História
guardada:
Os 'mortos secretos' da cosmonáutica soviética
Mitos
assustadores do "espaço vermelho".
Por Natália P. Dyakonova*
De Moscou/Rússia
Para
Via Fanzine &
ASTROvia
09/07/2019
A verdade e as fake
news sobre a morte de uma cosmonauta e outros supostos acidentes
envolvendo as viagens espaciais soviéticas.
Leia também outras matérias especiais:
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vão
Konstantin Tsiolkovsky: o pai da cosmonáutica
russa
O
misterioso perecimento do grupo de Ígor Dyátlov
O misterioso caso de Ettore Majorana
O estranho sumiço de Valentich
Você acha
que as 'fake news' são um fenômeno moderno? Não, elas existiram sempre.
Em 4 de outubro de 1957, com o lançamento do satélite artificial
soviético, começou a era espacial. E desde então, toda a história do
programa espacial soviético foi enchida por boatos, fofocas e
falsificações. Muitas delas sobrevivem até hoje. A maioria fala sobre o
"cosmonauta número zero". Tratar-se-ia de um cosmonauta que supostamente
teria voado para o espaço antes de Gagarin, queimando-se na atmosfera ou
morrendo de outra maneira horrível, mas a propaganda soviética teria
escondido cinicamente este fato da opinião pública progressista. Resulta
que está se falando num total de quase uma dúzia destes "cosmonautas
número zero", sugerindo que eles teriam voado e se queimado com a
frequência de ônibus regulares. Embora seja bastante entediante
"mastigar as crostas ressecadas" das falsificações da década de 1960,
falaremos agora sobre uma delas, já que ainda persiste na mídia
ocidental e na internet — o 'fake' da "cosmonauta Ludmila", que também
teria "se queimado viva em órbita".
Por que as
realizações cósmicas soviéticas eram afogadas na lama de falsos rumores
e 'revelações'?
Em 1955,
apenas 10 anos após a Segunda Guerra Mundial - na qual o nosso povo
havia perdido 27 milhões de vidas e um terço da riqueza nacional -, na
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), já foi construído o
primeiro cosmódromo, o de Baikonur, e foi realizado o lançamento do
primeiro satélite artificial da Terra, pelos 'bárbaros russos', em
outubro de 1957, produzindo um verdadeiro choque no mundo
(especialmente, no Ocidente).
Nossos
'amigos mortais' do Ocidente não podiam aceitar que a URSS fosse a
primeira a sair ao espaço. Os primeiros satélites, as primeiras fotos da
lua, os primeiros cães, o primeiro homem, as primeiras tripulações no
espaço, foram feitos soviéticos. Portanto, como não era possível alterar
tais êxitos, era necessário, pelo menos, desprestigiá-los. E a
propaganda ocidental imediatamente procurou maneiras de desacreditar o
que a União Soviética estava realizando no espaço. Entre outras coisas,
foram usados os 'testemunhos' de radioamadores internacionais: era
natural que os nossos únicos competidores no espaço não teriam espalhado
rumores por si sós, isso teria sido muito óbvio e primitivo.
Os
radioamadores da Itália
Os sinais
dos satélites soviéticos eram captados com admiração pelos radioamadores
do mundo inteiro. Entre estes, estavam os irmãos italianos Aquiles e
Giovanni Battista Judica-Cordiglia. Após a recepção bem-sucedida de
sinais do primeiro satélite a partir do telhado de uma casa em Turim,
eles se tornaram famosos e adquiriram por um preço simbólico um antigo
bunker alemão da Segunda Guerra Mundial, não muito longe de Turim,
equipando-o com a poderosa estação de rádio Torre Bert. Os irmãos
instalaram uma antena parabólica, que permitia assistir com sucesso à
transmissão, e todo o tempo livre estavam efetuando buscas na faixa de
VHF. Alegadamente, eles teriam alcançado tanto sucesso nesta empreitada
que até mesmo os profissionais poderiam invejá-los. Segundo suas
próprias afirmações, os entusiastas italianos, não apenas captaram
sinais de quase todos os primeiros satélites soviéticos e americanos,
mas até gravaram fitas. Dizem que os resultados de seu trabalho
impressionaram até mesmo a NASA, que convidou os irmãos para irem os
Estados Unidos e trocar experiências (um fato interessante, se olharmos
do ângulo preciso).
