Avanço dos oceanos:
O mar está engolindo a
praia de Atafona
Fenômeno conhecido como
transgressão do mar se mostra evidente numa praia do litoral fluminense.
Na localidade de
Atafona, o mar já engoliu uma grande área urbana, gerando prejuízos e
desabrigados.
Fenômeno não é
localizado, cidades do litoral paulista e do Nordeste também já sofrem
com o problema.
Da Redação
Via Fanzine*
ATUALIZADO EM
31/05/2015
Paisagem mutante em Atafona: à esquerda uma
foto tomada em 1974 e à direita em 2010.
A área urbana da foto da direita
está compreendida no espaço vermelho da foto à esquerda.
O contorno da linha azul pontilhada
mostra a área em outrora habitada e hoje tomada pelo mar.
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fotos dos efeitos do avanço do mar em Atafona.
'O sertão vai virar mar'
Há muito já se dizia que “o sertão vai virar mar e o mar vai virar
sertão”, como lembra a canção "Sobradinho" de Sá & Guarabyra. Nessa
canção, é abordada a inundação de uma grande faixa de terra no interior
da Bahia, com a criação da Barragem de Sobradinho que, ao se formar,
inundou várias vilas e povoados, obrigando as suas populações a se
deslocarem para municípios criados exclusivamente para abrigá-las.
Lenda ou não, fato é que as últimas gerações têm presenciado mudanças
surpreendentes e irreversíveis em determinadas regiões litorâneas de
todo o planeta. Em muitas localidades, o mar avança e o problema saltou
de iminente para evidente, pois já causou e mostra que ainda irá causar
muitos danos materiais, além de transtornos de ordem imobiliária em
distintos pontos do imenso litoral brasileiro.
Enquanto se alçam discussões para justificar se as causas do avanço dos
oceanos são naturais ou se dão por intervenções humanas, fato é que,
diferentemente das doces águas de Sobradinho, as águas salgadas
transbordam e já cobrem extensas faixas de terras litorâneas brasileiras
que, faz pouco tempo (décadas ou anos), eram compostas de vegetação ou
construções. Muitos locais onde antes compunham regiões urbanizadas
atualmente foram subtraídos pelas águas, num fenômeno chamado pelos
cientistas de "transgressão do mar".
Alguns pontos se mostram mais susceptíveis às ocorrências desse
fenômeno, enquanto noutros, o oceano parece se manifestar de maneira
normal, como sempre esteve. No Brasil, em determinadas regiões dos seus
litorais Norte, Nordeste, Sudeste e Sul, autoridades e pesquisadores já
reconhecem comportamentos diferenciados das ressacas e marés.
Na região Sudeste, um dos pontos em que o fenômeno do avanço do mar se
mostra mais evidente é no distrito de Atafona, na foz do rio Paraíba do
Sul, no estado do Rio de Janeiro. Pertencente ao município de São João
da Barra-RJ, situado na região Norte Fluminense e vizinha à conhecida
cidade de Campos dos Goytacazes, o distrito de Atafona passa por
constantes transformações paisagísticas naturais, causadas pela invasão
das águas do mar.
Pontal de Atafona: essa
ponta do continente que avança sobre o mar na foz do rio Paraíba do Sul
está sendo engolida aos
poucos e
deverá desaparecer nos próximos anos; os efeitos já são evidentes.
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fotos dos efeitos do avanço do mar em Atafona.
Registros antigos do fenômeno em Atafona
Após cortar o estado fluminense, o rio Paraíba do Sul deságua na praia
de Atafona, num local, onde a paisagem tem mudado rapidamente. O acúmulo
de sedimentos levados pelo rio, assoreando a sua foz e as fortes ondas
do mar que avançam rapidamente sobre o território urbano acaba por
diminuí-lo visivelmente. O processo de erosão marinha transformou ao
longo dos anos as construções da orla em ruínas abandonadas e banhadas
pelo mar em Atafona.
Pesquisadores marítimos afirmam que o fenômeno em Atafona ocorre desde a
década de 1950 e que nos últimos 30 anos, mais de 180 casas, em 14
quarteirões, teriam sido destruídas pelo avanço do mar. Ainda que não
tenha causado vítimas fatais, o fenômeno causou muitos danos materiais e
prejuízos imobiliários.
Antes uma localidade próspera, após ter sua orla principal roubada pelo
mar, Atafona se tornou um simples balneário, agora frequentado quase que
somente por curiosos pelo avanço do mar e alguns surfistas
descompromissados. Se antes as pessoas procuravam a praia por sua beleza
e tranquilidade, hoje elas buscam para matar a curiosidade sobre os
vestígios de dezenas de imóveis tragados pelo mar.
Além do problema do
avanço das águas, a localidade sofre também
com a areia, que se espalha
por residências de toda a região.
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fotos dos efeitos do avanço do mar em Atafona.
Dunas que avançam sobre propriedades
O avanço do mar não é o único problema enfrentado pela população de
Atafona. A região sofre também com a invasão das dunas de areia que
soterraram 14 quarteirões uma grande área urbana. As dunas se deslocam
rapidamente para as regiões urbanas e estão enterrando literalmente
muitas dezenas de construções entre comércios e residências.
