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Vida profissional:
Uma derrota pode acarretar sucesso
Um
dia então, o adolescente Wesley chega até o pai e anuncia: “Vou fazer
vestibular de engenharia.” E o pai: “Oh! Que notícia boa!” “Chegue aqui,
Maria, mais um engenheiro na família.” E ela: “Não tinha melhor
escolha!”
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
04/08/2023
Repórteres à sua porta e convites para entrevistas no rádio e TV não
faltavam.
Na casa do Wesley,
respirava-se engenharia. Pai, irmão mais velho e tio, todos engenheiros.
Quando se reuniam os três na sala, as mulheres nem conseguiam mais falar
da moda, da vizinha ou da novela da Globo.
Um dia então, o
adolescente Wesley chega até o pai e anuncia: “Vou fazer vestibular de
engenharia.” E o pai: “Oh! Que notícia boa!” “Chegue aqui, Maria, mais
um engenheiro na família.” E ela: “Não tinha melhor escolha!”
- Filho, mas eu
queria primeiro conversar com você. Você sabe que eu, seu tio e seu
irmão não ficamos milionários nesta profissão, mas temos uma vida
confortável. Cada um tem seu carro, sua casa, podemos colocar os nossos
filhos em colégios particulares... Foi esta a razão da sua escolha?
- Não, meu pai, é
porque eu gosto mesmo. Posso ter tido alguma influência de vocês – não
vou negar -, mas a real vontade brotou de mim.
- Ah, ótimo! E é bom
que você ainda poderá contar com a nossa mentoria.
Tudo perfeito. Só
que o jovem, cheio de sonhos, não passou.
A frustração não foi
só sua. Foi da família inteira. Depois, o pai o consolou:
- Wesley, também nem
tudo está perdido. Você é jovem, e daqui a seis meses, tem o vestibular
de novo. Você vai e passa.
O filho andou dentro
de casa, ponderou, depois falou de sua decisão:
- Como segunda opção
no vestibular, eu coloquei Design Industrial. E a minha pontuação dá,
para fazer esta faculdade. Vou matricular-me nela então.
- Mas você gosta?
- Sinceramente, mãe,
eu nem sei direito o que é isso. Achei que parecia interessante, poderia
ter campo de trabalho, coloquei lá na ficha.
Wesley,
já na faculdade, faz uma grande amizade com seu colega Henrique. Um dia,
este lhe pergunta:
- Wesley, vai fazer
o concurso?
- Que concurso?
- De redação. O tema
é “A importância da embalagem”.
- Aqui para a
faculdade mesmo?
- (Rindo)
Não, amigo! É em nível mundial.
- Nem pensar! Há
pouco tempo, eu nem sabia o que era Design. Agora, vou eu disputar com
os feras do marketing e da publicidade?
O Henrique se
inscreveu no concurso e convenceu o Wesley a também participar, ainda
que fosse só por experiência. O Wesley aceitou. E esqueceu-se daquilo.
Faltando só dois
dias para a entrega do trabalho, o Wesley se lembrou e pensou: “Nossa!
Vou ter que fazer isto hoje.” Foi comprar num sacolão. Ali é que ele
teve um insight para a redação. Chegou em casa, pegou uma caneta,
um papel, e em dez minutos, escreveu mais ou menos assim:
“Deus, ao criar as
frutas e os legumes, colocou neles uma embalagem: a casca. E o Criador,
sendo o Maior dos Engenheiros, projetou, para a melancia, um invólucro
espesso e resistente. Já para a pequenina uva, Ele criou uma embalagem
mais tenra e delicada. Imaginemos agora Deus, enquanto Publicitário. Ele
não poupou os apelos sensoriais em suas embalagens: estimulou a visão,
com belíssimas cores; acrescentou-lhes cheiro, sabor e até algum prazer
no tato. Pois bem, se Deus achou importante a embalagem, quem sou eu
para discordar?”
Venceu o concurso!
Como prêmio, recebeu cem mil dólares. Suas caixas de mensagens ficaram
abarrotadas, tanta gente dando-lhe parabéns e elogiando o seu trabalho.
