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 entrevistas:

Entrevistados nessa página:

Gabriele D'Annunzio Baraldi

Otávio Frias Filho

 

 

Entrevista com Gabriele Baraldi

Pesquisador arqueológico

 Por Pablo Villarrubia Mauso*

Para Revista Enigmas Express - Espanha

Especial para UFOVIA.

Tradução:

Anna Baraldi Holst

 

Gabriele D'Annunzio Baraldi - arqueológo.

 

Baraldi o último atlantólogo - Gabriele D'Annunzio Baraldi, este sábio nascido em San Próspero, Modena, Itália, viveu muitos anos na Argentina e posteriormente no Brasil. Na Arqueologia, é considerado um dos últimos atlantólogos e atlantófilos. Estudioso e apaixonado por todos os territórios míticos mais pesquisados ao largo da historia humana. Por desgraça, os homens já não tem capacidade de sonhar e de viver as utopias, ao reinventá-las e, com isso, torna-nos mais pobres a cada dia que passa. Baraldi mantinha acesa a chama da esperança de “aprender a partir dos erros e acertos” cometidos pelas grandes e pequenas civilizações que já habitaram a terra em seu passado remoto.

 

Quando o conheci em 1988, vi nele um homem rodeado de livros, papéis e estatuetas  pré-colombianas no sótão de sua casa. Era um estudioso da história oculta da humanidade, um "livre pensador", capaz de por no entredito os mais consolidados modelos que a sociedade vigente nos impôs. "O amor não pode ser comprado, tem que ser conquistado. Isto é a vida", dizia ele em uma das tantas visitas que o fazia em São Paulo, onde residia. Sua vida está repleta de aventuras e corridas. Apesar da minha insistência para que ele escrevera uma obra com suas memórias, o sábio, na sua modesta posição, disse-me que não se importava, mas que no seu lugar, deixaria  um grosso volume que ele mesmo  custeou, aonde expõe um sistema de tradução de escrituras desconhecidas: Os Hititas Americanos (Centro de Cultura Megalítica São Paulo, 1997) com uma tiragem de tão somente 500 exemplares. Gabriele D'Annunzio Baraldi deixou nosso planeta em 2002, aos 64 anos de idade.

 

UFOVIA: Qual foi a razão de procurar cidades perdidas na América?

Gaberiele Baraldi: Em Ica, no museu do professor Cabrera existe uma pedra com algo curioso gravado: o Mapa Mundi mais antigo do mundo. Mostra a Antártida sem gelo, a Atlântida e o continente Um, chamado Lemuria. A outra face da pedra mostra a África unida a Europa, até os Urais e Madagascar unida com a África. Na América do Sul apareciam varias “cidades perdidas”. Uma delas é a de Ingrejil, que, em 1984, descobri no interior do Estado da Bahia, aqui no Brasil. Trata-se de uma espécie de Sacsahuamán, com grandes rochas lavradas, menires e outros vestígios arqueológicos, incluindo calçadas de pedras que formavam parte de um grande conjunto de senderos  e caminhos que comunicavam com a zona Andina.

 

UFOVIA: O senhor tem decifrado várias inscrições que permaneciam totalmente ignoradas...

GB: Sim. Em 1988 descobri o idioma que corresponde a escrita hieroglífica e protohitita, que na realidade é o idioma Tupi . Era o idioma  falado pelos indígenas que viviam no Brasil, na época da chegada dos primeiros portugueses. Era quase universal, pois se aparentava com idiomas de outras regiões do mundo. Comparei vocábulos e especialmente sonidos do Tupi  com a escrita dos Hititas, da Planície de Anatólia, hoje Turquia. Consegui fazer uso com  o "corpus epigráfico" do francês Enmanuel Laroche, do italiano, Meriggi e de um alemão, Guterbock, para estabelecer estas relações .

 

UFOVIA: Demonstre-nos um exemplo...

GB: Um dos símbolos gravados na pedra de Ingá, enorme rocha situada no Estado nordestino da Paraíba, no Brasil, é semelhante a do número 163 da tábua hitita de Laroche. No tupi se pronuncia "Mu-já" que significa "parentes" , "raça" ou " nação". Já o símbolo 199 é "jassi" em Tupi  significa "mês" ou "lua". Mandei este e outros estudos a Ecological Linguistics de Washington e seu presidente, Loyds Anderson, me respondeu comunicando o interesse  por estas traduções.

 

UFOVIA: No seu livro Os Hititas Americanos, o senhor demonstra que o antigo Tupi-Guarani é um idioma chave, primogenitamente universal, por ser usado para traduzir um sem fim de escrituras desconhecidas...

GB: Na realidade é o mesmo que o protohitita, quer dizer, o idioma que se falava na desaparecida Atlântida pelo menos há 50.000 anos. Baseado nele pude decifrar as caras A e B do famoso Disco de Phaestos, descoberto em Creta,  na Grécia, em 1908, contendo inscrições como as do famoso monólito de Ingá com seus quase 24 metros de longitude e repleto de inscrições muito bem elaboradas.

 

'Acredito que os protohititas controlavam a energia geotérmica

e aparentemente fizeram os hieróglifos com moldes aplicando

 alta pressão mecânica e térmica  sobre a rocha'

 

UFOVIA: Temos visto que muitos procuraram decifrar a Pedra do Ingá sem conseguir resultados convincentes, porém o senhor tem conseguido fazê-lo.

GB: Sim, com este sistema pude decifrar muitos dos símbolos do monólito do Ingá que são semelhantes aos encontrados na Turquia, na antiga Anatólia dos Hititas. Uma série de inscrições fala de uma “guerra de fronteiras” entre dois soberanos de procedência Mesopotámica. Outra história nos fala de uma terrível erupção vulcânica que cobriu de cinzas uma cidade de pedra na costa Atlântica, similar ao que aconteceu em Pompéia  e Herculano.

Baraldi exibe uma antiga estatueta equatoriana

com trajes semelhantes aos dos astronautas .

 

UFOVIA: Mesopotâmia? Atlântida? Por favor, explique-nos.

GB: Cheguei a uma conclusão de que os Hieróglifos da pedra de Ingá foram lavrados  entre 1374 e 1322 antes de Cristo. A civilização Hitita floresceu na planície de Anatólia, hoje Turquia, desde 2500 anos antes de Cristo. Eles adquiriram alto nível mental, espiritual e técnico. Mas se conservou na sua memória e nas suas crônicas uma catástrofe muito antiga: a do arquipélago no meio do Oceano Atlântico. Se refugiaram em várias partes do mundo, como na Mesopotâmia. Mais tarde, lograram alcançar  com suas embarcações as costas das Américas. O curioso é que as inscrições de Ingá  se assemelham com as de Barranco de Candia e as de Hierro, que se encontram no arquipélago das Canárias.

 

UFOVIA: As inscrições do Ingá estão perfeitamente lavradas. O senhor tem alguma teoria para explicar isso?  

