Astronáutica
40 anos da Apollo 13: De volta para casa A história de uma missão lunar que mudou o seu objetivo.
por Márcio R. Mendes* De Dois Córregos/SP Para Via Fanzine
Selo alusivo à Apollo 13, onde os astronautas aparecem com o presidente Richard Nixon.
É notório que nossas lembranças gradativamente se dissolvem com o tempo. Algumas, mais intimamente significativas, persistem; no entanto, o tempo é um agente implacável em nossa existência.
Em minha infância vivi minutos de medo, ao me perder numa multidão e em local pouco familiar. Aquela sensação ruim de que qualquer direção escolhida é tão boa quanto as que deixamos de escolher, marcou-me bastante. Quem não se lembra de experiências infantis assim: sentir-se perdido.
Guardadas as proporções, já imaginei a sensação de muitos em situações semelhantes, porém, bem mais severas. Ao longo de toda nossa história, quantos se perderam e também perderam a vida por estar longe de casa, em ambientes inóspitos. Na profundidade de oceanos, nas altitudes de grandes cordilheiras geladas ou ainda em matas e florestas densas e selvagens, ou, quem sabe, em um mar revolto ou qualquer outra situação desesperadora onde a desorientação levou à morte.
Morrer é um de nossos destinos e somos especializados nele. Os preparativos – e a espera - é que são traumáticos, por conhecermos muito bem sobre o início dessa “viagem”, especialmente quando nos vemos diante de tal realidade sem esperá-la para aquele momento.
Em todas essas situações, levados às últimas conseqüências ou não, terminamos “em casa”. Nossa história não registra quem possa ter tido a experiência de deixar a vida estando longe do planeta. Em todos os tempos nossa experiência de vida começou e terminou por aqui, em “casa”.
Tripulação da Apollo 13: Fred Haise, John Swigert (o "reserva", incluido de última hora) e o comandante James Lovell.
A exceção à regra esteve muito próxima de concretizar-se em abril de 1971, durante a missão Apollo 13, na terceira tentativa de pousar e caminhar em solo lunar. Como sabemos, a missão quase se transformou em tragédia e esta é a história, como tantas outras, que descreve “como voltar para casa”. A diferença é que a “casa” envolve aqui o planeta Terra como um todo. Difícil imaginar sensação mais apurada de isolamento.
Eu era um adolescente quando a Apollo 13 partiu e, no aconchego de meu quarto, pensei naqueles pilotos, tentando aprumar uma rota para a Terra, usando equipamento que não tinha essa finalidade. Ao mesmo tempo, eles se debatiam com outras necessidades, como o a falta de oxigênio, de energia disponível, e a manutenção da temperatura adequada ao conforto mínimo. Quem sabe, quantos problemas mais os preocupava naquela ocasião?
Imagine estar mirando a Terra ao longe, entre as estrelas, sabendo que seus entes queridos estão lhes esperando lá; tendo ciência de que seu único meio para atingi-la está seriamente danificado. Pelo o que li, as chances de retorno eram cotadas em meros 10 por cento. Há 90 por cento pesando contra você. Angustiante, não?
A perseverança, o treino, a substituição do trabalho da máquina pelo o do homem, a cooperação de muitos e, certamente, a sensibilização de nosso coletivo os trouxe para casa, para sabermos dessa história.
Em 11 de abril de 1971, começava a viagem do foguete Saturno V, desta vez, com a missão Apollo 13, levando à bordo o veterano James Lovell como o seu comandante. A tripulação se completa com os novatos Fred Haise (piloto do Módulo Lunar, que desceria à superfície do satélite terrestre) e John Swigert (piloto do Módulo de Comando, que orbitária a Lua aguardando a volta do módulo lunar).
James Lovell fez seu voo inaugural já quase no final do programa Gemini, que abriu as portas para ao projeto Apollo. Fez o histórico voo na Apollo 8 que, pela primeira vez, levou seres humanos além dos domínios gravitacionais da Terra, contornando a Lua, sem pousar. A missão Apollo 13 seria, portanto, a “consagração” para Lovell, que deixaria suas marcas na região lunar conhecida por Fra Mauro.
