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Cosmonáutica

 

História guardada:

Os 'mortos secretos' da cosmonáutica soviética

Mitos assustadores do "espaço vermelho".

 

Por Natália P. Dyakonova*

De Moscou/Rússia

Para Via Fanzine & ASTROvia

09/07/2019

 

 

A verdade e as fake news sobre a morte de uma cosmonauta e outros supostos acidentes envolvendo as viagens espaciais soviéticas.

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Você acha que as 'fake news' são um fenômeno moderno? Não, elas existiram sempre. Em 4 de outubro de 1957, com o lançamento do satélite artificial soviético, começou a era espacial. E desde então, toda a história do programa espacial soviético foi enchida por boatos, fofocas e falsificações. Muitas delas sobrevivem até hoje. A maioria fala sobre o "cosmonauta número zero". Tratar-se-ia de um cosmonauta que supostamente teria voado para o espaço antes de Gagarin, queimando-se na atmosfera ou morrendo de outra maneira horrível, mas a propaganda soviética teria escondido cinicamente este fato da opinião pública progressista. Resulta que está se falando num total de quase uma dúzia destes "cosmonautas número zero", sugerindo que eles teriam voado e se queimado com a frequência de ônibus regulares. Embora seja bastante entediante "mastigar as crostas ressecadas" das falsificações da década de 1960, falaremos agora sobre uma delas, já que ainda persiste na mídia ocidental e na internet — o 'fake' da "cosmonauta Ludmila", que também teria "se queimado viva em órbita".

 

Por que as realizações cósmicas soviéticas eram afogadas na lama de falsos rumores e 'revelações'?

 

Em 1955, apenas 10 anos após a Segunda Guerra Mundial - na qual o nosso povo havia perdido 27 milhões de vidas e um terço da riqueza nacional -, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), já foi construído o primeiro cosmódromo, o de Baikonur, e foi realizado o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra, pelos 'bárbaros russos', em outubro de 1957, produzindo um verdadeiro choque no mundo (especialmente, no Ocidente).

 

Nossos 'amigos mortais' do Ocidente não podiam aceitar que a URSS fosse a primeira a sair ao espaço. Os primeiros satélites, as primeiras fotos da lua, os primeiros cães, o primeiro homem, as primeiras tripulações no espaço, foram feitos soviéticos. Portanto, como não era possível alterar tais êxitos, era necessário, pelo menos, desprestigiá-los. E a propaganda ocidental imediatamente procurou maneiras de desacreditar o que a União Soviética estava realizando no espaço. Entre outras coisas, foram usados os 'testemunhos' de radioamadores internacionais: era natural que os nossos únicos competidores no espaço não teriam espalhado rumores por si sós, isso teria sido muito óbvio e primitivo.

 

Os radioamadores da Itália

 

Os sinais dos satélites soviéticos eram captados com admiração pelos radioamadores do mundo inteiro. Entre estes, estavam os irmãos italianos Aquiles e Giovanni Battista Judica-Cordiglia. Após a recepção bem-sucedida de sinais do primeiro satélite a partir do telhado de uma casa em Turim, eles se tornaram famosos e adquiriram por um preço simbólico um antigo bunker alemão da Segunda Guerra Mundial, não muito longe de Turim, equipando-o com a poderosa estação de rádio Torre Bert. Os irmãos instalaram uma antena parabólica, que permitia assistir com sucesso à transmissão, e todo o tempo livre estavam efetuando buscas na faixa de VHF. Alegadamente, eles teriam alcançado tanto sucesso nesta empreitada que até mesmo os profissionais poderiam invejá-los. Segundo suas próprias afirmações, os entusiastas italianos, não apenas captaram sinais de quase todos os primeiros satélites soviéticos e americanos, mas até gravaram fitas. Dizem que os resultados de seu trabalho impressionaram até mesmo a NASA, que convidou os irmãos para irem os Estados Unidos e trocar experiências (um fato interessante, se olharmos do ângulo preciso).

