EXPRESS - por ANTÔNIO SIQUEIRA  -  ARTICULISTA 

 

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Getúlio Vargas - 60 anos da morte:

Uma data a registrar

'Não querem que o povo seja independente'.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

24/08/2014

 

Getúlio Vargas: pelo bem ou pelo mal,

o Brasil não seria o mesmo sem ele.

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Sessenta anos atrás, 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas saía da vida para entrar na História. Graças a ele, os valores do trabalho viram-se reconhecidos depois de séculos de espoliação promovida pelo capital.

 

Salário mínimo, jornada de oito horas, pagamento de horas extraordinárias, férias remuneradas, pensões, aposentadorias, saúde e educação atendidas pelo poder público, estabilidade no emprego e outros direitos trabalhistas foram estabelecidos pelo inesquecível presidente da Republica, que ia ser deposto pela segunda vez precisamente por suas realizações sociais. À humilhação, preferiu dar um tiro no peito.

 

Jornal veicula notícia da morte de Getúlio Vargas.

 

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

 

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

 

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

 

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

 

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

 

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História” (Getúlio Vargas).

 

- Imagens: Divulgação/Reprodução.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

 

-  Imagens: Divulgação.

 

- Produção: Pepe Chaves.

  © Copyright 2004-2014 Pepe Arte Viva Ltda.

 

 

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Milton Nascimento:

Os mil tons da música do mundo

Som, amor e poesia para uma era de incertezas e, também,

de realizações humanas, como as de Milton Nascimento.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

26/10/2012

 

Milton: dos bares da vida, para as rádios de todo o mundo.

 

Chegar aos cinquenta anos de uma carreira musical é um marco para qualquer artista, é verdade. Apesar do lixo que nos empurram todos os dias, 90% de todo esse rejeito, volta para onde veio, isto é: para o nada! Não é fácil manter-se vivo no mercado da música brasileira. Milton Nascimento faz parte de um time seleto de notáveis da primeira arte contemporânea. Uma turma especial que completa setenta anos de idade física e, a maioria, meio século de carreira artística bem sucedida.

 

Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola... Gente muito ilustre, compositores da alma e da cultura de um povo que nos anos 1960, passou por um questionamento cruel ante o momento conturbado desta década de incertezas: O engajamento ou a cultura de massa. O golpe de 1964 decretou uma espécie de “guerra de valores civis” ou “guerra civil cultural”. Enquanto uma camada densa da sociedade apoiava a revolução dos tiranossauros milicos de carreira, consumindo lixo cultural nacional e “enlatado”, outra fina camada, dentro deste contexto, empunhava uma intensa militância política.

 

Uma parte do movimento bossanovista evoluiu rapidamente em direção da chamada “canção de protesto”, os militantes do antigo CPC (Centro Popular de Cultura) encenavam peças de teatro em portas de fábricas, favelas e sindicatos, publicando cadernos de poesia vendidos a preços populares, trabalhando em contato direto com as massas. Os festivais da canção eram como uma espécie de termômetro da música brasileira e foi no II Festival Internacional da Canção de 1967 que Milton Nascimento, este cidadão nascido no Rio de Janeiro em 26 de outubro de 1942, começou a realizar sua “Travessia” épica. Com um segundo lugar, mas com sabor moral de primeiro, defendendo um dos maiores clássicos da MPB contemporânea, Milton cantou para o mundo sua composição em parceria com Fernando Brant, na época estudante e notável poeta, para um Maracanãzinho transbordando gente e emoção, em um uníssono surreal e raro.

 

Lô Borges, Fernando Brant, ex-presidente Juscelino Kubistchek, Márcio Borges e Milton.

 

Milton transcendeu o anonimato como cantor gravando um long play (LP) no Rio de Janeiro em 1966. Em 1967, segundo o trecho da contracapa do disco Milton e Tamba Trio: Milton Nascimento entrou no estúdio acompanhado pelo Tamba Trio, no Rio de Janeiro, em 1967, para gravar seu primeiro disco. O encontro de Milton & Tamba com os arranjos de Luizinho Eça fazem de “Travessia” um álbum definitivo e eternamente moderno. E o Bituca (como é carinhosamente chamado pelos irmãos de estrada) ganhou o mundo.

 

Antes de “Travessia” a sua “Canção do Sal” já ecoava pelos ouvidos mais exigentes na voz de Elis Regina. Elis foi quem, de longe, melhor interpretou as canções de Milton. Parecia haver uma sintonia perfeita entre a harmonia e os acordes de suas criações com a voz e o talento explosivos da “Pimentinha”; era a “Mão e a Luva”. Certa feita, Elis, revelou em entrevista que até um “bom dia” de Milton “humilhava” e que “Se Deus quisesse nos falar, falaria pela voz de Milton Nascimento”. Exagero? Não. Milton canta e canta lindo ao extremo. O Festival Internacional da Canção (FIC), em 1967, serviu apenas para adiantar o que viria pela frente, um sucesso sucedendo o outro. “Gira girou” com Márcio Borges, “Outubro” com Brant... “Maria Minha Fé”...

 

Milton desfilava um rosário de maravilhas até ter sido catapultado para os EUA. Lá, gravou o mesmo álbum, só que em inglês e com arranjos e orquestrações ‘made in’ EUA. Já em 1969, no seu terceiro álbum, Milton Nascimento traria em uma prévia, um breve ensaio do que seria o “Clube da Esquina”. Com composições de Nelson Ângelo e Toninho Horta emplacaria clássicos como “Sentinela” e “Beco do Mota”, ambas as parcerias com Fernando Brant. A parceria com o notável “Som Imaginário” do eterno companheiro de estradas, Wagner Tiso, foi um dos marcos de sua carreira. O LP “Milton” é uma obra-prima roqueira e cancioneira ao mesmo tempo e também viria apresentar as composições de um adolescente de 16 anos chamado Salomão Borges Filho, o Lô Borges; menino que já impressionava pela originalidade de suas harmonias trabalhadas e com sua parceria perfeita com o irmão Márcio. Era a prévia para o álbum que viria ser o divisor de águas da MPB moderna e revolucionaria o jeito de se fazer música por aqui. A Bossa Nova dava as cartas e também serviu de inspiração para o que ainda estava por vir.

 

Voltando ao finzinho dos anos de 1960, na pensão aonde foi morar na capital, no Edifício Levy, Milton conheceu os irmãos Borges, Marilton, Lô e Márcio. Foi num desses bares em troca de pão e escondidos do juizado de menores que, ao lado dos irmãos Borges, formou, em 1969, o importante conjunto musical Clube da Esquina, Meca da MPB da década de 70.

 

Tom Jobim, Milton Nascimento e Chico Buarque.

 

Dos encontros no bar da esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis surgiram os acordes e letras de canções como “Cravo e Canela”, “Alunar”, “Para Lennon e McCartney”, “Trem azul”, “Nada será como antes”, “Estrelas”, “São Vicente” e “Cais”. Aos meninos fãs de The Beatles e The Platters vieram juntar-se Tavinho Moura, Flavio Venturini, Beto Guedes, Fernando Brant, Vermelho, Toninho Horta.

 

Em 1972 a EMI gravou o primeiro LP, “Clube da Esquina”, que era duplo e apresentava um grupo de jovens que chamou a atenção pelas composições engajadas, a miscelânea de sons e riqueza poética. O Clube da Esquina escreveu um dos mais importantes capítulos da história da MPB. Seu trabalho chamou a atenção dos músicos brasileiros e estrangeiros, dada a sua ousadia artística e criatividade inovadora. Quando de seu lançamento, a crítica especializada não teve a capacidade de entender o que estava acontecendo e fez comentários severos a respeito da obra. Entretanto, pouco tempo depois o disco teve reconhecimento internacional e ganhou o prestígio merecido aqui no Brasil também. O álbum virou disco de cabeceira de músicos no mundo inteiro, tornando-se referência estilística e estética da música contemporânea e levou Milton Nascimento a ser convidado por Wayne Shorter para gravar um disco com ele, em 1975. O disco chamava-se “Native Dancer” e serviu para projetar Milton de uma vez por todas no mercado norte-americano.