Os irmãos Aquiles e Giovanni Battista Judica-Cordiglia.
"...A Torre
Bert rapidamente tornou-se o centro da atenção da mídia. Muitas das
interceptações relevantes foram feitas na presença de mídia nacional e
internacional. Alguns dos mais respeitados jornalistas italianos
'viviam' em Torre Bert, compartilhando a comida com a família
Judica-Cordiglia para estarem presentes na interceptação de
transmissões. O vice-cônsul dos EUA em Turim forneceu dados de
inteligência e um aviso antecipado de possíveis futuros lançamentos
soviéticos" (J. Abrate, pesquisador italiano, um dos autores do
site "Cosmonautas Perdidos").
Os irmãos
supostamente testemunharam as transmissões de bordo da Vostok I de Yuri
Gagarin e registraram a saída de Aleksei Leonov ao espaço aberto.
Alegadamente, a própria KGB os teria 'caçado' buscando os seus serviços,
mas eles acabaram por trabalhar para a NASA. Hoje em dia, os
especialistas afirmam que as notas dos irmãos parecem autênticas, mas a
sua interpretação por parte deles, para dizer o mínimo, nem sempre
certa.
É
assim?
Por exemplo,
os italianos afirmaram que em novembro de 1960 conseguiram interceptar
os sinais de rádio telemétricos de batimento cardíaco do cosmonauta
em órbita. Analisamos as estatísticas de lançamentos na URSS no
outono de 1960; em novembro, não houve lançamentos e nem poderia
haver. A razão é trágica: em 24 de outubro de 1960 ocorreu a maior
catástrofe na história dos foguetes — o míssil balístico R-16 explodiu
durante o lançamento no Cosmódromo de Baikonur, perecendo no incêndio de
77 a 126 pessoas, incluindo o comandante-chefe das Forças de Mísseis
Estratégicos, o Marechal Maior de Artilharia Mitrofan I. Nedelin.
Afinal, os foguetes não são relacionados apenas ao espaço, são antes de
tudo o escudo de mísseis nucleares para um país. Naquele caso, os testes
do foguete de novo tipo estavam planejados para junho de 1961, mas o
governo soviético estava apressando por razão de aguçamento da situação
internacional (a crise de Berlim). Até 1985, esta tragédia permaneceu
classificada, embora a chamada "rádio popular" rapidamente espalhou rumores
sobre ela. Portanto, os lançamentos a seguir ocorreram apenas em
dezembro de 1960.
A explosão no Cosmódromo de Baikonur
em 24 de outubro de 1960
e o monumento com os nomes dos mortos no local onde o foguete explodiu.
Mas que os
irmãos italianos realmente podiam ouvir e gravar os batimentos
cardíacos, era verdade. Foi em 1960, mas não em novembro, senão de 19
a 20 de agosto, quando o Sputnik 5, protótipo da espaçonave Vostok
(que mais tarde levou o primeiro homem em órbita), com os cães Belka e
Strelka a bordo, fez um voo diurno com retorno à Terra. Apesar do
treinamento preliminar, os cães ficaram nervosos tanto durante o
lançamento quanto durante a fase ativa do voo, quando a nave ganhou
altitude: eles respiravam com muita frequência e apresentavam batimentos
cardíacos acelerados. No entanto, depois que a espaçonave tinha saído na
órbita, Belka e Strelka se acalmaram. O voo e o pouso aconteceram com
sucesso, e posteriormente, os cães tiveram vida longa e feliz.
Os cães
cosmonautas
Belka e Strelka.
E em
fevereiro de 1961, os irmãos
supostamente ouviram... conversações com a Terra de uma tripulação
soviética de várias pessoas. O jornal italiano "Corriere della Sera"
publicou a decifração dessas conversações: "As condições pioram... Por
que vocês não respondem? A velocidade cai... O mundo nunca saberá sobre
nós...", e até citou os nomes dos supostos cosmonautas que teriam sido
mortos: Aleksei Belokónov, Gennadi Mikhailov e Aleksei Grachov.
