URSS:
Viagens em grupo: o
Projeto Voskhod
Fez 55
anos, em 12 de outubro de 1964, o primeiro voo espacial em grupo da
história, na espaçonave soviética Voskhod 1. Esta missão foi associada
ao risco mortal para sua tripulação, mas lançou as bases para uma nova
etapa na exploração espacial ao usar naves de múltiplos assentos.
Por Natália P. Dyakonova*
De Moscou/Rússia
Para
Via Fanzine &
ASTROvia
08/11/2019
Na URSS, a nova espaçonave de assentos múltiplos Soyuz estava na fase de
projeção. Ninguém queria conceder sua primazia no espaço, mas o tempo
forçava a se apressar.
Leia também outras matérias especiais:
O Caso Komarov: Nada na Terra se passa em
vão
Konstantin Tsiolkovsky: o pai da cosmonáutica
russa
O
misterioso perecimento do grupo de Ígor Dyátlov
O misterioso caso de Ettore Majorana
O estranho sumiço de Valentich
Há que
seguir adiante
Como é
sabido, a exploração espacial humana começou em 12 de abril de 1961 com
o voo do cosmonauta soviético Yuri Gagarin na nave Vostok 1.
Depois de
seis voos bem-sucedidos em naves Vostok de assento único, a cosmonáutica
soviética teve que enfrentar uma nova tarefa fundamental. A ideia de
voos contínuos de naves de assento único já estava esgotada, embora a
Força Aérea Soviética, na pessoa do tenente-general Nicolái Kamánin,
ainda planejasse realizar novos voos de cosmonautas nas Vostoks, desta
vez mais prolongados, de até 10 a 11 dias (na época, a duração máxima
era a do voo do cosmonauta Valeri Bykovsky na nave Vostok 5 ‒ cinco
dias).
Apesar de a
URSS ter sido capaz de demonstrar ao mundo a superioridade de sua
tecnologia espacial, os rivais americanos, sob o lema "não entregaremos
o espaço aos vermelhos", não pretendiam conceder. Nos EUA, eles estavam
em pleno andamento se preparando para a implementação do programa de
voos tripulados de naves de dois assentos Gemini. As novas naves
americanas eram projetadas levando em consideração as capacidades de
atracação, caminhadas espaciais de astronautas e realização de voos mais
prolongados.
Na URSS, a
nova espaçonave de assentos múltiplos Soyuz estava na fase de projeção.
Ninguém queria conceder sua primazia no espaço, mas o tempo forçava a se
apressar.
E a solução
foi encontrada.
À disposição
de Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético,
havia quatro naves Vostok em construção. Elas não poderiam trazer um
efeito político sério, a atenção da liderança do país para elas também
enfraqueceu. Neste contexto, Koroliov, pela primeira vez, propôs
publicamente fazer da Vostok uma nave de três assentos. Os projetistas,
liderados por Konstantin Feoktistov, recusaram categoricamente: a
alteração da nave acarretava uma mudança inevitável em todo o esquema de
voo e, especialmente, no do desembarque.
Nave "Vostok",
com um único assento na cabine.
Qual era o
problema? Nas naves Vostok, o cosmonauta vestido com traje espacial
estava alojado em um assento especial de ejeção. No último estágio do
pouso, depois de o veículo de descida frear na atmosfera, a uma altitude
de sete quilômetros, o cosmonauta ejetava da cabine e fazia um pouso de
paraquedas. Além disso, foi possível ao cosmonauta pousar dentro do
veículo de descida. Este possuía seu próprio paraquedas, mas não estava
equipado com meios de aterrissagem suave, o que ameaçava à pessoa que
permanecia nele com golpe grave durante o pouso.
Na nova
versão da nave, dado o tamanho pequeno da cabine da nave de assento
único, os cosmonautas tiveram que voar sem trajes espaciais nem
catapulta e pousar no veículo de descida. Isso ameaçava com a morte da
tripulação em qualquer acidente do veículo de lançamento ou durante a
despressurização do veículo de descida. Portanto, os projetistas se
opuseram fortemente à ideia.
