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 entrevista

 

  

Entrevista com Tavinho Paes

Letrista, poeta e produtor cultural.

Por Pepe Chaves

Para Via Fanzine

 

Tavinho Paes e seu jornal impresso Poema Show.

 

O menestrel da palavra, no Século 21

 

Luiz Octavio Paes de Oliveira, carioca da gema - nascido literalmente na Praça da Apoteose - é um dos poetas mais apoteóticos do País. Sempre gentil e atencioso, Tavinho mantém contato conosco via Internet já por alguns anos, criando laços de estima e mútua admiração.  O jornal Via Fanzine, surgido através de sua versão impressa em 1994, trazia em seu título a palavra "Fanzine", em menção a uma de suas letras na banda Hanoi Hanoi (Fanzine), que abordava a literatura alternativa. Exatos dez anos mais tarde, logo que foi ao ar, o portal Via Fanzine disponibilizou uma página exclusivamente para o poeta (www.viafanzine.jor.br/journow), onde ele mostra um pouco de sua arte experimentalisticamente consciente. Sua denotada participação na MPB a partir dos anos 80, vem eternizar seu nome na galeria dos grandes letristas brasileiros. Sua arrogância e seu cinismo, transpirados em suas criações literárias, tornaram-se combustíveis inflamáveis ao trazer para as canções, nuances raras da vida social pasteurizada em seu País. Destarte, suas composições costumam a agradar a “gregos e baianos”, vez que trafega pela sensatez inata, seja tratando o “público” ou o “pessoal” em questões amplamente diversas. Nesta entrevista, Paes “abre o verbo” e, pensador inconformado que sempre foi, vem cobrar de cada um de nós, uma parcela de responsabilidade sobre este mundo medíocre e mesquinho que aí está. Como letrista dos mais expressivos da história da Música Popular Brasileira, coadjuvou parcerias na Música com inúmeros autores, destacadamente, Arnaldo Brandão (Hanoi Hanoi) e Lobão. Na poesia realizou trabalhos experimentais com Ricardo Ruiz e Chacal. Entre as parcerias que viraram hits nas rádios brasileiras, estão, Totalmente Demais (Caetano Veloso); Rádio Blá (Lobão); Sexy Yemanjah (Pepeu Gomes - abertura da novela Mulheres de Areia); Linda Demais (Roupa Nova), Fanzine (Hanoi Hanoi), além de diversas outras, gravadas por inúmeros intérpretes. No total, foram 251 registros com distintos compositores da MPB. A última canção, ainda no forno, é uma parceria com Fagner (Espelho Meu). Outras produções como, publicações, filmes e registros em formatos diversos contabilizam mais de 100 títulos produzidos independentemente. “Agora estou lançando um cineZine (DVD), onde começo a publicar vídeos de minhas apresentações ao vivo”, nos informa Tavinho.

 

N.E.: Esta entrevista foi acrescida e revisada em 11/08/2006.

 

Via Fanzine: Tavinho, por favor, nos faça uma síntese de seu envolvimento com a poesia, a literatura e os movimentos de arte no Rio de Janeiro.

Tavinho Paes: No início, lá em 1973, minha ação era pequena, pois eu interferia nos eventos de poetas com performances ligados ao que acontecia no segmento das artes plásticas. Minhas influências eram artistas da chamada arte conceitual e meus interesses eram mais experimentais do que construtivos. Em 1976, no teatro Municipal de SP, quase criei um problema para todos com meu ato hard-core: Peru de Fora dá Palpite. Já nos anos 80, depois que eu li Ezra Pound e Oswald de Andrade, comecei a fixar minha atenção na leitura de poesia. Devorei Drummond (que ainda era vivo e saia no jornal); viajei com Guimarães Rosa; fiquei doido por Kerouak e Baudelaire. Mas, por obra do destino e pela via das oportunidades imediatas, passei um longo tempo fazendo dos poemas letras de música e da poesia, panfletos marginais em livretos que eu publicava praticamente toda semana e vendia todas as noites. Chamava-os de passaporte do país das liberdades absolutas, pois me garantiam acesso a quem quer que fosse, em qualquer lugar, a qualquer hora...

 

VF: E como eram esses “passaportes”?

TP: Não eram livros: eram objetos de arte tinham uma função nas minhas mãos muito além da literatura). Então, em 1990, junto com Chacal, Zarvos e Carlos Emílio, fundei o CEO 20Mil (vai fazer 16 anos em agosto). Parei tudo entre 1996 e 1998, pois fundei um selo independente (Indie Records), cujas dores de cabeça me deixaram com quase 100kg. Voltei à carga em 2002: abri o site www.poemashow.com.br; dele parti para um evento diferenciado de poesia falada, uma tendência que acabou se firmando. A partir deste evento, curei e dei apoio a mais de 30 eventos pela cidade, montei com Bruno Cattoni o Poesia Voa 1.0, o Festival de Poesia do Circo Voador, em 2005 e não paro de ir a todos os eventos que posso, mapeando seus territórios, criando interligações entre eles e registrando suas diferenças e opções de intervenção na cena que estou me esforçando para dar visibilidade, consistência e possibilidades de crescimento. Como tudo leva a crer que a poesia depois de falada começa a integrar em seus eventos o audioVisual (vídeos), cuja janela interdimensional dá aos eventos um novo fermento (como a música e o balé têm dado), estou inaugurando um evento-mix de cineclube e sarau e criando seu sub-produto excepcional: o cineZine (em DVD), que corresponde à evolução dos panfletos independentes com a possibilidade de levar aos outros eventos imagens dos recitais acontecidos em outras cenas, outras épocas, outros momentos geopolíticos... Isso para não falarmos nos poemaClip e as experimentações gráficas que as novas tecnologias possibilitam, que marcam uma nova mutação de apresentação para a poesia contemporânea...   