As
autoridades soviéticas nem sequer acharam preciso refutar esse absurdo:
de 12 de abril de 1961 até outubro de 1964, a URSS tinha lançado
apenas as Vostok, naves de assento único, simplesmente não houve
outras. E somente em 12 de outubro de 1964 foi lançada a primeira
tripulação espacial de três pessoas, na nova espaçonave Voskhod 1.
Os citados nomes dos pilotos de teste foram tomados da popular revista
soviética "Ogoniok", a partir de um artigo sobre eles e o papel que
desempenharam nos testes para a medicina espacial. Contudo, o boato
sensacionalista foi introduzido na mídia mundial.
Logomarca soviética com a imagem da primeira tripulação espacial, que
realizou o voo de 12 a 13 outubro de 1964, na nave Voskhod 1: Vladimir
Komarov, Konstantin Feoktistov e Boris Yegorov.
Muitos
especialistas reagiram aos 'êxitos' dos italianos da forma muito cética.
Em particular, depois de ouvir algumas gravações, eles acusaram os
irmãos de, pelo menos, uma má interpretação delas e até da falsificação
direta.
Posteriormente, no prazo de alguns anos, os irmãos supostamente
interceptaram e gravaram transmissões de pelo menos mais nove
lançamentos malsucedidos de mísseis soviéticos! Um dos cosmonautas,
na opinião dos italianos, voou para fora da órbita terrestre, o outro
morreu por falta de oxigênio e alguns foram queimados vivos ao reentrar
à atmosfera.
Tudo isso
não resiste a qualquer
crítica. Todos os voos foram cuidadosamente monitorados: a
URSS monitorou os EUA, o mundo inteiro (países, cujas tecnologias
estavam no nível), a URSS. Os britânicos rastrearam o voo da estação
Luna 2 até o momento da alunagem, e mais de uma vez escreveram e
discutiram sobre isso. Os americanos interceptavam conversas dos
cosmonautas soviéticos com a Terra. E os soviéticos, as conversas dos
americanos. Não há segredos aqui, é como em um albergue: todo o mundo
sabe tudo sobre todos. E de repente — ops! Os irmãos italianos declaram
ter ouvido algo que ninguém mais ouviu!
"Eu acho que
os irmãos Judica-Cordiglia dirigiram a estação de rastreamento e
recebiam sinais de várias naves espaciais. No entanto, por algum motivo,
eles achavam que precisavam de histórias sensacionais para manter sua
imagem de uma estação de rádio 'operacional'. Logo que interpretaram à
sua maneira algumas das captações e fizeram declarações fantásticas,
elas 'caíram na cilada' e tiveram que continuar a produzir sensações" (Sven
Grahn, engenheiro sueco no campo de tecnologias espaciais, site "Notas
sobre o rastreamento espacial e declarações sensacionais dos irmãos
Judica-Cordiglia"). Histórias sensacionais são necessárias para tais
radioamadores por várias razões: enorme atenção da mídia, atenção de
serviços secretos, recebimento de grandes fundos para novas obras, etc.
A "cosmonauta Ludmila"
No entanto,
as coisas tornaram-se ainda mais interessantes. Os radioamadores
italianos deram outra super sensação: em 17 de maio de 1961, ou seja, um
mês e cinco dias após o voo de Yuri Gagarin, eles supostamente teriam
registrado as conversações de uma cosmonauta com o Centro de Controle de
Missão (CCM). Esta gravação sobreviveu e até hoje está dando voltas pela
internet.
Mais uma
vez, as autoridades soviéticas nunca comentaram nem uma única palavra
sobre esse episódio – o contrário seria honrar uma falsificação. Mas foi
um erro: tal silêncio sempre foi considerado como uma confirmação muda.