GB: Acredito que os protohititas controlavam a energia geotérmica e aparentemente fizeram os hieróglifos com moldes aplicando alta pressão mecânica e térmica  sobre a rocha a partir da canalização da lava de um vulcão extinto. Mais um detalhe importante que descobri: o monólito formava parte da fachada de um monumento colossal que fora destruído. Tratava-se da estatua de um monarca sentado em seu trono com dois leões ou jaguares a seus pés.

 

'Onde está a semente das futuras encarnações ou regeneração da Terra?

A semente é espiritual, é uma vida que existe no espaço e no tempo, em qualquer dimensão'

 

UFOVIA: O que mais o intriga nestas investigações lingüísticas?

GB: Que os símbolos que encontrei entre os hieróglifos Hititas e protohititas tem relação com os extraterrestres. Isso o descobri numa placa metálica que foi recolhida de um OVNI caído em Roswell, Estados Unidos, em 1947. Foi uma coisa estranha  que aconteceu, pois eu procurava, anteriormente, a origem na Civilização Atlântida, mas durante a tradução aconteceram outras conexões diferentes. O protohitita poderia ser uma espécie de esperanto pré-histórico procedente das estrelas. O sentido dos ideogramas é complexo. Mesopotâmia, Brasil, e Ilha da Páscoa, seus monumentos têm muitas semelhanças nas escritas antigas.

 

UFOVIA: Qual era a idade de Atlântida?

GB: De pelo menos 200.000 anos. Esta cifra parece coisa de louco para os arqueólogos ortodoxos. Os atlantes aprenderam a dominar a energia geotérmica, quer dizer, o calor do vulcão e conseguiram realizar grandes obras de engenharia para canalizar as águas. Atlântida foi, na realidade, uma grande confederação de povos que se chamava "Constelação" e se dividia em "Constelação do Cachorro", do "Leão", da "Cruz do Sul" etc. A agrupação tribal que hoje conhecemos é uma desagregação de essas antigas estruturas sociais simbolizadas por constelações e figuras de animais que logo se transformaram em cultos totêmicos.

  

UFOVIA: Quais são suas fontes de investigação para este tema?

GB: A Biblia dos Hebreos, o Popol Vuh dos Maias-Quichés da Guatemala e o Mahabarata. Todos falavam de grandes catástrofes dilúvios e dos sobreviventes das grandes civilizações.

 

UFOVIA: Quando e como desapareceu a Atlântida?

GB: Em conseqüência da mudança da posição de eixo terrestre e também na acumulação de águas nos pólos. Entre 17.500 e 13.500 antes de Cristo ocorreu uma grande convulsão telúrica: maremotos provocados pelo deslocamento do eixo da terra transfiguraram a geografia terrestre. Entre 13.500 e 9000 a.C. foi que se completou o assentamento das placas continentais que conhecemos na atualidade.

Baraldi: 'A preocupação ecológica que existe

hoje é mais um sentimento de medo da

desintegração de nossa humanidade'.

 

UFOVIA: Em meio a tudo isso, existiram várias e grandes civilizações desconhecidas, não é?

GB: Exatamente. Tivemos varias civilizações humanas portadores de grandes evoluções, mas que entraram em grande decadência, ciclicamente. Algumas delas se extinguiram ao longo de milhões de anos como atestam os livros sagrados da antiga Índia.

'Não consegui entrar na Cueva, mas fiquei sabendo

de muitas coisas secretas que um dia revelarei'

 

UFOVIA: Quais são as lições e conclusões que o senhor tirou com todas estas investigações?

GB: A pergunta é: onde está a semente das futuras encarnações ou regeneração da Terra? A semente é espiritual, é uma vida que existe no espaço e no tempo, em qualquer dimensão. A preocupação ecológica que existe hoje é mais um sentimento de medo da desintegração de nossa humanidade. A vida está no espaço e no tempo, disposta a ressurgir no momento em que existir as condições favoráveis a ela. E nós, deveríamos ajudar. Por isso, não devemos ter medo das catástrofes transformar-nos em fanáticos religiosos e alucinados seres humanos com medo do futuro.

 

UFOVIA: O senhor conheceu  os principais protagonistas dos descobrimentos da Cueva de los Tayos, no Equador. Também traduziu algumas das placas a partir do protohitita. Qual foi a sua conclusão sobre tudo isso?

GB: Muitos eram símbolos astronômicos. Na realidade - e isso pouca gente conhece -, as placas foram desmontadas em pedaços de três dimensões que os indígenas encontraram  quando entregaram-nas ao Padre Crespi.

 

UFOVIA: O senhor viu as famosas placas de ouro de Crespi no seu museu em Cuenca, no Equador? 

GB: Sim, tinha placas de latão, de prata e de ouro. Eric Von Daniken não fez fotografias de todas. Eu tenho algumas imagens inéditas. O Padre Crespi tinha muitas peças falsas entre as autênticas. Ele mandou enterrar uma pirâmide perto de Cuenca, conservando-a para a posteridade, por causa das atuações dos huaqueros. Por isso os índios o amavam tanto, porque era o maior defensor do seu patrimônio histórico e cultural.

 

UFOVIA: Que tipo de contato o senhor teve com Juan Moricz, o descobridor oficial da Cueva de los Tayos?

GB: Eu fui a Guayaquil para falar com Moricz e ele me levou  até a zona dos Tayos. Fomos até a sede de sua empresa mineradora e conheci os militares que lutavam contra os peruanos. Havia interesses pelas minas de ouro, prata e demais minerais raros, situadas naquela região. Não consegui entrar na Cueva, mas fiquei sabendo de muitas coisas secretas que um dia revelarei.

   

* Pablo Vilarrubia Mauso é jornalista, pesquisador e ufologista residente na Espanha. É articulista da revista Más Allá.

 

- Fotos: Capturadas do vídeo "Os Amero-hititas", produzido por Gabiele D'Anunzio Baraldi.

 

- Agradecimentos especiais: A Pablo Vilarrubia Mauso por nos autorizar a publicação deste trabalho de sua

  autoria; a Anna Baraldi Holst pela tradução dos textos; a Gabriele por nos deixar seu legado.

 

- Produção: Pepe Chaves (pepechaves@yahoo.com.br ). 

    

*  *  *

 

Otávio Frias Filho

Diretor de Redação da Folha de S.Paulo

 

Por Eduardo Ribeiro,

Wilson Baroncelli e

Fernando Soares*

Otávio Frias Filho: 'Fazer jornalismo de qualidade,

que tenha um compromisso público e se destine

a um público mais exigente, custa caro'.