De acordo com o oceanólogo Luiz Fernando Vieira, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), a erosão em Atafona é similar à que ocorre em
outras partes do país, como Cabo Frio (RJ) e Olinda (PE). “Ela acontece
por conta de ventos fortes e ondas altas, que batem na praia e criam a
erosão, puxando sedimento e diminuindo a orla”, explica.
E, além disso, é bom lembrar que, na medida em que sedimentos são
levados pelo rio até o mar, o local da foz se torna mais susceptível a
extravasar de seu leito, sobretudo, em épocas de ressacas.
O oceanólogo conta que, "Naquele cenário da foz do Paraíba, a erosão
está em franco desenvolvimento e a velocidade aumentou nos últimos
meses. As frentes frias do ano passado e deste ano duraram mais tempo
naquela zona costeira, com preocupação grande para a população local a
respeito da destruição de casas. No verão deste ano até o inverno, em um
período de cinco meses, houve uma aceleração grande. A erosão se deu em
torno de sete metros por ano e o que nós havíamos medido recentemente,
desde 2000, foi da ordem de 3 a 5 metros por ano”, relatou o
pesquisador.
Para ele, a erosão promoveu o turismo na região e despertou a
curiosidade da população local que, com frequência, visita as ruínas. A
pesquisa estima que no total mais de trezentas casas já foram
destruídas. Em alguns trechos da praia, o banho de mar é proibido por
conta do perigo de se ferir nos escombros das antigas construções.
Vieira disse que o fenômeno natural em Atafona é complexo. “O agravante
na região é que a erosão subtrai as areias da praia e as dunas soterram
as construções”, explicou.
Prédio do Julinho:
construído na década de 1970, quando se situava ainda
distante do mar e destruído durante uma maré alta (detalhe, no alto).
Vídeo mostra desabamento do prédio do Julinho
O mar quer possuir a terra
Em Atafona, o mar avançou mais de 400 metros e as águas já engoliram
dezenas de ruas, destruindo um bairro inteiro num período de 20 anos. O
fenômeno natural continua implacável e, o cenário, é de destruição. Com
a invasão do mar, o pontal virou atração e recebe visita constante de
turistas curiosos pela fúria do mar.
Uma antiga referência do lugar, o prédio onde já funcionou o Hotel do
Julinho e um supermercado, também foi engolido pelo mar [foto acima].
Para muitos que vivem em Atafona, é inacreditável como as ondas do mar
alcançaram o famoso prédio, que se tornou ruína e depois desabou por não
resistir à força das águas. Em 2008, a construção ruiu em questão de
segundos, tal como uma implosão, após uma forte ressaca que cobriu toda
a sua base, desintegrando-a.
O prédio foi construído pelo comerciante conhecido como Julinho na
década de 1970, quando o mar ainda se encontrava distante do local.
Durante muitos anos, a construção se tornou um símbolo da orla marítima
de Atafona. O comerciante morreu em 1981, já sabendo que seu imóvel
estava condenado pela Defesa Civil.
Os destroços do que um dia foi parte da comunidade hoje servem de
fachadas para que as pessoas profetizem o apocalipse. Muitas frases
relacionadas com o fim do mundo estão por toda parte e, curiosamente,
como que a concretizar as profecias apocalípticas, muitas delas já foram
literalmente tragadas pelo mar.
“Atafona é a primeira cidade a ver a chegada do fim do mundo”, diz Zélia
Souza, que trabalha num bar situado em frente à praia. O que sobrou do
“hotel do Julinho” tem inscrições como “Jesus está vivo”, “Apocalipse –
lembra-te do dia de sábado para o santificar”. As frases de efeito,
muitas de origem bíblica, impressionam alguns turistas que visitam o
local, que são levados a refletir sobre as futuras consequências desse
fenômeno assombroso.
Frases apocalípticas se encontram em
meio aos escombros de Atafona.
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fotos dos efeitos do avanço do mar em Atafona.
Esperando o apocalipse
Defronte uma dessas inscrições, um grupo de turistas munidos de máquinas
fotográficas, registra o lugar. Carmem Faria e Raquel Cansado estão na
cidade pela segunda vez. “É impactante e ao mesmo tempo triste,
desolador. Voltamos cinco anos depois para ver como o mar não para de
avançar. Da última vez o hotel ainda estava de pé”, conta Carmem. “Só
Deus para impedir que se repita aqui o que aconteceu no Japão”, completa
Raquel, sem saber que as ondas no outro lado do mundo foram ocasionadas
por choques nas placas tectônicas.
O tom apocalíptico também está na conversa com moradores mais antigos.
No começo de fevereiro foi realizada a procissão de Nossa Senhora dos
Navegantes, que percorreu a cidade até a praia de Atafona. Muitos
acreditam que isso fez com que o mar recuasse alguns metros.