 

Seis anos depois desta epopeia revolucionária, na qual reuniu seus principais amigos e músicos da época e revelou Lô Borges, então um menino de 18 anos, como compositor de raro talento, Milton resolveu reviver aquela atmosfera mágica de criação e agregação de outros talentos. Agora teria de convocar mais gente: Tavinho Moura, Flávio Venturini, Vermelho, Joyce, Gonzaguinha, Chico Buarque, Francis Hime e Elis Regina fariam parte da locomotiva musical de “Clube da Esquina nº 2”. Que ainda contou com artistas uruguaios, chilenos e uma nata de latino-americanos da pesada. Outra obra-prima, outro marco histórico.

 

Milton Nascimento difere dos outros artistas contemporâneos pela sua trajetória, que canta a terra, a raiz, a folha e o sal da terra, em um mosaico de temas e segmentos que ninguém possui. Enquanto os pós-tropicalistas e alguns bossanovistas perderam a mão de suas criações com o fim dos anos de chumbo e a abertura democrática, Milton seguiu seu caminho e foi, literalmente, onde o povo estava. Sua discografia é cristalina, unânime, coesa e belíssima, contendo épicos como “Minas” (1975), “Geraes” (1976), “Sentinela” (1981), “Caçador de Mim” (1982), “Änïmä” (1983), “Ao Vivo” (1983), entre outros álbuns magníficos.

 

Sua voz, um oceano de variações rítmicas e tonalidades que podem interpretar o mais ousado dos rocks até a mais complexa opereta; mil tons literalmente falando, um oceano de voz orgânica, um monstro sagrado da canção popular.

  

Seu legado se estende por uma discografia de 36 álbuns e uma dezena de projetos maravilhosos. Um deles foi o “Grande Circo Místico”. Milton Nascimento integrou o grupo seleto de intérpretes da MPB que viajou o país durante dois anos apresentando o projeto, um dos maiores e mais completos espetáculos teatrais já apresentados, para uma plateia superior a 200 mil pessoas.

 

 Milton interpretou a canção “Beatriz”, composta pela dupla Chico Buarque e Edu Lobo. O espetáculo conta a história de amor entre um aristocrata e uma acrobata e a saga da família austríaca proprietária do Grande Circo Knie, que vagava pelo mundo nas primeiras décadas do século. Outra obra-prima dos musicais foi “Missa dos Quilombos” com textos de D. Pedro Casaldaliga e Pedro Tierra e música de Milton Nascimento, não menos belo que a mais recente, “Tambores de Minas”, onde Milton leva para o palco dezenas de crianças.

 

O estilo musical de Milton pode ser classificado como Música Popular Brasileira (MPB), surgiu de um desdobramento do movimento da Bossa Nova, com fortes influências desta, do jazz, do jazz-rock e de grandes expoentes do rock. Estre estes, estavam os Beatles, Bob Dylan, além de pitadas, tanto da música hispano-americana de Mercedes Sosa, Violeta Parra e Victor Jara, quanto dos sons caribenhos de Pablo Milanes e Silvio Rodríguez. Ao mesmo tempo, o estilo de Milton Nascimento não deixa de beber nas fontes regionais brasileiras, nos cantos folclóricos de Minas Gerais e de outros estados, perfazendo um universo de musicalidade e sensibilidade ímpares.

 

Em 26 de outubro de 2012, Bituca completou 70 anos de idade. Uma carreira de 50 anos de estrada e uma obra difícil de ser comparada a de qualquer outro artista de seu tempo. São tantas histórias, casos, tantos mitos e passagens brilhantes na carreira deste gênio da canção pop mundial, que uma biografia voltada para a obra deste patrimônio mundial da cultura seria muito bem vinda. Vida longa ao Bituca. Som, amor e poesia para uma era de incertezas e, também, de realizações humanas, como as de Milton Nascimento.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

 

-  Imagens: Divulgação.

 

- Produção: Pepe Chaves.

  © Copyright 2004-2012 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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40 anos de um marco musical:

A fenomenologia clássica do rock progressivo

O álbum The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, assim como as obras de Vivaldi,

Beethoven e Mozart, também se tornou um clássico. Consequentemente,

este trabalho deverá continuar sendo ouvido pelas próximas centenas de anos...

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 

Richard Wright, Roger Waters, Nick Mason e David Gilmour:

a fórmula mágica que se transformou no Pink Floyd.

 

Ao abordar o bom e velho Rock Progressivo, não podemos deixar de falar sobre o Álbum “The Dark Side of The Moon” do Pink Floyd. Esse disco paradoxal aborda os diversos males que atacam o homem moderno, como a ganância, a escravidão, o tempo, o problema da individualidade e a loucura urbana. É, por muitos, considerado o melhor disco de rock progressivo de todos os tempos. Pela genial capa já se nota a que vem o álbum; um prisma que “reflete” um feixe de luz branco abrindo em todas as freqüências de cores “ocultas” em seu interior, uma clara analogia ao trabalho de expor o homem aos seus próprios males.

 

Em 1973, apesar do grande sucesso, devido aos álbuns anteriores, acreditava-se que o Pink Floyd já havia atingido o ápice musical com seu primeiro LP “Piper at Gates Of Dawn”, que divide com “Sgt. Peppers”, dos Beatles, títulos de pioneirismo do Rock Progressivo. Esperava-se que o Pink Floyd não passasse “daquilo”, já que seu principal integrante na época, o genial compositor, guitarrista, cantor e pintor Syd Barret, havia sido afastado da banda há alguns anos por motivo de loucura (devido ao uso de LSD). Porém, em março daquele ano, Roger Waters (baixo-vocal), Rick Wright (Teclado), Nick Mason (Bateria), David Gilmour (guitarra-vocal) lançam a obra-prima do Pink FLoyd, superando assim, inesperadamente, o seu primeiro álbum, com quase 30 milhões de cópias vendidas. É um dos três discos mais vendidos do mundo. Soando atualíssimo ainda nos dias de hoje, pois, por incrível que pareça, os seres humanos continuam purgando problemas mais intensos do que 30 anos atrás.

 

O álbum possui algumas curiosidades, como a bizarra coincidência de que colocando o disco para rodar logo após o terceiro rugido do leão da Metro-GoldWyn-Mayer no filme “O Mágico de Oz”, as letras e os sons se encaixam perfeitamente nas imagens da tela. É uma experiência única e comprovada. Cuidado! Sua mãe pode pensar que você é um sujeito muito doido ao lhe ver fazendo isso. Os integrantes da banda dizem que é pura coincidência.

 

A qualidade de produção impecável, timbres e arranjos muito bem trabalhados, somados a um encaminhamento de músicas em perfeita harmonia, além do lirismo das composições de Roger Waters, tornam esse álbum musicalmente inesquecível para quem ouvi-lo em sintonia perfeita e concentração em estado puro. Mas o que tornou esse álbum uma verdadeira lenda do Rock, é a unidade de suas músicas que faz com que as suas nove faixas sejam entrelaçadas em um só tema (Leia-se, Disco Conceitual), como os diversos capítulos de uma única obra temática sobre as “mazelas humanas”.