  

Otávio Frias Filho, 48 anos completados em junho passado, praticamente 20 deles no comando editorial da Folha de S.Paulo, o maior e mais polêmico jornal do País, continua o mesmo cidadão inquieto de sempre, que instiga mudança, aposta na controvérsia, não se contenta com o melhor (quer mais), desconfia do poder e adora cinema, teatro, literatura e, claro (para surpresa de muitos que conhecem apenas a versão folclórica), o jornalismo. Sob seu comando estão 430 jornalistas, que trabalham nos vários veículos do Grupo. Comedido, ar tímido, raciocínio límpido e cristalino, pontos de vistas instigantes, continua a ter o pai, Octavio Frias de Oliveira, como uma das principais referências de vida. Pontualmente, às 17 horas do dia 3 de novembro, num elegante terno preto listrado, barba por fazer, ele recebeu, no 3º andar do prédio do Grupo Folha, na Alameda Barão de Limeira, nos Campos Elísios, a equipe de Jornalistas&Cia para uma conversa franca e aberta, que marca a estréia de PROTAGONISTAS da Imprensa Brasileira. Numa entrevista de quase duas horas e meia, falou dos resultados e de seus planos para o jornal, analisou as tendências e desafios do jornalismo face a multiplicidade de novos meios, principalmente digitais, sobre jovens, blogs, jornais gratuitos e personalizados, sobre sua função à frente da Folha, pai e mãe, sucessão, ombudsman, governo Lula, inquietações pessoais, opção política. E mais não disse porque mais não lhe foi perguntado. Boa leitura! Entrevista concedida a Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli, com participação especial de Antonio Alberto Prado.

 

Entrevista com Otávio Frias Filho

 

Protagonistas: Como está sendo o ano de 2005 para a Folha de S.Paulo? E como você vê o cenário para 2006?

Otávio Frias: O ano tem sido razoavelmente bom porque marca a interrupção de um processo de queda de circulação nos principais jornais, iniciado em 2000. Do ponto de vista publicitário tem sido também um ano positivo. Outubro, por exemplo, bateu todos os recordes e foi o melhor mês em termos nominais da história do jornal. Também tem sido um ano interessante por conta da crise política, pois ela funciona como um ingrediente de aquecimento na cobertura jornalística em geral. E do ponto de vista das discussões a respeito do futuro do jornalismo, tem sido um ano também fecundo. Estamos num amplo debate interno a respeito de como enfrentar esses desafios e também nos preparando para uma nova reformulação gráfica no começo do ano que vem (a última ocorreu entre 1999 e 2000). Em relação a 2006, vamos ter, portanto, um jornal com muitas novidades e também um ano com dois eventos de grande relevância para os chamados consumidores de informação: eleições e Copa do Mundo.

 

P: Alguma coisa que dê para antecipar?

OF: Queremos dar maior maleabilidade e diversidade ao padrão gráfico da Folha. Deliberadamente, o nosso padrão gráfico, desde os anos 90, é rígido e nós estamos interessados, agora, em imprimir maior diversidade à feição plástica dos cadernos e na paginação. Estamos também interessados em valorizar o espaço de interpretação, de opinião e de análise. Há um certo consenso de que o jornalismo de qualidade deve cada vez mais reforçar esses aspectos, buscando o aprofundamento da notícia, o contexto interpretativo. E em relação à notícia, ao hard news, que continua e continuará sendo a espinha dorsal do jornal, pretendemos encontrar formatos gráficos que permitam explorar cada vez mais histórias próprias, exclusivas, deixando num plano mais secundário as notícias mais comuns, compartilhada por todos os veículos e que também já saíram na televisão e na Internet. E queremos ainda modernizar a parte tipográfica e cromática da apresentação do jornal, para dar a ele uma sensação de frescor, de rejuvenescimento.

 

P: Quem está coordenando esse processo?

OF: A atual reforma está sendo feita por uma equipe da própria Folha, com consultoria do designer cubano Mário Garcia, radicado nos Estados Unidos. Mas 70% do projeto está sendo concebido pelo editor de Arte da Folha, Massimo Gentile, e a equipe dele, com monitoramento do Melchíades Filho, editor de Esportes. Nas reformas anteriores, recorremos a consultorias de designers brasileiros, caso, por exemplo, de Eliane Stephan, excelente designer e artista plástica no Rio de Janeiro, que foi a principal responsável pela fisionomia da Folha nos anos 90. A última reforma, feita em 1999/2000, teve a participação de Vicenzo Scarpellini, outro excelente artista gráfico, de nacionalidade italiana, que mora em São Paulo e desenha até hoje na Folha, às quartas-feiras.

 

P: Você falou do cenário em relação à Folha de S. Paulo. E em relação a todo o Grupo Folha, que inclui UOL, Agora, Data Folha, Valor Econômico, Publifolha, o cenário é mais ou menos parecido? 

OF: Sim, porque os grupos de mídia no Brasil, como se sabe, têm sido obrigados, nessa década, a praticar uma política muito severa de cortes de despesas, com o objetivo de abater e liquidar as dívidas contraídas na década de 90. Não podemos esquecer que a década anterior, influenciada pelas novidades tecnológicas e pela estabilização da moeda, foi um período de grande expansão da economia. Havia nos grupos empresariais de mídia a mentalidade da expansão, da diversificação, de investir em novos mercados, entrar em novas mídias. A década em curso tem marcado uma inversão completa dessa pauta. Deixou de ser prioridade ganhar mercado, partir para novos setores, e passou a ser prioridade cortar despesas, interromper investimentos, vender ativos para aliviar o pesado ônus financeiro acumulado. A posição da Folha, comparativamente aos outros grupos expressivos de mídia, é relativamente boa, porque nosso endividamento sempre foi menor do que o deles. Além disso, temos cumprido com bastante disciplina e êxito o projeto de eliminar o endividamento tão rápido quanto possível. Acredito que dentro de um ou dois anos, a dívida estará resolvida e nós retomaremos a capacidade de investir novamente no jornal.

 

P: A queda na circulação dos jornais, ao menos no caso brasileiro, parece ter estancado nos dois últimos anos. Estancou mas não recuperou a circulação, ao menos de forma significativa. Como você analisa esse quadro? Concorda com aqueles que dizem que as tiragens dos jornais nunca mais voltarão a ser as mesmas?

OF: Os jornais apresentaram curvas semelhantes e a diferença entre eles continua, a grosso modo, a mesma dos anos 90. Se olharmos hoje, a Folha tem uma superioridade, em termos de circulação média, da ordem de 35% sobre o concorrente local, O Estado de S.Paulo, e de 15% sobre O Globo.

 

P: Circulação média de 400 mil exemplares? 

