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 Artigos

 

Brasil brasileiro:

Os Transertões de Augusto de Campos

Logo após a publicação de “Os Sertões”, Euclides passou a ser reconhecido, indubitavelmente,

como o maior escritor brasileiro do seu tempo e para mim, em particular, de todos os tempos.

 

Por Hiram Reis e Silva*

De Porto Alegre-RS

Para Via Fanzine

05/04/2014

 

A linguagem euclidiana inspirou escritores de sua época e continua a iluminar o espírito de literatos de todos os tempos.

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"Que me importa, a mim, que o leitor estaque na leitura corrente, se a impressão que lhe dou com esse termo esquecido é a mais verdadeira, a mais nítida e, em verdade, a única que eu lhe queria dar?!" (Euclides da Cunha).

 

O inigualável Euclides da Cunha é um gênio e como tal conseguia transformar um árido relatório técnico, como nos reconhecimentos de fronteiras do Brasil com o Peru e do Peru com a Bolívia, em obras magistrais onde argumentos de irrefutável lógica cartesiana ombreavam com a história e acompanhavam harmonicamente seus devaneios de pura poesia. No épico “Os Sertões” sua visão holística e cultura poliédrica foram reconhecidas incontestavelmente pela crítica nacional e estrangeira.

 

O Imortal Euclides da Cunha

 

Conta-nos contristado os episódios horríveis da caatinga conflagrada. Repugnava-lhe aquela reação da legalidade que não lhe pareceu na altura da nossa força militar, como não agiu consoante à cultura que, como um povo civilizado e cristão, representávamos. Não acusava a indivíduos; reprovava, porém, a ação descabida, errônea, incontida dos responsáveis. (Teodoro Sampaio)

 

Logo após a publicação de “Os Sertões”, passou a ser reconhecido, indubitavelmente, como o maior escritor brasileiro do seu tempo e para mim, em particular, de todos os tempos. O escritor e crítico literário Tristão de Alencar Araripe Júnior promoveu-o de “Recruta a Triunfador”. A primeira edição da obra foi esgotada em tempo recorde e, como reconhecimento, a Academia Brasileira de Letras elegeu-o, merecidamente, para a vaga de Valentim Magalhães.

 

Augusto Luís Browne de Campos

 

Augusto Luís Browne de Campos nasceu em São Paulo, em 1931. Poeta, tradutor, ensaísta, crítico de literatura e música, em 1951 publicou o seu primeiro livro de poemas – “O rei menos o reino”. Em 1952, com seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, dando início ao movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil, lançou a revista literária Noigandres, origem do Grupo Noigandres. Em 1955, no segundo número da revista, publicou uma série de poemas em cores, Poetamenos, considerados os primeiros exemplos consistentes de poesia concreta no Brasil. (JÚNIOR)

 

Transertões

 

Augusto de Campos escreveu, em 03.11.1996, um interessante artigo denominado “Transertões” para a Folha de São Paulo em que ele chama a atenção para a dificuldade de se classificar a linguagem empregada por Euclides da Cunha nos seus “Os Sertões”. Reporta-nos Campos:

 

No extenso acervo da literatura crítica de “Os Sertões”, tão saturado que parece deixar pouco espaço para alguma nova vereda, diversos estudiosos chamaram a atenção para os aspectos poéticos da linguagem euclidiana. Resistente às categorizações estilísticas, a obra já foi qualificada como quase tudo, de romance-poema-epopeia – Afrânio Coutinho – a ensaio de crítica histórica, nenhuma classificação logrando definir-lhe cabalmente os contornos.

 

Ao próprio Euclides não haveria de desagradar a atribuição da categoria poética ao seu livro, já que ele próprio chegou a conceituá-lo, numa dedicatória, “poema de heroísmo e brutalidade”, como lembra Olympio de Sousa Andrade – “História e Interpretação de Os Sertões”. De fato, as palavras “poesia”, “poema”, empregadas em sentido amplo, emergem instintivamente à leitura do livro, sinalizando o viés estilístico que nos impede de enquadrá-lo “tout court” como prosa. Outra coisa, porém, é considerar o que se poderia chamar, mais rigorosamente, de poética de “Os Sertões”, ou seja, os traços específicos que definem a linguagem da poesia que reponta no texto, extraindo-o, em momentos relevantes, do domínio típico da prosa, de ficção ou outra.

