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Cosmonáutica

 

URSS:

Viagens em grupo: o Projeto Voskhod

Fez 55 anos, em 12 de outubro de 1964, o primeiro voo espacial em grupo da história, na espaçonave soviética Voskhod 1. Esta missão foi associada ao risco mortal para sua tripulação, mas lançou as bases para uma nova etapa na exploração espacial ao usar naves de múltiplos assentos.

 

Por Natália P. Dyakonova*

De Moscou/Rússia

Para Via Fanzine & ASTROvia

08/11/2019

 

 

Na URSS, a nova espaçonave de assentos múltiplos Soyuz estava na fase de projeção. Ninguém queria conceder sua primazia no espaço, mas o tempo forçava a se apressar.

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Há que seguir adiante

 

Como é sabido, a exploração espacial humana começou em 12 de abril de 1961 com o voo do cosmonauta soviético Yuri Gagarin na nave Vostok 1.

 

Depois de seis voos bem-sucedidos em naves Vostok de assento único, a cosmonáutica soviética teve que enfrentar uma nova tarefa fundamental. A ideia de voos contínuos de naves de assento único já estava esgotada, embora a Força Aérea Soviética, na pessoa do tenente-general Nicolái Kamánin, ainda planejasse realizar novos voos de cosmonautas nas Vostoks, desta vez mais prolongados, de até 10 a 11 dias (na época, a duração máxima era a do voo do cosmonauta Valeri Bykovsky na nave Vostok 5 ‒ cinco dias).

 

Apesar de a URSS ter sido capaz de demonstrar ao mundo a superioridade de sua tecnologia espacial, os rivais americanos, sob o lema "não entregaremos o espaço aos vermelhos", não pretendiam conceder. Nos EUA, eles estavam em pleno andamento se preparando para a implementação do programa de voos tripulados de naves de dois assentos Gemini. As novas naves americanas eram projetadas levando em consideração as capacidades de atracação, caminhadas espaciais de astronautas e realização de voos mais prolongados.

 

Na URSS, a nova espaçonave de assentos múltiplos Soyuz estava na fase de projeção. Ninguém queria conceder sua primazia no espaço, mas o tempo forçava a se apressar.

 

E a solução foi encontrada.

 

À disposição de Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético, havia quatro naves Vostok em construção. Elas não poderiam trazer um efeito político sério, a atenção da liderança do país para elas também enfraqueceu. Neste contexto, Koroliov, pela primeira vez, propôs publicamente fazer da Vostok uma nave de três assentos. Os projetistas, liderados por Konstantin Feoktistov, recusaram categoricamente: a alteração da nave acarretava uma mudança inevitável em todo o esquema de voo e, especialmente, no do desembarque.

 

Nave "Vostok", com um único assento na cabine.

 

Qual era o problema? Nas naves Vostok, o cosmonauta vestido com traje espacial estava alojado em um assento especial de ejeção. No último estágio do pouso, depois de o veículo de descida frear na atmosfera, a uma altitude de sete quilômetros, o cosmonauta ejetava da cabine e fazia um pouso de paraquedas. Além disso, foi possível ao cosmonauta pousar dentro do veículo de descida. Este possuía seu próprio paraquedas, mas não estava equipado com meios de aterrissagem suave, o que ameaçava à pessoa que permanecia nele com golpe grave durante o pouso.

 

Na nova versão da nave, dado o tamanho pequeno da cabine da nave de assento único, os cosmonautas tiveram que voar sem trajes espaciais nem catapulta e pousar no veículo de descida. Isso ameaçava com a morte da tripulação em qualquer acidente do veículo de lançamento ou durante a despressurização do veículo de descida. Portanto, os projetistas se opuseram fortemente à ideia.