Esta tripulação, na verdade, está diferenciada de sua formação original que incluía como piloto do Módulo de Comando o astronauta Thomas Mattingly (também novato), que fora afastado quase às vésperas do lançamento, com suspeitas de rubéola.
Equipe de Controle: tensão após verificar que os astronautas corriam perigo.
Após o pioneirismo da Apollo 11 e o brilho da bem sucedida Apollo 12, a missão seguinte, de número 13, já apresentava o problema de modificação da sua tripulação. Apesar da superstição relacionada ao número 13, infortúnios estavam em último lugar na preocupação da tripulação. Diferente disso, eu me lembro que alguns jornais e revistas da época, em tom de brincadeira, questionaram ou lembraram a possibilidades de reveses, devido ao número, considerado azarento.
Superstição em um ambiente científico como a NASA é palavra quase desconhecida, no entanto, algumas coincidências se tornam curiosas e, sem dúvidas, um prato cheio para os adeptos das “teorias subliminares”. O lançamento da missão Apollo 13 ocorreu em 11/04, às 13hs e 13 minutos. No caso das missões Apollo, os horários obedeciam às possibilidades de “janelas de lançamento” (condições propícias ao lançamento) e não uma data e horário escolhidos ao bel prazer. Embora tenha ocorrido um lançamento perfeito, o problema começou dois dias depois, em 13/04, quando a Apollo 13 já havia cruzado pouco mais da metade do caminho para a Lua. O comunicado do comandante Lovell tornou-se ícone astronáutico: “Houston, temos um problema”.
Curiosa também foi a situação causada pela inclusão de última hora do astronauta John Swigert. Já em voo, Swigert lembrou e comunicou ao controle o fato de não ter entregado a sua declaração de Imposto de Renda. Ele foi tranquilizado pelos controladores da missão que lhes informaram haver uma cláusula prevendo uma tolerância de até 60 dias para pessoas que estejam comprovadamente fora do país.
A rotina do voo parecia estar estabelecida com a vigilância dos instrumentos, alguns experimentos, pequenas excursões para o preparo do Módulo Lunar, transmissões de tevê para o público em geral, alternando tudo isso com períodos de descanso. Provavelmente, uma pane elétrica desencadeou curtos-circuitos em pontos críticos do Módulo de Serviço, resultando em uma explosão violenta, que desequilibrou a nave e a fez rotacionar em direções comprometedoras. Alarmes soaram, indicando a perda de energia e de oxigênio em taxas alarmantes. O trabalho dos astronautas, ante a surpresa do inesperado se tornou intenso e rápido, assistidos pelos controladores da missão, não menos surpresos.
No ponto em que se encontrava a espaçonave, impulsionada em direção à Lua, não havia como parar e acionar o motor principal de volta à Terra. Àquela altura, já estava claro que não contavam mais o motor principal.
O plano de voo original previa uma velocidade e a passagem a certa distância da Lua, o que permita a ação gravitacional desta para “capturar” e manter a nave em sua órbita. Novos dados seriam necessários e uma nova “atitude” da espaçonave deveria ser imposta pelos astronautas, para que a nave apenas contornasse a Lua, em vez de ser dominada pela gravidade lunar. Uma vez aprumados, o conjunto deveria manter o motor de descida do Módulo Lunar apontado em direção oposta à Terra, para se produzir impulso suficiente para trazê-los de volta. Tais procedimentos nunca foram experimentados ou testados anteriormente. Entretanto, teria que funcionar com sucesso nesta primeira tentativa ou não haveria volta.
Refazer os cálculos sob condições precárias, numa época em que os computadores de bordo tinham menor capacidade que qualquer computador “de bolso” usado atualmente, foi um pesadelo. Para onde apontar o conjunto de espaçonaves? Durante quanto tempo deve ocorrer a queima do motor, considerando que deveria impulsionar uma massa superior (conjunto Módulo Lunar completo e Módulos de Comando e Serviço) não planejada para ele? Ao longo do percurso de volta, que exigia constantes reajustes na rota, uma formação distinta daquela usada em simulações ou treinos tomava as providências.
Módulo de serviço mostrando a lateral avariada.