 

Os irmãos Aquiles e Giovanni Battista Judica-Cordiglia.

  

"...A Torre Bert rapidamente tornou-se o centro da atenção da mídia. Muitas das interceptações relevantes foram feitas na presença de mídia nacional e internacional. Alguns dos mais respeitados jornalistas italianos 'viviam' em Torre Bert, compartilhando a comida com a família Judica-Cordiglia para estarem presentes na interceptação de transmissões. O vice-cônsul dos EUA em Turim forneceu dados de inteligência e um aviso antecipado de possíveis futuros lançamentos soviéticos" (J. Abrate, pesquisador italiano, um dos autores do site "Cosmonautas Perdidos").

 

Os irmãos supostamente testemunharam as transmissões de bordo da Vostok I de Yuri Gagarin e registraram a saída de Aleksei Leonov ao espaço aberto. Alegadamente, a própria KGB os teria 'caçado' buscando os seus serviços, mas eles acabaram por trabalhar para a NASA. Hoje em dia, os especialistas afirmam que as notas dos irmãos parecem autênticas, mas a sua interpretação por parte deles, para dizer o mínimo, nem sempre certa.

 

É assim?

 

Por exemplo, os italianos afirmaram que em novembro de 1960 conseguiram interceptar os sinais de rádio telemétricos de batimento cardíaco do cosmonauta em órbita. Analisamos as estatísticas de lançamentos na URSS no outono de 1960; em novembro, não houve lançamentos e nem poderia haver. A razão é trágica: em 24 de outubro de 1960 ocorreu a maior catástrofe na história dos foguetes — o míssil balístico R-16 explodiu durante o lançamento no Cosmódromo de Baikonur, perecendo no incêndio de 77 a 126 pessoas, incluindo o comandante-chefe das Forças de Mísseis Estratégicos, o Marechal Maior de Artilharia Mitrofan I. Nedelin. Afinal, os foguetes não são relacionados apenas ao espaço, são antes de tudo o escudo de mísseis nucleares para um país. Naquele caso, os testes do foguete de novo tipo estavam planejados para junho de 1961, mas o governo soviético estava apressando por razão de aguçamento da situação internacional (a crise de Berlim). Até 1985, esta tragédia permaneceu classificada, embora a chamada "rádio popular" rapidamente espalhou rumores sobre ela. Portanto, os lançamentos a seguir ocorreram apenas em dezembro de 1960.

 

 

A explosão no Cosmódromo de Baikonur em 24 de outubro de 1960 e o monumento com os nomes dos mortos no local onde o foguete explodiu.

 

Mas que os irmãos italianos realmente podiam ouvir e gravar os batimentos cardíacos, era verdade. Foi em 1960, mas não em novembro, senão de 19 a 20 de agosto, quando o Sputnik 5, protótipo da espaçonave Vostok (que mais tarde levou o primeiro homem em órbita), com os cães Belka e Strelka a bordo, fez um voo diurno com retorno à Terra. Apesar do treinamento preliminar, os cães ficaram nervosos tanto durante o lançamento quanto durante a fase ativa do voo, quando a nave ganhou altitude: eles respiravam com muita frequência e apresentavam batimentos cardíacos acelerados. No entanto, depois que a espaçonave tinha saído na órbita, Belka e Strelka se acalmaram. O voo e o pouso aconteceram com sucesso, e posteriormente, os cães tiveram vida longa e feliz.

 

Os cães cosmonautas Belka e Strelka.

 

E em fevereiro de 1961, os irmãos supostamente ouviram... conversações com a Terra de uma tripulação soviética de várias pessoas. O jornal italiano "Corriere della Sera" publicou a decifração dessas conversações: "As condições pioram... Por que vocês não respondem? A velocidade cai... O mundo nunca saberá sobre nós...", e até citou os nomes dos supostos cosmonautas que teriam sido mortos: Aleksei Belokónov, Gennadi Mikhailov e Aleksei Grachov.