Repórteres à sua porta e convites para entrevistas no rádio e TV não
faltavam. Chega novamente o pai:
- Filho, eu, seu tio
e seu irmão já estamos há tanto tempo na nossa profissão e nunca nos
tornamos uma celebridade, coisa que você, em poucos meses, realizou.
Ainda vai tentar engenharia?
- Claro que não, meu
pai. Se eu iniciei a mil por hora esta intrigante carreira, quero
continuar nela, procurando sempre ser o melhor do mundo.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Boemia carioca:
Madame Satã
Era negro. E ao ser entrevistado uma vez pelo Pasquim, perguntaram-lhe
se ele era homossexual. Ele respondeu: “Sempre fui, sou e serei.” No
entanto, foi casado com Maria Faissal. Adotaram e criaram seis filhos.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
24/07/2023
João Francisco dos Santos (1900 – 1976) nasceu em Glória do Goitá, Zona
da Mata pernambucana, em 25 de fevereiro de 1900. Aos treze anos,
mudou-se para o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro.
Hoje existe lei que protege a comunidade LGBTQIA+. Ainda assim, existem
discriminações, agressões e até mesmo homicídios a integrantes dessa
comunidade. Imaginem então nas décadas de 20 e 30 do século XX. E quando
o indivíduo, além de homossexual, fosse negro?
Dependendo da situação e do temperamento de quem viesse a ser agredido
em sua orientação sexual, alguns optavam por calar-se (e sofrer por
dentro); outros reagiam, fazendo justiça com as próprias mãos.
João Francisco dos Santos (1900 – 1976) nasceu em Glória do Goitá, Zona
da Mata pernambucana, em 25 de fevereiro de 1900. Aos treze anos,
mudou-se para o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Começou ali vivendo
como moleque de rua. Depois, conseguiu um emprego, como vendedor
ambulante de pratos e panelas de alumínio. Na sequência, fez de tudo um
pouco: foi segurança, cozinheiro, garçom, capoeirista.
Posteriormente, enveredou-se pela vida criminosa, tornando-se bastante
famoso no baixo mundo carioca.
Era negro. E ao ser entrevistado uma vez pelo Pasquim, perguntaram-lhe
se ele era homossexual. Ele respondeu: “Sempre fui, sou e serei.” No
entanto, foi casado com Maria Faissal. Adotaram e criaram seis filhos.
Contudo, seu grande amor foi o Brancura, um malandro e cafetão. Viveram
juntos, até que o Brancura se apaixonou por uma mulher e fugiu para o
Mato Grosso, a fim de se casar com ela. O João Francisco foi atrás deles
com o intuito de matá-los. Todavia, não os encontrou. Tempos depois,
volta o Brancura para os braços do seu amado...
Desfilou uma vez no carnaval, tendo conquistado o primeiro lugar. Logo
depois, ele e outros foliões, foram chamados à delegacia. Frente a
frente com o senhor delegado, este lhe pergunta quem ele é. Por ter uma
extensa ficha criminal, o rapaz nega-se a revelar. Aí o delegado,
reconhecendo-o, fala categórico: “Ah, é a Madame Satã.” E o apelido
pegou.
Madame Satã frequentava aqueles cabarés decadentes do Rio, tendo sido
ator nesses ambientes. Era transformista.
O que mais o identificava, entretanto, era sua fama de valente, um homem
que não levava desaforo para casa. Brigava, ou até mesmo matava, para
defender os seus direitos.
Entrando para o teatro, decidiu abandonar a sua vida no crime. Só que o
sangue quente corria-lhe nas veias. Em uma noite, quando voltava desse
seu trabalho, resolveu jantar em um boteco. Ali apareceu um tal de
Alberto, um vigilante noturno. Esse guarda dirigiu provocações contra
ele. Chamou-o de “viado” reiteradas vezes. Madame Satã puxou da arma,
atirou no vigilante. Foi condenado a dois anos e três meses de prisão.
Houve dia, quando entenderam a sua reação como legítima defesa. Talvez
isso tenha diminuído o seu tempo de cela.