 

O famoso 'disco do prisma', um

quarentão que ainda vai render muito

 

A primeira dessas mazelas é tocada em “Speak to me - Breathe”, que trata do problema de encontrar espaço na sociedade e de como tocar a sua vida de acordo com os problemas que aparecem pela frente. Como diz a música, deixando-se levar por essa cômoda sociedade, você só corre na direção de uma precoce sepultura. A seguir, temos a instrumental “On the Run”, uma viagem lírica Floydiana. Depois dela vêm as sinistras badaladas do relógio de “Time”, tratando da escravidão ao tempo, a que o homem moderno está submetido e dos momentos perdidos quando não nos enquadramos nesse relógio da sociedade. Aqui, eles parecem nos dizer que não adianta querer domá-lo, o tempo sempre irá passar, cada vez mais rápido. Apesar de tudo o que fazemos, sempre ficará a sensação de que o nosso trabalho estará sempre incompleto aos nossos olhos e aos da sociedade moderna. Mas, no final das contas, como diz a música, você estará na realidade, somente “um dia mais perto da morte”.

 

Dando prosseguimento, o ápice do álbum chega com a bela “The Great Gig In The Sky” que, em meio aos magníficos vocais da cantora Clare Torry, sem dizer sequer uma palavra, nos mostra sensações de desespero, loucura, ternura, solidão e até mesmo saudade. Aqui eles mostram que sentimentos não precisam ser passados em palavras, mesmo porque os sentimentos existem antes mesmo das palavras existirem para podermos nomeá-los. Após esta seção magnífica de música, ouvimos a introdução de caixa registradora da conhecidíssima “Money”. Se o tema do álbum são os males humanos, o dinheiro, mais cedo ou mais tarde, teria que aparecer. De forma satírica, Roger Waters dá sua interpretação do que o dinheiro, o Senhor dos Males Humanos, representa para a sociedade.  Ele mostra paradoxalmente, o que todo mundo sabe sobre a submissão que temos a ele. Porém, é quase impossível encontrar  alguém que queira se livrar desse "mal". É de se notar, também, a muito bem executada performance instrumental dessa música, e o riff de baixo mais conhecido do rock.

 

A seguir, “Us And Them”, que trata o problema da solidão, do respeito à individualidade e da ambigüidade das pessoas, gerando problemas de comunicação. Por isso, sendo estopim de tantos desentendimentos e guerras. E finalizando essa, vem o solo do teclado delirante de Rick Wright em “Any Color You Like”, terminando com um duelo de guitarras bem acompanhado pelo baixo, bateria e teclado, preparando seus ouvidos e alma para o “The lunatic is on the Grass...” de “Brain Damage”, uma apologia à loucura. Muitos dizem que essa música é uma linda homenagem do Pink Floyd a Syd Barret, o eterno integrante e fundador maluco do Pink Floyd. Nota-se que, pelas referências da música, parece ser mesmo. Fechando o álbum, “Eclipse” resume todos os aspectos da nossa vida mundana, regida perfeitamente pela grandiosa luz do sol, mas que, ainda assim, é encoberta pela pequena Lua. Como nós mesmos que, ante a grandiosidade da vida, nos vemos encobertos por essas “pequenas” mazelas que nos atormentam.

 

The Dark Side of the Moon é uma obra filosófica, instrumentalmente criativa, conceitual e fenomenológica, como jamais se viu na música contemporânea. Imortal e atual como o Pink Floyd.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagens: Arquivo VF.

- Produção: Pepe Chaves.

  © Copyright 2004-2009 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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Nave de Prata:

Que seja, de fato, uma Nova Era

Banda carioca lança seu primeiro álbum inspirados nos anos 80.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 


Nave de Prata lança primeiro CD inspirados no que há de melhor no pop e na MPB Moderna.

 
Lá pelos idos de 2004, o então menino, Igor Sebastian Kartnaller, ainda com seus diminutos 17 anos, participava de fóruns de discussões sobre música, principalmente os que focavam a consagrada banda 14 Bis e alguns artistas do Clube Mineiro. De “esquineiros” famosos como Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges, Flávio Venturini e, um pouco fora do movimento mineiro, o lendário grupo O Terço.

 

Igor Sebastian, fã incondicional do 14 Bis, resolveu tocar para frente um belo sonho de moço, fundou a sua banda, a Nave de Prata. Igor sempre declara que, “Bola de meia, bola de gude” (sucesso de Milton Nascimento e Fernando Brant e com interpretação fantástica do grupo mineiro na primeira faixa do álbum 14 BIS II) foi o “divisor de águas” na sua prodigiosa carreira: “uma síntese de tudo o que eu precisava e queria para minha vida”. Ele conheceu os integrantes do Grupo Mineiro em um show em 2003 e partiu para a sua Long Beginner Road Music com seus (ainda mais jovens) companheiros.

 

E assim, Igor Sebastian (Baixo/Vocal), Renan Hubner (Violão/Vocal), Tuca Oliveira (Teclados e Vocal), Heitor Mendes (Guitarra) e Felipe Parpinelli (Bateria) passaram a formar a simpática e carioquíssima banda Nave de Prata, que lança seu primeiro álbum “A Nova Era”. Todos muito jovens (Igor é o mais “idoso” com seus 21 anos) e musicistas aplicados (Tuca já se apresentou na tevê tocando seu acordeom com virtuosismo), mas muito estudiosos. A evolução desses meninos foi meteórica.

 

Em quatro anos, fizeram diversos shows pela cidade e lançaram um ótimo cd que contou com a produção competente do "papa dos jingles", Ralf Canette e as participações de Sérgio Magrão e da poderosa guitarra de Claudinho Venturini na faixa A Tempestade”, de Renan Hubner. A Nova Era é uma viagem de estilos e ritmos. “Nossa Voz”, canção que menciona bem o título do álbum, é um convite à reflexão.
 
Essa turminha boa foi bem recebida pela crítica. Digo a “crítica não oficial”. Nomes que fazem a arte florescer na cidade e no Brasil, como Fernando Bicudo e Mônica Buonfiglio. Vermelho, co-fundador e um dos principais compositores do 14 Bis, embeveceu-se: “Fico feliz e honrado com o fato de colocarem o nome da banda em homenagem a uma musica minha, da qual gosto muito. E que foi composta aí nessa querida cidade do Rio de Janeiro, onde morei por 18 anos”. Declarou o autor de “Nave de Prata” (Márcio Borges/Vermelho), o belíssimo hit da banda que iluminou o universo pop dos anos 1980 e continua, depois de 30 anos, a abrilhantar os palcos pelas cidades que se apresentam.

 

O que chama a atenção é o crescimento e a evolução dos rapazes, como cantar em quatro ou cinco vozes como fazem Boca Livre, 14 Bis, Yes, Take 6, entre outros monstros do Rock e, ainda por cima, pilotar com eficiência os demais instrumentos, não é tarefa fácil para qualquer conjunto.

 

A Nave de Prata, aos poucos, vai fazendo parte desse grupo seletíssimo. Destaque para “O Segredo”, de Evandro Mesquita e Ralf Canette: “E o que passou não volta mais, você me faz querer ser um cara bem melhor...”. Receita pop muito saborosa para um primeiro trabalho. “Viajante Solitário”, de Igor Sebastian e Niel tem tudo para ser um dos hits desse verão.


Que seja, de fato, uma nova era e, o que mais traz a sensação de renovação, é o fato de estes talentosos meninos abolirem de suas vidas, aqueles rótulos tribais que a juventude insiste em desenvolver para todos os estilos, gêneros e ritmos. A música de qualidade é universal, seja ela como for, venha ela de onde vier.

  
Entrevista com Igor Sebastian,

integrante da Nave de Prata

 

Igor Sebastian, baixista e fundador da Nave.

  
Arte Vital: Como surgiu a Nave de Prata?

Igor Sebastian: A idéia inicial da Nave, surgiu após um show do 14 Bis em 2002, fiquei encantado com tudo aquilo, sons, luz, melodias e acordes que me fizeram viajar e acreditar num sonho. Letras que me contagiaram e me fizeram ver além.
Fiquei fascinado com o 14, e decidi que queria seguir os passos e me tornar músico e fundar uma banda nos moldes do 14. Em 2004 e 2005 dentro da sala de aula, fundei a Nave de Prata. O nome veio fácil, uma música do grande Vermelho e serviu para homenagear o 14 Bis e trazer através do nome, uma idéia visionária, nova e transformadora.