 

'Não quero me auto-biografar: a minha vida é um filme

que ainda não acabou e o final ainda não está definido...'

 

VF: Estando constantemente em atividade e sempre a frente de movimentos poéticos do Rio de Janeiro, você se sente um líder literário?

TP: Não me sinto uma liderança: o que faço é voltado para o grupo. Assim como a música, o teatro, o cinema e até a televisão têm livros sobre o que aconteceu em seus segmentos nesses últimos 10 anos, estou disposto a iluminar o que aconteceu com a poesia. Precisamos deixar de pensar em mortos e acadêmicos quando falamos de poesia - ela não parou em 1964. Para isso, sem patrocínio e com o mesmo entusiasmo que me levava aos bares para negociar mano-a-mano, cara-a-cara os meus panfletos mimeografados, estou pondo na rua um jornal tablóide; um programa de rádio, um cineZine, inventando novos eventos. O cinePoema, por exemplo, que é um mix de cineclube com sarau de poesia falada e, até o fim do ano montarei um programa de TV na web (www.interativaweb.com.br). Hoje, meu envolvimento com a poesia é o mesmo que um cirurgião tem com seu bisturi. Hoje, sei que Poesia não é uma arte. Poeta não é artista. Não tem nada a ver com arte: é diferente disso. É homérico: é poeta!

 

VF: Nos anos 80 você desovou diversas letras de protesto contra o Sistema e a sociedade brasileira em geral. Alguma vez, abordar esta temática custou caro para você?

TP: Várias vezes. Só para dar uma idéia dos desconfortos, de minhas primeiras 10 músicas, seis foram proibidas. Totalmente Demais ficou 4 anos na geladeira, até Caetano gravar num evento transmitido pela estatal e liberar o sucesso. Estou listando as memórias destes acontecimentos absurdos numa época de obscurantismo oficial, determinado pela suspensão dos direitos civis e da democracia. A grande maioria destes desconfortos ocorreram quando eu ainda vendia livros nos bares e viajava pelo país como um hippie. Estou gravando em áudio (e mixando em CDs) depoimentos sobre fatos que me aconteceram, precisando as datas e o ambiente geopolítico em que ocorriam. Tudo para que, no futuro, quem vier a se interessar pelo assunto, jornalística ou academicamente, possa dispor de depoimentos em viva voz. Algumas histórias reais, cheias de perigos e aventuras, dariam curtas de alta performance. Por enquanto, não quero me auto-biografar: minha vida é um filme que ainda não acabou e o final ainda não está definido...    

 

VF: Lembro-me de uma música [veja letra ao lado] que você se referia a um ex-presidente da República, onde destilava as aventuras dele, segundo você, um “autêntico mauricinho”... Então, houve na época algum tipo de retaliação, seja da mídia, seja dos poderes, com relação a esta parceria com o Lobão?

TP: Não: essa não foi censurada, pois já era da Era Collor; e era sobre elle. Acabou inclusive concorrendo ao prêmio Sharp (perdeu para uma besteira monumental que evitarei citar); mas acho que só parou lá porque o dono do Prêmio, uma bichona vaidosíssima e risonha, chamava-se coincidentemente Maurício... (risos). Do poema original até a letra só foram cortados os versos em que se comentava o episódio do anel de casamento no Paranoá e a briga com o caçula do clã açucareiro que azedou a vida pública naquele renascer da democracia eleitoral...    

 

VF: Além dessa, você fez outras parcerias com o Lobão. Como foi para você trabalhar com ele, um compositor e autor tão genioso e ao mesmo tempo genial.

TP: Trabalhar com ele nunca foi difícil. Ele entendia os poemas que eu escrevia, participava das idéias com apurada consciência crítica e nosso encontro aconteceu numa época em que estávamos muito próximos. Dirigi, em 35mm, um de seus vídeos mais curiosos (Jesus não tem drogas no país dos caretas). Também criei um show memorável (O Inferno é Fogo), no qual, para a abertura apoteótica, com os músicos todos mascarados e Lobão trajando um uniforme nazista, haviam tochas de querosene no palco com um bombeiro responsável por cada uma. Era uma beleza visual, mas acabavam deixando um cheiro horrível no palco que passava para a platéia depois de apagada a fogueira... (risos).

 

 'Somos um bando de fascistas metidos a liberais.

Somos cruéis com nossos conterrâneos' 

 

Presidente Mauricinho

(Lobão/Tavinho Paes, 1991)

 

O presidente sai de moto

Pelo eixão monumental

O presidente anda a mil

No país do carnaval

O presidente tira fotos

Com um índio no palácio

O presidente sai com o Papa

E sua corte é um esculacho

 

O presidente tá no Pólo Sul

Ta jogando com a seleção

O presidente de avião a jato

Dá mais bandeira que doidão

O presidente casou

com uma gata

Dispensou e casou com outra

A gata era milionária

Não ligou e deu a maior força

 

Aí... aí... aí, ô, jet-ski...

 

O presidente é um lorde inglês

Sonhando com o primeiro mundo

Ser presidente até que

é um bom emprego

Num país de vagabundos

Já foi marca de cigarros

De conhaque e de cachaça

O presidente é a maior palha

E ainda vai virar fumaça 

   

 Lobão

VF: O  Lobão foi rotulado de rockeiro tupiniquim, é tido como falastrão. Você acha que ele é mau interpretado?

