clubes, Cavern Clubs, Ealing Clubs - para
absorver essa geração e acostumá-la com o lado mais duro da música.
Para completar tudo, fechando o esquema de desenraizamento, são
músicos nutridos a clássicos e conservatórios, com uma visão límpida e
quase inocente da criação musical. Arte pela arte. Showbiz é coisa de
americano.
Daí o choque, inevitável. O desencanto. Mike Vernon, que
acolheu e produziu o grupo em Londres desde 1972, conta que "eles eram
muito desconfiados, viviam dizendo que não fariam concessões, que não
iam se vender. Estavam apavorados. Especialmente Jan."
Foi Vernon quem salvou o Focus da extinção por desânimo.
"Ele chegou com uma lista de bateristas: Aynsley Dunbar,- Mitch
Mitchell, Collin Allen", diz Thijs. "Os dois primeiros tinham
compromissos, mas Colin estava totalmente desempregado. Ele veio,
tocou, ficamos com ele."
Colin, ex-músico de John Mayall, ex-integrante do grupo
Stone The Crows, era o sangue novo que o Focus precisava. "Eu admiro
James Brown, seu senso de ritmo, toda a música negra. Música negra faz
você se mexer, dançar... Adoro música brasileira, também." Tocando com
ele num velho castelo holandês alugado, o Focus produziu seu primeiro
disco da nova fase "Hamburguer Concerto": mais ritmado, pesado, com
bom humor.
E o ciclo se completa: o Focus se firma como um nome do
primeiro time, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Mais uma longa
viagem do rock, como sempre, retomando ao ponto de origem, à velha
América. "Eu confesso que tinha medo desse papo todo de música
clássica", diz Colin. "Mas agora eu vejo que era bobagem e
preconceito. É possível fazer uma música muito ampla misturando tudo.
Eles tocam blues muito bem. E, no fundo, é a música que importa, não
é?".
*
Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
-
Imagem:
Arquivo do autor.
- Produção:
Pepe Chaves.
* * *
Elomar Figueira de Melo:
O
Cavaleiro Andante
Um trovador medieval
na trilha da tecnologia.
Por
Antônio Siqueira*
Do
Rio de Janeiro-RJ
Para
Via Fanzine
Elomar: música para o bem.
Músico, cantador, poeta, arquiteto, profeta e criador de
bodes no interior do sertão baiano, Elomar Figueira de Melo é das mais
incríveis personalidades do coquetel de tendências da musica popular
brasileira contemporânea. Assíduo leitor da Bíblia, Evangelhos e histórias
e romances da Idade Média, seu universo é descrito aqui. Onde o
cristianismo primitivo desenvolve um importante e definitivo papel em sua
incrível e já histórica obra poética.
Sua figura irradia uma aura de magia e carisma, encontrada em raras
criaturas na MPB. Aos 71 anos de idade, mais de 40 criando verdadeiros
clássicos, esse baiano de Vitória da Conquista cresceu ouvindo o que ele
chama de “Menestréis do Sertão” - cantadores, repentistas, sanfoneiros e
poetas populares. Mais tarde, quando se mudou para salvador para estudar
arquitetura, entrou em contato com vários mestres da música, tendo
recebido aulas da violonista Edyr Cajueiro. A partir dessas aulas, passou
estudar música e a ler partituras, paralelamente ao curso de arquitetura.
A sua iniciação musical despertou-lhe o interesse pela musica ibérica e,
notadamente, pelas reminiscências da música moura, levando-o a conhecer
peças de músicos como Luiz Milan e Robert de Viseé. Incorpora em sua obra,
forte influência da música da Idade Média e em plena a Era da
Globalização, faz renascer das cinzas, como a fênix, o gênero predominante
do período entre os séculos XV e XVI.