 

As autoridades soviéticas nem sequer acharam preciso refutar esse absurdo: de 12 de abril de 1961 até outubro de 1964, a URSS tinha lançado apenas as Vostok, naves de assento único, simplesmente não houve outras. E somente em 12 de outubro de 1964 foi lançada a primeira tripulação espacial de três pessoas, na nova espaçonave Voskhod 1. Os citados nomes dos pilotos de teste foram tomados da popular revista soviética "Ogoniok", a partir de um artigo sobre eles e o papel que desempenharam nos testes para a medicina espacial. Contudo, o boato sensacionalista foi introduzido na mídia mundial.

 

Logomarca soviética com a imagem da primeira tripulação espacial, que realizou o voo de 12 a 13 outubro de 1964, na nave Voskhod 1: Vladimir Komarov, Konstantin Feoktistov e Boris Yegorov.

 

Muitos especialistas reagiram aos 'êxitos' dos italianos da forma muito cética. Em particular, depois de ouvir algumas gravações, eles acusaram os irmãos de, pelo menos, uma má interpretação delas e até da falsificação direta.

 

Posteriormente, no prazo de alguns anos, os irmãos supostamente interceptaram e gravaram transmissões de pelo menos mais nove lançamentos malsucedidos de mísseis soviéticos! Um dos cosmonautas, na opinião dos italianos, voou para fora da órbita terrestre, o outro morreu por falta de oxigênio e alguns foram queimados vivos ao reentrar à atmosfera.

 

Tudo isso não resiste a qualquer crítica. Todos os voos foram cuidadosamente monitorados: a URSS monitorou os EUA, o mundo inteiro (países, cujas tecnologias estavam no nível), a URSS. Os britânicos rastrearam o voo da estação Luna 2 até o momento da alunagem, e mais de uma vez escreveram e discutiram sobre isso. Os americanos interceptavam conversas dos cosmonautas soviéticos com a Terra. E os soviéticos, as conversas dos americanos. Não há segredos aqui, é como em um albergue: todo o mundo sabe tudo sobre todos. E de repente — ops! Os irmãos italianos declaram ter ouvido algo que ninguém mais ouviu!

 

"Eu acho que os irmãos Judica-Cordiglia dirigiram a estação de rastreamento e recebiam sinais de várias naves espaciais. No entanto, por algum motivo, eles achavam que precisavam de histórias sensacionais para manter sua imagem de uma estação de rádio 'operacional'. Logo que interpretaram à sua maneira algumas das captações e fizeram declarações fantásticas, elas 'caíram na cilada' e tiveram que continuar a produzir sensações" (Sven Grahn, engenheiro sueco no campo de tecnologias espaciais, site "Notas sobre o rastreamento espacial e declarações sensacionais dos irmãos Judica-Cordiglia"). Histórias sensacionais são necessárias para tais radioamadores por várias razões: enorme atenção da mídia, atenção de serviços secretos, recebimento de grandes fundos para novas obras, etc.

 

A "cosmonauta Ludmila"

 

No entanto, as coisas tornaram-se ainda mais interessantes. Os radioamadores italianos deram outra super sensação: em 17 de maio de 1961, ou seja, um mês e cinco dias após o voo de Yuri Gagarin, eles supostamente teriam registrado as conversações de uma cosmonauta com o Centro de Controle de Missão (CCM). Esta gravação sobreviveu e até hoje está dando voltas pela internet.

 