Uma vez vencido o problema da saída da órbita lunar, mas ainda longe de casa, outros problemas surgiriam. O Módulo de Comando teve que ser totalmente desligado para poupar energia necessária para as últimas manobras de reingresso à atmosfera terrestre. Com isso, a temperatura ambiente ficou muito abaixo do suportável, obrigando os três integrantes a dividir o espaço do Módulo Lunar - veículo projetado para apenas duas pessoas. Para piorar a situação, o ambiente não possuía quaisquer acomodações ou mesmo acentos. O consumo de oxigênio no módulo também estaria majorado, por causa da presença de um tripulante a mais que o suportado.
Com a respiração dos astronautas naquele ambiente, o acúmulo de gás carbônico ficou excessivo e com os filtros avariados, a taxa desse gás seria letal para os astronautas, podendo intoxicá-los e matá-los em poucos minutos. Enquanto isso, em terra, um equipamento acabara de ser inventado por um piloto de testes, Scott MacLeod. Assistido por engenheiros e, a partir de materiais alternativos que se sabia, existia na nave, MacLeod buscava uma solução para os astronautas da Apollo 13. E assim, o sucesso desse equipamento improvisado foi, talvez, um dos maiores triunfos da genialidade da equipe de cientistas envolvida nesta crise.
Gradativamente, a atração gravitacional da Terra os acelerava de volta para casa, porém, o frio era intenso. Os astronautas se revezaram em curtos períodos de descanso, mas, devido ao frio, o sono foi quase impossível. O controle da missão aconselhou a ingestão de dexedrina, estimulante capaz de aliviar alguns efeitos do frio intenso.
As condições de voo resultavam numa reentrada atmosférica previamente calculada, que ocorreria no lado escuro da Terra e deveria ser controlada manualmente. Cálculos de última hora avaliaram um ângulo de 6,24 graus como suficiente para esta reentrada. Tudo isto, supondo que houvesse energia suficiente para reativar o Módulo de Comando e que este pudesse se desprender do Módulo de Serviço avariado.
Quando o conjunto estava com a velocidade de 14 mil quilômetros por hora, o Módulo de Serviço foi ejetado com sucesso, ocasião em que puderam fotografá-lo e constatar que estava faltando quase metade de uma de suas laterais. Ainda com a velocidade crescente, depois, o Módulo Lunar foi descartado, sob os agradecimentos dos astronautas pelo excelente “bote salva-vidas” em que se fora transformado. Os astronautas, já acomodados novamente no Módulo de Comando, viram o Módulo Lunar se afastar deles à taxa relativa de três quilômetros por hora, enquanto a velocidade do conjunto era de aproximadamente 20 mil quilômetros por hora.
A reentrada ocorreu às 11h54 (hora local) e devido ao intenso atrito, um período de silêncio no rádio foi estabelecido, causado pelo bloqueio das ondas de rádio naquela fase. Normalmente, deveria durar de três a quatro minutos, mas, neste caso foi prolongado, aumentando muito a agonia da espera. O aumento se deu por causa do angulo raso em que a nave entrou, aumentando o percurso em que permanecem sob este bloqueio.
Oito minutos após a reentrada, os grandes paraquedas branco e vermelho foram avistados contra um céu nublado e com garoas em alguns pontos.
Lovell, Haise e Swigert estavam de volta ao lar.
Os astronautas da Apollo 13, após o retorno, com o presidente Richard Nixon.
E, da mesma forma que, quando Neil Armstrong marcou a presença do homem na Lua, pela primeira vez, o Controle da Missão “explodiu” em festa. Desta vez, com suspiros de alívio.
Em 2002, quando visitei o complexo de visitantes da NASA, na ante-sala do Grande Saturno V que está disposto horizontalmente, em todos os seus 110 metros de extensão, há um filme em que um astronauta se faz de cícerone para uma platéia de admirados turistas.
Justamente James Lovell é quem faz os preparativos para os visitantes, que estão prestes a conhecer na sala ao lado. Confesso que fiquei satisfeitíssimo com a escolha desse astronauta como cícerone. De forma muito eficaz, é contada a trajetória dos veículos espaciais, passando por sua viagem na Apollo 8, culmina sua fala com a Apollo 11 e deixa no ar a sua epopéia na Apollo 13. Afinal, os visitantes estão ávidos em conhecer o monstruoso foguete.