 

Então, Koroliov empreendeu um truque, dando aos engenheiros a tentadora promessa de reservar assento na futura nave para um deles. Muitos engenheiros sonhavam em ir para o espaço e observar o trabalho de suas invenções na prática, mas quase não havia esperança a isso: para o espaço, eram enviados unicamente pilotos militares com treinamento especial. Konstantin Feoktistov, talentoso engenheiro projetista, já tinha pedido previamente a Koroliov para ser o primeiro homem enviado ao espaço, já que ele conhecia bem tanto o foguete, como a nave. Mas Koroliov não quis nem ouvir disso e o primeiro a voar no espaço chegou a ser Yuri Gagarin. Mas então Koroliov lembrou daquele pedido de Feoktistov.

 

A proposta do Engenheiro Chefe foi recebida com entusiasmo – como não recordar aqui a famosa "roleta russa" e o amor nacional pelo risco? E essa foi uma verdadeira "roleta russa" para a tripulação, porque a cosmonáutica se encontrava na infância, tudo era feito pela primeira vez e às apalpadelas, de modo que lançamentos de testes bem-sucedidos alternavam-se com falhas, como mostram as estatísticas daqueles anos. E foi precisamente o engenheiro projetista Konstantin Feoktistov quem liderou todo o trabalho relacionado à nova versão da espaçonave.

 

Apesar dos enormes riscos para futuros cosmonautas, a ideia de Koroliov foi totalmente apoiada pelo líder soviético Nikita Khrushchov. A nova nave recebeu o nome Voskhod, que em russo significa "nascer do sol". A vontade política que consolidou o novo rumo foi manifestada em fevereiro de 1964, quando foi oficialmente decidido reverter as quatro naves Vostoks que estavam em construção nas novas Voskhods e assim, finalizar a produção das Vostoks.

 

A espaçonave Voskhod

 

Na verdade, a nova nave não era muito diferente da sua antecessora, a Vostok: o mesmo veículo de descida esférico, a mesma composição (veículo de descida pressurizado mais um compartimento não pressurizado de instrumentos e montagem), as mesmas dimensões – 5 metros de comprimento por 2,43 metros de diâmetro.

 

A principal diferença se encontrava dentro do veículo de descida: colocar três pessoas na esfera originalmente projetada para uma pessoa – era preciso se esforçar para conseguir isso. Os engenheiros soviéticos queriam se antecipar aos americanos não apenas em termos de tempo, mas também em tecnologia: as naves Gemini americanas foram projetadas com dois assentos, então, a nossa nave será de três; como a Gemini fornece despressurização completa para a caminhada espacial, então, nós teremos uma eclusa de ar. Bem, há que admitir que a rivalidade na corrida espacial beneficiou o progresso tecnológico.

 

Foram criadas três modificações da nave.

 

A primeira, sob o índice de 3KV, foi destinada especificamente para o voo de três pessoas. Como já mencionado acima, os projetistas assumiram um risco deliberado e fatal, abandonando não apenas os sistemas de ejeção, mas também trajes espaciais de resgate. Os cosmonautas, em fatos de treino comuns, estavam alojados em cadeiras individuais especialmente projetadas, deitados de costas com os joelhos dobrados. As próprias cadeiras estavam localizadas em forma de degraus.

 

Esquemas comparativos de naves espaciais do tipo Vostok, Voskhod 1 e Voskhod 2, este último com uma eclusa de ar para sair ao espaço.

 

Pela primeira vez, os cosmonautas deveriam pousar, permanecendo dentro da nave, os assentos foram equipados com amortecedores especiais. Para suavizar a aterrissagem, o sistema principal de paraquedas tinha dois paraquedas e motores de freio em pólvora nos estilingues, acionados após o sinal de uma sonda especial, que era a primeira a tocar o chão. Na parte superior do veículo de descida esférico, também foi instalado um motor de freio à base de pólvora. A Voskhod 3KV foi equipada com equipamentos aprimorados de rádio e televisão e um sistema de orientação adicional com sensores de íons.

 

As melhorias introduzidas possibilitaram o voo de três cosmonautas, mas ao mesmo tempo excluíram completamente a possibilidade de salvar a tripulação em caso de acidente no lançamento ou nos primeiros 27 segundos de voo. Nada poderia salvar os cosmonautas no caso de despressurização da nave no espaço. Além disso, a nave não possuía sistema reserva de paraquedas e, se o sistema principal falhasse, a morte da tripulação também se tornaria inevitável.