 

Dentre tais características avulta o emprego do verso. Nesse sentido, ninguém parece ter ido tão longe como Guilherme de Almeida, nem haver sido tão preciso quanto ele no apontar o implícito e muitas vezes flagrante alento “versificatório” da frase euclidiana. Em tom despretensioso de cronista, publicou o poeta, há 50 anos, no “Diário de São Paulo” de 18.08.1946, percuciente artigo intitulado “A Poesia d’Os Sertões”, no qual assinalava a existência de numerosos versos metrificados ou livres e mesmo de alguns excertos poéticos, no texto. (CAMPOS)

 

Inspiração Euclidiana

 

Na Amazônia inúmeras formas impressionaram minha retina, despertaram minha atenção e estimularam minha imaginação, uma delas, em particular, marcou indelevelmente meu inconsciente não apenas por sua beleza, mas sobretudo pela energia e crueldade que se esconde por detrás de cada tentáculo do apuizeiro (phicos fagifolia), que sufoca progressivamente a árvore hospedeira até matá-la.

 

A linguagem euclidiana inspirou escritores de sua época e continua a iluminar o espírito de literatos de todos os tempos. Vejamos como Euclides se refere ao apuizeiro:

 

O apuizeiro é um polvo vegetal. Enrola-se ao indivíduo sacrificado, estendendo por sobre ele um milhar de tentáculos. O polvo de Gilliat dispunha de oito braços e quatrocentas ventosas; os do apuizeiro não se enumeram. Cada célula microscópica na estrutura de seu tecido se amolda numa boca sedenta. E é uma luta sem um murmúrio. Começa pela adaptação ao galho atacado de um fio lenhoso, vindo não se sabe donde. Depois, esse filete intumesce, e, avolumado, se põe, por sua vez a proliferar em outros. Por fim, a trama engrossa e avança constringente, para malhetar a presa, a que se substitui completamente. Como um sudário o apuzeiro envolve um cadáver; o cadáver apodrece, o sudário reverdece imortal. (CUNHA, 2000)

 

O escritor paraense Raymundo Moraes por sua vez, sem perder seu próprio estilo:

 

Não se limita a sugar a vítima – improvisado vampiro verde – cose-a nas dobras funéreas de um pano fantástico, a mortalha-a, e, daquele sandenito lúgubre, refloresce e se esgalha triunfantemente. Das batalhas surdas que se travam na planície, nenhuma de certo tão empolgante, ao mesmo tempo que tão calada como a dessa epífita chamada “phicos fagifolia” com os mais vigorosos representantes da mata. (...) trama compressora de braços e pernas, assemelha-se ao cefalópodo dos pélagos profundos. Tudo que se distende e tem curvas, das serpentes da Laocoonte às chamas do inferno, desenha-se na estamenha coreassea daquela nova roupagem botânica, como se as formas celindroides e ofídicas da casca fossem o sinal e o aviso dum estigma. (MORAES)

 

Os Sertões

 

Chamo a atenção para este capítulo da épica obra de Euclides.

 

Capítulo III - Higrômetros Singulares

 

Não a observamos através do rigorismo de processos clássicos, mas graças a higrômetros inesperados e bizarros.

 

Percorrendo certa vez, nos fins de setembro, as cercanias de Canudos, fugindo à monotonia de um canhoneiro frouxo de tiros espaçados e soturnos, encontramos, no descer de uma encosta, anfiteatro irregular, onde as colinas se dispunham circulando um vale único. Pequenos arbustos, icozeiros (caparidáceas) virentes (florescentes) viçando em tufos intermeados de palmatórias de flores rutilantes, davam ao lugar a aparência exata de algum velho jardim em abandono. Ao lado uma árvore única, uma quixabeira alta, sobranceando a vegetação franzina. O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão e protegido por ela – braços largamente abertos, face volvida para os céus – um soldado descansava. Descansava... havia três meses.