AV:  Antes da formação do grupo, os "tripulantes" atuavam como na música?
IS: Iniciamos muito jovens na música, quase todos no mesmo período e por causa da Nave. Tocávamos em casa, com amigos, mas nada profissional, o surgimento da Nave veio junto a nossa formação musical. Apenas o Tuca Oliveira que já vinha de uma bela trajetória musical, pois foi apresentado ao Brasil em programas de televisão, pelo seu talento com a sanfona, sendo tão jovem, na época com 12 anos ele já era conhecido com “Juninho da Sanfona”.

 
AV - Como foi gravar com referenciais tão bons como Cláudio Venturini e Sérgio Magrão?

IS: Foi a realização de um sonho, pois tudo começou por causa do 14 Bis. A Nave gravar com o Cláudio Venturini, um dos 10 maiores guitarristas desse país, foi um honra, um presente e uma emoção inexplicável. Já o Magrão também assina a co–produção do CD. Magrão é o meu maior ídolo. Então imagine dividir os vocais com ele na faixa “A Tempestade”, não tenho palavras. Quando comecei a pensar nisso tudo de banda, tinha como referência o autor de “Caçador de Mim” (Sá/Magrão) e aprendi a tocar baixo por causa do Magrão. Só tenho que agradecer por toda força dada por ele, pelo Cláudio e por todos do 14 Bis, que também tripulam essa Nave.
 
AV - Em uma cidade como o Rio de Janeiro que é considerada a capital da Cultura Urbana do país, onde o funk, o pagode e a música eletrônica dão as notas principais para a música de massas, foi difícil lançar um trabalho de qualidade como o de vocês? Houve uma aceitação satisfatória do público? 
IS:
  Realmente estamos no olho do furacão aqui no Rio, mas de certa forma é bem bacana, pois o “diferente” chega com mais facilidade, chama certa atenção. Acredito que estamos no lugar certo, mesmo com tantas adversidades, pois se fosse fácil não teria graça. Quando decidimos fundar a Nave, sabíamos das dificuldades, mas a Nave é isso, nossa vontade e maior sonho é levar música de qualidade. Além disso, tentar transformar de alguma maneira nossa geração, fazer pensar, sonhar, amar, trazer novamente as coisas boas para o centro do debate e agir mais do que falar. Graças a Deus conseguimos e estamos alcançando um bom público, que vai de jovens à “Boa Idade”. Nos shows isso fica bem evidente. Acredito que as pessoas estão sedentas e carentes por música boa e com letras bacanas, só falta aparecer que as pessoas aprovam e curtem.

 
AV - Grande parte dessa conquista do primeiro cd foi mérito de vocês, sem dúvida. Vocês contaram com uma fera produtiva que é o Half Canetti, talvez o maior produtor de jingles do Brasil. Como foi ganhar de presente a música “O Segredo”, de Evandro Mesquita (em parceria com Canetti) que é ícone da geração que deu o "pé na porta" para a música pop no Brasil?

IS: Costumo dizer que o Ralph foi e é nosso guru musical, foi maravilhoso dividir com ele a produção desse cd.  Em relação à música “O Segredo”, partiu do Evandro, que falou para o Ralph que ficaria bacana a canção cantada pela Nave, que tem a cara jovem... Assim que ouvimos, achamos show e logo ingressou para o cd. Nada melhor pra gente, pois a Nave traz na bagagem toda formação da década de 70/80, quando a Blitz e o Evandro, foram os percussores do Rock Nacional, além da honra que é levar na tripulação dessa Nave o Evandro Mesquita. A música veio traduzir toda essa influência que habita essa Nave de Prata, que relembra e traz com uma nova roupagem, com a característica da Nave.

 AV -  E os planos para voos futuros do Nave de Prata?

IS: Os Planos são muitos. Em breve estaremos fazendo shows da turnê “A Nova Era” por todo o Brasil para divulgar nosso cd. Ainda esse ano deve ocorrer uma surpresa muito bacana que vai ser um sonho para nós, mas ainda não posso revelar, mas assim que estiver tudo certo divulgaremos por aqui e pelo nosso site que é o www.navedeprata.com e pela internet (Orkut etc.). Estamos na fase de curtir e agradecer todo esse movimento que está ocorrendo pelo lançamento desse primeiro trabalho.   logo, logo o segundo vem por ai... E a nave vai! 

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagem: Arquivo VF.

- Produção: Pepe Chaves.

  © Copyright 2004-2009 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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Cartola:

O compositor dos compositores

Mestre Cartola saiu de uma favela carioca para se

tornar uma das primícias da Música Popular Brasileira.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 

Cartola, difusor do samba e da MPB.

 

"O rapaz foi lá e disse: 'Cartola, vem cá. O Mário Reis tá aí, queria comprar um samba teu'. 'O quê? Comprar samba? Você tá maluco, rapaz? (...) Eu não vou vender coisa nenhuma.' (...) Ele disse: 'Quanto é que você quer pelo samba?'. Eu virei pro cara, no cantinho, disse assim: 'Vou pedir 50 mil réis'. 'O quê, rapaz? Pede 500.' (...) Com muito medo, pedi 500 contos. 'Não, dou 300. Tá bom?' Eu disse assim: 'Bom, me dá esses 300 mesmo'. Mas com muito medo (...) Mas botou meu nome direitinho, legal (...). Ele comprou, mas não deu para a voz dele. Então gravou Chico, Francisco Alves." (Folha de S. Paulo, 21/jun.2000)/

 

Dono de uma obra ímpar na música popular brasileira e tendo sido gravado por gente de peso, ele teve que exercer outros ofícios para sobreviver. Foi tipógrafo, contínuo (boy) do Ministério da Indústria e Comércio, gráfico e pedreiro. O hábito de usar chapéu para proteger a cabeça do cimento lhe rendeu o apelido: Cartola.

 

Com esse nome, Angenor de Oliveira se tornaria conhecido e respeitado como um dos grandes da MPB. Seria para sempre o mestre Cartola. Nascido em 11 de outubro de 1908, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, Angenor foi o terceiro filho de Sebastião de Oliveira e Aída Gomes de Oliveira. Ainda moleque, tomou gosto pela música e pelo samba. Aprendeu com o pai a tocar cavaquinho e violão.

 

Aos oito anos foi morar em Laranjeiras, zona sul carioca. Já nessa época, saía nos desfiles do Dia de Reis e no rancho do Arrepiado, um tipo de grupo carnavalesco posterior aos blocos e anterior às escolas de samba.

 

Com 11 anos, devido a problemas financeiros, sua família mudou-se para o morro da Mangueira — na época, com cerca de apenas 50 barracos. Com 15 anos, após a morte de sua mãe, Cartola abandonou os estudos, tendo terminado apenas o primário. Junto com seu amigo e principal parceiro de composições, Carlos Cachaça, criou o bloco dos Arengueiros.

 

Em 28 de abril de 1928, fundou, ao lado de Saturnino Gonçalves, Marcelino José Claudino, Francisco Ribeiro e Pedro Caymmi, entre outros, o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, segunda escola de samba do Rio de Janeiro. Foi Cartola quem compôs o primeiro samba da escola, "Chega de Demanda", lançado em 1974, no álbum "História das Escolas de Samba: Mangueira".

 

Cartola e Dona Zica da Mangueira

 

Em 1931, o compositor se tornou conhecido fora do morro por intermédio do cantor e compositor carioca Mário Reis, quando este foi à Mangueira para comprar músicas do bamba. Ele voltou com os direitos de gravação do samba "Que Infeliz Sorte", lançado em 1932, por Francisco Alves, que mais tarde se tornaria um de seus maiores intérpretes.