TP: Tudo que dizem do Lobão é paráfrase da mediocridade que tomou conta do país. O cara é polêmico e tem opinião firme, certa ou errada, ele a garante, defende seus pontos de vista e nunca trai suas convicções. Agora estamos mais separados, afinal, estamos em estações espaciais diferentes; mas não vejo entre nós diferenças que nos antagonizem. Parece que ele vai fazer um especial para a MTV e nossas colaborações vão emergir de novo. O curioso é que muitas dessas canções (Radio Blá, Panamericana...) são uma parceria tripla, onde o Arnaldo Brandão também aparece. Inclusive uma delas (Quem quer votar?), cujo título, original era O Sofisma, foi gravada pelo Hanói-Hanói no cult Lp Fanzine - continua atualíssima e, nos seus recentes shows, causam impacto incrível nas platéias. Na versão original, havia uma intro que ele, Lobão, tirou fora, para pegar só o núcleo da poesia que mais impacta o ouvinte, que dizia: "Se você é de direita não tem nenhum direito de dizer que é direita quem nem ao menos à direita da esquerda tá...".

 

VF: Suas letras, em essência, trazem muito de uma ironia fina, destilada. Como se faz essa frieza para colocar determinadas situações - que "talham o sangue" da gente - de uma forma discreta, intensa, bastante irônica e, às vezes, beirando o cômico?

TP: Eu acredito que tudo faz parte das leituras que fiz durante a minha vida. Continuo disciplinado, lendo uma cota de 100 a 150 páginas de livros todos os dias, pela manhã. Tudo com anotações e registros das idéias que a leitura me concede e que, por força do acúmulo e da prática prazerosa, torna-me mais inteligente do que simplesmente informado. Eu não leio como um robô: eu penso e reflito sobre o que leio, faço conexões com o que li e memorizei; cruzo informações; atualizo passados para que eles cheguem ao presente com um mínimo de atraso e possam chegar ao futuro com alguma saúde.

 

VF: E se você fosse fazer uma letra dedicada ao atual presidente da República, qual frase, por exemplo, seria obrigatória?

TP: Não caia na armadilha que armaram prá você / não fique preocupado com o que vai deixar de fazer / não ceda ao estresse / não se zangue nem se queixe / papel de presidente é como jornal / se hoje tá na banca / amanhã vai estar na feira embrulhando peixe / não se afobe / não se queixe... 

 

VF: Muito bom! De onde vem a ironia poética?

TP: A ironia não é uma arma ou um estilo que me vicia. Ocorre que meu vocabulário é grande e minha maneira de ver o mundo passou a ser filtrada por conhecimentos adquiridos com a leitura. Se você ler filósofos como Deleuze, Derrida; poetas como Rimbaud, Manuel Bandeira, Kerouak; gente da estirpe dos Gláuberes, Monteiros Lobatos ou Machados de Assis, você vai reparar que suas descrições e análises do que vivenciam ou sobre o que são e estão sendo informados acabam sendo irônicas por que seus olhares para a realidade ajustam o foco através de posicionamentos estéticos bem definidos e filosoficamente bem equacionados. Como tenho afiado minha pena à luz da poesia, minhas construções textuais estão impregnadas de liberdades que só a poesia dispõe. A ironia não está no que eu estou dizendo, mas na maneira como estou enxergando o que estou dizendo. Abuso e aproprio-me de estilos que nem me pertencem. Quando tenho uma reflexão sobre alguma coisa, vasculho todos os cantos em que ela pode esconder detalhes que parecem inúteis ao primeiro contato e habilito utilidades no que não está no foco do seu interesse comunicativo. Não faço autópsias: enxergo almas nos cadáveres que ressuscito... 

 

'A ironia não está no que eu estou dizendo,

mas na maneira como estou

enxergando o que estou dizendo.' 

 

VF: No repertório do Hanoi Hanoi, banda que marcou sobremaneira o rock brasileiro, a grande maioria das letras era de sua autoria. Como foi para você, formar uma parceria com o Arnaldo Brandão, onde você estava para a banda, como um membro de dentro, porém, invisível ao público?

TP: Ali, um Hanoi era eu, o outro era o Brandão. A banda mudava de formação toda hora, mas nossa aliança permanecia firme (continua até hoje!). Temos alianças espirituais que podem ser popularescamente definidas como “coisa de amigos do peito”, sem infiltrações venéreas. Saiba que além das 50 gravadas, temos mais de 60 músicas inéditas e outras que continuamos a fazer sem parar! Letras incríveis, como Embriaguez & Desordem, de 1988, que trata de motins em presídios, bem antes deles aparecerem na mídia. A parceria com Arnaldo tem o mesmo perfil da que mantive com Lobão: ambos são do Rock'n'Roll clássico, rebelde e sem saia justa; e ambos gostavam da minha veia crítica e a estimulavam. Se não fossem eles, a primeira frase do hit Rádio Blá ("ela adora me fazer de otário") tinha sido trocada pelos caras da gravadora, que achavam que  um ídolo pop não podia ser dobrado por uma mulher.

 Arnaldo Brandão_

VF: E por falar nisso, vocês alguma vez sofreram pressões de pessoas de gravadoras, no sentido de modificar letras e até arranjos de suas canções?

TP: Em várias ocasiões estas conversas vinham à baila. Em Panamericana (Ao sol de Parador), eles queriam que a gente tirasse a pergunta sobre os matadores dos índios brasileiros e a dúvida sobre quem ajudava os cocaleros com éter e gasolina. Quando a música era feita por encomenda, para um autor ou artista, eu nem ligava. Aquilo era o que eu conscientemente chamava de MPGD (música para ganhar dinheiro), um estilo que não pára de crescer, no qual, a qualidade do que é dito não interessa nem a quem canta...

 

VF: Por que o brasileiro é tão hipócrita?