Ao sair do presídio, decidiu abandonar o teatro, tendo sido impulsionado
de vez para a vida no crime. Novos delitos, novas prisões.
“Baiana/que entra na roda/só fica parada/no samba não mexe/não bole nem
nada/não sabe deixar/a mocidade louca...” Agora, estamos falando de
Geraldo Pereira, compositor mineiro, de Juiz de Fora, autor desse famoso
samba e de tantos outros de sucesso. Quando Geraldo Pereira compôs: “Um
escurinho/Era um escuro direitinho/Agora tá com a mania de brigão...”,
devíamos entender que “esse escurinho” era ele próprio. Conta-se que
ele, quando estava sóbrio, era um doce. Contudo, quando embriagado, era
mesmo valentão. Existem várias versões sobre sua morte. Há quem diga que
foi de câncer; outros afirmam que sua esposa, sentindo-se reiteradamente
traída, colocou vidro moído na bebida dele, causando-lhe hemorragia
intestinal. Mas existe ainda outra. Vejamos.
O compositor entra com uma mulher num bar. Avista Madame Satã sentado
sozinho a uma mesa. Chega o casal, senta-se com ele. Num certo momento,
Geraldo Pereira, já tonto, cisma que Madame Satã havia trocado seu copo
de chope. Dois brigões, aquilo foi o suficiente para mais uma confusão.
Madame Satã dá-lhe um soco detonador. Geraldo cai com a cabeça num
paralelepípedo, vai para o hospital, e lá, morre.
Foi uma época de uma romântica malandragem, verificada nas noites do
Rio, inspiradora de músicas, livros, filmes e até mesmo desta crônica.
No dia 12 de abril de 1976, Madame Satã sai da vida, para tornar-se
mito.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* *
*
Na escola:
Professora com cheiro de maconha
A sala onde ela mais deveria lecionar era um segundo ano do Ensino
Médio, alunos com idades variando entre vinte e três e trinta e cinco
anos, aproximadamente. Dona Élida notou, desde o início, um pouquíssimo
interesse.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
17/07/2023
Na próxima aula, ela foi entrando na sala, e já encontrou uns cinco
fumando a maldita erva.
Uma
professora (vamos tratá-la aqui por Élida) prestou um concurso público
na sua área. As vagas eram para uma capital. Ela passou muito bem e foi
em busca do tão sonhado emprego efetivo (como concursada, com garantia
de estabilidade).
“Muitas
vezes, quando a gente acha que tá tudo uma beleza, a gente tá é atacando
sem defesa.” Já ouviu esse dito popular? Foi o que aconteceu com a tão
dedicada mestra. Mandaram-na para uma escola, num ambiente “um tanto
suspeito”.
Ela foi.
A sala onde ela mais deveria lecionar era um segundo ano do Ensino
Médio, alunos com idades variando entre vinte e três e trinta e cinco
anos, aproximadamente. Dona Élida notou, desde o início, um pouquíssimo
interesse por parte da turma. Tentou mudar o método, buscou estratégias
mais motivadoras... Nada. Raramente, alguém prestava atenção aos seus
ensinamentos ou lhe fazia alguma pergunta.
Mas ali
pelo quarto ou quinto dia, um novo desafio surgiu para a docente: um
aluno, tranquilamente, tirou do bolso um baseado, acendeu-o e começou a
fumá-lo. A professora xingou-o demais, falou de sua atitude de
desrespeito. E o aluno parecia estar sonhando... Nem notou que a
professora estava falando era com ele. Ela foi muito frustrada para
casa. E preocupada.
Na
próxima aula, ela foi entrando na sala, e já encontrou uns cinco fumando
a maldita erva. Ela permaneceu de pé perto de sua mesa, e congelada como
uma estátua. Perdeu completamente o poder de reação. Aí uma aluna muito
boazinha, em respeito à professora, apagou o seu cigarro, pediu à Dona
Élida que se sentassem juntas para conversar. Sem opções, a mestra
concordou.