Então,
Koroliov empreendeu um truque, dando aos engenheiros a tentadora
promessa de reservar assento na futura nave para um deles. Muitos
engenheiros sonhavam em ir para o espaço e observar o trabalho de suas
invenções na prática, mas quase não havia esperança a isso: para o
espaço, eram enviados unicamente pilotos militares com treinamento
especial. Konstantin Feoktistov, talentoso engenheiro projetista, já
tinha pedido previamente a Koroliov para ser o primeiro homem enviado ao
espaço, já que ele conhecia bem tanto o foguete, como a nave. Mas
Koroliov não quis nem ouvir disso e o primeiro a voar no espaço chegou a
ser Yuri Gagarin. Mas então Koroliov lembrou daquele pedido de
Feoktistov.
A proposta
do Engenheiro Chefe foi recebida com entusiasmo – como não recordar aqui
a famosa "roleta russa" e o amor nacional pelo risco? E essa foi uma
verdadeira "roleta russa" para a tripulação, porque a cosmonáutica se
encontrava na infância, tudo era feito pela primeira vez e às
apalpadelas, de modo que lançamentos de testes bem-sucedidos
alternavam-se com falhas, como mostram as estatísticas daqueles anos. E
foi precisamente o engenheiro projetista Konstantin Feoktistov quem
liderou todo o trabalho relacionado à nova versão da espaçonave.
Apesar dos
enormes riscos para futuros cosmonautas, a ideia de Koroliov foi
totalmente apoiada pelo líder soviético Nikita Khrushchov. A nova nave
recebeu o nome Voskhod, que em russo significa "nascer do sol". A
vontade política que consolidou o novo rumo foi manifestada em fevereiro
de 1964, quando foi oficialmente decidido reverter as quatro naves
Vostoks que estavam em construção nas novas Voskhods e assim, finalizar
a produção das Vostoks.
A
espaçonave Voskhod
Na verdade,
a nova nave não era muito diferente da sua antecessora, a Vostok: o
mesmo veículo de descida esférico, a mesma composição (veículo de
descida pressurizado mais um compartimento não pressurizado de
instrumentos e montagem), as mesmas dimensões – 5 metros de comprimento
por 2,43 metros de diâmetro.
A principal
diferença se encontrava dentro do veículo de descida: colocar três
pessoas na esfera originalmente projetada para uma pessoa – era preciso
se esforçar para conseguir isso. Os engenheiros soviéticos queriam se
antecipar aos americanos não apenas em termos de tempo, mas também em
tecnologia: as naves Gemini americanas foram projetadas com dois
assentos, então, a nossa nave será de três; como a Gemini fornece
despressurização completa para a caminhada espacial, então, nós teremos
uma eclusa de ar. Bem, há que admitir que a rivalidade na corrida
espacial beneficiou o progresso tecnológico.
Foram
criadas três modificações da nave.
A primeira,
sob o índice de 3KV, foi destinada especificamente para o voo de três
pessoas. Como já mencionado acima, os projetistas assumiram um risco
deliberado e fatal, abandonando não apenas os sistemas de ejeção, mas
também trajes espaciais de resgate. Os cosmonautas, em fatos de treino
comuns, estavam alojados em cadeiras individuais especialmente
projetadas, deitados de costas com os joelhos dobrados. As próprias
cadeiras estavam localizadas em forma de degraus.
Esquemas
comparativos de naves espaciais do tipo Vostok, Voskhod 1 e Voskhod 2,
este último com uma eclusa de ar para sair ao espaço.
Pela
primeira vez, os cosmonautas deveriam pousar, permanecendo dentro da
nave, os assentos foram equipados com amortecedores especiais. Para
suavizar a aterrissagem, o sistema principal de paraquedas tinha dois
paraquedas e motores de freio em pólvora nos estilingues, acionados após
o sinal de uma sonda especial, que era a primeira a tocar o chão. Na
parte superior do veículo de descida esférico, também foi instalado um
motor de freio à base de pólvora. A Voskhod 3KV foi equipada com
equipamentos aprimorados de rádio e televisão e um sistema de orientação
adicional com sensores de íons.
As melhorias
introduzidas possibilitaram o voo de três cosmonautas, mas ao mesmo
tempo excluíram completamente a possibilidade de salvar a tripulação em
caso de acidente no lançamento ou nos primeiros 27 segundos de voo. Nada
poderia salvar os cosmonautas no caso de despressurização da nave no
espaço. Além disso, a nave não possuía sistema reserva de paraquedas e,
se o sistema principal falhasse, a morte da tripulação também se
tornaria inevitável.