 

Nos anos 30, suas composições ganharam fama na interpretação de gente como Carmem Miranda, que gravou em 1932, "Tenho um Novo Amor", e Araci de Almeida com o samba "Não Quero Mais", de 1937. Este último, feito em parceria com Carlos Cachaça e Zé da Zilda, foi premiado no desfile da Mangueira de 1936 e regravado por Paulinho da Viola, em 1973, com o título de "Não Quero Mais Amar Ninguém". Seu maior sucesso dessa fase, porém, foi o samba "Divina Dama", gravado por Francisco Alves, e que, segundo o próprio Cartola, foi composto numa quarta-feira de cinzas, em homenagem a uma mulher por quem ele tinha se apaixonado.

 

Em 1940, criou ao lado de Paulo da Portela o programa "A Voz do Morro", na Rádio Cruzeiro do Sul, no qual apresentavam composições ainda sem título para que o público pudesse nomeá-las.

 

Também com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres formou, em 1941, o Conjunto Carioca que, apesar da vida curta chegou a se apresentar em São Paulo, na Rádio Cosmos, durante um mês. Com o samba "Vale do São Francisco", último criado por ele para a Mangueira, a escola sagrou-se campeã em 1948.

 

Músicas que falavam de amor sempre foram as preferidas do compositor, "gosto de fazer samba de dor de cotovelo, falando de mulher, de amor, de Deus, porque é isso que acho importante e acaba se tornando uma coisa importante", declarou certa vez.

 

Com essa simplicidade Cartola agradava não só ao gosto popular como também à elite cultural do Rio de Janeiro. Era admirado por intelectuais, como o maestro Villa Lobos que, em 1942, o apresentou a Leopoldo Stokowsky — famoso maestro norte-americano interessado em conhecer música popular brasileira. Nesse encontro foi gravada a música "Quem me vê Sorrindo", feita em parceria com Carlos Cachaça.

 

Mas a simplicidade não implicava em composições fáceis. Músico que praticamente aprendera a tocar de ouvido, Cartola não era óbvio em suas criações. Letras que falavam de amor sem, no entanto, ser vulgares ou melodramáticas e melodias que fugiam ao lugar comum, rendiam elogios e admiração de sambistas como Nelson Sargento, que declarou nunca ter se atrevido a sugerir uma parceria com o amigo por considerá-lo "um compositor finíssimo".

 

Álbum lançado em 1979.

 

Cartola teve inúmeros parceiros em suas composições. Gente como Silvio Caldas, em "Na Floresta", e Noel Rosa, com quem compôs "Não Faz Amor". Mas foi com seu compadre, Carlos Cachaça, que Cartola dividiu o maior número de criações. Da primeira parceria entre eles saiu o samba "Pudesse Meu Ideal", de 1932.

 

Aos 38 anos, após a morte de sua primeira mulher, e acometido de uma grave doença, provavelmente meningite, deixou o morro por alguns anos e foi morar em Caxias. Chegou a ser dado como morto e sumiu do cenário musical.

 

Em 1956, foi encontrado por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, lavando carros em Ipanema. Graças a ele, Cartola voltou a cantar, agora na Rádio Mayrink Veiga. A partir daí, o compositor é redescoberto por uma nova safra de intérpretes.

 

Em 1964, casou-se com Eusébia Silva do Nascimento, a Dona Zica da Mangueira. No mesmo ano, eles abriram o restaurante Zicartola, na Rua da Carioca, no centro do Rio.

 

O local logo se tornaria ponto de encontro de sambistas tradicionais e músicos da geração bossa-nova, como Paulinho da Viola - apontado pelo próprio Cartola como o seu sucessor.

 

Dessa nova geração de músicos, Nara Leão foi uma das primeiras a gravá-lo, quando incluiu em seu primeiro álbum a música "O Sol Nascerá", composta por ele e Elton Medeiros. Mas o primeiro registro da voz de Cartola só seria feito somente em 1966 com uma participação sua no disco de Elizeth Cardoso, no qual canta a música "A Enluarada Elizeth". No disco "Fala Mangueira", produzido em 1968, por Hermínio Belo de Carvalho, Cartola volta a aparecer ao lado de Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Clementina de Jesus e Odete Amaral.

 

Só em 1974, aos 65 anos, o compositor gravaria, numa iniciativa do pesquisador musical, produtor de discos e publicitário Marcus Pereira, um disco inteiro com suas composições sob o título "Cartola".

 

Em 1976, lança o seu segundo disco também com o titulo de "Cartola". É nele que podemos encontrar uma de suas mais famosas composições: "As Rosas não Falam".  

 

Em 1977, sai "Cartola - Verde que te Quero Verde" e, encerrando sua curta discografia, em 1979, chega às lojas seu LP "Cartola - 70 Anos". "Acontece", seu primeiro show individual, foi realizado em 1978. Antes, já tinha participado ao lado de João Nogueira do projeto Pixinguinha. O sucesso do espetáculo rendeu a ele uma turnê por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No mesmo ano, Cartola mudou-se para Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio), por considerar o bairro mais tranquilo.

 

Um ano depois, descobre que está com câncer. Cartola sabia que sua doença era grave, mas manteve segredo sobre ela todo o tempo. Para todos dizia que tinha uma úlcera.  

 

Uma semana antes de sua morte, manifestou à sua família um desejo: "quando for enterrado quero que Waldemiro toque o bumbo". Mestre Cartola morreu em 30 de novembro de 1980. Atendendo a seu pedido, no dia 1º de dezembro, data de seu funeral, Waldemiro, ritmista da Mangueira, que havia aprendido com ele a encourar seu instrumento, marcou o ritmo para o coro de "As Rosas não Falam", cantada por uma pequena multidão de sambistas, amigos, políticos e intelectuais, presentes em sua despedida. Cobrindo o seu caixão estava a bandeira do Fluminense, time do coração.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagem: Arquivo VF.

- Produção: Pepe Chaves.

  © Copyright 2004-2009 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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Música:

MPB: crise, que crise?

Onde foi parar a Música Popular Brasileira?

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 

Geraldo Vandré, Chico Buarque, Tom Jobim, Marcos Valle,

Milton Nascimento e Paulo César Pinheiro: onde foi parar a MPB?

 

A Música Popular Brasileira está em crise. Pelo menos aquilo que se rotulou, na década de 70, como MPB. A que se inscreveu na História como transgressora e libertária nos tempos da ditadura. Levando essa bandeira na era dos festivais no circuito Sampa-Rio.

 

Aliás, essa música, em 2007 comemorou 40 anos dos primeiros festivais, e este ano, 50 anos de Bossa-Nova.

                   

Os compositores como Geraldo Vandré, Chico Buarque, Edu Lobo, Gonzaguinha, Paulo César Pinheiro, Tom Jobim e Milton Nascimento, entre outros, eram nomes expressivos dessa época. Apenas o último, o mineiro-carioca de mil tons, conseguiu se fixar, atualizando-se, no gosto da juventude de hoje.

 

Se não acredita, meu querido leitor, então faça o teste. Pergunte a jovens na faixa de 16 aos 25 anos, quem é Edu Lobo, Marcos Valle, Taiguara, Geraldo Vandré? Agora, pasme! Sequer o ícone querido, Chico Buarque, é conhecido.

 

A culpa é de quem? Das rádios que não tocam mais esses compositores? Não creio. Deve haver outro fator endógeno no meio do caminho como a pedra do poeta itabirano.

 

O brasileiro padece da enfermidade inquieta do niilismo. Tudo acaba em nada. Às vezes dá um tempo como chuva de verão, só para “deixa ficar, que eu quero ver aonde vai dar esse chove não molha”.