Ele termina sua apresentação referindo-se à Apollo 13 e à sorte que teve, junto com seus companheiros de viagem, dizendo, “mas esta é uma outra história”...
E essa curta história que acabo de narrar, traz a modesta intenção de relembrar àquela, na passagem de seus 40 anos, em 11/04/2010.
* Márcio Mendes é físico, professor em Dois Córregos/SP, astrônomo amador membro da REA (Rede Astronômica Observacional) e consultor de Astronomia para os portais Via Fanzine e UFOVIA. Sua página exclusiva é www.viafanzine.jor.br/mmendes.htm.
- Fotos: Nasa/Arquivo do autor.
- Leia outros artigos de Márcio R. Mendes: Do Vale do Antílope ao solo lunar – a saga das missões Apollo A descoberta da Nova Velorum – por Márcio Mendes ‘Lunar’: a vida quase solitária de um astronauta
- Produção: Pepe Chaves © Copyright 2004-20109, Pepe Arte Viva Ltda.
* * *
Moscou: Tripulação vai simular viagem a Marte em 105 dias Uma tripulação de seis astronautas viverá uma viagem espacial em uma câmara fechada.
Da Redação*
Tripulação sorriu e acenou para as câmeras antes de entrar no compartimento.
Enquanto a Nasa apresentou a Orion em Washington (nave construída pela Marinha para substituir os ônibus espaciais a serem aposentados em 2010), em Moscou, a Rússia e a Europa simulam uma viagem a Marte.
Numa pareceria entre a agência russa Roskosmos e a Agência Espacial Européia (ESA), seis voluntários farão uma viagem simulada a Marte. A jornada ao planeta vizinho vai durar 105 dias e teve início na terça-feira, 31/03.
O objetivo da experiência é observar como seres humanos enfrentam longos períodos de isolamento e em situações semelhantes a uma viagem espacial. A tripulação é formada por quatro russos, um alemão e um francês.
Eles sorriram e acenaram para as câmeras antes de entrar em um compartimento apertado, semelhante a uma nave espacial. Um cadeado foi usado para trancar o espaço de metal, onde será desenvolvido o projeto das duas agenciais espaciais.
"Para falar a verdade, eu estou muito feliz com a minha tripulação", disse a uma coletiva de imprensa no Instituto de Problemas Médicos e Biológicos de Moscou o chefe da tripulação, o russo Sergei Ryazansky.
"Eu acredito que esta equipe não terá problemas psicológicos", afirmou o cientista de 34 anos de idade, que é um astronauta treinado. "Eu também quero que esta missão seja no mínimo um pouco parecida com um vôo espacial de verdade, que todos nós desejamos", disse.
Uma viagem a Marte em uma nave espacial fabricada com nossa atual tecnologia de ponta levaria pelo menos 500 dias. Além disso, estaríamos sujeitando os astronautas a doses altas de radiação e a um custo de dezenas de bilhões de dólares. Segundo as autoridades russas, um vôo como este deve acontecer em 2030.
O experimento, parte do projeto Marte-500 (Roskosmos/ESA), tem como objetivo avaliar como os seres humanos lidam com os efeitos psicológicos e físicos em períodos longos em compartimentos fechados. Nestes treinamentos, a tripulação irá enfrentar emergências propositais e problemas como o atraso de mais de 20 minutos na comunicação com a torre de controle, assim como com os sinais de rádio pela enorme distância da Terra e de volta.
Estarão sendo registrados todos os impactos da “viagem” sobre as condições física e psicológica da tripulação. Os integrantes da equipe serão monitorados para avaliar o impacto do isolamento nos níveis de estresse, regulação dos hormônios e sono. Um outro experimento simulado de 520 dias está agendado para começar ainda este ano.
* Com informações da Reuters e ESA.
- Foto: Reuters.
- Colaborou: Vitório Peret (RJ).
- Produção: Pepe Chaves © Copyright 2004-2009, Pepe Arte Viva Ltda.
Leia outras matérias na www.viafanzine.jor.br/astrovia.htm ©Copyright, Pepe Arte Viva Ltda. Brasil.
|