Voo 447:
Relatório da BEA aponta falha de pilotos
Novo relatório do BEA insiste em falhas dos pilotos e faz
dez
recomendações de segurança, entre elas mais treinamento.*

Parentes de vítimas do voo 447 da Air France participam
de entrevista coletiva do BEA.
O
novo relatório sobre as circunstâncias do acidente com o voo 447,
divulgado nesta sexta-feira pelo Escritório de Investigação e Análise (BEA,
na sigla em francês), aponta falhas dos pilotos. A aeronave, que seguia
do Rio de Janeiro para Paris, em 2009, caiu sobre o Oceano Atlântico com
228 pessoas a bordo. Segundo o relatório, os pilotos não adotaram
procedimentos adequados nos últimos minutos de voo, após a perda de
sustentação e de velocidade. Diante das últimas análises, a BEA fez dez
novas recomendações de segurança, que deverão ser seguidas pelas
companhias aéreas. A primeira delas é um melhor treinamento dos pilotos,
com a implantação de exercícios específicos para a pilotagem manual,
abordagem e recuperação do estol (perda de sustentação), inclusive em
alta altitude.
O
relatório mostra ainda que nenhuma mensagem de socorro foi emitida pela
tripulação aos passageiros. De acordo com a BEA, a saída do comandante
de bordo da cabine foi feita sem recomendações operacionais claras e não
havia repartição explícita das tarefas entre os dois copilotos.
Entre as novas recomendações sobre a operação das aeronaves, o BEA pede
que as autoridades reguladoras definam critérios adicionais que permitam
o acesso à função de comandante de bordo suplente para garantir uma
melhor divisão das tarefas em casos de tripulações reforçadas. O
escritório francês também recomenda que as autoridades reguladoras
avaliem os méritos de integrar a presença de uma indicação de incidência
diretamente acessível pelos pilotos.
Das
dez novas regras, quatro fazem referência aos registradores de voo. O
BEA pede a obrigatoriedade da instalação de registradores de imagens que
permitam visualizar o conjunto do painel de bordo em aviões que realizam
transporte público de passageiros, além da definição de regras para a
operação destes registradores. Também é recomendado o registro de
parâmetros de voos adicionais.
Em
relação a transmissão dos dados de voo, o escritório francês solicita
que as autoridades reguladoras imponham a liberação da transmissão de
dados para ajudar a localização quando for detectada uma situação de
emergência a bordo. O BEA pede, ainda, o estudo da possibilidade de
impor a ativação do sinal de emergência (ELT- Emergency Locator
Transmitter) quando uma emergência é detectada a bordo.
Um
relatório preliminar divulgado em maio pelo BEA apontava que a queda do
voo de uma altitude de 11 quilômetros durou apenas 3 minutos e 30
segundos, a uma velocidade de cerca de 200 quilômetros por hora. Na
época, o diretor do BEA, Jean-Paul Troadec, declarou à rede BBC que as
investigações se concentrariam nas diferentes ações dos pilotos diante
do problema da perda das indicações de velocidade do avião, causada pelo
congelamento dos sensores, os chamados tubos pitot. O BEA afirmou
acreditar que os sensores de velocidade, que ficam na parte externa do
avião, tenham ficado entupidos por cristais de gelo formados em alta
altitude.
-
Vamos investigar qual foi o treinamento individual dos pilotos e quais
procedimentos de emergência relativos a problemas nos sensores de
velocidades foram aplicados - afirmou Troadec na época.
Indicações incongruentes de velocidade
O
relatório divulgado em 27 de maio afirma também que houve uma
inconsistência entre a velocidade indicada no lado esquerdo e a indicada
no instrumento de resgate (ISIS) do avião. Essa diferença durou pouco
menos de um minuto. A velocidade mostrada no lado direito não foi
registrada. Ainda segundo o documento, a composição da tripulação estava
em conformidade com os procedimentos, e a massa e o centro de gravidade
estavam dentro dos limites operacionais. Além disso, os motores estavam
em funcionamento e sempre responderam aos comandos da tripulação.
O
BEA confirmou que, no momento em que o avião começou a enfrentar
dificuldades operacionais, os dois copilotos estavam na cabine e o
comandante de bordo estava em repouso. O comandante voltou para a cabine
cerca de 1 minuto e 30 segundos após a retirada do piloto automático.
A
agonia do voo 447 passo a passo
Ao
mergulhar no Oceano Atlântico na noite de 31 de maio de 2009, menos de
quatro horas depois de decolar do Aeroporto Internacional do Rio com
destino a Paris, o Airbus A-330 da Air France que fazia o voo 447 deixou
poucas pistas. Todas elas insuficientes para explicar por que um dos
aviões mais modernos do mundo, cheio de sistemas redundantes,
interrompeu sua trajetória de forma tão trágica. Para responder a essa
pergunta, a Airbus, a Air France e o governo francês desencadearam a
maior e mais cara operação de buscas da história da aviação. Em dois
anos, foram gastos mais de US$ 40 milhões (cerca de R$ 62 milhões) para
localizar as caixas-pretas do avião.