Montagem
da nave Voskhod 1.
Finalmente,
aumentou o próprio peso da nave: a massa da Gemini foi de apenas 3,8
toneladas, a da Vostok, de 4,73, e a Voskhod 1 com suas 5,32 toneladas
pesava quase duas toneladas mais que a Gemini. A diferença no peso das
naves deveu-se à grande quantidade de automação em nossas naves,
enquanto os americanos se fiavam em grande medida das ações humanas. O
acadêmico Boris Chertok escreveu em suas memórias: "Dez anos após o voo
da Voskhod 2, quando os americanos se familiarizaram com o nosso
equipamento durante o projeto conjunto do EPAS (voo conjunto de naves
Apollo-Soyuz), eles ficaram surpresos com a nossa capacidade de controle
totalmente automatizado, sem a utilização do computador de bordo nem a
intervenção humana". Portanto, para colocar a pesada Voskhod em órbita,
seria necessário instalar um terceiro estágio completo no foguete padrão
R-7. Como resultado, foi criado o novo foguete Voskhod (11A57), de três
estágios.
A
montagem do novo veículo de lançamento.
Tripulação
Em março de
1964, a Comissão Industrial Militar ordenou que a Força Aérea preparasse
para a Voskhod uma tripulação de três pessoas, composta por um
cosmonauta-comandante e dois "passageiros", um engenheiro e um médico.
A
tripulação da espaçonave Voskhod 1: comandante Vladimir Komarov,
engenheiro de voo Konstantin Feoktistov (à esquerda) e o médico Boris
Yegorov.
O comandante
da tripulação espacial foi Vladimir Komarov (1927-1967),
engenheiro coronel, piloto de caça e testador de novos equipamentos
militares. Ele fez dois voos espaciais nas naves Voskhod 1 e Soyuz 1,
falecendo tragicamente na fase final da segunda. [N.E.: Mais detalhes
sobre Vladimir Komarov são descritos no artigo "Nada
na Terra se passa em vão",
por Natália Dyakonova, para
ASTROvia].
Em homenagem a Komarov, foram nomeados uma cratera na Lua, o navio
soviético "Cosmonauta Vladimir Kmarov", ruas em várias cidades da
Rússia, como também nas cidades alemãs de Leipzig, Schwerin, Zwickau,
Frankfurt an der Oder (na antiga RDA) e na metrópole da cidade francesa
de Lyon. Em homenagem ao ilustre cosmonauta, o compositor australiano
Dean Brett criou a composição musical "A queda de Komarov", apresentada
pela Orquestra Sinfônica de Berlim em 2006.
O engenheiro
de voo foi Konstantin Feoktistov (1926-2009). Participante da
guerra contra a Alemanha nazista (1941-1945), ele abandonou a escola e
foi voluntariamente para a frente, tornando-se explorador da unidade
militar. Durante a missão de reconhecimento na cidade de Voronej,
Feoktistov foi capturado por uma patrulha alemã e milagrosamente
sobreviveu após ser fuzilado. Após a guerra, recebeu um diploma de
engenharia, estava entre os principais projetistas de naves espaciais
soviéticas como Soyuz, Soyuz-T, Soyuz-TM, Progress, Progress-M, estações
orbitais de longo prazo como as Salut e Mir. Uma cratera do outro lado
da lua e ruas nas várias cidades da Rússia receberam o nome dele.
O médico foi
Boris Yegorov (1937-1994), médico hereditário, filho do acadêmico
de medicina, famoso neurocirurgião Boris Yegorov. Após o voo, ele
abandonou o espaço e se dedicou inteiramente ao estudo de problemas
biomédicos. Em 1967, defendeu sua tese e em 1984, tornou-se fundador do
Instituto de Pesquisa de Tecnologias Biomédicas. Era professor e autor
de 120 trabalhos científicos. Em homenagem ao cosmonauta, foram nomeadas
uma cratera do outro lado da lua e o asteroide número 8450.
A
tripulação da espaçonave Voskhod 1 com Yuri Gagarin no Cosmódromo de
Baikonur, um minuto de descanso.
A data
inicial de lançamento foi marcada para agosto, portanto apenas cinco
meses foram destinados para a preparação do equipamento e da primeira
tripulação espacial.