Seu trabalho está a serviço da realidade dos sertões, do nordeste
brasileiro, de onde se extrai o húmus poético para cantar a seca, a fome,
o sol abrasador e pregar o amor, a fraternidade, a concórdia, a paixão e o
mistério que envolve essa parte mística esquecida do Brasil e suas figuras
de tragédia. “Sempre usei minha canção para pregar o bem e a justiça, e
se um dia eu pensar em fazer o contrário, quero que Deus me tire esse dom
que me deu.” Diz Elomar, com seu inseparável cigarro de fumo de corda,
cujo último trabalho foi o belíssimo “Cantoria 3/Canto e Solo”, registro
de gravações de 1986, feitas no Teatro Castro Alves e m Salvador e no
Palácio das Artes de Belo Horizonte.
Mistura de sereno profeta bíblico, cavaleiro andante e trovador a cantar
românticas canções de amor desagravando damas e donzelas e vivendo em
sombrios castelos ou exaltando o “Rei dos Reis”, Jesus Cristo. Elomar é a
autêntica encarnarão do cantador medieval. Chapéu negro, tipo do
legendário cowboy Wyalt Carp, cavanhaque cor de feno, olhos de um azul
metálico e sincero, ele é o protótipo da simplicidade e do mistério
encarnado. Sua presença é mágica, agreste e energética. Quando dirige a
palavra a alguém, Elomar tem por hábito tratar seu interlocutor por
“cavaleiro” o que o torna imune a agressões gratuitas e o coloca mental e
socialmente de mãos dadas com essa nova postura existencial: democrática e
inflada de fluídos de ótimo astral.
A voz de Elomar é mansa e singela. Ela fala da influência da Idade Média
na sua obra. “Li muito os romances de cavalaria, como as obras de
Alexandre Dumas, Michel Zevaco e outros. Sempre contestei veementemente os
historiadores universais quando chamam a Idade Media de Idade das Trevas;
eu acho esse rótulo absurdo. A idade Média foi e será sempre a Idade das
Luzes, não obstante a chamada santa inquisição, que denegriu um pouco essa
faixa da história. Os avanços tecnológicos e os ônibus espaciais dos EUA
são resultados da Idade Média, pois foi de lá que saíram homens como Isaac
Newton, Galileu Galilei, Marco Pólo, Cristóvão Colombo e tantos outros
cérebros famosos que pertenceram à Idade Média”.
'Eu vejo o mundo através da lente dos profetas.
Não poderia ser de outra maneira'
Elomar
Elomar continua falando sobre a importância da Idade Média no seu trabalho
e no contexto histórico mundial: “É de lá que saiu tudo, foi na Idade
Média, nas escolas monásticas, que se preservou todo o conhecimento
antigo. Sobretudo, uma ordem fundada no início do século X, por Bernard de
Clairvaux (São Bernardo de Claraval), que fundou a “Ordem dos
Cavaleiros do Templo. Se a Igreja não tivesse massacrado a ordem dos
templários, a humanidade estaria hoje num estágio muito superior. Quer no
sentido cultural, humanístico, filosófico, religioso, moral, ético...
Enfim, se a ordem, tivesse sido preservada das mãos intolerantes da
igreja, o mundo estaria vivendo dias bem melhores, mas Deus quis assim”.
Elomar não segue nenhuma religião formalmente, embora seja teísta e tenha
absorvido grandes dosagens de ensinamentos da Igreja de Lutero
transmitidas por seus pais que eram protestantes. Suas perspectivas para o
futuro da humanidade são sombrias e estóicas. Ele vê o mundo baseando-se
na ótica de algumas celebridades como o escrito Aldoux Husley, que ele
chama de utopista, e a visão dos profetas bíblicos.
Huxley, na primeira edição de sua obra, Admirável Mundo Novo, põe uma
epígrafe de Berdieff, autor de Uma Nova Idade Media, onde sintetiza
a idéia do romance: “A vida marcha para as utopias e pode ser que nesse
século XXI tornem-se realidade. Uma sociedade menos perfeita, mais livre”.
Ele lembra que Napoleão Bonaparte, a leste de Jerusalém, numa planície
chamada Megido, com trinta quilômetros de comprimento por vinte de
largura, proferiu essas palavras: “Soldados, belíssima planície para um
campo de batalha”. Segundo a visão Napoleônica e Elomariana, a grande
batalha do juízo final ocorrerá naquela planície. “Napoleão lia os
evangelhos constantemente e conhecia as profecias a fundo. O profeta João,
na Ilha de Pátimos, disse que só da China via duzentos milhões de
guerreiros marchando para o juízo final”.