 

Montagem da nave Voskhod 1.

 

Finalmente, aumentou o próprio peso da nave: a massa da Gemini foi de apenas 3,8 toneladas, a da Vostok, de 4,73, e a Voskhod 1 com suas 5,32 toneladas pesava quase duas toneladas mais que a Gemini. A diferença no peso das naves deveu-se à grande quantidade de automação em nossas naves, enquanto os americanos se fiavam em grande medida das ações humanas. O acadêmico Boris Chertok escreveu em suas memórias: "Dez anos após o voo da Voskhod 2, quando os americanos se familiarizaram com o nosso equipamento durante o projeto conjunto do EPAS (voo conjunto de naves Apollo-Soyuz), eles ficaram surpresos com a nossa capacidade de controle totalmente automatizado, sem a utilização do computador de bordo nem a intervenção humana". Portanto, para colocar a pesada Voskhod em órbita, seria necessário instalar um terceiro estágio completo no foguete padrão R-7. Como resultado, foi criado o novo foguete Voskhod (11A57), de três estágios.

 

A montagem do novo veículo de lançamento.

 

Tripulação

 

Em março de 1964, a Comissão Industrial Militar ordenou que a Força Aérea preparasse para a Voskhod uma tripulação de três pessoas, composta por um cosmonauta-comandante e dois "passageiros", um engenheiro e um médico.

 

A tripulação da espaçonave Voskhod 1: comandante Vladimir Komarov, engenheiro de voo Konstantin Feoktistov (à esquerda) e o médico Boris Yegorov.

 

O comandante da tripulação espacial foi Vladimir Komarov (1927-1967), engenheiro coronel, piloto de caça e testador de novos equipamentos militares. Ele fez dois voos espaciais nas naves Voskhod 1 e Soyuz 1, falecendo tragicamente na fase final da segunda. [N.E.: Mais detalhes sobre Vladimir Komarov são descritos no artigo "Nada na Terra se passa em vão", por Natália Dyakonova, para ASTROvia]. Em homenagem a Komarov, foram nomeados uma cratera na Lua, o navio soviético "Cosmonauta Vladimir Kmarov", ruas em várias cidades da Rússia, como também nas cidades alemãs de Leipzig, Schwerin, Zwickau, Frankfurt an der Oder (na antiga RDA) e na metrópole da cidade francesa de Lyon. Em homenagem ao ilustre cosmonauta, o compositor australiano Dean Brett criou a composição musical "A queda de Komarov", apresentada pela Orquestra Sinfônica de Berlim em 2006.

 

O engenheiro de voo foi Konstantin Feoktistov (1926-2009). Participante da guerra contra a Alemanha nazista (1941-1945), ele abandonou a escola e foi voluntariamente para a frente, tornando-se explorador da unidade militar. Durante a missão de reconhecimento na cidade de Voronej, Feoktistov foi capturado por uma patrulha alemã e milagrosamente sobreviveu após ser fuzilado. Após a guerra, recebeu um diploma de engenharia, estava entre os principais projetistas de naves espaciais soviéticas como Soyuz, Soyuz-T, Soyuz-TM, Progress, Progress-M, estações orbitais de longo prazo como as Salut e Mir. Uma cratera do outro lado da lua e ruas nas várias cidades da Rússia receberam o nome dele.

 

O médico foi Boris Yegorov (1937-1994), médico hereditário, filho do acadêmico de medicina, famoso neurocirurgião Boris Yegorov. Após o voo, ele abandonou o espaço e se dedicou inteiramente ao estudo de problemas biomédicos. Em 1967, defendeu sua tese e em 1984, tornou-se fundador do Instituto de Pesquisa de Tecnologias Biomédicas. Era professor e autor de 120 trabalhos científicos. Em homenagem ao cosmonauta, foram nomeadas uma cratera do outro lado da lua e o asteroide número 8450.