Aí a moça
foi dizendo: “Professora, cê é muito legal, e não merece sofrer tanto
nesta escola. Eu moro aqui há bastante tempo. Conheço os maluco tudo do
pedaço. Ninguém quer estudar não. Muitos estão aqui é porque os pais
obrigam. Eles querem é fumar o brauzinho deles e ficar de boa. Se você
não falar nada, será melhor, porque alguns aí não gostam de ser
irritados não. Se você ficar boazinha mesmo, passando todo mundo de ano,
nem que seja com o mínimo para aprovação, todo mundo vai ficar seu
amigo.” E a professora: “É, não tendo outro jeito, né?”
Próxima
aula, dos trinta e dois alunos que constituíam a turma, a professora
contou vinte e três fumando aquela praga. Alguém apagou a luz. Parecia
que um enxame de vaga-lumes havia invadido o local. Acenderam a luz.
Quem visse o fumação, por certo ia correr e buscar o extintor, achando
que estava havendo algum incêndio na sala da Dona Élida. E a diretora?
Deveria estar em algum boteco bebendo cachaça. Afinal, ela assumiu o
cargo foi por indicação política.
Dez e
meia da noite. Bateu o sinal para acabar a aula, digo, aquele filme de
terror. O aluno mais forte da turma (que parecia muito com o Mike Tyson)
chegou até a professora e lhe falou: “Professora, cê foi legal cu nóis
tudo. E eu sei que ocê pega ônibus no ponto ali embaixo. Aqui é
perigoso, mas com ocê num vai acontecer nada não, porque eu é quem mando
aqui no pedaço, e eu já avisei a galera que, se alguém puser a mão nocê,
ou pelo menos te falar alguma coisa que ocê num goste, a parada vai ser
comigo. E eles sabe que eu tenho a mão pesada.”
Atônita,
a professora agradeceu. E lá foi ela para o ponto. O que acontecerá?
Bem, maluco, não apareceu nenhum não. O que a surpreendeu foi que, logo
na sua chegada, algumas senhoras, que estavam por ali, saíram fora dela,
tapando o nariz ou simulando alguma tosse. Uma delas ainda a afrontou:
“Desavergonhada! Fuma maconha desse jeito e é professora.” A outra
mulher completou: “Que absurdo! Que exemplo ela está dando para os seus
alunos, hein!?”
Conta a
professora que, ao chegar em casa, ela se ajoelhou e suplicou ao Senhor
que a tirasse daquele lugar. Ela não podia abandonar o emprego, porque
precisava – ainda mais, pensando no quanto ela se esforçara para passar
no concurso. Contudo, via-se inerte e profundamente frustrada com mais
esta página da educação brasileira.
Enfim,
sua prece foi atendida. Após dois meses ainda nesse sufoco, veio uma
proposta para ela trabalhar numa ótima escola. Ela ficou não só
agradecida, como também feliz, porque agora poderia apresentar o bom
trabalho que sempre sonhou fazer.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Um caso de amor:
A insaciável professora
Caminhava sozinho. Um pouco mais adiante, estaciona um carro, e alguém
dá um sinal para eu ir até lá. Era ELA, a Dona Beatriz, professora de
História. ELA trajava uma saia verde curta.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
05/06/2023
Em poucos meses, Mike avançara alguns anos em sua idade. Naquele seu
primeiro momento, ELE tinha treze anos. Agora já fala como homem de
dezoito, vinte. Contudo, está feliz. O que dizer de Mike e de sua
professora de amor?
Este romance da vida real não é uma réplica, mas guarda semelhança com
outro. Quando ELE começou a revelar-me a sua história, eu logo pensei em
Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade, livro que originou
o filme Lição de Amor, protagonizado por Lílian Lemmertz, prêmio
de melhor atriz no Festival de Gramado. Dois personagens são centrais:
Fräulein (nome pelo qual Elza prefere ser chamada, e que, traduzido do
alemão, significa senhorita) e Carlos, adolescente de dezesseis anos,
seu aluno de alemão.
Passemos à vida real. Estava eu ocupado com a harmonização de uma
música, numa escola que eu mantinha, quando fui interrompido pela
chegada do meu primo Robert e do seu amigo, Mike - que eu ainda não
conhecia. O Mike se mostrava ofegante, com a respiração descompassada...