Em geral, a situação de alto sigilo em qualquer assunto cria excelentes
condições para inventar vários mitos e lendas. Esse silêncio arrogante e
total sigilo foram prejudiciais à reputação de nossa cosmonáutica e do
país como um todo. Todas as comunicações oficiais foram imediatamente
questionadas, mesmo no nosso país (certo ceticismo é peculiar ao nosso
caráter). As falhas foram relatadas, mas de uma forma extremamente
relutante e contida. Por exemplo, em 5 de abril de 1975, foi realizado o
malsucedido lançamento da espaçonave Soyuz 18 com dois cosmonautas. Essa
espaçonave não conseguiu entrar em órbita, a transportadora recusou, o
sistema de emergência separou o veículo de descida. Os cosmonautas foram
resgatados nas montanhas de Altai, mas este caso não foi relatado
imediatamente: a única mensagem curta sobre o incidente na mídia
soviética apareceu apenas em 8 de maio e foi 'escondida' nas páginas
internas dos jornais. Mas ainda assim o incidente foi relatado, porque
todos os lançamentos foram rastreados e nada poderia ser silenciado.
Então, qual
foi a conversa de uma cosmonauta supostamente moribunda, gravada pelos
curiosos irmãos italianos? Aqui está o texto:
"Cinco...
quatro... três... dois... um... Escute!... Escute!... Eis, eis, eis!
Fala!... Fala!... Estou com calor!... Estou com calor!... O que?...
Cinquenta e cinco?... O que?... Cinquenta e cinco?... Cinquenta?...
Sim... Sim... Sim... Respiração... Respiração... Oxigênio... Estou com
calor... Não é perigoso?... Tudo... Não é perigoso?... Tudo... O que?...
Fala!... Como eu devo transmitir?... Sim... Sim... Sim... O que?...
Nossa transmissão começa agora... Estou com calor... Estou com calor...
Estou com calor... Vejo as chamas!... O que?... Vejo as chamas!... Vejo
as chamas!... Estou com calor... Estou com calor... Trinta e dois...
Trinta e dois... Quarenta e um... Quarenta e um. Temos um acidente...
Sim... Sim... Estou com calor!...".
Transmitindo
a fita com este registro aos jornalistas, os irmãos disseram que estavam
absolutamente certos de que a mensagem de rádio estava vindo da
órbita terrestre. Segundo eles, a espaçonave soviética teria
perdido seu escudo de calor e gradualmente se queimava em camadas
densas da atmosfera. A mídia europeia juntamente começou a saborear
essa sensação, descrevendo em cores a agonia de uma mulher se assando
viva na cabine fechada de uma espaçonave. Além disso, mais ou menos na
mesma época que os italianos, sinais desconhecidos supostamente teriam
sido captados pelo radiotelescópio britânico Jodrell Bank (bem, que
outra coisa poderíamos imaginar de parte dos britânicos, melhores
'amigos' da Rússia há séculos).
Opinião do
especialista: "O arquivo com a voz da cosmonauta feminina, gravado de 16
a 19 de maio de 1961 (datas variadas, às vezes, o período é de 16 a 23
de maio de 1961) é tão distorcido que é quase impossível distinguir
palavras separadas. Compare isso com o arquivo de som com a
voz de Vladimir Komarov
no meu site, e você vai entender porque eu acredito que o arquivo de som
da Torre Bert não tem nenhuma importância como prova de qualquer coisa!"
(Sven Grahn).
Em 23 de
maio de 1961, a agência de notícias TASS informou que um satélite
automático havia se queimado em camadas densas da atmosfera. Um jornal
inglês sugeriu que era a estação interplanetária automática Venera 1,
com a qual supostamente perdeu-se o contato logo após o lançamento. Mas
esta versão não se sustenta, já que o lançamento de Venera 1 foi
realizado em fevereiro de 1961, e em 19 de maio, ela passou a 100 mil
quilômetros de Vênus e entrou na órbita solar. Então, essa espaçonave
não poderia estar no espaço próximo da Terra e se queimar na atmosfera.
Foi por isso que a posição dominante foi ocupada pela versão da terrível
morte da mulher cosmonauta soviética.
Por que é
falso: um olhar da Rússia
Como as
autoridades do país não consideraram necessário refutar essa ficção,
tanto na década de 1960, como posteriormente, tentarei fazê-lo agora,
mostrando nosso ponto de vista sobre esse 'thriller'.
