Em política para as drogas:
As
cracolândias de Minas Gerais
O estado de Minas Gerais pode ser visto
(infelizmente) como exemplo do quanto o
aumento do tráfico e do uso de drogas
está se tornando um problema de saúde pública.
Por
Ana Claudia Vargas &
Paulo Roberto Santos*
Para
Via
Fanzine
25/06/2012
Por todo o país,
pessoas de faixas etárias e camadas sociais distintas se renderam ao
crack.
Muito tem se
falado sobre o avanço do crack para os interiores do Brasil.
Especialistas afirmam que isso já era previsto dado ao rigor (muitas
vezes questionável) com que o poder público das grandes cidades tem
tratado essa questão. O caso da cidade de São Paulo é emblemático.
Pois se nessa que
é a mais desenvolvida cidade brasileira e que, dadas às suas proporções
é também a que mais recebe verbas para fortalecer todo o aparato
relacionado à segurança pública, a questão das drogas e, mais
especificamente, do crack, se configura em equação dificílima de
resolver - aqui entram, por exemplo, discussões diversas ligadas à tão
polêmica e pouco eficiente ‘guerra às drogas’ impetrada pelos EUA e o
fato de que o debate sobre a liberação destas substâncias foi retomado -
imagine essa verdadeira ‘bomba’ sendo acionada nas muitas cidades do
interior do Brasil; cidades que já são abandonadas em muitas instâncias
pelos seus próprios governantes?
Em Minas, por
exemplo, estas numerosas cidades de nomes poéticos – Dores do Indaiá;
Divinópolis, Estrela do Indaiá, Nova Serrana e etc. – estão vivendo um
paradoxo que caberia muito bem na ficção genial e bizarra de um escritor
como Roberto Bolaño – ninguém melhor do que ele para fazer literatura a
partir das mazelas latino-americanas e a droga é só uma delas.
Mas, no viés da
realidade real são criadas situações limite, colocando todos contra a
parede e quando digo ‘todos’, nos referimos às comunidades que não
estão, nem de longe, preparadas para lidar com uma droga como o crack e,
claro, ao dito poder público que se já não funciona muito bem nos
grandes centros, o que dirá então nos rincões do Brasil?
Em Divinópolis,
por exemplo, a maior cidade da região Centro-oeste mineira, segundo
dados divulgados pela delegacia regional, 90% dos homicídios ocorridos
na cidade entre janeiro e fevereiro deste ano tiveram relação direta com
o tráfico de drogas. Alguns são casos escabrosos de filhos que matam
pais ou que envolvem crianças com a média de 10 anos, inserido-as no
tráfico.
Já em Dores do
Indaiá, cidade com pouco mais de 11 mil habitantes, situada a 255 km de
Belo Horizonte, a população tem assistido estarrecida aos vários casos
de homicídios ligados ao tráfico e o uso de drogas. Segundo fonte ligada
à Polícia Militar que não quis se identificar por razões óbvias, há dois
anos não havia ocorrências ligadas ao crack, mas, a partir de 2010, os
casos aumentaram assustadoramente.
A maioria dos
envolvidos em Dores do Indaiá tem entre 11 e 17 anos de idade e somente
este ano já ocorreram na cidade três homicídios relacionados a essa
droga. Vale ressaltar que em todas essas ocorrências, os envolvidos –
sejam eles usuários ou traficantes; maiores ou menores de idade – mesmo
quando presos em flagrante delito, são autuados, levados para a
delegacia e permanecem encarcerados no aguardo do julgamento. Mas são,
na maioria das vezes, soltos por não serem julgados dentro do prazo
estabelecido pela lei.
Sub produto da cocaína,
o crack pode ser adquirido
em praticamente todos
os municípios do país.
Quando há menores
de idade envolvidos, ainda que haja atuação do Conselho Tutelar do
município, os casos não têm o encaminhamento judicial solicitado e
novamente os menores são devolvidos aos familiares. A cidade não possui
nenhum abrigo ou instituição que oriente as famílias, que são,
geralmente, desestruturadas. E assim, o problema tem sido solenemente
ignorado. A situação demonstra claramente o desinteresse dos chamados
poderes públicos locais em oferecer uma solução que contenha o avanço do
crack na região. Como é natural nestes casos, o número de assaltos a mão
armada e os furtos têm aumentando consideravelmente em todas estas
cidades.
É claro que,
quando se pensa na falta de segurança pública das metrópoles
brasileiras, nos inúmeros casos diariamente alardeados pela imprensa de
São Paulo e do Rio de Janeiro, lembrar casos semelhantes que ocorrem em
cidades do interior poderia soar, a princípio, como uma questão
meramente comparativa. Mas é importante ressaltar que, justamente, dadas
às condições econômicas, sociais e culturais de tais cidades é que se
trata de casos graves que requerem por isso, a atenção das autoridades
responsáveis nas instâncias municipais, estaduais e federal.
O estado de Minas
Gerais pode ser visto (infelizmente) como exemplo do quanto o aumento do
tráfico e do uso de drogas está se tornando um problema de saúde
pública. Diariamente as comunidades do interior mineiro têm assistido
estarrecidas a mortes de crianças, prisões de traficantes que migraram
das capitais e estão, literalmente, construindo ali os seus cartéis, e o
fazem com tranquilidade, pois não ficam presos e sequer são julgados
quando detidos.
Enquanto isso, as
autoridades tomam medidas meramente paliativas ou maquiadoras da
realidade social, os tais megaeventos muito comuns na região, se
tornaram pontos de negociação dos traficantes-usuários e não apenas
locais nos quais se consome a bebida alcoolica do patrocinador ou demais
drogas ilícitas.
Para concluir, a
pergunta que resta é: como mudar a abordagem deste problema de forma que
seja possível amenizá-lo? Repressão e exclusão social dos usuários
evidentemente não funcionam; o que fazer com o crime que se organiza em
torno do tráfico de drogas e de armas?
Como se vê as
montanhas mineiras encobrem bem mais do que as belezas naturais do
estado. Já se sabe que há várias cracolândias em plena atividade
espalhadas pelo Brasil afora e, em Minas Gerais, nas cidades do
Centro-oeste, elas estão funcionando a pleno vapor sob os olhos
complacentes do poder público.
*
Ana Claudia Vargas é jornalista e colaboradora de
Via
Fanzine. Seu blog é
http://antijornalismo.blogspot.com.br.
*
Paulo Roberto Santos é sociólogo (UFMG), especialista em Política e
Sociedade (PUC-MG) e professor de sociologia.
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Imagens: Divulgação.
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