Dava para notar ainda que ELE estava levemente suado.
Sem saber de que se tratava, pedi licença, fui à geladeira, tirei uma
garrafa de suco de uva integral, peguei três copos e fui servir-nos.
Pelos gestos ansiosos de Mike, vi que ELE tinha pressa em revelar algum
segredo seu, algo que estivesse pressionando o seu coração. Simplesmente
me calei, olhando calmamente para ELE, deixando-o à vontade para falar.
Meu primo o encorajou: “Fala então, Mike!” Foi assim que ELE iniciou um
diálogo comigo:
- Você já teve algum..., como se diz..., algum toque com alguma
professora sua?
- Não, nunca.
- Mas e se ela o provocasse, o que você faria?
(Rindo) – Ah, isso eu não sei, Mike. Tudo dependeria do momento.
- Mas você seria contra alguém que tivesse... esse contato?
- Claro que não. Por que você está perguntando isso?
- Ah, porque hoje eu tive, agorinha mesmo. Não sabia o que fazer. Na
verdade, tô perdido até agora. Na hora, eu entrei em parafuso! ...
- Calma, neófito! Estás entrando no terreno íngreme e irregular, repleto
de ciladas e surpresas - encantador porém -, a que denominamos amor.
Mike faz uma pausa contemplativa. Em seguida, mergulha-se em solilóquio:
“Eram onze e meia da manhã, quando a aula terminou. Como de costume, saí
em direção à minha casa. Caminhava sozinho. Um pouco mais adiante,
estaciona um carro, e alguém dá um sinal para eu ir até lá. Era ELA, a
Dona Beatriz, professora de História. ELA trajava uma saia verde curta.
Suas pernas estavam bonitas. ELA abriu o veículo e pediu-me que
entrasse. Disse que ia me dar carona. Só que ELA pegou uma estrada fora
do povoado. Aí, eu fiquei com medo. Achei que ELA tivesse alguma coisa
contra mim e ... que quisesse me matar. Abri logo o porta-luvas do carro
dela, pensando encontrar ali um revólver...
Eu o tomaria dela e sairia correndo.”
- E qual foi a reação dela?
- ELA notou a minha apreensão, e disse apenas isto: ‘Não é guerra, bem,
é amor.’ Menos mal. Porém, o que vem a ser o amor? Nunca havia atuado
nesse campo... No entanto, confesso que senti uma espécie de
eletricidade percorrendo o meu corpo. ELA me levou até uma clareira.
Lugar bonito, com árvores floridas em volta e um riacho, com bambuzais à
sua margem. Parece que ELA já estava acostumada a ir lá. Aí ELA começou
a me abraçar, me beijar; falou que, para ELA, eu era um aluno especial.
Daí em diante, não tive mais controle sobre mim. Como uma folha caída
naquele riacho, deixei-me levar pela correnteza.
Bem, só voltei a ver o Mike uns cinco meses depois. Espontaneamente,
fomos entrando no assunto, e eu perguntei:
- E aí, Mike, e aquela história que você me contou aquela vez? Depois
daquilo, o que aconteceu?
E ELE, já falando grosso e convicto, revelou:
- Ah, virou foi caso. Agora, é só festa, todos os dias. Tá é bom demais!
Em poucos meses, Mike avançara alguns anos em sua idade. Naquele seu
primeiro momento, ELE tinha treze anos. Agora já fala como homem de
dezoito, vinte. Contudo, está feliz. O que dizer de Mike e de sua
professora de amor?
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Mistério:
Estranho caso de cárcere privado
Um vizinho chamava o outro... Todos doidos para ouvir. Aí, de vez em
quando, ouvia-se de novo aquela agoniada voz: “Socorro!” “Socorro!”
“Socorro! ...”
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
29/05/2023
A polícia chegou. E veio com aparato antissequestro: escudos,
metralhadoras, atiradores de elite, bombas... Um total de oito carros.
Soldados, o bastante para fazerem um cerco à residência.
Cidade pacata, de uns quarenta mil habitantes (se é que ainda existe
cidade realmente pacata neste nosso Brasil).
A rua ficava num bairro, porém próximo do centro.
