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Natividade da Serra

 

 

Nota:

Desfazendo o equívoco da 'pirâmide' de Natividade

Complemento ao relatório da visita à chamada ‘pirâmide’ da Serra do Mar, em Natividade da Serra.

  

Por Carlos Perez Gomar*

De Natividade da Serra-SP

Para ARQUEOLOVIA

28/07/2012 

 

Algumas das pedras cortadas que foram encontradas por este autor no sítio.

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Falar do “Imbróglio” da “pirâmide” da Serra do Mar é uma tentativa de explicar a trapalhada ou o sucateamento de um sítio arqueológico.

 

Estive neste local em janeiro deste ano, e me sinto obrigado a prestar alguns esclarecimentos.  

 

Em 2003, o proprietário do Hotel Fazenda Palmeiras, depois de uma viagem a Grécia e ao Egito, se inspirou para fazer uma pequena pirâmide de pedra em sua propriedade. Com certeza escolheu um local onde havia muitos blocos de pedra amontoados, o que facilitaria a construção.

 

É conveniente, inicialmente afirmar que não há nenhuma pedreira no local do sítio em questão como alguns dizem. Este sítio está localizado no início de uma encosta suave, que leva ao topo de uma colina baixa que deve ter no máximo 30 m de altura. Quem quiser obter maiores informações pode ver nosso relatório da visita ao local, na internet sob o titulo: “Relatório da visita à chamada ‘pirâmide’ da Serra do Mar, em Natividade da Serra”.

 

Preciso comentar alguns fatos absurdos que aconteceram e deram ao sítio um ar de realismo fantástico, além de desmoralizarem e afastarem qualquer pesquisador sério. 

 

É evidente que a reportagem da Gazeta do Povo, de Curitiba, datada de 29 de fevereiro de 2004, onde se insinua uma pirâmide esquematizada em quadriculas, moldou uma imagem equivocada do sítio em questão.

 

A partir daí, noticias sensacionalistas se propagaram pela internet e várias pessoas andavam procurando por pirâmides através do Google Earth, na área de Natividade da Serra. Quase ninguém foi ao local e, muitos daqueles que nem foram, davam palpites, cada um mais fora da realidade do que o outro. Quem não queria se arriscar tachou as pedras talhadas que apareceram no local como “coloniais”, sem mais análises.

 

Há uma tendência a decidir se algo que surge, é diferente, ou duvida-se de sua existência, ou é rapidamente enquadrado compulsoriamente em qualquer conjunto de similares existentes. Não é uma colocação muito científica, sempre pode haver uma primeira vez.

 

Quando uma construção em encosta desmorona, toma a forma de um talude, que alguém pode tomar pelo lado de uma pirâmide. E é por isso que tantos vêm pirâmides em vários morros brasileiros, ainda que em algum possa haver, de fato, uma construção soterrada.  

 

É quase evidente, e muito provável que essas pedras amontoadas do referido sítio eram parte de uma antiga construção, parte desmoronada, parte soterrada. É o que podemos concluir, considerando tudo o que aconteceu depois. Mas, em um primeiro golpe de vista, para a maioria, não seria nada mais do que um “monte de pedras”.

 

Notícia equivocada veiculada por um jornal ajudou a causar confusão sobre a "pirâmide".

 

No local, começou-se a aplainar o terreno, fazendo uma escavação ignorando se havia ou não uma ruína ali.

 

Todo o material escavado foi colocado ladeira abaixo como se pode ver no local, formando outro amontoado de pedras. É também quase certo que muitas pedras estariam sendo preparadas para usar na pequena pirâmide que seria construída e, com certeza, algumas já estariam montadas umas sobre as outras.

 

Em dado momento começaram a aparecer, enterradas, pedras de corte reto e com sinais de terem sido trabalhadas por mão humana. O proprietário começou a perceber o que parecia ser restos de uma ruína antiga e teria feito contato com o IPHAN.

 

Sendo o proprietário uma pessoa instruída e viajada, percebeu logo que havia algo de aparente importância naquelas pedras cortadas. E não vou entrar em mais detalhes para não expor sua vida pessoal além do necessário para explicar o tema deste texto. O proprietário do terreno é também autor e escreveu um romance fictício ambientado na Grécia e no Egito, intitulado “Cinirenaica”, pela editora Nova Aldeia, 2010.

