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Indígenas
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Exposição indígena: Xamanismo urbano A exposição da raça indígena, em especial a norte-americana Lakota, em meios de comunicação como a Internet revela a hipocrisia da sociedade branca dos tempos atuais.
Por Sandra Mara Potey-Miri* De São Paulo-SP Para Via Fanzine 15/10/2012
Família indígena norte-americana: ícones para o homem branco. Leia também: Assista: 'Coração Guarani' - documentário exclusivo da TV FANZINE Índios do Brasil: À flor da pele Ianomâmis negam que tenha havido massacre COLÔMBIA Líder indígena é covardemente assassinado Pau Brasil: PF vistoria fazendas e confirma inexistência de reféns
Tenho acompanhado há algum tempo um movimento na internet que vem me despertando muito a atenção. Sites, blogs, postagens em redes sociais enfocando demasiadamente os Lakota, um povo indígena radicado no território estadunidense ou norte-americano.
Um dia, eu quis compreender o porquê desse culto repentino aos Lakotas e observei que interpretam o indígena como um símbolo de sabedoria por acharem que ele tem uma “noção espiritual”. Contudo, essa é uma visão muito equivocada da maioria das pessoas, pois todo indígena, independente da sua etnia, não tem noção alguma do que chamamos de espiritualidade. Donos de tal noção somos nós, integrantes desse mundo ocidental, com base numa cultura europeia, espiritualmente empobrecida pelos interesses do capital.
O indígena vive a natureza como sendo parte integrante dela. O indígena não vê diferença entre o mundo material e o espiritual, simplesmente, porque esses dois mundos não funcionam um sem o outro. Portanto, não há lugar para “noção”. Eles vivenciam em conexão permanente entre o visível e o invisível, pois tudo está pleno no sentido de Unidade.
Infelizmente, também aqui no Brasil, está ocorrendo essa onda de mistificar os Lakota, pois o brasileiro está sempre querendo valorizar o que vem de fora, até mesmo com relação aos indígenas. Assim, mistificam e dizem até ser Lakotas encarnados, mas se assim o fosse, provavelmente teríamos mais pessoas preocupadas com a precária situação indígena.
O que vemos é uma necessidade que as pessoas têm de preencher uma lacuna que o mundo materialista deixou, ao criar a necessidade de se "espiritualizar", se apegando assim, aos símbolos e seitas sob a alegação espiritualista.
Se essa “imigração-espiritual-indígena” fosse genuína, a sociedade estaria melhor e com certeza, envolvida com os movimentos pró-indígenas. Mas o que vemos é justamente o contrário. Em verdade, pouquíssimas pessoas querem saber como vive um indígena, mas não se inteiram de suas lutas ou dificuldades no que tange ao mundo dos brancos. Desde a fome (devido à falta de recursos naturais das poucas terras que lhes sobraram), passando pela humilhação do assistencialismo social (doações de nosso governo, tão “generoso”) até as mortes que atualmente provocam comunidades inteiras.
Adorações à parte, ninguém quer saber de nada que seja realmente inerente ao cotidiano indígena. Entrementes, cultuam imagens de "sábios indígenas", constroem até tambores, enfeites com penas, mas, nunca estudaram sequer um texto sério a respeito dessas culturas.
Estudando essas culturas nos últimos anos pude encontrar leituras profundas de verdadeira reflexão a respeito de seus costumes. Mais do que isso, convivo com indígenas, criei laços afetivos e fico muito triste com o que ando observando dessa superficialidade na internet. Circulam fotos de índios vestidos com as cores da bandeira estadunidense com nomes romanescos, falando em nome do Cristo.
As culturas indígenas são reverenciadas, enquanto deveriam ser compreendidas. Leia também: Índios do Brasil: À flor da pele Ataque a índios isolados será apurado pela Funai Índios denunciam ameaças de jagunços Manifesto da Comissão Pró-Índio do Acre Entrevista com o indigenista João Américo Peret (em memória) Dia do Índio e o último discurso de João Peret
Bartolomeu de Las Casas, missionário que lutou pela causa indígena, desde o descobrimento da América, até sua morte em 1566, nos relata em seu livro, “O cacique disse incontinenti, sem mais pensar, que não queria absolutamente ir para o céu; queria ir para o inferno a fim de não se encontrar no lugar em que tal gente se encontrasse” (LAS CASAS,p.21).
Um cacique fez tal afirmação rejeitando às crueldades praticadas em nome de Deus sobre esses povos. E hoje o que vemos são expressões ritualísticas, com motivos cristãos se dizendo “Lakota”.
É a perene incoerência e a total falta de informação real. Tudo isso é muito triste, e quem realmente se preocupa e vai a fundo nesse conhecimento, não tem como ficar feliz com esse folclore todo que andam inventando na internet.
Falo como uma pessoa com heranças fortíssimas da cultura indígena, que não se encontram somente em meu sangue, mas na minha forma de ver o mundo. Falo como uma pessoa que realmente se preocupa com a questão, que a estuda e pesquisa com argumentos e vivências verdadeiras. E que, de alguma maneira, procura interagir e respeitar uma cultura tão rica, tão especial, tão adorável!
É muito triste, ver o que resta da cultura do meu povo sendo destruída aos poucos com tanta crueldade. O desrespeito nas cidades, nas redes sociais é muito grande, como sempre foi. Há inúmeras pessoas postando fotos de indiozinhos bonitos como se realmente preocupassem com eles. O meu coração sangra, quando vejo tanta futilidade, tanta hipocrisia e ausência de verdade.
Procuro trocar conhecimentos com amigos indígenas que estão fazendo a ponte entre o branco e o índio, participando da realidade de uma comunidade guarani. Procuro conhecer a história das principais etnias e sei muito bem o que anda acontecendo atualmente. E dói constatar que a sociedade ocidental está transformando essa cultura em mais um signo de consumo espiritual.
O indígena americano precisa e merece respeito. Esse povo necessita ser ouvido e assistido com a merecida consideração pelas demais etnias. E não ser considerado como um “objeto de culto espiritual”. Conforme Eduardo Bueno, “Na verdade, o que aconteceu é que o mecanismo empreendido para o extermínio dos indígenas simplesmente agora atingiu certa ‘perfeição’, graças aos meios técnicos atuais: rajadas de metralhadoras e bombardeios aéreos, distribuição de alimentos e roupas previamente infectadas por micróbios, bombons envenenados... História de ontem, história de há quatro séculos, história de hoje...” (1984, p.25).
O indígena continua sendo desrespeitado em todos os sentidos. E, religiosamente, esse desrespeito vem disfarçado agora de “xamanismo urbano”, expondo de maneira deturpada os costumes indígena, misturados com motivos estadunidenses, perpetuando a cultura da exploração e da conquista através dos séculos.
“Assassinaram a muitas nações, tendo chegado mesmo a fazer desaparecer os idiomas por não haver ficado quem os falasse” (LAS CASAS,p.95).
E assim, o silêncio atravessa os séculos.
* Sandra Mara Potey-Miri é historiadora e antropóloga. Seu blog é http://peladignidadehumana.blogspot.com.br/
- Imagens: Divulgação.
- Referência: LAS CASAS, Bartolomeu.O Paraíso Destruído.Ed. P&PM Pocket.2011.
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- Produção: Pepe Chaves
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