 

Morrera no assalto de 18 de julho. A coronha da Mannlicher estrondada (esmigalhada), o cinturão e o boné jogados a uma banda, e a farda em tiras, diziam que sucumbira em luta corpo a corpo com adversário possante. Caíra, certo, derreando-se à violenta pancada que lhe sulcara a fronte, manchada de uma escara (crosta de ferida) preta. E ao enterrar-se, dias depois, os mortos, não fora percebido. Não compartira, por isto, a vala comum de menos de um côvado (0,66m) de fundo em que eram jogados, formando pela última vez juntos, os companheiros abatidos na batalha. O destino que o removera do lar desprotegido fizera-lhe afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre de um fosso repugnante; e deixara-o ali há três meses – braços largamente abertos, rosto voltado para os céus, para os sóis ardentes, para os luares claros, para as estrelas fulgurantes... E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos, de modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se em tranquilo sono, à sombra daquela árvore benfazeja. Nem um verme – o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria – lhe maculara os tecidos. Volvia ao turbilhão da vida sem decomposição repugnante, numa exaustão imperceptível. Era um aparelho revelando de modo absoluto, mas sugestivo, a secura extrema dos ares.

 

Os cavalos mortos naquele mesmo dia semelhavam espécimens empalhados, de museus. O pescoço apenas mais alongado e fino, as pernas ressequidas e o arcabouço engelhado (enrugado) e duro. À entrada do acampamento, em Canudos, um deles, sobre todos, se destacava impressionadoramente. Fora a montada de um valente, o Alferes Wanderley; e abatera-se, morto juntamente com o cavaleiro. Ao resvalar, porém, estrebuchando malferido, pela rampa íngreme, quedou, adiante, à meia encosta, entalado entre fraguedos (rochedos). Ficou quase em pé, com as patas dianteiras firmes num ressalto da pedra... E ali estacou feito um animal fantástico, aprumado sobre a ladeira, num quase curvetear (empinar), no último arremesso da carga paralisada, com todas as aparências de vida, sobretudo quando, ao passarem as rajadas ríspidas do Nordeste, se lhe agitavam as longas crinas ondulantes...

 

Quando aquelas lufadas, caindo a súbitas, se compunham com as colunas ascendentes, em remoinhos turbilhonantes, à maneira de minúsculos ciclones, sentia-se, maior, a exsicação (secura) do ambiente adusto (árido): cada partícula de areia suspensa do solo gretado e duro irradiava em todos os sentidos, feito um foco calorífico, a surda combustão da terra.

 

Fora disto – nas longas calmarias, fenômenos óticos bizarros. Do topo da Favela, se a prumo dardejava o Sol e a atmosfera estagnada imobilizava a natureza em torno, atentando-se para os descambados, ao longe, não se distinguia o solo.

 

O olhar fascinado perturbava-se no desequilíbrio das camadas desigualmente aquecidas, parecendo varar através de um prisma desmedido e intáctil, e não distinguia a base das montanhas, como que suspensas. Então, ao Norte da Canabrava, numa enorme expansão dos plainos perturbados, via-se um ondular estonteador; estranho palpitar de vagas longínquas; a ilusão maravilhosa de um seio de mar, largo, irisado, sobre que caísse, e refrangesse, e ressaltasse a luz esparsa em cintilações ofuscantes... (CUNHA, 1984)

 

Transertões

 

Embora alguns autores tenham sido nitidamente inspirados outros, apaixonados ou contaminados mesmo, pela euclidiana linguagem, transcreveram-na “ipsis litteris”.

 

Outra coisa, porém, é considerar o que se poderia chamar, mais rigorosamente, de poética de “Os Sertões”, ou seja, os traços específicos que definem a linguagem da poesia que reponta no texto, extraindo-o, em momentos relevantes, do domínio típico da prosa, de ficção ou outra. (CAMPOS)

 

Soldado

(Augusto Luís Browne de Campos)

 

I

 

O sol poente desatava, longa,

a sua sombra pelo chão

e protegido por ela –

braços longamente abertos,

face volvida para os céus –

– um soldado descansava.

Descansava... havia três meses.

II

 

– braços longamente abertos,

rosto voltado para os céus,

para os sóis ardentes,

para os luares claros,

para as estrelas

fulgurantes...

 

* Hiram Reis e Silva é Coronel de Engenharia

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br

 

- Imagem: Hiram Reis e Silva.