OF: A média mensal de circulação da Folha em setembro de 2005 foi de 313 mil exemplares. Penso que há dois vetores operando sobre qualquer perspectiva de circulação no futuro dos jornais brasileiros. Por um lado, não há dúvida de que a multiplicação dos meios de informação, o surgimento de meios que não existiam antes, a Internet claro, a tevê a cabo (ainda que de certa forma marginal), o próprio celular (que não deixa de ser também uma forma de comunicação, que passou a disputar o tempo e o bolso do consumidor), tornaram o ambiente da mídia muito mais competitivo e criaram uma super-oferta de informação. Ao se transformar no que os economistas chamam de commodity, a informação - exceção à informação qualificada, que demanda pesquisa, investigação e que é focada num público intelectual mais exigente - barateou muito. É nesse cenário de hiper-oferta de informação e de profusão de novos meios, que a circulação dos jornais tem de ser analisada. Num ambiente como esse, ainda mais competitivo, me parece clara a perspectiva de redução da circulação dos jornais. Mas há um segundo vetor, em casos como o Brasil, um país de Terceiro Mundo, que é o da perspectiva real de ampliação do mercado. À medida que o Brasil se desenvolva, que consiga um ciclo mais consistente de crescimento econômico, que avance na educação básica e secundária, terá certamente novas camadas de classe média, e provavelmente de leitores de jornal. Ou seja, ao contrário dos países desenvolvidos, onde praticamente só existe o primeiro fator, pois eles já cresceram o que tinham de crescer, já educaram o que tinham de educar e têm uma classe média numerosa e expressiva, os países como o Brasil estão no meio do caminho, ampliando a alfabetização, melhorando os níveis de saúde, aumentando a expectativa de vida das pessoas. Nesse sentido, portanto, é difícil num país do Terceiro Mundo dizer qual dos dois vetores irá prevalecer ou se eles vão se anular. Já em relação ao Primeiro Mundo me parece claro que a situação dos jornais continuará declinante.

 

P: Você aposta no crescimento da classe média, que tem uma parcela de jovens muito grande no caso do Brasil. Jovens que optam pela Internet. A Folha Online, por exemplo, já oferece um cardápio substancial e amigável que permite aos leitores até abrirem mão do jornal impresso, com a vantagem de não pagarem nada por isso. Como transformar isso em um negócio? 

OF: Essa é a grande questão. Acho que está aí um resumo do que talvez seja a maior interrogação da nossa época no que diz respeito a discutir o futuro do jornalismo. Faço uma distinção: quando falo jornal eu estou me referindo ao meio que se propõe a recolher informação de caráter geral e relevante ocorrida nas últimas 24 horas, não importando o suporte em que ela será veiculada, se em papel ou eletrônico. A mudança de suporte, se ocorrer, terá implicações de natureza econômica, mas do ponto de vista jornalístico isso é quase irrelevante. Ao falar jornal eu estou me referindo a um informativo geral que se renova a cada 24 horas. Mas ninguém tem ainda uma clareza absoluta sobre o que vai acontecer nessa área.

 

P: Com exceção de Murdoch não é? 

OF: Pois é (risos). Eu pelo menos não tenho e desconfio que, a rigor, ninguém tenha. Minha sensação é a de que a migração do papel para a tela será lenta. Demorará, talvez, uma ou duas décadas, obrigando-nos a conviver por muitos anos com os dois suportes. Do ponto de vista empresarial, essa é uma mudança muito relevante, por representar cerca de 40% dos atuais custos, que correspondem a papel, tinta e distribuição. No momento em que houver a migração para a tela, esse custo todo desaparece, o que evidentemente é uma excelente notícia. Por outro lado, a questão é saber como encontrar receitas que, mesmo com esse alívio de 40% no custo, sustentem uma máquina que continuará sendo comparativamente cara. Sim, porque fazer jornalismo de qualidade, que tenha um compromisso público e se destine a um público mais exigente, custa caro.

 

P: A Folha Online já tem dado resultados do ponto de vista econômico e financeiro? 

OF: Sim, ela está no preto, como se diz na gíria contábil, ou seja, não dá prejuízo, mas tem um faturamento e um resultado que ainda são muito pequenos se comparados aos da Folha de S.Paulo.

 

P: Você acredita, no caso da Folha, que daqui a dez anos o meio impresso possa ser ultrapassado pelo meio digital, em faturamento? 

OF: Eu diria que não é impossível, mas penso que seja improvável.

 

P: O Grupo Folha aderiu ao blog e está fazendo agora experiências com vários de seus profissionais. O jornalismo personalista está ganhando espaço? Você pretende ter um blog também? 

OF: Não, não pretendo (risos). Na biodiversidade, se eu posso me expressar assim, do jornalismo latu sensu, considero interessante e positivo que novas modalidades, novas formas e novos formatos de jornalismo estejam surgindo. No entanto, sempre será uma manifestação lateral do Jornalismo, pois se a marca autoral é forte também forte é a limitação desse trabalho. Venho de uma cultura que não acredita em objetividade no Jornalismo e nas Ciências Humanas, em geral, e que, ao contrário, considera isso um mito. Mas é uma cultura que, por outro lado, preconiza a idéia de que só é possível fazer bom jornalismo quando se cumpre uma série de procedimentos técnicos. São procedimentos que nossa profissão vem criando e aperfeiçoando há décadas, para não dizer há séculos. Por isso, continuo acreditando no valor mais central do jornalismo que busca se aproximar da objetividade, embora respeite e considere legítima a contribuição dos blogs, que são sempre visões mais subjetivas, parciais, muitas vezes fortemente autorais, principalmente do ponto de vista de estilo, de idiossincrasias.

 

P: Não vai chegar um momento em que pode haver um conflito de interesses entre o que publicar no blog, que é um espaço pessoal, e o que publicar no jornal? 

OF: A rigor não é um negócio pessoal deles, porque os blogs estão ancorados no portal UOL e na Folha Online.

 

P: Como se fossem colunas? 

OF: Como se fossem colunas virtuais. Acho que essa é a imagem apropriada. De todo modo, criamos um mecanismo para evitar esse tipo de problema: notícias que muito possivelmente vazarão até o fechamento da edição estão, em tese, autorizadas a aparecer no blog. Notícias que, sabemos, não vazarão devem ser retidas para a publicação no jornal impresso.

 

P: Gostaria que você falasse sobre duas experiências que começam a surgir em outras partes do mundo: o jornal personalizado, que permite ao leitor definir o jornal que quer ler, e o jornal gratuito, que tem tirado o sono de muitas empresas. 

OF: O jornal personalizado é uma outra modalidade de oferta e de consumo de informação que nós temos procurado acompanhar com atenção e interesse. Pessoalmente, acredito que possa crescer, ter um nicho de mercado, mas sem deixar de ser uma modalidade marginal. Por dois motivos: primeiro porque de certo modo os leitores não têm tempo e sabem que os jornais têm um corpo treinado de especialistas que fazem esse trabalho muito bem, certamente melhor do que ele próprio, leitor, faria. E segundo, pela lei do menor esforço, que governa toda atividade humana. Nesse sentido, embora respeite o interesse dessa eventual minoria, não acredito em grande futuro para esse tipo de jornalismo. Em relação ao jornal gratuito, é também uma modalidade a ser acompanhada com atenção. Nesse período em que o jornalismo tem sido marcado por grandes mudanças e inovações, consideramos importante ter uma atitude despreconceituosa e aberta em relação às novidades. Procurarmos aprender com as experiências. Mas, no caso do jornal gratuito, sou cético, sobretudo num país como Brasil, que tem uma tradição diferente. Lembro-me, por exemplo, do tempo em que se discutia a diferença entre o formato standard e o formato tablóide. A imagem que se usava, nos anos 80, era de que civilizações de metrô preferiam o formato tablóide enquanto as civilizações de automóveis tinham uma inclinação pelo formato standard, o que explicaria a opção de países como o Brasil (exceto Porto Alegre) e os Estados Unidos pelos jornais standard, e lugares como Buenos Aires, Londres, Paris, Berlim etc., pelo tablóide. Como o Brasil não é uma civilização de metrô, tenho sérias dúvidas de que o nosso público, nosso mercado publicitário, sustente um jornal tablóide distribuído gratuitamente.