Para os técnicos, porém, a explicação é outra. Este recuo faz parte do
processo erosivo. Desde 2008, tem se percebido este fenômeno inverso na
cidade. O mar tem recuado, devolvendo faixas de areia que estavam
submersas.
Para o técnico ambiental Luis Henrique Araújo, que perdeu sua casa na
última forte ressaca, isso não permite que a população se anime. “O mar
recua e depois volta ainda mais forte. Não se pode construir novamente
onde ele destruiu. São movimentos imprevisíveis”, diz.
De acordo com os especialistas, o mar está avançando cerca de três
metros por ano em Atafona e tomando faixas de até 30 metros em
determinados locais.
Em Atafona, além de
todas as pessoas perderem os investimentos
imobiliários na orla,
muitas se tornaram desabrigadas pelo mar.
Clique aqui para ver
fotos dos efeitos do avanço do mar em Atafona.
Rio de Janeiro: obras para conter avanço do mar
A cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado, também já sente em alguns
pontos, os efeitos da elevação do nível dos oceanos. O aumento no número
de ressacas, bem como o comportamento cada vez mais violento destas, têm
servido de alerta para que as autoridades comecem a traçar alternativas
para enfrentar o problema. De acordo com informações do portal G1, uma
pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2008,
mostrou que serão necessárias obras para conter o avanço do mar nas
praias do Rio de Janeiro.
As ressacas têm aumentado e diminuído a faixa de areia no Arpoardor, na
Zona Sul da cidade. Em Cabo Frio, na Região dos Lagos, as ondas fortes
já causaram alguns prejuízos. Na Praia do Forte, naquela cidade, o
asfalto está afundando em alguns pontos e, por segurança, o trânsito
chegou a ser parcialmente interditado.
No Arpoador, na Zona Sul do Rio, o problema causado por uma ressaca,
pode se tornar definitivo. Segundo o estudo, a elevação do nível dos
oceanos poderá fazer com que muitas praias desapareçam e as faixas de
areia que protegem a orla poderão ser engolidas pelo mar.
O pesquisador da Coppe/UFRJ, Paulo Rosman, coordenou a equipe que
pesquisou a Região Costeira do país e explicou que as consequências do
aquecimento global serão sentidas, mas de forma lenta. E que mesmo
assim, o poder público já deve começar a se preparar parar as mudanças.
Na cidade do Rio de Janeiro, a pesquisa mostra que há necessidade de
aumentar a faixa de areia das praias do Arpoador, Ipanema, Leblon e São
Conrado, na Zona Sul e Barra e da Macumba, na Zona Oeste. "Se o poder
público tomar medidas, vamos ter progresso social e melhoria ambiental
para enfrentarmos as mudanças que virão", disse Rosman.
Pelos cálculos do especialista, em três dessas praias seria preciso
investir pelo menos R$ 20 milhões. Alterações de ventos e marés também
estão previstas e os chamados “extremos climáticos”, que são longos
períodos de seca e temporais em um curto espaço de tempo. A Secretaria
do estadual do Ambiente informou que já está avaliando onde serão feitos
os investimentos.
Litoral paulista: mar
engoliu mais de 250 metros em Ilha Comprida.
Mar avança também no litoral paulista
O litoral do estado de São Paulo também sofre com o fenômeno da
transgressão do mar. O processo vem ocorrendo ao longo de muitos anos,
mas sua intensidade é observada com clareza em períodos de ressaca,
quando a água invade a praia com mais violência.
De acordo com uma reportagem da Rede Record sobre o assunto, centenas de
casas já foram destruídas e os moradores são obrigados a fugir da força
do mar no litoral paulista.
Alguns exemplos da destruição causada pelo mar no estado de São Paulo
estão em praias como Ilha Comprida, onde o mar já avançou mais de 250
metros e Iguape, onde diversas construções foram destruídas. Nessas
localidades, a transgressão do mar já fez desaparecer uma grande fração
das áreas urbanas, deixando somente ruínas, desolação e reflexões.
Foto de
satélite mostra regiões do litoral do Faro,
em
Portugal, atingidas pela invasão do mar.
Além mar
Do outro lado do Atlântico, o avanço do mar também se revela fato
evidente. Algumas localidades portuguesas situadas na costa atlântica
também sofrem com o problema e já tiveram diversos estabelecimentos
tragados pelo mar nos últimos anos.
Em Portugal, o mar está avançando e causando transtornos, especialmente
na região do Faro, além de ter destruído diversos pontos também na costa
de Espinho.
Naquela costa, os estragos são visíveis entre a Praia de Granja e
Espinho. Uma reportagem da tevê RTP informa que já foram feitas várias
intervenções de recurso, para evitar mais riscos. Técnicos do país
acreditam na necessidade de investir muitos milhões de euros para a
contenção do mar e prevenção de danos materiais no litoral português.
* Com informações e
imagens de:
Rede Globo de
Televisão
Rede Record de
Televisão
G1
RTP/Portugal
Expresso/Portugal
Fátima Nascimento -
flickr
João Xavi - flickr
Eduardo Heleno
Maysa Inês
Google Images
DNOS
Gilberto Pessanha Ribeiro
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