 

Até um leigo desconfia se uma pedra de corte reto pode ser natural ou não. Além disso, apareceu uma pavimentação, ainda que bruta, composta por vários blocos e varias lajes, seguindo um padrão parecido. Todos juntos, com certeza, não são uma formação natural, além de que, os blocos e lajes aparecem em vários pontos encosta acima. Também teria sido achado um pedaço de cerâmica em baixo de um grande bloco. É de se supor que houvesse outros, mas em uma escavação não arqueológica, muitos restos se perdem ou não são achados.

 

Estive no local e sei o que vi. Ali houve uma construção, e foi bem enterrada pelo tempo. Se foi colonial ou não é outro assunto. A priori não é possível dizer a que época pertence e, menos ainda, com os vestígios agora remexidos. No entanto, os blocos e lajes as pedras claramente trabalhadas parecem ser de acabamento mais para o tipo polido, o que as desclassificaria como vestígios coloniais. Pedras talhadas com talhadeiras de ferro ou aço têm outra textura muito diferente do que se vê no local.        

 

Estrutura piramidal usada para construir pirâmide de pedra causou confusão com a 'Pirâmide da Serra do Mar'.

 

E aqui começa a haver dúvidas sobre o que de fato aconteceu. Segundo o proprietário, estiveram no local dois membros do IPHAN e atestaram, através de um laudo técnico, que aquelas formações seriam naturais. Será que os técnicos do IPHAN viram todas as evidencias ou somente algumas?

 

Há uma dúvida e uma contradição, porque, ao que tudo indica, um dos técnicos que visitou o local em nome do IPHAN seria o arqueólogo Plácido Cali que trabalha ou trabalhava no IPHAN e também possui empresa que prestaserviços de consultoria arqueológica.

 

Segundo reportagem de jornal, este arqueólogo teria dito o seguinte sobre o sítio de Fazenda Palmeiras, o que não deixa duvida sobre sua opinião: “Para o arqueólogo da Universidade de São Paulo (USP) e especializado nos sítios na costa paulista, Plácido Cali, essa composição é única no País. E esse achado pode revelar a presença de outras culturas, mais avançadas tecnologicamente, que as tradicionais nações indígenas que povoavam essa faixa da América do Sul. ‘Com certeza isto não é obra dos índios que conhecemos’, comenta o pesquisador”.


E em outra noticia, em 2003 foi dito:
“Pirâmides da Serra do Mar são colocadas sob proteção - Reportagem da Gazeta do Povo - Área terá tratamento cientifico.

 

A policia ambiental de Natividade da Serra, município paulista situado no vale do Paraíba, já esta protegendo as ruínas do monumento arqueológico em forma de pirâmide construído na Serra do Mar há milhares de anos e descoberto recentemente. A intenção das autoridades policiais é evitar novas escavações predatórias no sítio, assegurando que a pesquisa cientifica não venha a ser prejudicada. O arqueólogo Plácido Cali, responsável por diversos projetos de pesquisa na região Rio-São Paulo informou ontem que hoje vai comunicar ao IPHAN sobre a urgência de medidas administrativas para transformar o local num espaço restrito á pesquisa cientifica. Uma das preocupações do pesquisador é a própria atividade desenvolvida na Fazenda Palmeiras que abriga um núcleo de esportes radicais muito frequentado. Além da busca por apoio do órgão federal, Cali pretende mobilizar os ambientalistas da região para acelerar esse processo de proteção ao monumento e seus arredores. ‘Temos que agir rapidamente para não haver um dano ainda maior’. Alerta o arqueólogo.”

 

É preciso fazer algumas retificações nesta notícia. O único esporte radical que acontece no local é a chegada do pessoal do rafting, que desce desde São Luiz do Paraitinga e chega no hotel, toma banho e vai embora. As pessoas nem chegam perto do sítio. Com relação à proteção do local, ninguém está protegendo nada. Muito menos, a Polícia Ambiental de Natividade da Serra. Desde que esta notícia saiu se passaram nove anos e não aconteceu mais nada.

 

O mais grave é que as noticias erradas e sensacionalistas divulgadas na internet causaram um dano enorme ao local, talvez, maior do que na ocasião da terraplenagem do terreno, que revirou todo o material.

 

Afinal, o local não é sítio arqueológico para alguns elementos do IPHAN, mas para outros é um caso muito especial? E o tal laudo feito pelo IPHAN, na realidade diz o que?