Mais uma vez, as autoridades soviéticas nunca comentaram nem uma única palavra sobre esse episódio – o contrário seria honrar uma falsificação. Mas foi um erro: tal silêncio sempre foi considerado como uma confirmação muda. Em geral, a situação de alto sigilo em qualquer assunto cria excelentes condições para inventar vários mitos e lendas. Esse silêncio arrogante e total sigilo foram prejudiciais à reputação de nossa cosmonáutica e do país como um todo. Todas as comunicações oficiais foram imediatamente questionadas, mesmo no nosso país (certo ceticismo é peculiar ao nosso caráter). As falhas foram relatadas, mas de uma forma extremamente relutante e contida. Por exemplo, em 5 de abril de 1975, foi realizado o malsucedido lançamento da espaçonave Soyuz 18 com dois cosmonautas. Essa espaçonave não conseguiu entrar em órbita, a transportadora recusou, o sistema de emergência separou o veículo de descida. Os cosmonautas foram resgatados nas montanhas de Altai, mas este caso não foi relatado imediatamente: a única mensagem curta sobre o incidente na mídia soviética apareceu apenas em 8 de maio e foi 'escondida' nas páginas internas dos jornais. Mas ainda assim o incidente foi relatado, porque todos os lançamentos foram rastreados e nada poderia ser silenciado.

 

Então, qual foi a conversa de uma cosmonauta supostamente moribunda, gravada pelos curiosos irmãos italianos? Aqui está o texto:

 

"Cinco... quatro... três... dois... um... Escute!... Escute!... Eis, eis, eis! Fala!... Fala!... Estou com calor!... Estou com calor!... O que?... Cinquenta e cinco?... O que?... Cinquenta e cinco?... Cinquenta?... Sim... Sim... Sim... Respiração... Respiração... Oxigênio... Estou com calor... Não é perigoso?... Tudo... Não é perigoso?... Tudo... O que?... Fala!... Como eu devo transmitir?... Sim... Sim... Sim... O que?... Nossa transmissão começa agora... Estou com calor... Estou com calor... Estou com calor... Vejo as chamas!... O que?... Vejo as chamas!... Vejo as chamas!... Estou com calor... Estou com calor... Trinta e dois... Trinta e dois... Quarenta e um... Quarenta e um. Temos um acidente... Sim... Sim... Estou com calor!...".

 

Transmitindo a fita com este registro aos jornalistas, os irmãos disseram que estavam absolutamente certos de que a mensagem de rádio estava vindo da órbita terrestre. Segundo eles, a espaçonave soviética teria perdido seu escudo de calor e gradualmente se queimava em camadas densas da atmosfera. A mídia europeia juntamente começou a saborear essa sensação, descrevendo em cores a agonia de uma mulher se assando viva na cabine fechada de uma espaçonave. Além disso, mais ou menos na mesma época que os italianos, sinais desconhecidos supostamente teriam sido captados pelo radiotelescópio britânico Jodrell Bank (bem, que outra coisa poderíamos imaginar de parte dos britânicos, melhores 'amigos' da Rússia há séculos).

 

Opinião do especialista: "O arquivo com a voz da cosmonauta feminina, gravado de 16 a 19 de maio de 1961 (datas variadas, às vezes, o período é de 16 a 23 de maio de 1961) é tão distorcido que é quase impossível distinguir palavras separadas. Compare isso com o arquivo de som com a voz de Vladimir Komarov no meu site, e você vai entender porque eu acredito que o arquivo de som da Torre Bert não tem nenhuma importância como prova de qualquer coisa!" (Sven Grahn).

 

Em 23 de maio de 1961, a agência de notícias TASS informou que um satélite automático havia se queimado em camadas densas da atmosfera. Um jornal inglês sugeriu que era a estação interplanetária automática Venera 1, com a qual supostamente perdeu-se o contato logo após o lançamento. Mas esta versão não se sustenta, já que o lançamento de Venera 1 foi realizado em fevereiro de 1961, e em 19 de maio, ela passou a 100 mil quilômetros de Vênus e entrou na órbita solar. Então, essa espaçonave não poderia estar no espaço próximo da Terra e se queimar na atmosfera. Foi por isso que a posição dominante foi ocupada pela versão da terrível morte da mulher cosmonauta soviética.

 

Por que é falso: um olhar da Rússia

 

Como as autoridades do país não consideraram necessário refutar essa ficção, tanto na década de 1960, como posteriormente, tentarei fazê-lo agora, mostrando nosso ponto de vista sobre esse 'thriller'.