TP: Porque tem inveja na alma e esforça-se para ser um imbecil vaidoso cuja soberba não lhe permite comportar-se com a elegância de um índio. Toda a balela de que somos amistosos, receptivos e hospitaleiros só serve para a indústria do turismo e olhe lá. Nossa sociedade está vazada por candomblés dispostos a fazer o mal; malandros determinados a te dar uma volta; gente que prefere reclamar a apontar uma saída. Adoramos que a esquerda tenha se metido na corrupção: se fossem honestos seriam vaiados, mais odiados do que estão sendo. Somos um bando de fascistas metidos a liberais. Somos cruéis com nossos conterrâneos. Somos podres e achamos que os trópicos escondem nosso fedor. Isso para não falarmos que somos uns cagões de primeira. Se depois do petróleo, os americanos resolverem pegar a nossa água potável e mandar suas tropas para ocupar nossos terrenos, é capaz dos governadores de Estado e prefeitos das cidades brigarem para atrair os invasores: “...ei, venham para cá: temos umas garotas de 10 anos que vocês vão adorar... temos samba, praia...”. O Roberto Carlos é capaz de fazer shows especiais para os generais da tropa de ocupação em seu transatlântico e a classe média paulista é capaz de pagar qualquer coisa para estar presente nesta sala, olhando os uniformes dos invasores... Aqui, a vergonha na cara só aparece quando alguém a esbofeteia e, mesmo assim, por uns tostões e uma mariola, ela vai pro saco. Nós não somos exatamente hipócritas: somos volúveis!

 

VF: Nos fale sobre o fato de você ironizar a mediocridade em geral, manifestando o cinismo, como uma cartada fatal.

TP: Não ironizo: falo com as ferramentas dela com consciência de que nela há um retrovirus capaz de desmascarar suas ambigüidades programadas. Parece que sou cínico, mas sei que esse cinismo heterodoxo, cheio de truques e desconfianças, virou moda entre celebridades e comunica mais do que sinceridades. Não que mentiras sinceras me interessem: a verdade é que não provoca interesse nenhum se for absolutamente sincera. Sabemos que um dos pilares da democracia iluminista é a capacidade que cada um tem de ser sincero perante os demais: falando a verdade, a comunicação cria uma teia de confiança que mantém a democracia forte e repelente a coisas como a corrupção. Mas, infelizmente, as pessoas estão acostumadas a serem enrabadas sem reagir. Não adianta querer que elas pensem, organizem opiniões, apresentem idéias: todos querem ser  agradáveis, dizerem piadas que alegrem e façam rir quem está em volta. Tudo, inclusive coisas desagradáveis como insultos e sentenças injustas deve valer uma gargalhada; caso contrário não vale a pena pensar no que está sendo dito, feito ou preparado. A hipocrisia que nos corrói o caráter e molda nossa personalidade sócio-dinâmica está toda baseada no único valor que nos foi imputado como parâmetro de dignidade: A GRANA! A hipocrisia é o dinheiro e suas perturbadoras promiscuidades conexas. Não adianta informar que esse dinheiro que controla nosso dia-a-dia só existe no planeta há menos de 200 anos e, como outras coisas que acompanham a história da nossa civilização, vai acabar...  

 

'Nossa esculhambação é híbrida, original, inexorável. Somos burríssimos,

ignorantérrimos, estúpidos; embora tenhamos excelência quando o assunto é bolsa de

valores, falcatruas econômicas e outras matérias dignas da máfia, da pirataria...'

 

VF: Como você vê a Educação no Brasil atual?

TP: Olha: o caso é de uma gravidade absurda. Estamos com mais da metade dos alfabetizados incapacitados de entender o que lêem. Eu faço um Quiz interessante nos meus eventos: pergunto à platéia quem é o cara chamado Haddad que está no governo? Faz-se um silêncio sepulcral. Um ou outro sabe, mas peço que se mantenha calado. Nove entre dez caras da audiência não sabem que o Haddad comanda o segundo maior orçamento da União e que está sob responsabilidade executiva e gerencial de sua pasta aquela solução que todo idiota costuma vomitar quando lhe perguntam qual é a saída para que este povo ignorante e de futuro mais miserável do que triste saia de sua trincheira e resolva pular o muro que o acovarda e aprisiona. O cara é o Ministro da Educação e ninguém sabe. Tanto que aquela idiota subiu no palco do Gil para protestar contra o descaso com as escolas, confundindo Ministérios e responsabilidades: uma cena patética e triste como um massacre nos Bálcãs. Estamos caminhando para uma nação formada por gente espiritual e intelectualmente desmiolada e desorientada. Pessoas com a alma carregada de uma mediocridade inimaginável. Nossas elites devem estar entre as mais grosseiras e mal-educadas do mundo. Tem gente que já viajou o mundo todo, veste-se com griffes importadas e posa em colunas sociais que acha que o teto da Capela Cistina é forrado com papel de parede... (risos).

 

VF: Te incomoda saber disso? Ou seja, até que ponto a ignorância alheia, que se traduz em deseducação, falta de informação, de instrução, formação, golpes de toda espécie, interferem em seu humor, na sua vida, a ponto de transmutar-se para suas criações?

TP: A irritação que a ignorância me causa deve ser efeito colateral da minha veia kantiana que se apegou em excesso aos racionalismos necessários à uma democracia plena. Tem horas que esqueço que sou dos trópicos, de uma nação de grileiros e degredados que se misturaram com uma civilização nativa pacifista e pra lá de budista; e não um iluminista que acredita que a liberdade decorre do uso público que fazemos da razão diante dos problemas sociais que nos oprimem. Na verdade, não odeio os ignorantes que não podem ser alinhados na mesma fieira a que estão aguilhoados os analfabetos e os menos culturalmente enriquecidos por idéias e filosofias. Eles me causam dor no parassimpático quando me passam a incapacidade de fazer uso racional da liberdade que a democracia plena e a cidadania constitucional lhes garante. Sofro com a ignorância deles, pois não creio que possa haver liberdade se duas pessoas não puderem se considerar iguais quando estabelecem uma comunicação através das palavras de um idioma que lhes é comum. Na verdade, sinto raiva de mim mesmo por perceber que sou mal compreendido e, por conta disso, algumas vezes passo a ser admirado, tomado por mestre, líder... Isso me é horrível de suportar. 

