Antártida
Base Aérea de Marambio: Argentina abriu as asas aos céus polares Base Aérea de Marambio: os 43 anos da epopeia de grande importância nacional, histórica e geopolítica.
Juan Carlos Lujan* De Buenos Aires/Argentina Para Via Fanzine 28/10/2012
Localização da Base Aérea de Marambio, na Antártida. Leia também: NASA: Ártico encolhe e Antártida se expande Marinha faz resgate e impede acidente ambiental Xuelong, a China a caminho da Antártida Polo Sul: uma noite de seis meses O uso de etanol é viável na Antártida? Entrevista com o meteorologista Rubens Junqueira Villela Grupo que estava em estação na Antártida volta ao Brasil
Os protagonistas dessa saga Antártida permaneceram em pequenas tendas em um clima extremamente inóspito, contando apenas com picaretas e pás, trabalhando com coragem e muito esforço, para abrir um sulco na terra do deserto branco, para permitir assim, a operação de aeronaves de grande porte utilizando trem de pouso convencional (com rodas) e assim, romper o isolamento do continente branco.
Depois disso, a Antártida se tornou um lugar onde as famílias vivem e crianças podem nascer graças à ampliação deste trabalho continuo, cujo esforço e sacrifício abriram as rotas polares aéreas.
Equipe da Patrulha Soberania trabalhando na construção da pista para aeronaves de grande porte na Antártida.
Reconstituindo a história
O dia 29 de outubro marca mais um aniversário de fundação da Base Aérea de Marambio, situada no setor Antártico Argentino. Pode parecer que este seja um fato trivial, mas, definitivamente não é.
A fundação da base, que coincide com a abertura da primeira pista de pouso no continente antártico, constitui fato histórico de grande importância, pois permitiu quebrar o isolamento da região, já que antes só se podia chegar ao continente branco pelo mar na época do verão e somente quando as condições do gelo permitiam.
Sem dúvida, essas características únicas são de extraordinário valor e com isso, teve início uma nova era na calota de gelo da Antártida, sob uma dinâmica diferente para as tarefas realizadas naquele novo continente.
Com esta funcionalidade, foi quebrado o antigo isolamento do local, com a transferência de pessoal, apoio logístico, emergências, evacuações, opções de voo, além de suporte para busca e salvamento em poucas horas. Foram estabelecidas rotas aéreas necessárias a qualquer eventualidade, e assim, a Antártica se encontra a menos de sete horas de voo a partir de Buenos Aires a bordo de um avião Hercules C-130, sem ter que esperar dias através da navegação marítima, quando as condições do gelo se faziam favoráveis.
O fato de a pista ser de terra, nos surpreende, porque todos nós sabemos que a Antártica é como um cobertor gigante de gelo e neve permanentes. Entretanto, a ilha Marambio emergiu do mar em tempos remotos e o seu platô se eleva a 198 metros acima do nível do mar, numa superfície semiplana composta por lama de argila congelada (permafrost), pedras e afloramentos rochosos de vários tamanhos.
Estas características únicas permitem com que o planalto seja constantemente varrido por fortes ventos polares, o que impede o acúmulo de neve na pista.
Aeronave Hércules C-130 da Força Aérea Argentina, imprescindível durante a operação.
Justificativa ao esforço
As ações da Força Aérea Argentina naquela zona remontam o dia 1º de dezembro de 1951, quando o comandante (vice-comodoro) argentino Gustavo Marambio sobrevoou pela primeira vez a Baia Marguerite, pelo setor informal (Noroeste) da Península Antártica, a bordo do avião Avro Lincoln, matrícula LV-ZEI (ex-B-030), denominado “Cruzeiro do Sul”.
Em 1952, já como chefe do Estado Maior da Força Aérea de Tarefas Antárticas (FATA), o vice-comodoro Marambio, sobrevoou e estudou os possíveis locais de pouso na Antártida.
Na década de 1960, a Força Aérea Argentina se empenhou em localizar uma área adequada para construir uma pista projetada para operar regularmente com aeronaves convencionais de grande porte (com rodas), deixando de lado o uso dos esquis.
No dia 25 de novembro de 1968, um helicóptero Bell UH-1H, da Força Aérea Argentina, transportado pelo navio quebra-gelo General San Martín (Q-4), aterrissou posteriormente no planalto da ilha Vice-comodoro Marambio, levando a bordo cientistas que coletaram amostras do solo, realizando medições e observações na área.