 

1 – O destacamento de cosmonautas femininas começou a se formar apenas em janeiro de 1962. Incluiu cinco mulheres: Valentina Tereshkova, Zhanna Yerkina, Tatiana Kuznetsova, Valentina Ponomariova e Irina Soloviova. Isto é, se acreditarmos aos irmãos, então a tal "Ludmila" deveria ter sido treinada com 20 homens durante dois anos, e nenhuma palavra foi dita sobre isso? Mais ainda, o treinamento espacial para homens e mulheres é diferente.

 

Destacamento feminino de cosmonautas soviéticas.

  

2 — Não há nenhuma "Ludmila" na lista citada e, afinal, não está claro de onde os irmãos italianos tiraram esse nome, já que nunca soou na conversa gravada. Mas há, por exemplo, o famoso poema do grande poeta russo Aleksandr Pushkin "Ruslan e Ludmila" — talvez o nome tenha sido “inspirado” daí?

 

3 — Até mesmo hoje, dispondo de uma conexão de alta tecnologia, quando uma nave ou um veículo de descida entra nas camadas densas da atmosfera e começa a "se queimar", não há conexão entre ele e a Terra, e nem pode haver. Como os dois italianos poderiam gravar algo no momento em que a "cosmonauta" diz que está vendo as chamas?

 

4 — Na gravação não é possível ouvir o ruído do veículo, não há ruídos de fundo. Nos registros de Gagarin e outros conhecidos registros de comunicação com os cosmonautas, eles são ouvidos claramente.

 

5 — E por que é gravado apenas um canal, supostamente saindo da nave? Onde estão as vozes do CCM, da Terra?

 

6 — Os autores da gravação tiveram o bom senso de simular os ruídos do éter. Mas onde havia um óbvio absurdo no texto, sem que eles pudessem fazer algo a respeito ("Cinco... quatro... três... dois... Cinquenta e cinco?... Cinquenta?... Nossa transmissão começa agora...", eles simplesmente não sabiam o que o cosmonauta deveria dizer), optaram por 'cobrir' esses fragmentos com os ruídos do éter mais densamente. Esses 'especialistas' seguramente assistiram às transmissões militares soviéticas e com esses "cinco... quatro... três... dois... um... transmissão" tentaram dar credibilidade, pelo menos para aqueles que não conhecem as sutilezas de uma transmissão militar.

 

Mas se você usar meios modernos para limpar a gravação de interferência desnecessária, poderá ouvir um monte de coisas interessantes, especialmente para o ouvinte russo.

 

7 — Na fala da mulher na gravação é ouvido um forte sotaque, significando que a língua russa não é nativa a ela. Sim, a URSS era um estado multinacional, mas o fato é que, ao recrutar cosmonautas para o destacamento, entre outros parâmetros, foi dada especial atenção à dicção do candidato e seu domínio do idioma russo, já que no momento do voo, considerando o nível de comunicações naquela época, quando o sinal do espaço alcançava os serviços de apoio terrestre através da rede de repetidores, mesmo como através de muita interferência no ar, os operadores simplesmente não tinham tempo para distinguir o que o cosmonauta disse, portanto a clareza da fala deveria ser perfeita. No entanto, o discurso da "cosmonauta Ludmila" é completamente indistinto.

 

8 — Além do sotaque, a mulher constantemente se confunde com o número de substantivos, ora repetindo o tempo todo "eu... estou... vejo...", ora de repente passando ao plural e dizendo "temos um acidente", "nossa transmissão", embora assuma-se que nesse fantástico voo ela estivesse sozinha na espaçonave. Ela repete em círculo as mesmas frases com as mesmas entonações, e essas entonações não são características da nossa linguagem. Conclusão: ela é estrangeira. As frases são as mesmas e as entonações são estranhas porque são as frases que a mulher aprendeu pelo dicionário.