O
último contato da tripulação com os controladores de voo do Cindacta
III, em Recife, aconteceu às 22h33m, a 565 quilômetros de Natal. Até
então não havia registro de qualquer anormalidade. Quase 40 minutos
depois, entre 23h10m e 23h14m, o avião emitiu uma série de mensagens do
sistema Acars para o setor de manutenção da Air France. A primeira
informava que o piloto atravessava uma nuvem carregada. A última, apenas
quatro minutos depois, indicava que o avião estava caindo.
A
análise dessas mensagens, transmitidas automaticamente via satélite,
revelou ainda que as três sondas pitot (sensores que servem para medir a
velocidade do avião) registravam valores discrepantes - provavelmente
devido ao congelamento dos tubos - e que o piloto automático havia se
desligado. A pane nos sensores foi confirmada pelo Escritório de
Investigações e Análises (BEA), que apura as causas do acidente. Mas o
órgão sempre sustentou que o problema, isoladamente, não poderia ser
apontado como causa da tragédia. Mesmo assim, após a queda do voo 447, a
Air France trocou todos os pitots (fabricados pela empresa francesa
Thales) de sua frota de Airbus. Agências de aviação da Europa e dos
Estados Unidos também recomendaram a troca do equipamento.
Inicialmente, as buscas pelos destroços mobilizaram já no dia 1 de junho
equipes do Brasil, da França, dos Estados Unidos, do Senegal e da
Espanha. No dia seguinte, por volta das 13h, aviões da FAB localizaram
partes metálicas, fiações e poltronas que pareciam ser do avião da Air
France, mas só no dia 3 o navio Grajaú, da Marinha brasileira, chegou ao
local, próximo ao arquipélago de São Pedro e São Paulo, e a cerca de
1.200 quilômetros de Recife. Os objetos estavam espalhados num raio de
cinco quilômetros. O material começou a ser recolhido pela Marinha
brasileira no dia 4 de junho.
Somente em 6 de junho, depois de cinco dias de buscas incessantes, a FAB
e a Marinha brasileira localizaram os primeiros corpos de vítimas. Eles
estavam a cerca de 70 quilômetros de onde foi emitida a última mensagem
do Airbus e a cerca de 850 quilômetros de Fernando de Noronha. No dia 26
de junho, após o resgate dos 50 corpos encontrados junto aos destroços,
o Brasil encerrou suas buscas.
Na
França, a partir da análise do material, os investigadores concluíram
que o avião se chocou de barriga com o mar, em vista das deformações
encontradas nas peças. Eles perceberam também que as máscaras de
oxigênio não caíram do teto, o que eliminaria a hipótese de
despressurização. Os coletes salva-vidas não foram acionados, indicando
que os passageiros não se prepararam para um pouso no mar. Para montar o
quebra-cabeça com o cenário da queda do voo 447, no entanto, faltavam as
peças fundamentais: as duas caixas-pretas. Sem o Cockpit Voice Recorder
(CVR), que grava os diálogos na cabine do piloto, e o Data Flight
Recorder (DFR), que registra os parâmetros de voo, seria impossível
determinar as causas do acidente, diziam os peritos. Mas, como localizar
as caixas-pretas no fundo do oceano?
Para
isso, foi montada uma operação de guerra. No dia 10 de junho, o Emeraude,
um dos seis submarinos nucleares franceses de ataque, juntou-se às
buscas. Dotado de potentes sonares, vasculhou a área durante semanas.
Mas a tentativa se mostrou infrutífera. No dia 10 de julho, quando as
caixas-pretas já não emitiam mais sinais (que cessam depois de 30 dias),
a França decidiu encerrar a ação. O mistério do 447 parecia condenado a
permanecer no fundo do mar.
Mas
uma segunda fase começou em 27 de julho, com o navio de pesquisa
Porquois Pas, o submarino não tripulado Nautile, o robô Victor 6000 e
alguns dos maiores especialistas do mundo nesse tipo de busca. Mais uma
vez, a missão fracassou.
Em 2
de abril de 2010, uma terceira fase foi iniciada. Sem os sinais sonoros
das caixas-pretas, no entanto, a tarefa correspondia a buscar uma agulha
no palheiro. Apesar dos gastos crescentes, a missão se mostrou mais uma
vez malsucedida.
No
dia 22 de março deste ano, o navio Alucia partiu do Porto de Suape, em
Pernambuco, para dar início à quarta fase de buscas. Levava a bordo dois
submarinos robôs. As coordenadas que indicavam o local da queda do avião
teriam sido revistas, e a operação passou a ser feita numa outra área,
muito menor que a anterior e muito mais precisa. Finalmente, em 3 de
abril deste ano, numa descoberta histórica, o submarino não tripulado
localizou, a cerca de 4 mil metros de profundidade, destroços do Airbus
A-330 e corpos de vítimas que ficaram presos à fuselagem. Devido às
baixas temperaturas, os corpos estavam relativamente preservados.
A
descoberta abriu caminho para que fossem localizadas as duas
caixas-pretas. A primeira foi resgatada no dia 1 de maio, a uma
profundidade de 3.900 metros. A segunda foi tirada dois dias depois. No
dia 19 de maio, a França anunciou que elas estavam intactas. Depois de
dois anos escondida no fundo do mar, a verdade sobre o voo 447 começa a
emergir.
* Informações e imagem da Agência O Globo.
29/07/2011
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