  

A tripulação da espaçonave Voskhod 1 com Yuri Gagarin no Cosmódromo de Baikonur, um minuto de descanso.

 

A data inicial de lançamento foi marcada para agosto, portanto apenas cinco meses foram destinados para a preparação do equipamento e da primeira tripulação espacial.

 

O programa de naves Voskhod rapidamente começou a ganhar impulso. Em 13 de abril de 1964, por decreto do partido e do governo, foi decidido construir mais cinco naves, além das quatro quase concluídas, modernizando a construção destas últimas para as caminhadas espaciais. Prévios lançamentos com cosmonautas a bordo, deveriam ter sido realizados, assim como lançamentos com animais.

 

No entanto, em julho de 1964, ficou claro que o lançamento da tripulação espacial não aconteceria em agosto, já que não houve tempo para terminar de testar os sistemas de pouso e aterrisagem suave. Foi adiada a produção do novo veículo de lançamento de três estágios da série R-7, que também recebeu o nome Voskhod. Somente no final de setembro de 1964 todos os testes e verificações do novo complexo de foguetes espaciais foram concluídos com sucesso. Em 4 de outubro, ocorreu o primeiro lançamento não tripulado da Voskhod, com três manequins a bordo. O voo durou um dia, o veículo de descida pousou com sucesso no Cazaquistão. Depois disso, o foguete e a nave Voskhod foram reconhecidos como prontos para voos tripulados.

 

Serguei Koroliov e a tripulação da Voskhod 1 antes do lançamento. Foi nesses trajes (jaquetas azuis, calças cinzas, capacetes brancos) que os cosmonautas voaram, tornando-se este o primeiro voo espacial sem trajes espaciais na história.

  

A espaçonave Voskhod 1 na plataforma de lançamento, aguardando o comando "Arranque!", em 12 de outubro de 1964.

 

Exatamente às 10:30, horário de Moscou, a nave arrancou. Uma tensão incrível reinou no Posto de Comando. Somente após 523 segundos todos deram um suspiro de alívio: a nave entrou em órbita com segurança.

 

Crônica do voo

 

Cidadãos da URSS receberam as notícias do voo da primeira tripulação espacial com incrível entusiasmo.

 

Edição do jornal Izvestia de 12 de outubro de 1964, trazendo uma manchete sobre o voo da Voskhod.

 

Vamos nos desviar por um momento para dizer algumas palavras sobre o contexto em que ocorreu este voo. Naquele momento nem tudo estava calmo na URSS: devido à falha da liderança incompetente de Nikita Khrushchov, pessoa de baixa escolaridade e caráter aventureiro, trotskista escondido por convicções, o país se encontrava em uma situação muito difícil. Sem conhecimento e sempre sendo um projetista, ele arruinou completamente a agricultura com seus projetos e reformas selvagens, na medida em que a Rússia, historicamente o maior país produtor de grãos, foi forçada a comprar pão no Canadá e nos EUA. Por culpa de Khrushchov, houve grandes problemas de escassez de alimentos no país; na década de 1960, foi restaurado o sistema de cartões de supermercado (!), que foram cancelados ainda em 1948 sob Stalin, depois de uma terrível guerra. Quando, em conexão com isso, houve agitação dos trabalhadores na cidade de Novocherkassk, Khrushchov não hesitou em dar a ordem de "tranquilizá-los a todo custo", sendo os trabalhadores, baleados. Ele voluntariamente transferiu a Crimeia da Rússia para compor parte de sua terra natal, a Ucrânia, e esse problema ainda está repercutindo fortemente em todos nós; além disso, Khrushchov tinha muitos mais "méritos" perante o nosso país em diferentes áreas. Em suma, ao longo dos dez anos de seu governo autoritário, ele causou danos (e não apenas materiais) à União Soviética, comparáveis a uma grande guerra. No contexto do incrível culto de sua própria personalidade criado por ele, todos o odiavam, sendo o "Czar Nikita" constantemente ridicularizado em anedotas.