 

9 — Acontece que a nossa "cosmonauta moribunda" não apenas fala com um forte sotaque, mas também diz bobagem, por exemplo: "nossa transmissão será agora". Qualquer pessoa familiarizada com as regras do rádio vai entender que há algo errado aqui. É uma forma incorreta para a língua russa e não utilizamos tais expressões durante a comunicação. Mas parece bem em... inglês: "our transmission begins now." Então é apenas uma tradução literal da expressão inglesa. Além disso, o cosmonauta e o CCM usam os sinais de chamada para se identificarem corretamente. Por exemplo, Yuri Gagarin tinha o sinal de chamada "Cedro" e Valentina Tereshkova, "Gaivota"; aqui está o início da conexão entre o cosmonauta Vladimir Komarov (sinal de chamada "Rubi") com o CCM: "'Aurora', 'Aurora', aqui 'Rubi'". Mas na gravação em questão não aparecem quaisquer sinais de chamada.

 

Tiramos, então, as conclusões sobre os autores do texto: eles são anglofalantes.

 

10 — O cosmonauta tem um programa que deve executar, transmitindo informações detalhadas ao CCM em qualquer situação, mesmo sob circunstâncias de força maior. Mesmo se há fogo, calor, ameaça de morte iminente, o cosmonauta ainda vai descrever a situação: o que precisamente está se queimando, o que mostram os aparelhos, etc. E é improvável que ele caia em estado de estupor, gritando apenas "estou com calor": apenas pessoas corajosas, com psique sólida repetidamente comprovada, são lançadas em órbita.

 

11 — O lançamento da primeira mulher cosmonauta em 16 de maio de 1961 não tem sentido, como apenas 34 dias antes dessa data Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem no espaço e o símbolo do triunfo da ciência e tecnologia soviéticas, portanto, não fazia sentido para as autoridades soviéticas se apressar com tal lançamento. O segundo cosmonauta, Gherman Titov, voou apenas em agosto de 1961.

 

12 — No CCM, qualquer voo é acompanhado por um pessoal tão numeroso que seria possível esconder a morte da tripulação apenas por meio de um tiroteio em massa (isso é piada!). Sem mencionar o fato de que os americanos da NASA também ouvem todas as conversações. Eles seguramente mostrariam imediatamente provas de um acidente tão trágico, especialmente logo após o recente voo de Yuri Gagarin.

 

URSS, Centro de Controle de Missão (CCM).

 

13 — Se alguém morresse na órbita, isso seria relatado da forma oficial, como aconteceu, por exemplo, no caso da morte de Vladimir Komarov ou no do perecimento da Soyuz 11, na qual se encontravam Dobrovolski, Volkov e Patsáyev. Além das fontes oficiais, existe também a chamada "rádio popular" (isto é, quando a informação é passada de boca em boca, de pessoa para pessoa), do qual nada poderia ser escondido. Sempre há pessoas que viram ou ouviram algo. Por exemplo, graças a este "rádio", o povo soviético soube (e mais tarde também apareceram confirmações) que o voo da primeira mulher cosmonauta, Valentina Tereshkova, foi pior do que o planejado. Foi o próprio Nikita Khrushchov quem a escolheu para realizar o voo: como cosmonauta, ela tinha a preparação mais fraca entre todos e os piores registros médicos, mas ao mesmo tempo tinha a origem social 'correta' para ser a perfeita "heroína do povo" (nascida na aldeia, trabalhava numa fábrica de tecelagem). Tereshkova passou mal em voo, não conseguiu realizar bem suas tarefas gerais, e violou vários regulamentos. E então, Serguei Koroliov, Engenheiro Chefe do Programa Espacial Soviético, na presença de outras pessoas, disse em tom raivoso que, enquanto ele estivesse vivo, não haveria mais mulheres no espaço. E, de fato, foi somente após 19 anos que voou a segunda cosmonauta feminina soviética, Svetlana Savítskaya.

 

Mas a chamada "rádio popular" jamais falou sobre um evento tão terrível como uma cosmonauta feminina ter sido queimada viva.