  

VF: Como você vê a notória 'falta de educação' do brasileiro?

TP: A falta de educação, geralmente manifesta pela soberba com que a classe dominante olha os que lhes estão à disposição, oferecendo sua força de trabalho em troca de miúdos, causa-me engulhos biliáticos e acabo vomitando coisas que seriam mais eficazes se distribuídas e comunicadas como as fofocas que dão vida à nossa sociedade criminosamente estratificada. Já a ausência de informação e a completa indiferença sobre o que esta sendo de alguma forma informado... Putz! Isso sim, me deixa deprimido, desesperançoso, triste, sorumbático. Diante dos que vivem alegremente submersos na alienação que lhes é imputada pelos manipuladores dos meios de comunicação de massa, minha alma é tomada por um ceticismo agnóstico que parece estar roubando dias de minha vida. Não chamo o povaréu de burro, nem me coloco num Olimpo de privilegiados: o que me deprime é saber que a cidadania pode não ser um bem essencial à vida das pessoas que não se interessam pela vida pública e que fazem questão de darem caráter apolítico às suas deficiências de caráter (mesmo que sejam honestos, beatos e trabalhadores). Gente assim, vai fabricar as bases para que o fascismo volte recauchutado (remixado, como prefiro ver) e capaz de surpreender quem quer que discorde de suas artimanhas. Gente assim, sofre de uma baixa estima, capaz de deteriorar a autonomia de suas escolhas. Gente assim, vai acabar acreditando que sem Mussollini não existiriam as atuais Leis Trabalhistas que lhes garantem vantagens nos tribunais ordinários das demissões em massa; nem teriam sido possíveis os Sindicatos que criaram o PT e deram aos operários uma ferramenta de barganha sócio-política nos mercados do trabalho. Gente assim, vai acabar servindo de massa de manobra para os operadores do poder globalizado...

 

'Ao invés de benefícios, a globalização está trazendo mais

e mais miséria ao mundo e a pior das doenças: a desconfiança'

 

VF: Considerando-se tudo isso, você acha que o país ainda tem conserto?

TP: Não. Definitivamente não tem quem dê jeito! Aqui vamos nos tornar uma alternativa internacional justamente porque estamos resolvendo problemas que o mundo ainda vai enfrentar (como viver na miséria sem reclamar; como aceitar injustiça social sem sofrer; como eleger amaldiçoados sem incorrer na maldição, etc...) justamente porque não temos capacidade de resolver problemas que boa parte do mundo já solucionou. Nossa esculhambação é híbrida, original, inexorável. Somos burríssimos, ignorantérrimos, estúpidos; embora tenhamos excelência quando o assunto é bolsa de valores, falcatruas econômicas e outras matérias dignas da máfia, da pirataria, do descaramento e das maçonarias mais gananciosas. Aqui ninguém conserta mais nada: complica mais e mais. Complica tanto que a falta de solução passa a ser a solução. Vamos queimar florestas, poluir rios, destruir tudo; vamos concentrar renda até voltarmos ao tempo dos vassalos e suzeranos; vamos manter milhões abaixo do nível de miséria e nem nos importarmos... e, mesmo assim, seremos a vanguarda do terceiro milênio. Não explicamos nem queremos saber por quê?; somos hábeis em dizer qual é?  Tanto que vamos nos tornando fascistas sem nos darmos conta disso. Nossos fascistas são tão originais que vão conquistar o poder falando de violência e pedindo paz...

 

VF: Por falar em Fascismo, explique sobre o que você chama de ‘remix fascista’, o qual já teceu um consistente e atualizado poema "Estão remixando o fascismo" (leia na íntegra em www.viafanzine.jor.br/journow). Na verdade, como um off de seu poema gostaria que, se possível, você traçasse um comparativismo sintético, do autêntico fascismo italiano, com este de agora, cibernético, digitalizado, globalizado...

TP: Para fundamentar o que digo é preciso informar que o conceito de Novos Fascistas pertence ao ideário de Pier Paolo Pasolini, cuja principal fobia investia contra a incursão da Igreja reacionária, com suas maçonarias conservadoras e inquisidoras (Opus Dei, a qual está ligada ao atual Papa e que, em seus consulados internacionais encontram no candidato do PSDB, Geraldo Alckimin, um exemplo a ser observado) no Estado Republicano profetizou a ascensão de Mussolini e suas hordas castradoras. Como alvo secundário, mas igualmente aterrorizante, estavam no foco da metralhadora pasoliniana as promíscuas ingerências do capital financeiro, liberal e capitalista, nos mecanismos de controle do Estado, cujo governo, quando democraticamente eleito, deveria estar lidando com as deficiências da nação; educando o indivíduo para que ele pudesse enfrentar a realidade com idéias autônomas e escolhas perspicazes, conhecendo melhor e racionalmente o que lhe afetava e auto-conhecendo-se afetado. Esta mistura, atualmente, tendo no consumismo uma de suas moedas de troca, impede que o estado-nação democraticamente equipado providencie meios e acessos inclusivos para que as bases sociais em que assentou suas frentes operacionais possam divergir democraticamente, discutir com posicionamentos equânimes e constantemente reajustar os parâmetros determinantes da justiça social. Entretanto, com a rapidez com que a globalização executou a modernização das sociedades do primeiro mundo, internacionalizando as reservas do capital financeiro, tecnologizando o capital produtivo e oferecendo um modelo de estabilidade social baseada na acumulação de bens e serviços. Nos países periféricos o impacto criou um imenso batalhão de hipnotizados, vasculhados e mesmerianamente absorvidos pelas possibilidades da Internet. Estes alienados e confusos indivíduos, sem se darem conta de seus egoísmos, querem refletir-se num espelho em que a imagem é formada por pixels. Desnorteados e cada vez mais narcisistas buscam revelações divinas em celebridades fabricadas pela eficiência da publicidade e/ou pelo oportunismo das circunstâncias que lhes restaure a fé num Deus que se tornou possível no universo virtual em que suas vidas vão moldando uma realidade que os comporte, independente dos outros e de quem lhes é alheio.