 

P: Até porque continuaria um jornal caro, sem a alternativa do virtual. 

OF: Vamos pegar o nosso caso: embora os números variem em função do ano e do mês que se tomem como referência, de um modo geral 55% da receita da Folha tem origem na publicidade e o restante na circulação. Então, por mais que esses dois percentuais possam mudar em um jornal de outro tipo, pergunto se, nesse caso, haverá massa publicitária suficiente para arcar com o custo do jornal como um todo, uma vez que ele não poderá contar com receita de venda em banca e nem de assinatura.

 

P: Isso também não mexeria com a credibilidade e com a independência editorial do jornal? 

OF: Claro que sim. No caso da Folha, para citar outro número interessante, lembro que mais de 90% dos exemplares são entregues aos assinantes. Nossa venda avulsa restringe-se a 7% ou 8% da tiragem. É um número que considero positivo porque o vínculo entre o assinante e o jornal é muito mais forte, consistente e duradouro e requer investimentos da empresa. Diferente da venda avulsa, onde esses vínculos de um modo geral não existem.

 

P: Esse percentual vem se mantendo? 

OF: Ele é histórico. E acredito que no nosso concorrente, O Estado de S.Paulo, seja parecido. Possivelmente, entre os grandes jornais, O Globo tenha um perfil um pouco diferente, porque há uma tradição no Rio mais forte de venda em bancas. Diferentemente de São Paulo, lá as pessoas têm o hábito de caminhar pelas ruas, de ir até a esquina, de freqüentar as bancas, coisa que aqui não acontece na mesma proporção.

 

P: Como diretor de Redação da Folha e do Agora, como é que é o seu dia-a-dia? 

OF: O meu dia-a-dia felizmente é diversificado, seja porque em jornal cada dia é diferente do outro, seja porque eu procuro não me manter preso a uma rotina. Exerço essa atividade desde 1984, e evidentemente nos anos 80, mesmo no começo dos anos 90, eu tinha uma proximidade maior com a operação diária na redação. O jornal também tem agora uma estrutura mais desenvolvida, com uma editora executiva, a Eleonora de Lucena, que se desincumbe com muita competência dessa responsabilidade, uma Secretaria de Redação que funciona muito bem. O Agora tem o seu editor, o Nílson Camargo, que é também ótimo companheiro, ótimo jornalista. (Aliás, gostaria aqui de fazer um parêntesis: o Agora é um grande êxito. É a história, como eu costumo brincar, de David contra Golias, porque com todo o respaldo que as Organizações Globo conferem ao Diário de S.Paulo, com toda a campanha milionária de lançamento, campanha de marketing, o fato é que o Agora, tendo recursos muito mais restritos, é líder no segmento popular.) Mas, fechando esse parêntesis, a minha função hoje em dia, no jornal, aproxima-se muito mais da figura de um moderador. Temos, dentro da Folha, diversas tendências, inúmeras tensões, como, aliás, em qualquer redação. E considero positivo, dentro de certos limites, que isso ocorra, até para que o jornal não se transforme numa entidade monolítica, de pensamento único. No meu papel de moderador, de orientador editorial e político do jornal, procuro realçar sempre os pontos que para nós são dogmáticos: fazer um jornalismo apartidário, que se propõe a ser crítico em relação a todas as fontes do poder, profundamente pluralista e baseado na controvérsia, na discussão, na exposição de pontos de vistas divergentes e tanto quanto possível conflitantes. Me coloco, de certo modo, como guardião desses valores. E também procuro, na medida de minhas possibilidades, contribuir para incitar o jornal à mudança. Acho que está no DNA da Folha a agilidade, a capacidade de reagir rápido e de perceber tendências emergentes na sociedade. Somos um jornal sem preconceitos, aberto em todos os sentidos, bem diferente, por exemplo, do nosso concorrente (O Estado de S.Paulo), que, embora com uma tradição muito respeitável, tem um outro tipo de DNA. A Folha sempre foi um jornal mais permeável às novidades, sobretudo às observadas na tal da psicologia dos leitores. É essa característica que tem permitido à Folha se reciclar e se reinventar, de certa maneira, a cada 10 ou 20 anos. Me policio muito também para não me ater demasiado ao período da minha juventude, quando efetivamos mudanças importantes no jornal que a todos encantaram. Procuro olhar para a frente e estimular as pessoas, em primeiro lugar, a ficarem sempre insatisfeitas com o jornal produzido; e, em segundo, a conviver com a mudança. Nas reuniões com os mais novos, sempre provoco: vocês é que precisam cuidar das mudanças, analisar o futuro, saber que tipo de jornalismo é mais interessante para um garoto de 15 anos, para uma menina de 18 anos. Lembro que cada época tem os seus problemas e eles têm de saber como resolver e superar os problemas atuais, porque uma coisa é certa: o jornalismo não vai morrer, vai continuar existindo.

 

P: É verdade - como muitos de nós já ouvimos falar - que você não gosta do jornalismo? 

OF: Essa é uma visão folclórica, que não corresponde à realidade. É fato que sempre tive outros interesses além do jornalismo e essa é uma disposição que continuo a ter. Tenho muita predileção pelo cinema e pelo teatro, por exemplo. Aliás tenho peças de teatro publicadas e encenadas. Publiquei no ano passado um livro de ensaios, que é uma coisa um pouco excêntrica do ponto de vista do jornalismo. Cheguei a começar uma carreira universitária mas a interrompi muito cedo; nunca cheguei a dar aulas. Fiz a Faculdade de Direito e Ciências Sociais e tive de interromper quando estava para concluir o mestrado em Antropologia, em 1983. Ou seja, sempre tive interesses também fora do jornalismo. E nunca tive, propriamente - aí talvez um resíduo de verdade nessa versão que eu chamei de folclórica - uma paixão pelo jornalismo. Eu não sou um repórter nato. Pelo contrário, a rigor nunca exerci a atividade de repórter. Estou num ambiente de jornal há muito tempo. Aprendi muito com dois dos melhores professores que um jornalista, a meu ver, poderia ter na vida: meu pai (Octavio Frias de Oliveira), que felizmente continua me ensinando coisas, e o Cláudio Abramo, que não está mais entre nós e é uma figura que dispensa apresentações. Venho aqui a esse prédio regularmente desde os 17 anos, com prazer. Agora, a paixão pela notícia, essa coisa, por exemplo, que um ícone como o Clóvis Rossi tem - embora seja ele um jornalista experiente e que já viveu todas as situações -, essa espécie de entusiasmo juvenil pela notícia, pela novidade, pelo furo que os repórteres têm, isso eu nunca tive e não tenho. E isso evidentemente é um handicap, é uma das minhas vicissitudes  profissionais, um dos fatores que me levam a tentar superar essa deficiência em outras áreas. Como qualquer editor ou diretor de jornal, tenho handicaps e considero que essa falta de sangue de repórter seja um deles. Procuro compensar essa deficiência, valorizando um aspecto positivo: como não tenho esse entusiasmo todo, em momentos delicados consigo o distanciamento necessário para analisar com mais serenidade os fatos e até para conter alguns eventuais arroubos precipitados ou mesmo uma animação excessiva em relação, por exemplo, à publicação de algum assunto que não esteja suficientemente checado. Mas desprezo pelo jornalismo como atividade intelectual não tenho não. E hoje em dia tenho até menos do que jamais tive, porque considero que, infelizmente, a universidade se esvaziou muito como instituição, como influência pública, como debate intelectual e político, e o jornalismo acabou ocupando parcialmente esse espaço. A universidade, é claro, continua, a meu ver, tendo uma enorme importância social e econômica nas áreas tecnológicas, científicas. Mas do ponto de vista das humanidades, houve, infelizmente, um esvaziamento brutal. Considero que o jornalismo exerce um papel intelectual e cultural quase correspondente ao da aldeia do Asterix, das histórias em quadrinhos de Goscinny e Uderzo (risos).