1 – O
destacamento de cosmonautas femininas começou a se formar apenas em
janeiro de 1962. Incluiu cinco mulheres: Valentina Tereshkova,
Zhanna Yerkina, Tatiana Kuznetsova, Valentina Ponomariova e Irina
Soloviova. Isto é, se acreditarmos aos irmãos, então a tal "Ludmila"
deveria ter sido treinada com 20 homens durante dois anos, e nenhuma
palavra foi dita sobre isso? Mais ainda, o treinamento espacial para
homens e mulheres é diferente.
Destacamento feminino de cosmonautas soviéticas.
2 — Não há
nenhuma "Ludmila" na lista citada e, afinal, não está claro de onde os
irmãos italianos tiraram esse nome, já que nunca soou na conversa
gravada. Mas há, por exemplo, o famoso poema do grande poeta russo
Aleksandr Pushkin "Ruslan e Ludmila" — talvez o nome tenha sido
“inspirado” daí?
3 — Até
mesmo hoje, dispondo de uma conexão de alta tecnologia, quando uma nave
ou um veículo de descida entra nas camadas densas da atmosfera e começa
a "se queimar", não há conexão entre ele e a Terra, e nem pode haver.
Como os dois italianos poderiam gravar algo no momento em que a
"cosmonauta" diz que está vendo as chamas?
4 — Na
gravação não é possível ouvir o ruído do veículo, não há ruídos de
fundo. Nos registros de Gagarin e outros conhecidos registros de
comunicação com os cosmonautas, eles são ouvidos claramente.
5 — E por
que é gravado apenas um canal, supostamente saindo da nave? Onde estão
as vozes do CCM, da Terra?
6 — Os
autores da gravação tiveram o bom senso de simular os ruídos do éter.
Mas onde havia um óbvio absurdo no texto, sem que eles pudessem fazer
algo a respeito ("Cinco... quatro... três... dois... Cinquenta e
cinco?... Cinquenta?... Nossa transmissão começa agora...", eles
simplesmente não sabiam o que o cosmonauta deveria dizer), optaram por
'cobrir' esses fragmentos com os ruídos do éter mais densamente. Esses
'especialistas' seguramente assistiram às transmissões militares
soviéticas e com esses "cinco... quatro... três... dois... um...
transmissão" tentaram dar credibilidade, pelo menos para aqueles que não
conhecem as sutilezas de uma transmissão militar.
Mas se você
usar meios modernos para limpar a gravação de interferência
desnecessária, poderá ouvir um monte de coisas interessantes,
especialmente para o ouvinte russo.
7 — Na fala
da mulher na gravação é ouvido um forte sotaque, significando que
a língua russa não é nativa a ela. Sim, a URSS era um estado
multinacional, mas o fato é que, ao recrutar cosmonautas para o
destacamento, entre outros parâmetros, foi dada especial atenção à
dicção do candidato e seu domínio do idioma russo, já que no momento
do voo, considerando o nível de comunicações naquela época, quando o
sinal do espaço alcançava os serviços de apoio terrestre através da rede
de repetidores, mesmo como através de muita interferência no ar, os
operadores simplesmente não tinham tempo para distinguir o que o
cosmonauta disse, portanto a clareza da fala deveria ser perfeita.
No entanto, o discurso da "cosmonauta Ludmila" é completamente
indistinto.
8 — Além do
sotaque, a mulher constantemente se confunde com o número de
substantivos, ora repetindo o tempo todo "eu... estou... vejo...", ora
de repente passando ao plural e dizendo "temos um acidente", "nossa
transmissão", embora assuma-se que nesse fantástico voo ela estivesse
sozinha na espaçonave. Ela repete em círculo as mesmas frases com as
mesmas entonações, e essas entonações não são características da nossa
linguagem. Conclusão: ela é estrangeira. As frases são as mesmas e as
entonações são estranhas porque são as frases que a mulher aprendeu pelo
dicionário.