A ilha Vice-comodoro Marambio é mencionada nas antigas cartas da Antártida com o nome "Seymour", em homenagem a um marinheiro Inglês que frequentou a região no final do século XIX, tendo seu nome atual adotado a partir de 1956.
A bordo do quebra-gelo estava a Dotação Antártica, da Força Aérea Argentina (Inverno de 1969), que mais tarde se juntou à “Patrulha Soberania”, fundadora da Base Aérea de Marambio.
Durante o mês de abril 1969 foram realizados voos com a aeronave DHC-6 Twin Otter para levantamento fotográfico, e reconhecimento aéreo com o Hércules C-130 e o Beaver DHC-2, da Base Aérea Matienzo.
Entre os vários estudos realizados, chegou-se à viabilidade da construção de uma pista de pouso no planalto da ilha.
Navio quebra-gelo que transportou o helicóptero que realizou os primeiros levantamentos na região.
Detalhes das operações
Os membros da patrulha, que depois foi denominada “Soberania”, acondicionaram suas picaretas, pás, pés de cabra, tendas, equipamentos de comunicação, alimentação e demais materiais para realizar a missão.
Durante o planejamento da operação pensava-se em romper a distância entre Matienzo e a ilha, através do mar congelado e a barreira de gelo Larsen (área que atualmente se desintegrou, devido aos efeitos climáticos). Porém, a fraca consistência da camada de gelo que separa a ilha do continente – passagem obrigatória no itinerário - apresentava alto risco à operação e, por isso, decidiu-se que o trajeto seria feito por meio aéreo.
Assim, o pequeno avião monomotor Beaver DHC-2, matrícula P-03, seguiu carregado com barracas, um gerador, ferramentas, remédios, alimentos e itens de sobrevivência, mas foi impossível levar qualquer máquina para fazer a limpeza da pista. E tão logo o tempo melhorou, a aeronave Beaver partiu com equipamentos convencionais para este tipo de terreno (esquis) e reconheceu as imediações da ilha em busca de um local adequado para aterrissar sobre o mar congelado.
A aeronave sobrevoou repetidamente o local, até aterrissar com um toque suave na superfície congelada do mar na Baia de Bertodano Lopez, com a preciosa ajuda de outro avião Beaver, pertencente à Armada Argentina, propiciando assim, a possibilidade de criação da Base Marambio.
Este foi o primeiro ponto deste arriscado plano e não poderiam demorar muito. Enquanto um grupo começou a subir pelos rochedos do planalto, o avião Beaver retornou em busca de novos materiais e mais pessoal, repetindo a operação por várias vezes, até ser instalado no planalto o acampamento “Alfa” e na baia o acampamento “Beta”.
A partir de então, começou uma rotina diária de um duro trabalho. Os membros da equipe permaneceram abrigados em tendas pequenas, convertendo gelo e neve em água para sobreviver, comendo enlatados e deixados na mais completa solidão. Lutando com unhas e dentes, trabalharam dia e noite, quando as condições do tempo permitiam.
O comprimento da pista crescia dia a dia, até que, em 25 de setembro de 1969, o avião Beaver DHC-2, vindo da Base de Matienzo e equipado com um sistema de aterragem adaptado com esqui e rodas pousou na pista de terra em Marambio. Então, a pista tinha um comprimento de somente 300 metros, tornando-se a primeira aeronave com rodas a aterrissar na camada de gelo Antártica.
Prestando apoio às operações, o avião bimotor Douglas C-47, matrícula AT-05, vindo da Base Matienzo e equipado com sistema de aterragem composto por esqui e rodas cruzou o continente branco e, em 27 de setembro de 1969, aterrissou na ilha Vice-comodoro Marambio na precária pista, então com 400 metros de comprimento.
Enquanto a equipe continua com a penosa tarefa de limpar o terreno, no dia 09 de outubro de 1969, foi prestado auxílio pela aeronave Hércules C-130, que lançou de paraquedas materiais como alimentos, medicamentos, explosivos, caminhões, pés de cabra, picaretas, pás, tendas, roupas e esse tão desejado contato deu mais vigor e entusiasmo aos homens da Patrulha Soberania.