Elomar prossegue dizendo que a Igreja é um tesouro na Terra, a passar
vistas grossas na miséria do povo. É critico ferrenho do Vaticano: “É
inadmissível o que acontece”. A fé para este homem é condição sine
qua non para uma alma na busca da auto-realização. Nas barrancas do
Rio Gavião, localidade distante a 102 quilômetros de Vitória da Conquista,
Elomar cria bodes e carneiros. “Eu dou nome aos bodes que crio em
homenagens as personalidades que admiro como Marco Pólo, Laurence da
Arábia, que eu chamo de Lourenço, em tributo ao amor que ele dedicou a
causa da Arábia, quando Rei Faiçal ainda era um príncipe”.
Huxley propõe em seu Admirável Mundo Novo um paraíso restaurado na
Terra pelo próprio homem. Todos que pensam tal idéia ser possível,
esquecem que, enquanto houver avareza, egoísmo, falta de limites para a
ambição, isso não será possível. A ambição é como a guerra; quanto mais
ceifa, menos se farta. Elomar completa o papo: “Eu vejo o mundo através
da lente dos profetas. Não poderia ser de outra maneira”.
Discografia
A discografia de Elomar é formidável e de uma qualidade marcante:
Até o
momento a obra de Elomar, em termos de composição e escrita (partituração)
encontra-se no seguinte estágio:
Música
culta:
11
óperas;
11
antífonas;
4
galopes estradeiros;
1
concerto de violão e orquestra;
1
concerto para piano e orquestra -
composto e a ser partiturado;
1
pequeno concerto para sax alto e piano -
composto e partiturado;
1
sinfonia - quase toda composta;
12
peças para violão-solo.
As
composições para violão na maioria já estão partituradas.
Cancioneiro:
Um
caderno de oitenta canções, sendo que a maioria delas já se encontram
gravadas e uma pequena parte inédita.
Elomar, Elena Rodrigues,
Dércio Marques,
Xangai e Carlos Pita
Gravado no Seminário de Música da
UFBA.
Elomar e Orquestra Sinfônica da
Universidade Federal da Bahia
Gravado no Auditório do Centro de Convenções da Bahia
Elomar
Elomar, Jacques Morelembaum, Marcelo Bernardes, Andrea Daltro, Sônia
Penido,
Xangai e Dércio Marques
Gravado na Sala de Visitas da Casa dos Carneiros em Gameleira (Vitória
da Conquista, BA)
Elomar, Jacques Morelembaum, Quarteto Bessler-Reis, Paulo Sérgio Santos,
Marcelo Bernardes, Antônio Augusto e Octeto Coral de Muri Costa
Gravado ao Vivo na
Sala Cecília Meireles (RJ)
Elomar, Arthur Moreira Lima,
Paulo Moura e Heraldo do Monte
Gravado na Sala
Cecília Meireles (RJ)
Xangai, Elomar, João Omar,
Jacques Morelembaum, Eduardo Morelembaum,
Eduardo Pereira
Elomar,
Geraldo Azevedo, Vital Farias,
Xangai
Gravado ao Vivo no
Teatro Castro Alves (Salvador,
BA)
Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Xangai
Gravado ao Vivo no Teatro
Castro Alves (Salvador,
BA)
Elomar
Gravado ao Vivo no Teatro
Castro Alves (Salvador, BA)
Elomar e João Omar
Gravado no Estúdio Cacalieri — BA
Elomar
Gravado no "Nosso Estúdio" — SP
Elomar, Turíbio Santos,
Xangai e João Omar (part.
especial)
Gravado ao vivo no Teatro
Castro Alves dias 7, 8, 9 e 10
de janeiro de 1.988 em
Salvador, BA
- Visite o site oficial de Elomar:
www.elomar.com.br.
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Antonio Siqueira
é pesquisador musical, cronista e correspondente de
Via Fanzine
no Rio de Janeiro/RJ.
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Imagem:
Arquivo do autor.
- Produção:
Pepe Chaves.
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