9 — Acontece
que a nossa "cosmonauta moribunda" não apenas fala com um forte sotaque,
mas também diz bobagem, por exemplo: "nossa transmissão será agora".
Qualquer pessoa familiarizada com as regras do rádio vai entender que há
algo errado aqui. É uma forma incorreta para a língua
russa e não utilizamos tais expressões durante a comunicação. Mas parece
bem em... inglês: "our transmission begins now." Então é apenas
uma tradução literal da expressão inglesa.
Além disso, o cosmonauta e o CCM usam os sinais de chamada para
se identificarem corretamente. Por exemplo, Yuri Gagarin tinha o sinal
de chamada "Cedro" e Valentina Tereshkova, "Gaivota"; aqui está o início
da conexão entre o cosmonauta Vladimir Komarov (sinal de chamada "Rubi")
com o CCM: "'Aurora', 'Aurora', aqui 'Rubi'". Mas na gravação em
questão não aparecem quaisquer sinais de chamada.
Tiramos,
então, as conclusões sobre os autores do texto: eles são
anglofalantes.
10 — O
cosmonauta tem um programa que deve executar, transmitindo informações
detalhadas ao CCM em qualquer situação, mesmo sob circunstâncias de
força maior. Mesmo se há fogo, calor, ameaça de morte iminente, o
cosmonauta ainda vai descrever a situação: o que precisamente está se
queimando, o que mostram os aparelhos, etc. E é improvável que ele caia
em estado de estupor, gritando apenas "estou com calor": apenas pessoas
corajosas, com psique sólida repetidamente comprovada, são lançadas em
órbita.
11 — O
lançamento da primeira mulher cosmonauta em 16 de maio de 1961 não tem
sentido, como apenas 34 dias antes dessa data Yuri Gagarin se tornou o
primeiro homem no espaço e o símbolo do triunfo da ciência e tecnologia
soviéticas, portanto, não fazia sentido para as autoridades soviéticas
se apressar com tal lançamento. O segundo cosmonauta, Gherman Titov,
voou apenas em agosto de 1961.
12 — No CCM,
qualquer voo é acompanhado por um pessoal tão numeroso que seria
possível esconder a morte da tripulação apenas por meio de um tiroteio
em massa (isso é piada!). Sem mencionar o fato de que os americanos da
NASA também ouvem todas as conversações. Eles seguramente mostrariam
imediatamente provas de um acidente tão trágico, especialmente logo após
o recente voo de Yuri Gagarin.
URSS, Centro de Controle de Missão (CCM).
13 — Se
alguém morresse na órbita, isso seria relatado da forma oficial, como
aconteceu, por exemplo, no caso da
morte de Vladimir Komarov
ou no do perecimento da Soyuz 11, na qual se encontravam Dobrovolski,
Volkov e Patsáyev. Além das fontes oficiais, existe também a chamada
"rádio popular" (isto é, quando a informação é passada de boca em boca,
de pessoa para pessoa), do qual nada poderia ser escondido. Sempre há
pessoas que viram ou ouviram algo. Por exemplo, graças a este "rádio", o
povo soviético soube (e mais tarde também apareceram confirmações) que o
voo da primeira mulher cosmonauta, Valentina Tereshkova, foi pior do que
o planejado. Foi o próprio Nikita Khrushchov quem a escolheu para
realizar o voo: como cosmonauta, ela tinha a preparação mais fraca entre
todos e os piores registros médicos, mas ao mesmo tempo tinha a origem
social 'correta' para ser a perfeita "heroína do povo" (nascida na
aldeia, trabalhava numa fábrica de tecelagem). Tereshkova passou mal em
voo, não conseguiu realizar bem suas tarefas gerais, e violou vários
regulamentos. E então, Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa
Espacial Soviético, na presença de outras pessoas, disse em tom raivoso
que, enquanto ele estivesse vivo, não haveria mais mulheres no espaço.
E, de fato, foi somente após 19 anos que voou a segunda cosmonauta
feminina soviética, Svetlana Savítskaya.
Mas a
chamada "rádio popular" jamais falou sobre um evento tão terrível como
uma cosmonauta feminina ter sido queimada viva.