O programa
de naves Voskhod rapidamente começou a ganhar impulso. Em 13 de abril de
1964, por decreto do partido e do governo, foi decidido construir mais
cinco naves, além das quatro quase concluídas, modernizando a construção
destas últimas para as caminhadas espaciais. Prévios lançamentos com
cosmonautas a bordo, deveriam ter sido realizados, assim como
lançamentos com animais.
No entanto,
em julho de 1964, ficou claro que o lançamento da tripulação espacial
não aconteceria em agosto, já que não houve tempo para terminar de
testar os sistemas de pouso e aterrisagem suave. Foi adiada a produção
do novo veículo de lançamento de três estágios da série R-7, que também
recebeu o nome Voskhod. Somente no final de setembro de 1964 todos os
testes e verificações do novo complexo de foguetes espaciais foram
concluídos com sucesso. Em 4 de outubro, ocorreu o primeiro lançamento
não tripulado da Voskhod, com três manequins a bordo. O voo durou um
dia, o veículo de descida pousou com sucesso no Cazaquistão. Depois
disso, o foguete e a nave Voskhod foram reconhecidos como prontos para
voos tripulados.
Serguei
Koroliov e a tripulação da Voskhod 1 antes do lançamento. Foi nesses
trajes (jaquetas azuis, calças cinzas, capacetes brancos) que os
cosmonautas voaram, tornando-se este o primeiro voo espacial sem trajes
espaciais na história.
A
espaçonave Voskhod 1 na plataforma de lançamento, aguardando o comando
"Arranque!", em 12 de outubro de 1964.
Exatamente
às 10:30, horário de Moscou, a nave arrancou. Uma tensão incrível reinou
no Posto de Comando. Somente após 523 segundos todos deram um suspiro de
alívio: a nave entrou em órbita com segurança.
Crônica
do voo
Cidadãos da
URSS receberam as notícias do voo da primeira tripulação espacial com
incrível entusiasmo.
Edição do
jornal Izvestia de 12 de outubro de 1964, trazendo uma manchete sobre o
voo da Voskhod.
Vamos nos
desviar por um momento para dizer algumas palavras sobre o contexto em
que ocorreu este voo. Naquele momento nem tudo estava calmo na URSS:
devido à falha da liderança incompetente de Nikita Khrushchov, pessoa de
baixa escolaridade e caráter aventureiro, trotskista escondido por
convicções, o país se encontrava em uma situação muito difícil. Sem
conhecimento e sempre sendo um projetista, ele arruinou completamente a
agricultura com seus projetos e reformas selvagens, na medida em que a
Rússia, historicamente o maior país produtor de grãos, foi forçada a
comprar pão no Canadá e nos EUA. Por culpa de Khrushchov, houve grandes
problemas de escassez de alimentos no país; na década de 1960, foi
restaurado o sistema de cartões de supermercado (!), que foram
cancelados ainda em 1948 sob Stalin, depois de uma terrível guerra.
Quando, em conexão com isso, houve agitação dos trabalhadores na cidade
de Novocherkassk, Khrushchov não hesitou em dar a ordem de "tranquilizá-los
a todo custo", sendo os trabalhadores, baleados. Ele voluntariamente
transferiu a Crimeia da Rússia para compor parte de sua terra natal, a
Ucrânia, e esse problema ainda está repercutindo fortemente em todos
nós; além disso, Khrushchov tinha muitos mais "méritos" perante o nosso
país em diferentes áreas. Em suma, ao longo dos dez anos de seu governo
autoritário, ele causou danos (e não apenas materiais) à União
Soviética, comparáveis a uma grande guerra. No contexto do incrível
culto de sua própria personalidade criado por ele, todos o odiavam,
sendo o "Czar Nikita" constantemente ridicularizado em anedotas.
...Então,
Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético,
relatou pessoalmente sobre o bem-sucedido lançamento não tripulado da
Voskhod a Khrushchov, que naquela data estava descansando no Sul, e
depois, a Leonid Brejnev e outros funcionários do Kremlin do mais alto
nível. Contudo, todos eles tinham outras preocupações além do cosmos:
estavam preparando a remoção de Khrushchov do poder, o que de fato
aconteceria um dia depois.
No entanto,
a equipe dos "Rubis" começou a executar o programa de voo. "Rubi" era o
indicativo de chamada da tripulação da Voskhod 1. O indicativo de Sergei
Korolev era "Vigésimo". Em constante contato com a tripulação também
estava Yuri Gagarin.