 

P: Você não acha difícil pensar-se em humanidades nas redações, diante da sobrecarga de trabalho que acometeu os jornalistas desde que a crise atingiu a mídia? A Folha tem algum projeto para recuperar esse perfil mais humano? 

OF: O sacrifício existe. Na Folha, aliás, as pessoas trabalham bastante. Mas é preciso olhar o contexto e o que de fato ocorreu nos últimos anos. Tivemos um período de grande expansão nos anos 90, conforme já falei, que foi também um período, digamos assim, de vacas gordas. Com a crise, a situação se inverteu. Do ano 2000 até agora, reduzimos as equipes em cerca de 20%, talvez um pouco mais, e nossa redução de espaço editorial acompanhou esse número. Mas, se há um certo sacrifício por parte dos profissionais, também considero importante lembrar que a Folha é possivelmente o único jornal do País que concede períodos sabáticos aos seus colaboradores, proporcionais ao tempo de trabalho contínuo no jornal. Temos os correspondentes-bolsistas, que são posições muito disputadas, preenchidas por concurso interno. Além disso, o jornal concede uma série de subsídios para jornalistas que querem fazer cursos com proveito direto ou indireto para sua atividade profissional. Entre 80 a 90% dos profissionais da redação são beneficiados por algum tipo de subsídio, seja para um curso de línguas, de extensão universitária, ou outro que até aparentemente não tenha proveito para o jornal. Sabemos que por mais industrial que seja a produção jornalística, uma redação nunca deve perder a dimensão de ateliê. É muito interessante contarmos com pessoas com formações diferentes, que falem russo, por exemplo, ou que conheçam algo de chinês, de história medieval, de engenharia espacial. Quanto mais habilidades e talentos e semi-especializações pudermos congregar na equipe, tanto melhor, pois isso, evidentemente, cria um caldo de cultura, uma interação, que nos permite, como jornalistas e ainda que amadores nesses temas, desempenhar com mais propriedade e credibilidade nossa atividade.

 

P: Pelos comentários que você fez, seu pai, Octavio Frias de Oliveira, ainda tem uma presença forte no dia-a-dia do jornal. É isso mesmo? 

OF: Os editoriais da Folha continuam sob a responsabilidade de meu pai, assim como a direção conceitual do jornal como um todo. Embora com um expediente de menos horas, compreensível pelos seus 92 anos de idade, ele vem diariamente aqui. Os grandes números da empresa, tanto da Folha quanto do UOL, aliás, ele acompanha até hoje. E a orientação mais básica do jornal, do ponto de vista político, sobretudo a expressa nos editoriais, mas não só, até hoje é feita por meu pai. Sempre muito bem humorado, muito informal, despachado, fácil de se relacionar, ele continua sendo um ícone. E caneta editoriais até hoje.

 

P: E dona Dagmar Frias de Oliveira, sua mãe? 

OF: Minha mãe é uma leitora muito voraz e crítica dos jornais. Ela freqüentemente faz observações para mim, para meu irmão Luiz, para meu pai. É uma espécie de ombudsman informal da família. Quem participa diretamente do jornal é a Maria Cristina, minha irmã, que tem uma coluna de finanças publicada às segundas-feiras. Ela trabalhou vários anos como repórter na Globo, no SBT (com o Bóris Casoy) e recentemente atuou como comentarista no programa da Lillian Witte Fibe, na Rede 21.

 

P: Tempos atrás, numa palestra no Master em Jornalismo, você disse que os jornais são chatos, que quem lê a Folha não precisa ler o Estadão e vice-versa. A mesmice seria fruto de um acovardamento dos jornais? 

OF: Você me dá a oportunidade de esclarecer o que falei, na palestra, porque o relato publicado não foi muito feliz. Eu disse que há pessoas para as quais os jornais são muito chatos e há pessoas para as quais os jornais são muito semelhantes. E até citei uma brincadeira que o Paulo Arantes, professor de Filosofia da USP, faz, dizendo que uma vez sua empregada teria perguntado por que ele assinava dois jornais se os dois eram a mesma coisa. Eu contei essa história dizendo que há um fundamento de verdade nela, porque muitas pessoas sentem assim. Eu gostaria, sem dúvida, que os jornais fossem mais diferentes entre si do que são. Inclusive, dentro de minhas possibilidades, aqui na Folha sempre insisto muito nisso. Somos um veículo líder e, como tal, não podemos nos acomodar. Essa mesmice que muitas vezes as pessoas percebem em termos comparativos em alguns jornais, me incomoda. Penso que ela decorre de uma certa covardia editorial, explicável porque, todos nós, como é da natureza humana, temos, em alguma medida, receio de fazer apostas, de correr riscos. Paradoxalmente, por outro lado, isso tem a ver, na minha opinião, com o próprio desenvolvimento da cultura jornalística. Eu acho às vezes fascinante que dois jornais, separados no espaço, com redações que se comunicam muito pouco - a gente sabe que há muito contato no dia-a-dia entre os repórteres, mas entre editores e secretários esse contato é raríssimo -, acabem fazendo uma avaliação hierárquica e valorativa das notícias muito semelhante. Isso, a meu ver joga água no moinho da tese de que existe sim uma jurisprudência jornalística, que permite avaliar com relativa objetividade o que é mais ou menos importante para o público leitor, o que deve ser dado com maior ou menor destaque. Feita essa ressalva, digamos quase epistemológica, é bem verdade, para relativizar essa observação, que os jornalistas são corpos profissionais oriundos geralmente do mesmo extrato social (classe média), que há muita circulação profissional entre as redações etc. Tudo isso relativiza um pouco a tese, mas ainda assim acho que ela tem uma certa vigência. Se não houvesse alguma objetividade jurisprudencial, os jornais cada dia dariam uma manchete diferente um do outro.