 

...Então, Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético, relatou pessoalmente sobre o bem-sucedido lançamento não tripulado da Voskhod a Khrushchov, que naquela data estava descansando no Sul, e depois, a Leonid Brejnev e outros funcionários do Kremlin do mais alto nível. Contudo, todos eles tinham outras preocupações além do cosmos: estavam preparando a remoção de Khrushchov do poder, o que de fato aconteceria um dia depois.

 

No entanto, a equipe dos "Rubis" começou a executar o programa de voo. "Rubi" era o indicativo de chamada da tripulação da Voskhod 1. O indicativo de Sergei Korolev era "Vigésimo". Em constante contato com a tripulação também estava Yuri Gagarin.

 

Em 24 horas, uma nave espacial faz 16 rodadas, ou órbitas, em torno da Terra.

 

Na 1a rodada, Yegorov conduziu o controle médico da tripulação e todos almoçaram.

 

Na 2ª rodada, os cosmonautas transmitiram saudações aos participantes das Olimpíadas de Tóquio.

 

Na terceira e quarta rodadas, foram realizados estudos fisiológicos: pressão arterial, ventilação pulmonar, foram tomados esfregaços de sangue. Usando tabelas especiais, foi estudada a eficiência dos cosmonautas nas primeiras horas de voo.

 

Na 4ª rodada, os cosmonautas jantaram.

 

Na 5ª rodada, de acordo com o plano de voo, Komarov tentou dormir. Feoktistov e Yegorov estavam de vigia, conversavam com a Terra e realizavam experimentos. Feoktistov observava as nuvens, determinando, com ajuda de seus instrumentos, seu brilho, contraste e transparência e fixando sua iluminação em diferentes ângulos. Yegorov estudava o sistema cardiovascular e o aparelho vestibular primeiro em si, depois em Feoktistov.

 

Na 6ª rodada, Komarov orientou manualmente a nave para pousar, e Feoktistov registrou esse processo. Yegorov estava descansando naquele momento.

 

Na sétima e oitava rodadas, foi realizada uma sessão de comunicação pela televisão. Os rostos dos cosmonautas foram vistos pela primeira vez na Terra, sendo os membros da Comissão Estatal capazes de se comunicar com eles.

 

Da 9a ao 13a rodadas, a nave estava fora da zona de visibilidade por rádio do território da União Soviética. Apesar disso, os cosmonautas trabalhavam em programas individuais, descansando um de cada vez.

 

Na 14ª rodada, os cosmonautas transmitiram parâmetros de todos os sistemas da espaçonave e adotaram recomendações para controle manual em caso de falha na automação.

 

Na 15ª rodada, Komarov testou novamente o sistema de controle e orientação manual da nave. Feoktistov fotografava o horizonte e determinava a capacidade de trabalho por tabelas de teste especiais. Yegorov estava descansando.

 

O voo de uma espaçonave soviética de múltiplos assentos causou enorme ressonância em todo o mundo. Ao mesmo tempo, devido ao sigilo, não foi publicada nem sequer a aparência tanto do foguete, como da nova nave, o que causou as mais incríveis conjecturas. Barry Goldwater, famoso senador "falcão" americano, até chamou a Voskhod de protótipo da "nave de guerra espacial" soviética. Aos criadores da Voskhod apenas restava se lembrar do provérbio russo "o medo tem grandes olhos".

 

Em 13 de outubro, às oito da manhã, Koroliov decidiu informar Nikita Khrushchov sobre a conclusão do voo. Entrou em contato com o ainda líder do Estado soviético por telefone e recebeu seu consentimento para o pouso da nave. Não havia necessidade disso, a nave teria pousado de qualquer maneira, mas as regras de cortesia política o exigiam... Esta foi a última conversa entre Koroliov e Khrushchov, a quem os camaradas do Kremlin retiraram do governo poucas horas depois.

 

Em continuação, um relato extraído das memórias do acadêmico Boris Chertok, engenheiro projetista, um dos associados mais próximos de Serguei Koroliov, participante direto do evento. Antes de emitir um comando para iniciar o ciclo de descida, Koroliov pediu a Gagarin que chamasse Komarov para comunicação.