Em 24 horas,
uma nave espacial faz 16 rodadas, ou órbitas, em torno da Terra.
Na 1a
rodada, Yegorov conduziu o controle médico da tripulação e todos
almoçaram.
Na 2ª
rodada, os cosmonautas transmitiram saudações aos participantes das
Olimpíadas de Tóquio.
Na terceira
e quarta rodadas, foram realizados estudos fisiológicos: pressão
arterial, ventilação pulmonar, foram tomados esfregaços de sangue.
Usando tabelas especiais, foi estudada a eficiência dos cosmonautas nas
primeiras horas de voo.
Na 4ª
rodada, os cosmonautas jantaram.
Na 5ª
rodada, de acordo com o plano de voo, Komarov tentou dormir. Feoktistov
e Yegorov estavam de vigia, conversavam com a Terra e realizavam
experimentos. Feoktistov observava as nuvens, determinando, com ajuda de
seus instrumentos, seu brilho, contraste e transparência e fixando sua
iluminação em diferentes ângulos. Yegorov estudava o sistema
cardiovascular e o aparelho vestibular primeiro em si, depois em
Feoktistov.
Na 6ª
rodada, Komarov orientou manualmente a nave para pousar, e Feoktistov
registrou esse processo. Yegorov estava descansando naquele momento.
Na sétima e
oitava rodadas, foi realizada uma sessão de comunicação pela televisão.
Os rostos dos cosmonautas foram vistos pela primeira vez na Terra, sendo
os membros da Comissão Estatal capazes de se comunicar com eles.
Da 9a
ao 13a rodadas, a nave estava fora da zona de visibilidade
por rádio do território da União Soviética. Apesar disso, os cosmonautas
trabalhavam em programas individuais, descansando um de cada vez.
Na 14ª
rodada, os cosmonautas transmitiram parâmetros de todos os sistemas da
espaçonave e adotaram recomendações para controle manual em caso de
falha na automação.
Na 15ª
rodada, Komarov testou novamente o sistema de controle e orientação
manual da nave. Feoktistov fotografava o horizonte e determinava a
capacidade de trabalho por tabelas de teste especiais. Yegorov estava
descansando.
O voo de uma
espaçonave soviética de múltiplos assentos causou enorme ressonância em
todo o mundo. Ao mesmo tempo, devido ao sigilo, não foi publicada nem
sequer a aparência tanto do foguete, como da nova nave, o que causou as
mais incríveis conjecturas. Barry Goldwater, famoso senador "falcão"
americano, até chamou a Voskhod de protótipo da "nave de guerra
espacial" soviética. Aos criadores da Voskhod apenas restava se lembrar
do provérbio russo "o medo tem grandes olhos".
Em 13 de
outubro, às oito da manhã, Koroliov decidiu informar Nikita Khrushchov
sobre a conclusão do voo. Entrou em contato com o ainda líder do Estado
soviético por telefone e recebeu seu consentimento para o pouso da nave.
Não havia necessidade disso, a nave teria pousado de qualquer maneira,
mas as regras de cortesia política o exigiam... Esta foi a última
conversa entre Koroliov e Khrushchov, a quem os camaradas do Kremlin
retiraram do governo poucas horas depois.
Em
continuação, um relato extraído das memórias do acadêmico Boris Chertok,
engenheiro projetista, um dos associados mais próximos de Serguei
Koroliov, participante direto do evento. Antes de emitir um comando para
iniciar o ciclo de descida, Koroliov pediu a Gagarin que chamasse
Komarov para comunicação.
Serguei
Koroliov, em contato com a tripulação da espaçonave Voskhod 1.
"Eu sou
'Vigésimo'. Como você está se sentindo e se está pronto para as
operações finais?", perguntou Koroliov.
"Eu sou
'Rubi', me sinto bem. Muitos fenômenos interessantes. Eu gostaria de
continuar trabalhando", respondeu Komarov.
Koroliov
olhou para os outros. A maioria balançou a cabeça negativamente. Sim,
ficava claro para o Engenheiro Chefe que continuar por mais um dia era
muito arriscado. Sorrindo um pouco, ele pressionou a tangente do
microfone e respondeu:
"Mas não
tínhamos esse acordo!"
"Sim, não
houve, mas aqui há muitas novidades".