 

Alguém tem que explicar esta contradição. O problema é que o proprietário ficou numa situação difícil, receoso de ser acusado de ter depredado patrimônio arqueológico, como de fato foi acusado por alguns. E, agora interpreta o laudo do IPHAN como uma proibição de se pesquisar o local.

 

Ora, se o IPHAN disse oficialmente que aquilo não é sitio arqueológico, é porque encerrou suas responsabilidades legais sobre o assunto. Considerou que ali não há nada a proteger. Mas, o proprietário está bastante confuso e em suas próprias palavras diz: “Fui informado por laudo oficial que aquelas pedras são de formação natural, motivo pelo qual qualquer pesquisa a respeito foge às determinações oficiais [Por que?]. Sei que pareço injusto para quem está interessado em aprofundar o conhecimento do assunto, porém mais injusta foi aquela carta que recebi e que me acusou de práticas de destruição de um sítio arqueológico. Primeiro, se soubesse de antemão que era um sítio arqueológico, segundo, se tivesse mesmo a intenção consciente de que o estávamos depredando, então sim, eu poderia ser alvo de críticas. No entanto no ponto em que estão as pedras, foi fruto de remoção de terra para outras finalidades e não a intencional visando um sítio arqueológico. Diante desse fato, acho que qualquer pesquisa no local vai contra o laudo oficial de que são pedras de origem natural e portanto, qualquer pesquisa, que não reconhece esse laudo, torna-se não bem-vinda (para não dizer contrária à lei)” [A pesquisa então estaria proibida !?].

 

Bloco cortado apresenta uma fratura que revela a sua história recente e remota.

 

Está claro que o proprietário, com muito receio, ficou intimidado e interpreta o laudo erradamente. Se havia alguma curiosidade por esclarecer o assunto, ele a abandonou, com receio de complicações legais.

 

Quanto à possibilidade de que, o serviço de terraplenagem inicialmente possa ter atingido um sítio arqueológico, ninguém pode ser acusado de crime algum, porque muitos sítios arqueológicos são encontrados por meros acidentes, sendo impossível evitar um impacto inicial. E, na verdade, devemos a revelação deste sítio à iniciativa do proprietário, ao querer fazer sua construção.

 

Mas o resultado foi que o proprietário foi anulado, o sítio ficou ao ‘deus dará’ e quem quiser investigar o assunto estaria agindo fora da lei (?!).  Se alguém entender algo desta situação ridícula que se criou, explique. O sítio parece ter se tornado algo maldito. Só falta salgar o terreno e impedir qualquer um de circular no local.

 

Seria o cúmulo, que o IPHAN, além de dizer que aquilo não seria um sítio arqueológico ainda proibisse alguém de investigar o assunto. Seria a consagração da ignorância. Poderíamos dizer que seria mais um atentado contra a memória nacional. A perdurar esta situação, se faz, no mínimo, uma aberração. Estaríamos no mesmo nível da época da inquisição.

 

Vamos a deixar claro que a única pirâmide que acabou existindo no local é a estrutura de madeira que balizava o local da futura construção e que mostramos em fotografias da visita ao local. Existe de fato uma ruína soterrada naquele lugar, estendendo-se pela encosta da colina. Sem duvida, trata-se de um sítio arqueológico.

 

Estou dizendo isso porque sou arquiteto há 40 anos e a maior parte desse tempo, eu trabalhei com patrimônio cultural e também arqueologia.

 

Mas, para se ter certeza do que haja ou não no local, é preciso ampliar a pesquisa, ao menos de superfície. Discutir o assunto sem tomar essas medidas é perder tempo.  

 

Toda esta confusão está prejudicando uma pesquisa que deveria ser feita. Parte da desmoralização do assunto se deve à expectativa das pessoas em geral por assuntos sensacionalistas e mal explicados, que acabam desvirtuando sua essência. E quando se tenta colocar o assunto em planos mais realistas já não há interesse.

 

Ninguém saiu ganhando com isso. Mas ainda há tempo de retomar o caminho correto. Os interessados em esclarecer o assunto devem se mexer.

 

Existe um toque de ridículo e absurdo no caso. E tudo isso vai ficar assim mesmo?

 

Aqui estão algumas fotos do local, julgue por si.

 

* Carlos Perez Gomar é arquiteto e pesquisador arqueológico, nascido em Montevidéu, Uruguai e radicado no Brasil desde 1958.

  

- Imagens: Carlos Perez Gomar / Júlio Ottoboni / Google Earth.

 

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