 

VF: E como se daria este processo em termos práticos?

TP: Minorias de todos os matizes passam a criar grupelhos de interesses privados capazes de eleger sub-lideranças sazonais e segmentadas, cuja infiltração no aparelho de Estado, servindo a suzeranos de ordens renascentistas remixadas na forma de legendas partidárias (as quais devem favores pessoais ou nas quais prospectam dividendos derivados de sua lealdade programática), acabam minando e destruindo a capacidade da máquina estatal administrar mudanças; o que, num ponto mais avançado, vai acabar destruindo as vias pelas quais ele mesmo, o indivíduo, através dos benefícios que recebe do estado através de sua ligação umbilical e cívica com a nação, conseguiria emancipar-se ética e moralmente, gabaritando-se a conceber uma liberdade que não supera nem se contrai diante da liberdade do outro. Ao invés de benefícios, a globalização está trazendo mais e mais miséria ao mundo e a pior das doenças: a desconfiança. Ora, o medo e a desesperança, associadas à quebra nos protocolos da confiança mútua que mantém os cidadãos unidos em suas nações, foram as vias pelas quais o fascismo floresceu na Europa, após a primeira guerra. A segunda guerra e a guerra fria que programaticamente a sucedeu apenas encenaram um ambiente de modernização pacífica entre as nações mundiais; mas, com a pressão da tecnologia e a integração global das comunicações, os mesmos agentes que fizeram os ignorantes ingressarem nas colunas uniformizadas e disciplinadas por uma doutrina autoritária que aparentemente minimizava as doenças sociais estão se aproveitando da nova cena mundial e infiltrando seus demônios na vida pública dos estados-nações, preparando a nova formatação do equilíbrio de poder planetário. O Fascismo que estou denunciando (isso não é profecia: o processo já está em curso e tem facetas pós-modernas) está fechando o cerco enquanto o terrorismo desterritorializado e movido por grupos e redes transnacionais (o crime organizado, inclusive, participa desta negociação da mesma forma que a máfia participou da invasão à Itália fascista durante a segunda guerra) se ocupa de criar uma Guerra Santa que facilite a institucionalização de sua nova versão doutrinária nas comunidades que estejam vivenciando o desmanche do tecido social e convivendo com as vítimas da desestruturação do modo de vida tradicional que as exigências da globalização condenaram à extinção sumária. Posso falar e delirar horas sobre esse assunto, mas vou encerrá-lo aqui com uma única sentença: estamos sendo levados a repetir ciclicamente o que a história já nos apresentou como resultado e, desta vez, a farsa não será a melhor parte dela.

    

VF: E os movimentos musicais, o rock nacional, a MPB, os ritmos regionais? Como andam?

TP: O fim das utopias e a exclusão da dialética em nossas discussões podem não ser produtos diretos da Perestroika e da Glasnost, mas o neocapitalismo aproveitou a nova versão das liberdades para segmentar tudo e criar grandes espaços de exclusão entre as frentes da criação cultural. Sou de um tempo em que a gente ia a um show do Chico, saia de lá para um boteco e ia encontrar uma turma que tinha vindo do ballet da Graziela Figueiroa e depois parar numa sessão de meia noite para ver Kurosawa, onde estavam nos esperando dois caras que tinham ido a exposição de um artista na Galeria de Ipanema. Outros vinham do cineclube do Santeiro e uns caras tocavam numa banda de rock onde o cantor era negro... Estava tudo integrado. Naquela época, ser artista da Globo não significava nada.

 

Encontro em evento poético no Rio:

 Tavinho Paes e Antônio Siqueira,

 cronista e representante de

Via Fanzine no Rio de Janeiro.

  

VF: E agora?