Em 14 de outubro de 1969, o apoio logístico aumentou, dando um novo impulso à missão, com a remoção de vários itens na aeronave DHC-6 Twin Otter e adaptação de um sistema que combinava esqui de pouso com rodas. Assim, voou do continente americano até a Base Matienzo e, dali, até Marambio, onde pousou na pista em construção, já com 700 metros de comprimento concluídos.
O trabalho para ampliação da pista prosseguiu e quando esta atingiu comprimento de 900 metros por 25 metros de largura, foram despejadas pedras e rochas em uma área onde foi criado um estacionamento para várias aeronaves.
Ao longe o planalto, no qual foi construída a pista de pouso da Base Vice-comodoro Marambio.
Data histórica
O dia 29 de outubro de 1969 se tornou uma data de grande importância histórica e geopolítica, pois, a partir daí, se iniciou uma nova era na história da Antártida, quebrando o isolamento que a região estava sujeita, pela natureza do seu clima na superfície composta pelo gelo do mar.
Naquele dia, virou-se uma nova página da história, com a abertura da primeira faixa de aterragem da Antártida na nova Base Aérea de Marambio.
Enquanto a aeronave Douglas C-47, estava voando de volta para o Rio Gallegos, pela direção oposta, se aproximou o avião Fokker F-27, o turboélice gêmeo, levando autoridades para a cerimônia de fundação da base aérea argentina.
Este foi o primeiro voo regular feito por uma aeronave vinda de outro continente, decolando e pousando sobre a camada de gelo da Antártida com o seu trem de pouso convencional, rompendo o isolamento que até então existia no sexto continente e fazendo da Base de Marambio a “porta de entrada para a Antártida”.
A Dotação Antártica (Inverno de 1970) da nova Base Aérea Vice-comodoro Marambio, continuou mantendo condições de habitação e os regimes de trabalho iniciados pela Patrulha Soberania, construindo instalações e promovendo o alargamento da pista, que atingiu o comprimento de 1200 metros.
Com esta capacidade operacional, no dia 11 de abril de 1970, o Hércules C-130, matrícula TC-61, desembarcou na Base Aérea Marambio utilizando as suas rodas, permitindo então, operações normais durante todo o ano com aviões de grande porte.
Ao abrir um canal de comunicação permanente com o continente antártico pelo ar – completamente isolado até então -, foram abertas grandes possibilidades para atividades de investigação científica e técnicas, que antes teria sido impossível de realizar.
Aeronave que levou autoridades para a solenidade de inauguração da pista de pouso.
Reflexões geladas
Essa conquista, efetivada pelos pioneiros membros da Patrulha de Soberania e aqueles que continuaram a sua obra, pode ser considerado como uma verdadeira epopeia que, para se ter ideia de sua magnitude, basta considerar os rigores do trabalho físico suportado em condições e clima crueis.
Vale destacar que as picaretas de ferro utilizadas nos trabalhos tinham cerca de 52 centímetros de comprimento, porém, após o desgaste causado pela constante utilização, estas ferramentas se desgastaram e foram reduzidas ao tamanho de 25 centímetros.
Na região mais inóspita do mundo, onde os traços elementares da vida se manifestam nas formas de pequenas plantas, onde a temperatura cai para menos de 50 graus abaixo de zero e os ventos atingem uma força extraordinária, esses pioneiros, isolados do mundo, utilizando poucos equipamentos e abrigados em pequenas tendas, enfrentaram todos os riscos ao aceitar o desafio desta utopia para arrebatar a conquista, nos comovendo e despertando a nossa admiração e reconhecimento.
A pista de pouso já concluída, com os seus 900 metros de comprimento por 25 de largura e a área criada para estacionamento das aeronaves.
Disse um escritor
“A Antártica é um continente que mais se parece outro planeta, onde você sente que toca a pele de Deus e o céu parece estar tão perto do homem que poderia alcançar as estrelas, como se você estivesse colhendo cachos de uvas maduras pendurados no céu. A Antártida é bela e misteriosa, mas, acima de tudo, um confronto de sacrifício com a natureza implacável, o que tornou essa missão em um dos esforços mais corajosos e conscientes já realizados pelo homem”.
* Juan Carlos Lujan é Chefe Senior e Presidente da Fundação Marambio / Argentina.
- Tradução: Pepe Chaves.
- Imagens: Fundação Marambio/Argentina.
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