"Você não
poderá revisar exaustivamente todos os milagres, 'Rubi'. Como você
entende? Eu sou o 'Vigésimo', recepção!"
"'Vigésimo',
eu sou 'Rubi'. Eu lhe entendo. Pronto para as operações finais".
"'Rubi', eu
sou 'Vigésimo'. Todos nós, seus camaradas, estamos aqui. Desejamos-lhe
um vento propício".
Na 16ª
rodada, às 09:55:39 UHF, ativou-se automaticamente o sistema de
orientação, e às 10:18:58, sob o Golfo da Guiné, foi ativado o sistema
de propulsão de frenagem. Mas por alguma razão não foi possível
estabelecer comunicação com a nave. Navios de rastreamento também não
captaram nada.
O que são
navios de rastreamento? Para controlar o voo da espaçonave, foi criado
um complexo de comando e medição: o Centro de Controle de Missão (CCM)
mais uma grande rede de pontos de medição em terra. Após o lançamento do
primeiro satélite artificial da Terra em outubro de 1957, os cálculos
balísticos mostraram que das 16 rodadas que uma nave espacial faz em um
dia, seis passam sobre os oceanos. Elas foram chamadas de "pontos
mortos", já que eram "invisíveis" do território da URSS, o que
significava que o voo passava às cegas, sem possibilidade de
controlá-lo. Não tínhamos ilhas e bases no outro hemisfério para equipar
pontos de medição ali. Por isso, em 1960 foi criada a frota espacial
soviética, cujos navios científicos forneciam à conexão da Terra com o
espaço em qualquer ponto dos oceanos.
Navio de
rastreamento "Cosmonauta Yuri Gagarin", da frota espacial da URSS, 1970.
Às 10:25,
dos navios de rastreamento chegou a mensagem de que o mecanismo
funcionou o tempo predeterminado e nem houve conexão com a nave...
Então a
incerteza agonizante começou. Todos se reuniram em silêncio, aguardando
os relatórios do chefe do serviço de busca, o General Kutasin. Quando
ele relatou que Mikhailov, piloto da aeronave Il-14 "está observando o
objeto", Koroliov não aguentou, pegou o microfone de Gagarin e gritou:
"Eu sou o 'Vigésimo'!" Quantos paraquedas o piloto vê, um ou dois? Se
foi aberta uma cúpula apenas, é ruim para os cosmonautas, a lesão é
inevitável".
Finalmente,
veio a mensagem de Mikhailov comunicando que o veículo de descida desce
em dois paraquedas. Logo chegou a informação de que Mikhailov estava
observando o veículo de descida no chão e ao lado dele, três cosmonautas
agitando as mãos. Das memórias do acadêmico Chertok: "Caro e
desconhecido piloto Mikhailov! Se você soubesse que trovão de aplausos,
que abraços seguiram sua curta mensagem!".
O voo
espacial soviético mais arriscado terminou com sucesso. Do local de
pouso, os cosmonautas foram levados de helicóptero para Kustanai (então
Cazaquistão soviético) e de lá pelo avião Il-18 (este avião sofreu uma
queda catastrófica cinco dias mais tarde na Iugoslávia) foram trazidos
para o Baikonur. A Comissão Estatal também se reuniu lá.
A equipe da
Voskhod estabeleceu quatro recordes mundiais em sua classe:
- Altura
máxima do voo espacial (408 km);
- Peso
máximo (5320 kg), elevado a essa altura;
- Alcance
(669 784,027 km);
- Duração do
voo (24 horas 17 minutos e 03 segundos).
Todos
estavam esperando pelos parabéns de Khrushchov, mas nada foi recebido.
Pela tarde do mesmo dia, ligaram de Moscou comunicando, sem oferecer
explicações, que não haverá parabéns.
Em 14 de
outubro, soube-se da remoção de Khrushchov. A Comissão Estatal foi para
Moscou, e os cosmonautas permaneceram no campo de treinamento para
aguardar um convite especial. Somente no quinto dia foram recebidos
solenemente em Moscou. Tendo subido à órbita sob o governo de Khrushchov,
os cosmonautas tiveram que relatar sobre a conclusão do voo ao novo
líder soviético, Leonid Brejnev.
Era assim
que Moscou recebia todos os cosmonautas soviéticos: no aeroporto
capitalino de Vnukovo, no tapete vermelho.