 

Como se joga fora, descartando-a como passadista, a Bossa Nova? O movimento musical mais expressivo da história da música popular brasileira. A música que levou e leva o Brasil mundo afora até hoje. Os que viajam pelas Américas sabem disso. Se for para a Europa, aí é que ela continua tocando. Marcos Valle está muito bem, obrigado, em Londres.

 

A Tropicália dos baianos ainda sobrevive porque Gil e Caetano sempre tiveram proximidade maior junto aos jovens músicos, aos anseios dos ouvidos mais roqueiros e pop. Hoje você pode escutar hits dos dois sendo tocados em releitura por bandas de rock. Se bem que, em termos de rock, a musica brasileira contemporânea produziu poucos que prestam e os que prestaram viraram lendas vivas.

 

A minha tese é a de que os grandes compositores da era dos festivais se acomodaram. O público brasileiro, exigente, também descartou essa turma talentosa. Colocando-os como os “órfãos da MPB”. Não há mais milicos atravancando as nossas liberdades, criando um clima para a música de protesto. Por isso, mesmo a fórmula dos velhos festivais se exauriu. Muitos, da minha geração de 60, se exilaram, órfãos de Marx, migrando para o esotérico. Na música para a New Age, na literatura para o recontar sufi-bíblico-alcorânico de Paulo Coelho. Muito melhor como parceiro de Raulzito, sem dúvida.

 

E aonde buscar uma saída? Creio que o exemplo mais expressivo, está na proposta de Chico Science e Mestre Ambrósio em Pernambuco, por exemplo. Há outros indícios de mudança nos recantos mais escondidos do nosso Brasilzão...

 

Não podemos nos dar o luxo de jogar no lixo boas propostas. Pela nossa riqueza rítmica e cultural. Essa diversidade que encanta estrangeiros ao ponto de aqui virem buscar as nossas batidas e transformá-las, pela beleza e pelo marketing, num batuque universal.

 

Fica a pergunta em tom de provocação. Espicaçar para traçar uma reta. Antes que acusem o nosso espaço sistêmico pela culpa da pirataria e pela programação das rádios. A Internet é mais embaixo.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagem: Arquivo VF.

 - Produção: Pepe Chaves.

   © Copyright 2004-2009 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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Literatura:

A vingança é eterna

O desejo de vingança é uma constante na historia humana e um dos grandes temas da literatura.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 

O Conde de Monte Cristo: a volta por cima.

 

Alexandre Dumas (1802–1870) foi equivalente, na França do século XIX, aos roteiristas da novela das oito no Brasil de hoje. Românticos e aventurescos, seus livros alcançavam um público vasto e voraz. Um de seus romances mais populares, O Conde de Monte Cristo, ganhou uma belíssima edição com notas e ilustrações da época. Narra as desventuras de Edmond Dantes, marinheiro preso sob acusação falsa de ser partidário do Imperador deposto, Napoleão Bonaparte - ofensa grave em 1815, tempo de restauração monárquica. Depois de uma fuga espetacular da prisão, Dantes, enriquecido por um providencial tesouro escondido, reinventa-se como o Conde de Monte Cristo e busca destruir aqueles que o desgraçaram.

  

Os exageros folhetinescos de Dumas - vilões soltam faíscas de ódio no olhar - hoje soam cafonas. No entanto, Monte Cristo sobrevive. Um coração bondoso e generoso dirá que o apelo da historia está na restauração da justiça. O motor do romance, porém, é a vingança. Embora todo cidadão de bem declare ter aversão moral pelo conceito, a vingança delicia leitores há séculos.

 

O livro de Dumas.

 

A vingança é um tipo de justiça selvagem que deve ser arrancada como uma erva daninha pela lei” escreveu o filosofo Francis Bacon, no século XVII. De fato, aprendemos que o Estado de Direito só pode existir quando a lei substitui as velhas retaliações tribais. O aparato judicial moderno deve, portanto, sempre se afastar da vingança. No entanto, essa sempre fará parte da natureza humana. E é essa condição que se tornou um dos motivos literários mais antigos. Basta pensar no grego Aquiles, na Ilíada de Homero, arrastando com uma biga o cadáver do troiano Heitor para vingar a morte do amigo Pátroclo.   

 

Cada período histórico tem a sua sanha de vingança particular. Na Tragédia Grega, século V a.c, a vingança costuma ser exercida contra o próprio sangue. Medeia é o exemplo mais terrível. A virada do século XVI, época áurea do teatro inglês tinha em William Shakespeare, a sua verve criadora. As “peças de vingança” fora um gênero bastante popular no caldeirão cultural que antecede o período renascentista na grande Londres. Hamlet traz à cena um príncipe que vinga a morte do pai. Porém, essa trama quase que se perde em elucubrações filosóficas.

 

Heathcliff, o herói perverso de O Morro dos Ventos Uivantes (1847), clássico romântico da inglesa Emily Brontï, busca desforras de humilhações sofridas na infância, quando foi adotado por uma família de proprietários rurais e tratado como serviçal. De certo modo. Ele é avô dos marginais cariocas que caçam os ricos nos contos de Rubem Fonseca - o personagem principal de O Cobrador, de RF, é um pobre-diabo que encontra a realização matando ricaços.

 

Com suas enormes diferenças, cada um desses autores explorou uma ambivalência fundamental: a fome de justiça convive muitas vezes com a sede de sangue.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagem: Arquivo do autor.

 - Produção: Pepe Chaves.

   © Copyright 2004-2009 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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Focus:

Quando o rock nina os seus prodígios

O Focus pertence a uma raça diferente, contemporânea, de músicos.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 

Focus

 

Para início de conversa, eles são europeus do continente, um povo mais inclinado a consumir (e com certa parcimônia) do que a fazer rock. Um grupo de rock europeu - holandês, mais especificamente - há alguns anos atrás, seria considerado uma curiosidade, ave rara. Nunca um candidato sério às listas de "melhores" ou às paradas de "mais vendidos". No entanto, o Focus ocupa os dois lugares com assiduidade e naturalidade.

 

A raça nova de rockers como o Focus costuma ter uma forja comum temperando seus espíritos: o conservatório de música. E é lá, justamente, que vamos encontrar nosso primeiro personagem, Thijs Van Leer, 19 anos em 1969, colando grau com distinção em piano, arranjo e teoria. Thijs era um músico aplicado e com interesses múltiplos: além do curso no Conservatório Real de Amsterdam ele estudou História de Arte na Universidade de Amsterdam, órgão e música renascentista com o maestro Anthony Van Der Horst, dirigiu uma banda de jazz com colegas de colégio. E, além de tudo isso, era um fã exaltado do Traffic, especialmente de Stevie Winwood.

 

Foi com a idéia vaga de fazer "um Traffic holandês" que Thijs se uniu aos amigos Martin Dresden, baixista, e Hans Cleuver, baterista. Seu primeiro emprego não teve muito a ver com o Traffic: foram chamados a integrar a banda do musical Hair, versão holandesa. Mas isso lhes trouxe bons contatos, um convite para um teste e, afinal, a gravação de um LP: a Europa estava ansiosa por produzir rock próprio, autônomo, que pudesse fazer frente ao heavy-metal inglês, a grande onda do momento.

 

Durante a gravação deste primeiro disco - In And Out of Focus - houve dois fatos interessantes, Primeiro, Thijs descobriu que não só sabia cantar como conseguia fazer o yodel, vocalização ondulante e complicada, típica da música dos Alpes. Segundo, seu amigo Jan Akkerman, 24 anos, guitarrista, violonista e tocador de alaúde formado pelo Liceu Musical de Amsterdam, uniu-se ao grupo.

 

Como costuma acontecer, o sucesso não veio. Não na escala que o recém-batizado Focus ("era um nome internacional, sintético") e sua gravadora esperavam. Os curtidores holandeses garantiram as boas vendas do avulso "House fo The King" - bem uma amostra do futuro som - Focus - mas a invasão de Londres e Nova York não se consumou.