 

Serguei Koroliov, em contato com a tripulação da espaçonave Voskhod 1.

 

"Eu sou 'Vigésimo'. Como você está se sentindo e se está pronto para as operações finais?", perguntou Koroliov.

 

"Eu sou 'Rubi', me sinto bem. Muitos fenômenos interessantes. Eu gostaria de continuar trabalhando", respondeu Komarov.

 

Koroliov olhou para os outros. A maioria balançou a cabeça negativamente. Sim, ficava claro para o Engenheiro Chefe que continuar por mais um dia era muito arriscado. Sorrindo um pouco, ele pressionou a tangente do microfone e respondeu:

 

"Mas não tínhamos esse acordo!"

 

"Sim, não houve, mas aqui há muitas novidades".

 

"Você não poderá revisar exaustivamente todos os milagres, 'Rubi'. Como você entende? Eu sou o 'Vigésimo', recepção!"

 

"'Vigésimo', eu sou 'Rubi'. Eu lhe entendo. Pronto para as operações finais".

 

"'Rubi', eu sou 'Vigésimo'. Todos nós, seus camaradas, estamos aqui. Desejamos-lhe um vento propício".

 

Na 16ª rodada, às 09:55:39 UHF, ativou-se automaticamente o sistema de orientação, e às 10:18:58, sob o Golfo da Guiné, foi ativado o sistema de propulsão de frenagem. Mas por alguma razão não foi possível estabelecer comunicação com a nave. Navios de rastreamento também não captaram nada.

 

O que são navios de rastreamento? Para controlar o voo da espaçonave, foi criado um complexo de comando e medição: o Centro de Controle de Missão (CCM) mais uma grande rede de pontos de medição em terra. Após o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra em outubro de 1957, os cálculos balísticos mostraram que das 16 rodadas que uma nave espacial faz em um dia, seis passam sobre os oceanos. Elas foram chamadas de "pontos mortos", já que eram "invisíveis" do território da URSS, o que significava que o voo passava às cegas, sem possibilidade de controlá-lo. Não tínhamos ilhas e bases no outro hemisfério para equipar pontos de medição ali. Por isso, em 1960 foi criada a frota espacial soviética, cujos navios científicos forneciam à conexão da Terra com o espaço em qualquer ponto dos oceanos.

 

Navio de rastreamento "Cosmonauta Yuri Gagarin", da frota espacial da URSS, 1970.

 

Às 10:25, dos navios de rastreamento chegou a mensagem de que o mecanismo funcionou o tempo predeterminado e nem houve conexão com a nave...

 

Então a incerteza agonizante começou. Todos se reuniram em silêncio, aguardando os relatórios do chefe do serviço de busca, o General Kutasin. Quando ele relatou que Mikhailov, piloto da aeronave Il-14 "está observando o objeto", Koroliov não aguentou, pegou o microfone de Gagarin e gritou:
"Eu sou o 'Vigésimo'!" Quantos paraquedas o piloto vê, um ou dois? Se foi aberta uma cúpula apenas, é ruim para os cosmonautas, a lesão é inevitável".

 

Finalmente, veio a mensagem de Mikhailov comunicando que o veículo de descida desce em dois paraquedas. Logo chegou a informação de que Mikhailov estava observando o veículo de descida no chão e ao lado dele, três cosmonautas agitando as mãos. Das memórias do acadêmico Chertok: "Caro e desconhecido piloto Mikhailov! Se você soubesse que trovão de aplausos, que abraços seguiram sua curta mensagem!".

 

O voo espacial soviético mais arriscado terminou com sucesso. Do local de pouso, os cosmonautas foram levados de helicóptero para Kustanai (então Cazaquistão soviético) e de lá pelo avião Il-18 (este avião sofreu uma queda catastrófica cinco dias mais tarde na Iugoslávia) foram trazidos para o Baikonur. A Comissão Estatal também se reuniu lá.