 

P: Governo Lula. A Folha morde, mas às vezes até assopra, coisa rara. Se esta fosse uma pesquisa do Data Folha, você diria que o Governo Lula é ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo? 

OF: Essas avaliações, para serem conclusivas, não deveriam ser feitas assim, tão a quente. A avaliação do Governo Lula vai ficar mais nítida, mais consolidada para todos nós, daqui a alguns anos. Feita essa ressalva e, portanto, padecendo da contingência de fazer uma avaliação a quente, eu diria que é um governo ruim. Trata-se, a meu ver, de um governo que não cumpriu as promessas que fez e que não correspondeu às expectativas de mudanças que despertou no eleitorado. Virou um lugar comum dizer que esse é um governo que só fez manter e até acentuar a política anterior, uma política, aliás, que durante a campanha o candidato Lula dizia que ia mudar. É um governo que, aparentemente, também mantém um ritmo um pouco mais vegetativo das políticas sociais do governo anterior. Ou seja, não me parece inovador em nenhuma área. Até na política externa, que é mais vistosa, os resultados são no mímino controvertidos, para dizer o menos. Fora tudo isso, temos ainda toda essa rede de corrupção, que emergiu. Diante de tantos fatores, acho difícil que ele escape, pelo menos a meu juízo, da qualificação de ruim. Essa é minha visão pessoal e talvez, sem tanta ênfase assim, também a visão oficial da Folha.

 

P: Aquele episódio de campanha, em que o candidato Lula se retirou abruptamente de um almoço com a direção do jornal, descontente com questionamentos que você fez e que ele considerou agressivos, está superado? 

OF: De minha parte aquele episódio está superado. Procuro ter uma avaliação racional e não reagir com o fígado. Entendo que o jornal é uma entidade impessoal e que não deve estar ao sabor de eventuais reações emocionais ou pessoais que eu possa vir a ter, embora eu procure não tê-las. Mas aquele episódio reforçou a idéia de que o presidente Lula não tem condições intelectuais e nem preparo técnico para desempenhar uma função pública dessa responsabilidade. Pior, é uma pessoa que reage mal quando interpelado, contestado. Passa a nítida sensação de ser uma pessoa acostumada a só ouvir sins, a ser incensada o tempo todo, e que reage com insegurança e de maneira intempestiva quando é submetida a um questionamento mais incisivo como aquele que eu procurei fazer no curso daquele almoço, até que ele o interrompesse, e saísse falando impropérios, sem se servir da sobremesa, do café etc. Em relação à questão de que a Folha morde e assopra, nós realmente procuramos ter uma atitude crítica e apartidária. Fui, por exemplo, muito insistente, no começo do Governo Lula, para não sairmos dessa linha, a despeito da hipnose social que ocorreu em relação à figura messiânica do operário que finalmente havia chegado à Presidência. Se vocês se lembrarem, nos primeiros seis meses, doze meses do Governo Lula, exceto na Folha, era muito raro encontrar algum tipo de crítica. E fiz isso porque a Folha tinha um compromisso moral, a meu ver, de manter em relação ao Governo Lula, então recém-iniciado, a mesma posição mantida durante os oito anos de Governo Fernando Henrique; foram oito anos em que a Folha foi sem dúvida o veículo mais incômodo.

 

P: Muita gente, aliás, falava que a Folha era petista. 

OF: Pois é. Normalmente, num ambiente tucano as pessoas dizem que a Folha é petista, e no ambiente petista, que somos tucanos. Isso é normal em um jornal que se propõe a levar uma política mais complexa, sem alinhamento automático. Um jornal com esse perfil, sempre corre o risco de ser submetido a incompreensões momentâneas, sobretudo em situações tensas, como no caso de eleições. Mas veja o seguinte: insisti, e muito, em acentuar o caráter crítico da Folha em relação ao Governo Lula, quando muito poucos faziam isso. Agora, que virou moda bater, eu tenho procurado, ao contrário, chamar o jornal à responsabilidade. Esse é um momento em que precisamos agir com a cabeça fria, com serenidade, sem abrir mão, é claro, da permanente visão crítica, da disposição de investigar, de criticar, de questionar, de cobrar o governo. Acho que um jornal que incomoda o governo presta um grande serviço ao País. Isso é uma das crenças mais arraigadas que eu tenho em termos de jornalismo. Mas é preciso que esse incomodar seja feito com critério, com qualificação, na medida do possível, com responsabilidade, dando ao governo a oportunidade de levar aos leitores o seu ponto de vista, publicando todas as contestações recebidas, como a Folha procura fazer religiosamente. Tudo isso faz parte desse compromisso público.

 

P: Em que pese o jornal professar imparcialidade, ser apartidário, como o cidadão Otávio se classifica politicamente? Tem alguma preferência partidária? 

OF: Sinceramente, não tenho. Minha geração foi muito influenciada pela mentalidade que sempre cercou o PT e o PSDB, principalmente o PT. Eu, pessoalmente, não tenho nenhuma inclinação partidária e procuro me disciplinar no sentido de não tê-la. Sistematicamente anulo meu voto. E o faço exatamente para limitar ao máximo a possibilidade de mentalmente entrar num clima de preferência, de torcida por este ou por aquele. Considero essa uma maneira saudável de reforçar a isenção que uma pessoa na minha função à frente de um jornal com essas características deve ter.

 

P: Você já desenvolveu know-how para enfrentar as pressões? 

OF: Acredito que sim. Com um detalhe: como a Folha se propõe a ser um jornal independente e que não faz concessões, e cultiva muito essa imagem, todas as pressões recebidas ao longo desse período em que dirijo o jornal - concorde ou não com elas - considero legítimas. São de pessoas querendo fazer o seu ponto de vista prevalecer até por entender que ele é correto. Procuro ouvir sempre. É uma das muitas lições que aprendi com meu pai: sempre ouvir quem tem algo a dizer, quem considera que tem alguma informação relevante a passar, quem acha que está sendo vítima de alguma injustiça jornalística. E, ao mesmo tempo, ter a firmeza necessária para repelir influências que pareçam nefastas, descartar pleitos que não sejam apropriados e adequados. Meu pai gosta de contar uma história, ouvida de um antigo editor de jornal americano, que dizia só haver uma maneira de dirigir um grande jornal sem pressões: num iate, no meio do oceano e sem rádio (risos).

 

P: Seu pai, Octavio, e a Folha tiveram a felicidade de ter em você e no seu irmão Luiz as condições necessárias para tocar o negócio e fazer o o Grupo Folha crescer. Mas e o futuro? Vocês chegam a falar de transição, existe plano de profissionalização do jornal? 