A
comitiva acompanha os cosmonautas do aeroporto para Moscou.
Moscou
recebe entusiasticamente os cosmonautas heróis.
A
primeira tripulação espacial na história recebeu as medalhas de Piloto
Cosmonauta da URSS e os maiores prêmios do país, a Ordem de Lenin e a
Estrela Dourada do Herói da União Soviética.
Em 18 de
março de 1965, foi realizado o segundo voo em grupo, na espaçonave
Voskhod 2, com a tripulação composta pelos cosmonautas Pavel Belyayev e
Aleksei Leonov, sendo efetuada a primeira caminhada espacial na
história. Havia dois cosmonautas, porque desta vez era impossível
realizar a missão sem trajes espaciais.
Reconstrução digital: a espaçonave Voskhod 2, com uma eclusa de ar, e a
caminhada espacial do cosmonauta Aleksei Leonov. Para não despressurizar
a cabine do piloto, os projetistas soviéticos inventaram uma eclusa de
ar na forma de um tubo, através da qual Leonov saiu ao espaço, enquanto
Belyayev, o piloto, permanecia na cabine.
Com o retorno de Leonov
à cabine,
essa
eclusa
foi separada da
nave
como desnecessária.
Depois
disso, em fevereiro de 1966, outro lançamento não tripulado de uma nave
do tipo Voskhod foi realizado com os cães Ugoliok e Veterok a bordo,
eles passaram 22 dias em voo e retornaram com sucesso ao solo.
O médico
cosmonauta Boris Yegorov preparando os cães Ugoliok e Veterok para o
voo.
As próximas
naves espaciais Voskhod, até o Voskhod 7, deveriam realizar toda uma
série de programas e pesquisas mais recentes, incluindo a caminhada
espacial da tripulação feminina, operações a bordo, testes da instalação
já criada para o movimento autônomo de um cosmonauta no espaço aberto,
etc.
Mas, em 14
de janeiro de 1966, durante uma operação cirúrgica, morreu Serguei
Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético. Sucedeu-lhe
Vasili Mishin; na opinião dele, a Voskhod, criada com base na espaçonave
Vostok, estava desatualizado e não atendia às crescentes necessidades da
exploração espacial tripulada.
Acadêmico
Vasili Mishin, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético de 1966 a
1974.
Vasili
Mishin obteve permissão da liderança do complexo industrial militar do
país para interromper a produção das Voskhods e encerrar este programa
de pesquisa para criar uma nova espaçonave tripulada universal, a Soyuz.
Nave espacial Soyuz-TMA-M.
E assim o
projeto "Voskhod" foi encerrado. A cosmonáutica soviética mudou
exclusivamente para naves espaciais do tipo Soyuz, que até hoje voam com
sucesso em várias modificações.
* Natália
Dyakonova é articulista, pesquisadora em ufologia e correspondente em
Moscou/Rússia para Via
Fanzine e ASTROvia.
- Tradução do russo ao português: Oleg Dyakonov.
- Ilustrações: Fontes livres
da internet/divulgação/Google Images.
Leia também:
O Caso Komarov: Nada na Terra se passa em
vão
Konstantin Tsiolkovsky: o pai da cosmonáutica
russa
O
misterioso perecimento do grupo de Ígor Dyátlov
O misterioso caso de Ettore Majorana
O estranho sumiço de Valentich
Caso Rivalino: homem desaparece em Minas Gerais
Triângulo das Bermudas: o mistério tem três lados
Os mistérios milenares do Roncador
A Misteriosa 'Z' e o coronel Fawcet
Akakor: Uma fraude chamada Tatunca Nara
Especial Yuri Gagarin
Abril
de 2011:
Faz 50 anos Gagarin ganhou o espaço
Estação
Espacial comemorou a ‘Yuri’s Night’
Roskosmos
festeja 50 anos do voo de Gagarin
Um
concerto em gravidade zero para Gagarin - Ian Anderson&Catherine Coleman
ESA
Euronews: Yuri Gagarin: o primeiro Homem no espaço -
vídeo
Ele
nos contou que a Terra é azul
Porque
os russos não foram à Lua
- Leia outras matérias exclusivas de
Natália Dyakonova em português:
Tradições do Natal e Ano Novo na Rússia: história e atualidade
Mistérios em torno do geoglifo no Ural
|