 

- Fontes:

 

CAMPOS, Augusto. Transertões – Brasil – São Paulo – Jornal Folha de São Paulo, 1996.

 

CUNHA, Euclides da. Os Sertões – Brasil – São Paulo – Editora Três, 1984.

 

CUNHA, Euclides da. Um Paraíso Perdido: Reunião de Ensaios Amazônicos – Brasil – Brasília – Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.

 

JÚNIOR, Arnaldo Nogueira. Biografia de Augusto de Campos – Brasil– Projeto Releituras –www.releituras.com/index.asp,

 

MORAES, Raymundo. Na Planície Amazônica – Brasil – São Paulo – Editora da Universidade de São Paulo, 1987.

  

- Livro do autor

 

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, clique aqui.

 

*  *  *

 

Leilão do Campo de Libra:

Petróleo: a história se repete

Mais uma vez a presidente Dilma decidiu imitar FHC, pois além de privatizar o petróleo,

chama o Exército contra aqueles que denunciam o entreguismo, como o tucano fez em 1995.

  

Por Heitor Scalambrini Costa*

De Recife-PE

Para Via Fanzine

21/10/2013

 

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Naqueles anos, de triste recordação para o povo brasileiro, mal assumiu o governo, Fernando Henrique Cardoso (FHC) enviou ao Congresso um projeto de emenda constitucional que visava acabar com o monopólio da Petrobrás sobre a exploração e produção de petróleo.

 

Em 3 maio de 2013 completou 18 anos da histórica e heróica greve de 32 dias dos petroleiros, que em plena era FHC, foi fundamental como movimento de resistência para impedir a privatização da Petrobrás (ou PetroBrax como se chamaria). Naquele ano de 1985 foi autorizado pelo presidente da Republica que o exercito com tanques, metralhadoras e militares ocupassem as refinarias e reprimissem os trabalhadores.

 

A Federação Única dos Petroleiros (FUP), que liderou este movimento, acabou despertando um movimento nacional de solidariedade resultando no grito único de que “somos todos petroleiros”. Um alto preço foi pago, resultando na demissão de muitos trabalhadores, e de multas astronômicas para os sindicatos ligados a FUP. Com toda repressão a luta valeu a pena, e a Petrobrás não foi totalmente privatizada.

 

Agora, novamente, os petroleiros mostram o caminho em uma greve contra o leilão do Campo de Libra, na Bacia de Santos - a primeira licitação de área do pré-sal. Libra não é um mero campo, é um reservatório totalmente conhecido, delimitado e estimado em seu potencial de reservas em barris. Ou seja, esta área não é um bloco aonde a empresa petrolífera irá “procurar petróleo”. Constitui na maior reserva comprovada de petróleo brasileiro no pré-sal, descoberto pela Petrobrás em 2010, e uma das maiores descobertas mundiais dos últimos 20 anos, possuindo entre 12 e 14 bilhões de barris de petróleo (equivalente a dois terços das atuais reservas brasileiras).

 

No dia 17/10 a presidente Dilma Rousseff assinou um decreto que autoriza o envio, além das tropas do Exército, homens da Força Nacional de Segurança, da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF)  para garantir (?) a realização do leilão da área de Libra, que ocorrerá na segunda-feira (21/10) no Windsor Barra Hotel, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. O Ministério da Defesa coordenará as ações com apoio do Ministério da Justiça, em uma operação denominada de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e será executada pelo Comando Militar do Leste, que contará com mais de 1.100 homens. Não está descartada a possibilidade de reforço da Marinha e até da Aeronáutica.

 

Mais uma vez a presidente Dilma decidiu imitar FHC, pois além de privatizar o petróleo, chama o Exército contra aqueles que denunciam o entreguismo, como o tucano fez em 1995. Além disso, alimenta a judicialização e a criminalização por parte da mídia. Sem dúvida ficará para a história pelo uso do exército, contra os manifestantes que defendem os interesses nacionais.

 

Contra os leilões do petróleo e pela soberania nacional. O petróleo é nosso.

 

* Heitor Scalambrini Costa é professor na Universidade Federal de Pernambuco.

 

- Imagem: Divulgação.

 

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