 

A equipe da Voskhod estabeleceu quatro recordes mundiais em sua classe:

- Altura máxima do voo espacial (408 km);

- Peso máximo (5320 kg), elevado a essa altura;

- Alcance (669 784,027 km);

- Duração do voo (24 horas 17 minutos e 03 segundos).

 

Todos estavam esperando pelos parabéns de Khrushchov, mas nada foi recebido. Pela tarde do mesmo dia, ligaram de Moscou comunicando, sem oferecer explicações, que não haverá parabéns.

 

Em 14 de outubro, soube-se da remoção de Khrushchov. A Comissão Estatal foi para Moscou, e os cosmonautas permaneceram no campo de treinamento para aguardar um convite especial. Somente no quinto dia foram recebidos solenemente em Moscou. Tendo subido à órbita sob o governo de Khrushchov, os cosmonautas tiveram que relatar sobre a conclusão do voo ao novo líder soviético, Leonid Brejnev.

 

Era assim que Moscou recebia todos os cosmonautas soviéticos: no aeroporto capitalino de Vnukovo, no tapete vermelho.

 

 

A comitiva acompanha os cosmonautas do aeroporto para Moscou.

 

 

Moscou recebe entusiasticamente os cosmonautas heróis.

 

   

A primeira tripulação espacial na história recebeu as medalhas de Piloto Cosmonauta da URSS e os maiores prêmios do país, a Ordem de Lenin e a Estrela Dourada do Herói da União Soviética.

 

Em 18 de março de 1965, foi realizado o segundo voo em grupo, na espaçonave Voskhod 2, com a tripulação composta pelos cosmonautas Pavel Belyayev e Aleksei Leonov, sendo efetuada a primeira caminhada espacial na história. Havia dois cosmonautas, porque desta vez era impossível realizar a missão sem trajes espaciais.

 

Reconstrução digital: a espaçonave Voskhod 2, com uma eclusa de ar, e a caminhada espacial do cosmonauta Aleksei Leonov. Para não despressurizar a cabine do piloto, os projetistas soviéticos inventaram uma eclusa de ar na forma de um tubo, através da qual Leonov saiu ao espaço, enquanto Belyayev, o piloto, permanecia na cabine. Com o retorno de Leonov à cabine, essa eclusa foi separada da nave como desnecessária.

 

Depois disso, em fevereiro de 1966, outro lançamento não tripulado de uma nave do tipo Voskhod foi realizado com os cães Ugoliok e Veterok a bordo, eles passaram 22 dias em voo e retornaram com sucesso ao solo.

 

O médico cosmonauta Boris Yegorov preparando os cães Ugoliok e Veterok para o voo.

 

As próximas naves espaciais Voskhod, até o Voskhod 7, deveriam realizar toda uma série de programas e pesquisas mais recentes, incluindo a caminhada espacial da tripulação feminina, operações a bordo, testes da instalação já criada para o movimento autônomo de um cosmonauta no espaço aberto, etc.

 

Mas, em 14 de janeiro de 1966, durante uma operação cirúrgica, morreu Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético. Sucedeu-lhe Vasili Mishin; na opinião dele, a Voskhod, criada com base na espaçonave Vostok, estava desatualizado e não atendia às crescentes necessidades da exploração espacial tripulada.

 

Acadêmico Vasili Mishin, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético de 1966 a 1974.

 

Vasili Mishin obteve permissão da liderança do complexo industrial militar do país para interromper a produção das Voskhods e encerrar este programa de pesquisa para criar uma nova espaçonave tripulada universal, a Soyuz.

 

Nave espacial Soyuz-TMA-M.

 

E assim o projeto "Voskhod" foi encerrado. A cosmonáutica soviética mudou exclusivamente para naves espaciais do tipo Soyuz, que até hoje voam com sucesso em várias modificações.

  

Natália Dyakonova é articulista, pesquisadora em ufologia e correspondente em Moscou/Rússia para Via Fanzine ASTROvia.

 

- Tradução do russo ao português: Oleg Dyakonov.

 

- Ilustrações: Fontes livres da internet/divulgação/Google Images.

 

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