TP: Agora é tudo segmentado. Um bando de caretas está na crista da onda cagando regras e exibindo-se na mídia como cacatuas emplumadas. Sabemos que a maioria das celebridades tem um poder econômico canhestro (sobre o qual elas não refletem desde que o cheque continue sendo assinado) garantindo suas visibilidades através da gigantesca máquina publicitária global. Percebemos que tem muita gente que se submete a impuras infâmias só para paparicar o que crêem ser superiores e deles ganhar as migalhas de um pão que nem o diabo ousaria amassar. A sexualidade virou um clichê para o qual até a AIDS virou uma peça positiva, no sentido de que passou a exigir de seus praticantes uma higiene que, de outra forma, seria ignorada e ajudaria a propagar por aí doenças que vão da sífilis a hepatite D. Não tem nada de novo no front. Aliás, não tem mais front: só retaguardas! Quem tem poder, garante-o com a retaguarda protegendo sua nuca. Não existe uma idéia original capaz de convocar uma reunião de pessoas dispostas a pensar. Até as drogas se tornaram ridículas: não conheço ninguém de classe média que não tome remédios (vitaminas, esteróides, tranquilizantes, soníferos) pelo menos uma vez por semana, quando não é todo dia. Bebe-se cada vez mais cedo como nunca se bebeu antes (a propaganda insiste que sem uma cerveja você não é ninguém e vai acabar criando uma geração de diabéticos já, já...) e bebe-se sem motivo nenhum. Cigarros começaram a ser reparados pelo cheiro e, tirando a fobia pela saúde, essa justa moda é de uma caretice inacreditável: se o sujeito achasse que vai ser vítima de câncer passivo desculpava-se a coerência de sua paranóia; mas ele acaba agindo assim porque acha que esta é uma postura elegante, moderna, inteligente. Com um mundo assim, meu nêgo, movimentos artísticos são babaquices que não servem nem para contextualizar insignificâncias excepcionais. Basta criar rótulos e manipulá-los por curtos prazos através da imprensa e dos outdoors, ganhar uma grana dos otários que o comprarem e cair fora. Nada tem consistência. Ninguém quer saber de desafios que não sejam esportivos. Acabou-se o tempo dos romantismos destemperados. O que sobrou tem a ver com esoterismo: até a próxima guerra, pelo andar da carruagem, vai ter a ver com religião. Como poeta, acho que inventar uma prece que consiga atender a todas as religiões do mundo deva ser uma utopia que valha a pena lutar por ela. Movimentos Revolucionários? Só o da lua em torno da terra...  

 

'Como opção intuitiva, vou optar por votar em candidatos e esquecer

que estão alinhados a partidos em que ninguém é de confiança.

Vou votar como quem arma uma armadilha e preparar-me para cair nela'

 

VF: Nos fale da poesia marginal do Rio. Ou seja, nos fale do conteúdo de alguns poemas, seus e de outros autores que denotam a vida urbana carioca, a criminalidade e a batalha do cidadão comum para sobreviver em meio a tudo isso. Este tipo de composição nasce, em você, de uma necessidade de expressar "a lágrima urbana"?

TP: As margens fazem parte do rio e se encontram no fundo dele. Nos anos 70/80, marginais eram os independentes que publicavam seus livrinhos e discos à margem do controle da censura estatal. Com a democracia iluminista manuseada pelos espertinhos e depositada nas mãos dos publicitários, a marginalidade mudou de status. Nós, os poetas, continuamos marginais, nossos eventos não saem nos tijolinhos dos jornais, nossos livros não vendem, somos chamados de chatos por babaquaras de todo tipo; mas nosso Rio agora é outro. O ambiente das cidades, com a criminalidade crescente no caos que foi montado pelo desenvolvimento econômico baseado na criação de riquezas e no controle do poder pelos donos do capital concentrado é uma desgraça urbana que não tem como ser evitada, mas pode ser distorcida à vontade. A cultura que podemos chamar de marginal neste meio está vindo dos bailes funk da periferia; embora suas manifestações mais positivas sejam as ONGs e outras entidades de atendimento aos marginalizados pela economia (e não mais pela política do Estado). A voz dos baticuns eletrônicos está dizendo o que os ouvidos finos dos amantes de Jobim e Vinícius não querem ouvir, não crêem ser poesia nem gostariam de ver expandir-se pela sociedade. Hoje, ser marginal, como dizia Hélio Oiticica, é ser herói; só que, ao se tornar herói, ou o cara morre ou é co-optado para sair na Caras. Hoje, nem o Marcola é marginal...  

 

VF: Como os seus trabalhos impressos e musicais podem ser adquiridos e como podemos acessá-los via Internet?

TP: Tudo é pelo site www.poemashow.com que eu atualizo todo dia, embora o foco dele não seja comercial: bloggo links para artigos importantes, mantenho ativa uma agenda de eventos de poesia e publico quem me parecer interessante. Uma coisa me é clara: não quero mais deixar de ser independente. Esta é uma cicatriz que aprendi a não me envergonhar de ter na cara, embora sinta que seria mais atraente ser procurado por alguém disposto a me por na baia de um supermercado como um sabonete ou um político vencedor. Estou discutindo com meu filho a possibilidade de me transformar num commoditie; ou seja: tudo que tenho encalhado e pronto nos meus arquivos (caixas de sapato, pastas, etc...) pode ser adquirido hoje, mas só poderá ser publicado após a minha morte e com assistência de meus herdeiros. Não que eu não queira ver o sucesso (ou o fracasso) deste empreendimento. Acho que morto meu valor é maior: inclusive porque morto não reclama do que fazem com seus ossos e cinzas. Tudo que faço hoje em dia é realizado em pequenas edições, como amostras de um projeto em desenvolvimento e quero que estas raridades se tornem valiosas por terem sido manualmente realizadas.

 

VF: E os seus trabalhos digitalizados?

TP: Minha paixão pelas novas tecnologias me lança num universo cheio de novidades. Meus e-books podem ser adquiridos no meu site - na operação mais complicada e amadora do mundo: depósitos, e-mail, etc.... Estou criando cineZines (DVD) com vídeos de performances ao vivo que recolhi e colecionei ao longo destes 30 anos de atividades. Realizo um talk-show que me tem trazido alviçareiras simpatias e parcos recursos financeiros, alugável para qualquer situação: do baile punk à festa de casamento. Tenho CDs com minhas poesias faladas e, recentemente, muitas delas podem ser compradas e baixadas na www.americanas.com, que recebe e processa cartões e Visa Eletrons de todos os tipos: basta entrar no www.poemashow.com e seguir o link direto. Não sou inaccessível, mas não me acham em qualquer shopping e não sei se lamento ou se empino o nariz. Não vivo do mercado informal: atuo num mercado de informações interativas. Para dizer a verdade, não vendo nada: recebo doações para continuar sendo quem sou e desenvolvendo o que faço, mesmo não sabendo aonde tudo isso vai dar. Sinto-me vivo: isto é inegociável! 