OF: No nosso caso, acho que tivemos alguma sorte, porque eu tenho uma série de afinidades com a atividade jornalística, sempre tive, desde a adolescência, e felizmente meu irmão se revelou um empresário muito talentoso, com muita visão, com muito senso histórico de oportunidade. E nossa relação é muito boa, até porque atuamos em áreas diferentes, que não dão margem a eventuais competições entre nós. Agora é óbvio que o mecanismo da sucessão hereditária sempre tem um elemento lotérico. A tendência histórica, portanto, é de uma crescente profissionalização na gestão dos jornais em geral e desse jornal em particular.

 

P: Você trabalha com algum horizonte? 

OF: Não saberia arriscar, mas se dependesse de minha vontade eu gostaria que fosse no mais curto prazo possível, até porque estou aqui já há bastante tempo, exercendo funções que, embora não tenham sido necessariamente as mesmas, sempre implicaram uma responsabilidade pesada. Além disso, tenho uma certa ansiedade por desenvolver outras atividades, o que não consigo por absoluta falta de tempo. Gostaria que a profissionalização da empresa, que já está ocorrendo, viesse a se acentuar, a se acelerar nos próximos tempos.

 

P: A experiência do ombudsman, muito bem sucedida na Folha, não foi replicada pelos demais veículos de comunicação. De todo modo, exceção a Renata Lo Prete, todos os demais que passaram pelo cargo deixaram a empresa. Como são quadros bons, isso acaba sendo, de certo modo, um ônus. Costumam até brincar que quando você quer se livrar de alguém indica essa pessoa para o cargo (risos). 

OF: Não é assim, não. É verdade que, fazendo um rápido recenseamento de memória, dos ex-ombudsman somente a Renata continua no jornal. Mas eu também gostaria de mencionar que, salvo engano, todos os ex-ombudsman deixaram a Folha em condições muito amistosas. Desentendimentos, sim, houve vários, discussões algumas, mas nunca houve uma situação de ruptura, de estranhamento, que levasse digamos a um desenlace inamistoso. Eu pessoalmente posso dizer que tenho uma relação pessoal e profissional com todos os ex-ombudsman da Folha muito boa, até hoje.

 

P: Ainda é muito produtivo manter um ombudsman no jornal? 

OF: Sim, é excelente. E penso que outros jornais não adotaram essa prática talvez como resíduo de um preconceito de épocas antigas. A figura do ombudsman é uma garantia existencial. Quando se edita um jornal, uma das preocupações permanentes, a meu juízo, é sempre se perguntar: será que estamos cometendo alguma injustiça sem perceber, ou cometendo algum tipo de perseguição sem nos darmos conta, ou, ainda, criticando indevidamente alguém, uma entidade, uma empresa? Será que não estamos reiterando uma versão que é mentirosa, sem ter ainda percebido isso? A existência do ombudsman permite que esses questionamentos sejam feitos, e permite uma razoável segurança nas respostas. Você tem um profissional competente, experiente, qualificado, respeitado e prestigiado internamente, que se dedica o tempo inteiro a encontrar erros, falhas, apontar problemas, apontar algum viés, alguma injustiça, ouvir pessoas que se consideram injustiçadas pelo noticiário, trazer esse ponto de vista, publicar a opinião dele aos domingos contra o próprio jornal. Isso é muito bom. É uma garantia para todos. Com ele, passamos a ter mais um super ego, não o único. Acredito ser muito útil, em jornais, a adoção de um sistema inspirado, mal comparando, no sistema constitucional americano dos freios e contrapesos, com diferentes instâncias controlando e vigiando. Num jornal, de certo modo editores controlam repórteres, repórteres controlam editores, o Conselho Editorial também é um elemento de vigilância e o ombudsman completa essa estrutura. Costumo dizer que se eu e minha equipe não ficarmos irritados com freqüência com o que o ombudsman escreve, tem alguma coisa errada com o jornal ou com o ombudsman. Felizmente continuamos nos contrariando com freqüência (risos). Isso, evidentemente, sem nenhum juízo de valor em relação ao trabalho do Beraba (Marcelo Beraba, atual ombudsman). Posso ter divergências no varejo - tenho várias até -, mas no atacado ele é um excelente ombudsman e tem prestado uma contribuição importante ao desenvolvimento da Folha e ao aperfeiçoamento do jornal.

 

P: Quando você se referiu ao DNA da Folha, que a faz um jornal inquieto, inovador, ousado, crítico etc, dá para perceber, pelo teor dessa entrevista e mesmo por suas atitudes e convicções, que esse é o DNA do próprio Otávio Frias Filho? A Folha será a mesma depois de você? 

OF: Difícil prever. Mas não atribuo, digamos, sem falsa modéstia, um papel tão preponderante à minha atuação. Isso faz parte um pouco da cultura geral do jornal da qual eu e várias pessoas que estão aqui proviemos. E penso que isso se adensou ao longo do tempo com a prática de ser um jornal que respeita a controvérsia, que sempre publica pontos de vistas contrastantes, contestações. Acredito que o Painel do Leitor da Folha, embora muito criticado por isso, seja uma das seções de cartas de jornais do mundo que mais publica ataques ao próprio jornal. Nós achamos bom, estimulamos isso. A própria experiência de lidar com ombudsman já está próxima de completar 20 anos. Esse longo aprendizado acabou contribuindo para essa cultura de participação, de crítica interna, de debates, de confrontação de pontos de vistas divergentes. Como disse antes, acho isso enriquecedor. E acredito que esse espírito de certo modo tenha deitado raízes suficientes na Folha para sobreviver à presença das pessoas que têm feito o jornal até hoje.

 

P: Vamos a um rápido ping-pong?

OF: Ok.

 

P: Uma matéria inesquecível. 

OF: São tantas que eu vou pular essa para não cometer injustiças.

 

P: Um autor. 

OF: Cito um pouco de coração dois autores: Dostoiévski e Freud.

 

P: Um medo. 

OF: É um pouco notório o medo que tenho de avião. Até já escrevi sobre isso.

 

P: Mas você já fez até pára-quedismo... 

OF: Pois é (risos). Eu já saltei de pára-quedas, mas ainda assim fica valendo a versão oficial de que tenho medo de avião.

 

P: Um ídolo. 

OF: Não tenho ídolos, mas se for para citar um eu citaria meu pai.

 

P: Um sonho. 

OF: Morar em outro lugar que não São Paulo, por algum tempo.

 

P: Um livro. 

OF: Para continuar com Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov.

 

P: Um esporte. 

OF: Não sou aficcionado de nenhum esporte, mas gosto de caminhar.

 

P: Uma peça de teatro. 

OF: Vestido de Noiva, de Nélson Rodrigues.

 

P: Um jornalista. 

OF: Cláudio Abramo.

 

 

*Equipe do PROTAGONISTAS da Imprensa Brasileira

 

- Foto: www.masteremjornalismo.org.br

- Para ler esta na íntegra acesse o site www.jornalistasecia.com.br.

- Colaborou: Comunique-se (www.comunique-se.com.br).

- Edição final para Via Fanzine: Pepe Chaves.

 

 

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