"Em geral,
os Judica-Cordiglia nunca pareceram entender que as afirmações
extraordinárias exigem provas consideráveis. Eles nunca deram tais
evidências incomuns... Detalhes sobre frequências de recepção, diários,
etc. (…) Portanto, as histórias sensacionais que foram contadas por
nossos irmãos Judica-Cordiglia e como elas foram espalhadas ao longo de
muitos anos são interessantes apenas como um fenômeno social — como
mitos que começam e se embrulham a sim mesmos!... As histórias das
interceptações sensacionais dos Judica-Cordiglia fazem parte da
mitologia da era espacial. Pesquisadores sérios de história
espacial, como James Oberg, os desmascararam completamente". (Sven Grahn,
site "Notas sobre o rastreamento espacial e declarações sensacionais dos
irmãos Judica-Cordiglia").
De fato, o
pesquisador do programa espacial soviético, James Oberg, engenheiro da
NASA, jornalista e escritor, pessoa absolutamente impossível de ser
suspeitada da simpatia pela URSS, admitiu honestamente: "Depois do
incêndio na Apollo 1 em 1967, do qual resultaram mortos três astronautas
americanos, as fontes de inteligência dos EUA descreveram cinco
voos espaciais soviéticos que terminaram em catástrofes e seis
desastres na Terra. O que um pesquisador deve pensar ao ver tantas
histórias? Há um famoso provérbio — 'não há fumaça sem fogo'. E embora a
maioria das histórias parecesse fictícia, algumas, talvez duas ou três,
poderiam ser baseadas em eventos reais. Mas o meu estudo dessas
histórias deu uma resposta completamente negativa. Depois de
considerar suas fontes e detalhes no contexto das explorações espaciais
subsequentes, concluí que todas essas histórias eram falsas".
(James Oberg, "Desastres soviéticos secretos").
Então, temos
aqui um dos mitos assustadores do "espaço vermelho". É exatamente assim
que a invencionice da "cosmonauta Ludmila" deve ser tratada. Ainda que
na verdadeira história da exploração espacial soviética realmente
houvessem suas próprias páginas trágicas, ninguém nega isso. Um assunto
tão novo, arriscado e perigoso não poderia ficar sem vítimas. Acaso não
as tivessem os americanos? Mas na União Soviética daquela época, você
não encontrará em qualquer publicação impressa semelhante sujeira e
histórias fictícias. O máximo do que a propaganda soviética estava
fazendo a respeito de seus rivais (e sempre notávamos isso para nós
mesmos) — os relatórios sobre os lançamentos americanos foram impressos
não nas primeiras páginas, mas em algum lugar no meio de jornais e em
letras pequenas.
Os
cosmonautas soviéticos realmente pereciam, antes e depois do voo de
Gagarin. Vamos lembrá-los e inclinemos nossas cabeças perante a memória
de Valentin Bondarenko — ele estava se preparando para o voo, mas morreu
por negligência em Terra, em 23 de março de 1961, por causa de um
incêndio em testes (a propósito, foi absolutamente na mesma situação que
morreram, em janeiro de 1967, os três astronautas americanos da missão
Apollo I, em meio a um incêndio no Cabo Kennedy); de Vladimir Komarov,
que morreu em 24 de abril de 1967, por causa de problemas com o
paraquedas durante a descida da cápsula da espaçonave Soyuz 1; de
Gueorgui Dobrovolski, Vladislav Volkov e Viktor Patsáyev, falecidos em
30 de junho de 1971, devido à despressurização do veículo de reentrada
da Soyuz 11.
Vladimir Komarov, Vladislav Volkov, Gueorgui Dobrovolski, Viktor
Patsáyev.
Mas, como
disse Anton Pervushin, escritor russo e pesquisador do tema do espaço,
"na história da cosmonáutica soviética jamais houve cadáveres
secretos".
* Natália
Dyakonova é articulista, pesquisadora em ufologia e correspondente em
Moscou/Rússia para Via
Fanzine e ASTROvia.
- Tradução do russo ao português: Oleg Dyakonov.
- Ilustrações: Fontes livres
da internet/divulgação/Google Images.
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