 

'Não diga a esse povo que o carnaval está proibido, o futebol não vai ter mais estádios para ser jogado e que o preço da cachaça vai se tornar impossível para quem não ganha nem um salário mínimo: se isso acontece a guerra civil, pela primeira vez vai rolar nas ruas...'

 

VF: Como você analisa estas eleições presidenciais de 2006?

TP: Um teste de paciência. Os candidatos são péssimos, mas o voto nulo é pior do que votar no Enéas porque ele parece um malucão (risos). Com o circo montado, a direita está levando seus domadores de leões, o centro traz o mágico e a esquerda vai apresentar o atirador de facas: na platéia, os palhaços vão decidir quem faz o melhor número e, depois que eles indicarem o vencedor, vão acabar torcendo para que o trapezista despenque e se estabaque como tomate fora da rede de segurança. Vamos escolher entre os profissionais da corrupção qual o que pode nos arranjar uma vaga no grupo que vai fazer o próximo assalto. Conheço uns caras que adoram andar com políticos e servi-los como mordomos só para se sentirem importantes. Sentem-se felizes por estarem perto da corte. Não sou dessa quadrilha, mas não anulo meu voto porque esta conquista democrática custou-me caro e levou a vida de muitos camaradas meus. Como opção intuitiva, vou optar por votar em candidatos e esquecer que estão alinhados a partidos em que ninguém é de confiança. Vou votar como quem arma uma armadilha e preparar-me para cair nela. Diante da urna, sentir-me-ei como alguém que está pronto para dar uma boa foda e, sem querer, na excitação do confronto, confundiu-se e trocou o tubo da vaselina pelo da cola-tudo... (risos).

 

VF: Esta foi ótima! Isso deve ser o "estar F*" literal (risos). Mas me fale uma coisa, quem é tal do Fausto Brasil? Personagem costa-quente de uma de uma das canções do Hanoi, que, segundo consta, graças a seus contatos influentes detém um poderoso "passaporte-em-branco-pra-qualquer-parada"?

TP: Infelizmente, aquele frankstein montado numa canção de rock'n'roll continua recebendo partes de corpos e ficando cada vez mais impossível de controlar. Aquele personagem foi criado numa época em que o Plano Cruzado, uma irresponsabilidade técnica que estava facilitando a vida do brasileiro, ajudava a entendermos o poeta José Sarney, eleito indiretamente presidente da república pela sinistra morte do Tancredo Neves, como um sinal de que a liberdade democrática estava chegando à cavalo (embora uma besta ou um asno fossem mais confiáveis). Fausto tem a ver com Goethe; mas sua profecia acabou gerando outros monstros como PC Farias e esse Valério... Esses são celebridades nesse mundinho de crápulas. Há outros demônios circulando livremente nesse castelo de cartas que é o Brasil continental: uma nação de chuteiras jogando futebol e olhe lá...   

 

VF: Tavinho, você como um eterno "inconformado de carteirinha", o que tem a dizer sobre os múltiplos comentários sobre o destino do País? Quero dizer, acabamos de 'perder uma copa', e estamos à beira das eleições presidenciais de 2006; ouve-se falar que um golpe socialista poderia ocorrer, caso Lula não vença as eleições; ouve-se falar que os generais estão prestes à desenhembainhar a espada diante de tanta calamidade política; enfim, como você vê estes comentários antidemocráticos e o que sugere sobre o destino do Brasil?

TP: Os militares não são tão burros: estão com Lula e com a Ordem Constitucional. O candidato do PSDB disse numa entrevista que seu Estado tem uma força policial armada maior que o exército brasileiro! Você acha que num país em que cada um está olhando para seu umbigo alguém consegue fazer uma quartelada, dar um golpe de Estado? Quem quer essa massa falida? A nossa democracia é tão flexível quanto a nossa poderosa moeda. Não vai haver nada de grave, mas as baixarias eleitorais vão ser de lascar. O destino do Brasil é ganhar confiança em si mesmo e auto-determinar-se como a potência espiritual do terceiro milênio: aqui, a paz será movida à vela, incenso e despacho. Está escrito no ifá: não somos um país; somos uma nação. O país, os políticos podem quebrar a vontade; mas a nação... Ah, meu nêgo, essa agüenta porrada, desilusão, rasteira e sacanagem. Só não diga a esse povo que o carnaval está proibido, o futebol não vai ter mais estádios para ser jogado e que o preço da cachaça vai se tornar impossível para quem não ganha nem um salário mínimo: se isso acontece a guerra civil, pela primeira vez vai rolar nas ruas... Isso aqui é o Brasil: a gente não desiste, a gente insiste... Vai dar Lula lá e cá entre nós, lá não é um lugar em que nenhum de nós queria estar! 

 

VF: Agradecemos pela entrevista e pedimos para nos deixar um comentário final.

TP: Nas próximas eleições, nem precisam votar conscientes (o que não quer dizer que devam votar embriagados), mas não joguem fora seus votos nem subestimem o poder do sufrágio universal. A esperança que os votos carregam pode não valer o que deveriam valer, mas é a última que querem matar. Protejam essa vida que pertence a todos. Não se sinta um otário: participe da festa para a qual não te convidaram e participe dela sem se portar como um penetra (essa festa é você quem banca sem gastar um só centavo)...   

 

* Pepe Chaves é jornalista e editor de Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br).

- Fotos: Antônio Siqueira / Arquivo Via Fanzine.

- Visite o site de Tavinho Paes: www.poemashow.com.br

- Produção: Pepe Chaves. 

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