 

Um tanto desiludido, Akkerman abandonou o grupo e foi se unir ao seu antigo colega de conjuntinho de baile, o baterista Pierre Van Der Linden, para formarem um novo grupo junto corn o baixista Cyril Havermans. E então o improvável aconteceu: Thijs Van Leer decidiu que esse grupo era melhor do que o seu. E se mudou para a companhia de Akkerman & Cia., levando consigo o nome Focus.

 

O lançamento de Moving Waves, álbum do novo Focus, comprovou o acerto de sua escolha. Com o terreno consideravelmente preparado por grupos como o Yes, o Emerson Lake & Palmer e o King Crimson, o som do Focus, intrincado, melódico, quase erudito, se tornou a sensação de Londres. Os críticos acolheram Eruption, a suite-rock sobre o mito de Orfeu que ocupa todo um lado de Waves, como "uma obra-prima fundamental do rock contemporâneo". Os elementos estavam todos no lugar, e o catalisador tinha sido Van Der Linden, músico 90% erudito, ex-integrante da Orquestra de Ópera de Amsterdam.

 

1972 é o ano da grande virada para o Focus. Excursionam pela Grã-Bretanha, colecionando elogios e casas lotadas: "Eles nem deviam gravar em estúdios, pois são absolutamente perfeitos num palco", diz o jornal Melody Maker. O avulso Sylvia, tirado do álbum duplo Focus 3, chega ao 1º lugar na parada inglesa e, surpresa das surpresas, na América também. Foi um ano de mudanças: o contido Cyril Havermans deixa o grupo por uma carreira individual. Em seu lugar vem outro agente de transformações, o gorducho Bert Ruiter, 26 anos, autodidata, nenhuma base clássica, mas muito rock e pop, música de dança.

 

O conflito inevitável começa a roer o grupo lentamente, durante a primeira excursão americana. "Bert tem uma energia muito grande, um estilo parecido com o de Jack Bruce, que é sua maior influência", diz Thijs. "Ele foi levando a gente pouco a pouco por um caminho mais simples, mais aberto, mais rítmico, mais 2 por 4". O primeiro a se deixar contaminar foi Thijs. Depois, Akkerman. "Acho que foi no Texas, uma noite, que Jan veio me perguntar se ele podia se soltar, tocar coisas mais simples, mais... terra a terra... alegres. Eu fiquei contente porque vi que não era só eu que estava achando o Focus complicado demais."

 

Quem não gostou foi Pierre. "O clima ficou péssimo entre Pierre e Bert. Bert queria solar, balançar, Pierre não deixava. Pierre queria fugas, flautas, não se conformava com o que ele chamava 'a nossa vulgaridade", diz Jan. Um álbum ao vivo, gravado durante uma espetacular temporada no Rainbow de Londres deixa os fãs em compasso de espera, esconde um pouco a briga. "Lá pelo fim de 73 eu estava convicto que o grupo ia acabar", diz Jan. "E, para dizer a verdade, não me importava muito, não. Eu já estava cheio da máquina rock de fazer sucessos".

 

De fato não deve ser fácil, A geração européia de onde veio o Focus repete, numa outra escala, evidentemente, o esquema brasileiro de rock. São músicos muito puros, que tocam por brincadeira ou prazer, que quase nunca têm contato com uma estrutura ferozmente empresarial de música. A indústria de música, na Europa continental, está voltada basicamente para a canção, o pop, o easy music. Rock era, até os anos 70, brincadeira de garotos, festas de dança. Nenhum esquema profissional - pubs, clubes, Cavern Clubs, Ealing Clubs - para absorver essa geração e acostumá-la com o lado mais duro da música. Para completar tudo, fechando o esquema de desenraizamento, são músicos nutridos a clássicos e conservatórios, com uma visão límpida e quase inocente da criação musical. Arte pela arte. Showbiz é coisa de americano.

 

Daí o choque, inevitável. O desencanto. Mike Vernon, que acolheu e produziu o grupo em Londres desde 1972, conta que "eles eram muito desconfiados, viviam dizendo que não fariam concessões, que não iam se vender. Estavam apavorados. Especialmente Jan."

 

Foi Vernon quem salvou o Focus da extinção por desânimo. "Ele chegou com uma lista de bateristas: Aynsley Dunbar,- Mitch Mitchell, Collin Allen", diz Thijs. "Os dois primeiros tinham compromissos, mas Colin estava totalmente desempregado. Ele veio, tocou, ficamos com ele."

 

Colin, ex-músico de John Mayall, ex-integrante do grupo Stone The Crows, era o sangue novo que o Focus precisava. "Eu admiro James Brown, seu senso de ritmo, toda a música negra. Música negra faz você se mexer, dançar... Adoro música brasileira, também." Tocando com ele num velho castelo holandês alugado, o Focus produziu seu primeiro disco da nova fase "Hamburguer Concerto": mais ritmado, pesado, com bom humor.

 

E o ciclo se completa: o Focus se firma como um nome do primeiro time, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Mais uma longa viagem do rock, como sempre, retomando ao ponto de origem, à velha América. "Eu confesso que tinha medo desse papo todo de música clássica", diz Colin. "Mas agora eu vejo que era bobagem e preconceito. É possível fazer uma música muito ampla misturando tudo. Eles tocam blues muito bem. E, no fundo, é a música que importa, não é?".

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagem: Arquivo do autor.

  - Produção: Pepe Chaves.

   © Copyright 2004-2009 Pepe Arte Viva Ltda.

 

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Elomar Figueira de Melo:

O Cavaleiro Andante

Um trovador medieval na trilha da tecnologia.

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro-RJ

Para Via Fanzine

 

Elomar: música para o bem.

 

Músico, cantador, poeta, arquiteto, profeta e criador de bodes no interior do sertão baiano, Elomar Figueira de Melo é das mais incríveis personalidades do coquetel de tendências da musica popular brasileira contemporânea. Assíduo leitor da Bíblia, Evangelhos e histórias e romances da Idade Média, seu universo é descrito aqui. Onde o cristianismo primitivo desenvolve um importante e definitivo papel em sua incrível e já histórica obra poética.

 

Sua figura irradia uma aura de magia e carisma, encontrada em raras criaturas na MPB. Aos 71 anos de idade, mais de 40 criando verdadeiros clássicos, esse baiano de Vitória da Conquista cresceu ouvindo o que ele chama de “Menestréis do Sertão” - cantadores, repentistas, sanfoneiros e poetas populares. Mais tarde, quando se mudou para salvador para estudar arquitetura, entrou em contato com vários mestres da música, tendo recebido aulas da violonista Edyr Cajueiro. A partir dessas aulas, passou estudar música e a ler partituras, paralelamente ao curso de arquitetura. A sua iniciação musical despertou-lhe o interesse pela musica ibérica e, notadamente, pelas reminiscências da música moura, levando-o a conhecer peças de músicos como Luiz Milan e Robert de Viseé. Incorpora em sua obra, forte influência da música da Idade Média e em plena a Era da Globalização, faz renascer das cinzas, como a fênix, o gênero predominante do período entre os séculos XV e XVI.

 

Seu trabalho está a serviço da realidade dos sertões, do nordeste brasileiro, de onde se extrai o húmus poético para cantar a seca, a fome, o sol abrasador e pregar o amor, a fraternidade, a concórdia, a paixão e o mistério que envolve essa parte mística esquecida do Brasil e suas figuras de tragédia. “Sempre usei minha canção para pregar o bem e a justiça, e se um dia eu pensar em fazer o contrário, quero que Deus me tire esse dom que me deu.” Diz Elomar, com seu inseparável cigarro de fumo de corda, cujo último trabalho foi o belíssimo “Cantoria 3/Canto e Solo”, registro de gravações de 1986, feitas no Teatro Castro Alves e m Salvador e no Palácio das Artes de Belo Horizonte.