 

"Em geral, os Judica-Cordiglia nunca pareceram entender que as afirmações extraordinárias exigem provas consideráveis. Eles nunca deram tais evidências incomuns... Detalhes sobre frequências de recepção, diários, etc. (…) Portanto, as histórias sensacionais que foram contadas por nossos irmãos Judica-Cordiglia e como elas foram espalhadas ao longo de muitos anos são interessantes apenas como um fenômeno social — como mitos que começam e se embrulham a sim mesmos!... As histórias das interceptações sensacionais dos Judica-Cordiglia fazem parte da mitologia da era espacial. Pesquisadores sérios de história espacial, como James Oberg, os desmascararam completamente". (Sven Grahn, site "Notas sobre o rastreamento espacial e declarações sensacionais dos irmãos Judica-Cordiglia").

 

De fato, o pesquisador do programa espacial soviético, James Oberg, engenheiro da NASA, jornalista e escritor, pessoa absolutamente impossível de ser suspeitada da simpatia pela URSS, admitiu honestamente: "Depois do incêndio na Apollo 1 em 1967, do qual resultaram mortos três astronautas americanos, as fontes de inteligência dos EUA descreveram cinco voos espaciais soviéticos que terminaram em catástrofes e seis desastres na Terra. O que um pesquisador deve pensar ao ver tantas histórias? Há um famoso provérbio — 'não há fumaça sem fogo'. E embora a maioria das histórias parecesse fictícia, algumas, talvez duas ou três, poderiam ser baseadas em eventos reais. Mas o meu estudo dessas histórias deu uma resposta completamente negativa. Depois de considerar suas fontes e detalhes no contexto das explorações espaciais subsequentes, concluí que todas essas histórias eram falsas". (James Oberg, "Desastres soviéticos secretos").

 

Então, temos aqui um dos mitos assustadores do "espaço vermelho". É exatamente assim que a invencionice da "cosmonauta Ludmila" deve ser tratada. Ainda que na verdadeira história da exploração espacial soviética realmente houvessem suas próprias páginas trágicas, ninguém nega isso. Um assunto tão novo, arriscado e perigoso não poderia ficar sem vítimas. Acaso não as tivessem os americanos? Mas na União Soviética daquela época, você não encontrará em qualquer publicação impressa semelhante sujeira e histórias fictícias. O máximo do que a propaganda soviética estava fazendo a respeito de seus rivais (e sempre notávamos isso para nós mesmos) — os relatórios sobre os lançamentos americanos foram impressos não nas primeiras páginas, mas em algum lugar no meio de jornais e em letras pequenas.

 

Os cosmonautas soviéticos realmente pereciam, antes e depois do voo de Gagarin. Vamos lembrá-los e inclinemos nossas cabeças perante a memória de Valentin Bondarenko — ele estava se preparando para o voo, mas morreu por negligência em Terra, em 23 de março de 1961, por causa de um incêndio em testes (a propósito, foi absolutamente na mesma situação que morreram, em janeiro de 1967, os três astronautas americanos da missão Apollo I, em meio a um incêndio no Cabo Kennedy); de Vladimir Komarov, que morreu em 24 de abril de 1967, por causa de problemas com o paraquedas durante a descida da cápsula da espaçonave Soyuz 1; de Gueorgui Dobrovolski, Vladislav Volkov e Viktor Patsáyev, falecidos em 30 de junho de 1971, devido à despressurização do veículo de reentrada da Soyuz 11.

 

Vladimir Komarov, Vladislav Volkov, Gueorgui Dobrovolski, Viktor Patsáyev.

 

Mas, como disse Anton Pervushin, escritor russo e pesquisador do tema do espaço, "na história da cosmonáutica soviética jamais houve cadáveres secretos".

 

Natália Dyakonova é articulista, pesquisadora em ufologia e correspondente em Moscou/Rússia para Via Fanzine ASTROvia.

 

- Tradução do russo ao português: Oleg Dyakonov.

 

- Ilustrações: Fontes livres da internet/divulgação/Google Images.

 

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