 

Mistura de sereno profeta bíblico, cavaleiro andante e trovador a cantar românticas canções de amor desagravando damas e donzelas e vivendo em sombrios castelos ou exaltando o “Rei dos Reis”, Jesus Cristo. Elomar é a autêntica encarnarão do cantador medieval.  Chapéu negro, tipo do legendário cowboy Wyalt Carp, cavanhaque cor de feno, olhos de um azul metálico e sincero, ele é o protótipo da simplicidade e do mistério encarnado. Sua presença é mágica, agreste e energética. Quando dirige a palavra a alguém, Elomar tem por hábito tratar seu interlocutor por “cavaleiro” o que o torna imune a agressões gratuitas e o coloca mental e socialmente de mãos dadas com essa nova postura existencial: democrática e inflada de fluídos de ótimo astral.

 

A voz de Elomar é mansa e singela. Ela fala da influência da Idade Média na sua obra. “Li muito os romances de cavalaria, como as obras de Alexandre Dumas, Michel Zevaco e outros. Sempre contestei veementemente os historiadores universais quando chamam a Idade Media de Idade das Trevas; eu acho esse rótulo absurdo. A idade Média foi e será sempre a Idade das Luzes, não obstante a chamada santa inquisição, que denegriu um pouco essa faixa da história. Os avanços tecnológicos e os ônibus espaciais dos EUA são resultados da Idade Média, pois foi de lá que saíram homens como Isaac Newton, Galileu Galilei, Marco Pólo, Cristóvão Colombo e tantos outros cérebros famosos que pertenceram à Idade Média”.

 

'Eu vejo o mundo através da lente dos profetas.

Não poderia ser de outra maneira'

Elomar

 

Elomar continua falando sobre a importância da Idade Média no seu trabalho e no contexto histórico mundial: “É de lá que saiu tudo, foi na Idade Média, nas escolas monásticas, que se preservou todo o conhecimento antigo. Sobretudo, uma ordem fundada no início do século X, por Bernard de Clairvaux (São Bernardo de Claraval), que fundou a “Ordem dos Cavaleiros do Templo. Se a Igreja não tivesse massacrado a ordem dos templários, a humanidade estaria hoje num estágio muito superior. Quer no sentido cultural, humanístico, filosófico, religioso, moral, ético... Enfim, se a ordem, tivesse sido preservada das mãos intolerantes da igreja, o mundo estaria vivendo dias bem melhores, mas Deus quis assim”.

 

Elomar não segue nenhuma religião formalmente, embora seja teísta e tenha absorvido grandes dosagens de ensinamentos da Igreja de Lutero transmitidas por seus pais que eram protestantes. Suas perspectivas para o futuro da humanidade são sombrias e estóicas. Ele vê o mundo baseando-se na ótica de algumas celebridades como o escrito Aldoux Husley, que ele chama de utopista, e a visão dos profetas bíblicos.

 

Huxley, na primeira edição de sua obra, Admirável Mundo Novo, põe uma epígrafe de Berdieff, autor de Uma Nova Idade Media, onde sintetiza a idéia do romance: “A vida marcha para as utopias e pode ser que nesse século XXI tornem-se realidade. Uma sociedade menos perfeita, mais livre”.  

 

Ele lembra que Napoleão Bonaparte, a leste de Jerusalém, numa planície chamada Megido, com trinta quilômetros de comprimento por vinte de largura, proferiu essas palavras: “Soldados, belíssima planície para um campo de batalha”. Segundo a visão Napoleônica e Elomariana, a grande batalha do juízo final ocorrerá naquela planície. “Napoleão lia os evangelhos constantemente e conhecia as profecias a fundo. O profeta João, na Ilha de Pátimos, disse que só da China via duzentos milhões de guerreiros marchando para o juízo final”.

 

Elomar prossegue dizendo que a Igreja é um tesouro na Terra, a passar vistas grossas na miséria do povo. É critico ferrenho do Vaticano: “É inadmissível o que acontece”. A fé para este homem é condição sine qua non para uma alma na busca da auto-realização. Nas barrancas do Rio Gavião, localidade distante a 102 quilômetros de Vitória da Conquista, Elomar cria bodes e carneiros. “Eu dou nome aos bodes que crio em homenagens as personalidades que admiro como Marco Pólo, Laurence da Arábia, que eu chamo de Lourenço, em tributo ao amor que ele dedicou a causa da Arábia, quando Rei Faiçal ainda era um príncipe”.

 

Huxley propõe em seu Admirável Mundo Novo um paraíso restaurado na Terra pelo próprio homem. Todos que pensam tal idéia ser possível, esquecem que, enquanto houver avareza, egoísmo, falta de limites para a ambição, isso não será possível. A ambição é como a guerra; quanto mais ceifa, menos se farta. Elomar completa o papo: “Eu vejo o mundo através da lente dos profetas. Não poderia ser de outra maneira”.

 

Discografia

 

A discografia de Elomar é formidável e de uma qualidade marcante:

Até o momento a obra de Elomar, em termos de composição e escrita (partituração) encontra-se no seguinte estágio:

 

Música culta:

11 óperas;

11 antífonas;

4 galopes estradeiros;

1 concerto de violão e orquestra;

1 concerto para piano e orquestra - composto e a ser partiturado;

1 pequeno concerto para sax alto e piano - composto e partiturado;

1 sinfonia - quase toda composta;

12 peças para violão-solo.

As composições para violão na maioria já estão partituradas.

Cancioneiro:

Um caderno de oitenta canções, sendo que a maioria delas já se encontram gravadas e uma pequena parte inédita.

  • Na Quadrada das Águas Perdidas

Elomar, Elena Rodrigues, Dércio Marques, Xangai e Carlos Pita

Gravado no Seminário de Música da UFBA.

  • Fantasia Leiga para um Rio Sêco

Elomar e Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia

Gravado no Auditório do Centro de Convenções da Bahia

Elomar

  • Auto da Catingueira

Elomar, Jacques Morelembaum, Marcelo Bernardes, Andrea Daltro, Sônia Penido, Xangai e Dércio Marques

Gravado na Sala de Visitas da Casa dos Carneiros em Gameleira (Vitória da Conquista, BA)

  • Elomar em Concerto

Elomar, Jacques Morelembaum, Quarteto Bessler-Reis, Paulo Sérgio Santos, Marcelo Bernardes, Antônio Augusto e Octeto Coral de Muri Costa

Gravado ao Vivo na Sala Cecília Meireles (RJ)

  • ConSertão

Elomar, Arthur Moreira Lima, Paulo Moura e Heraldo do Monte

Gravado na Sala Cecília Meireles (RJ)

Xangai, Elomar, João Omar, Jacques Morelembaum, Eduardo Morelembaum, Eduardo Pereira

  • Cantoria 1

Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Xangai

Gravado ao Vivo no Teatro Castro Alves (Salvador, BA)

  • Cantoria 2

Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Xangai

Gravado ao Vivo no Teatro Castro Alves (Salvador, BA)

  • Cantoria 3 Canto e Solo

Elomar

Gravado ao Vivo no Teatro Castro Alves (Salvador, BA)

  • Árias Sertânicas

Elomar e João Omar

Gravado no Estúdio Cacalieri — BA

  • Cartas Catingueiras

Elomar

Gravado no "Nosso Estúdio" — SP

  • Concerto Sertanez

Elomar, Turíbio Santos, Xangai e João Omar (part. especial)

Gravado ao vivo no Teatro Castro Alves dias 7, 8, 9 e 10 de janeiro de 1.988 em Salvador, BA

 

- Visite o site oficial de Elomar: www.elomar.com.br.

 

* Antonio Siqueira é pesquisador musical, cronista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro/RJ.

-  Imagem: Arquivo do autor.

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