Trabalhadores iam e vinham, estudantes, donas de casa, gente chegando
das compras, veículos... Enfim, a cidade seguia sua rotina, ou seja, sua
quase monotonia.
A casa de número 665 estava desocupada e disponível para aluguel. Imóvel
sem nada de especial. Comparava-se à grande maioria daqueles dessa rua.
Chegou então, para integrar-se àquela comunidade, um rapaz de uns trinta
e oito anos, o qual passou a ser muito observado. Os curiosos logo deram
notícia de que ele morava sozinho. Rapaz educado. Cumprimentava os
vizinhos, em voz baixa, e de modo bastante comedido. Isto foi
prolongando aquela sensação de mistério.
Pairavam dúvidas sobre o seu trabalho. Uns garantiam que ele era
empregado e trabalhava o dia todo fora de casa. Outros afirmavam que
deveria ser meio expediente, porque o vira restaurando um móvel durante
uma parte do dia. “Ele trabalha em quê?” “Será o que mesmo ele faz? ...”
As pessoas em geral tendem a temer o desconhecido.
Alguns vizinhos chegaram a combinar entre si de manterem uma vigilância
noturna sobre aquela estranha morada. Fizesse calor, fizesse frio – às
vezes até mesmo com chuva -, cada dia um vizinho passava uma boa parte
da noite, com os olhos arregalados e ouvidos bastante aguçados, na
expectativa de encontrarem algum crime, ou pelo menos, alguma
irregularidade no ambiente daquele, o qual veio mudar a rotina da rua.
Não faltavam comentários a respeito do estranho morador: nas praças, nas
bancas de revistas, nas portas das residências e até mesmo nas igrejas.
Cada um apresentava o seu pré-julgamento, imaginando ser o mais sábio.
Olhem, e tudo com apenas dez dias, que era o tempo em que o novo
inquilino habitava aquela rua.
Até que... “Ah, hoje sim! Confirmamos a nossa suspeita! O rapaz é um
tremendo criminoso! Ele está mantendo um cárcere privado.” Era nítido
ouvir uma voz um pouco embargada gritar, sucessivas vezes, “Socorro!”
Uma comoção social se instalou no lugar. Um vizinho chamava o outro...
Todos doidos para ouvir. Aí, de vez em quando, ouvia-se de novo aquela
agoniada voz: “Socorro!” “Socorro!” “Socorro! ...”
Uma senhora deu o grito: “Gente, tá passando da hora de chamar a
polícia. Até quando nós vamos esperar? Até a hora em que a voz dessa
encarcerada calar para sempre?” “Sim! Temos de agir rápido” – gritou um
outro. Um valentão da turma chegou a dizer: “Vocês querem, eu arrombo
isso aí e tiro de lá essa mulher e ainda dou uma sova bem boa nesse
bandido.” “Não, melhor não se envolver diretamente. Deixe isso para os
militares.”
A polícia chegou. E veio com aparato antissequestro: escudos,
metralhadoras, atiradores de elite, bombas... Um total de oito carros.
Soldados, o bastante para fazerem um cerco à residência.
Eram 10:45 da noite. Um policial vai à frente e esmurra a porta da sala.
Outro ajuda a esmurrar (e o povo assistindo com erótica emoção). Ameaçam
arrombar a porta. Nisto chega o misterioso cavalheiro, o qual já estava
dormindo, e sem saber de nada do que acontecia. Sua serenidade
impressionou o batalhão. Não se descontrolou, não alterou a voz, nem
mudou sua feição, mesmo com tantos gritos de hostilidade contra ele.
O sargento então avisou do motivo daquela diligência e determinou:
“Leve-nos até a sua prisioneira!” O moço se divertiu com aquilo. O que
para os outros seria uma tempestade, para ele foi um refresco. Exibiu a
sua certidão de casamento, mostrando aos policiais que Socorro era o
nome de sua esposa. E quem gritava incessantemente seu nome era o
papagaio dela, que ficara com ele. Ela estava, durante uns dias, com sua
mãe enferma, e aquela doce criatura sentia demais a sua falta. Faltava
provar o alegado. O moço trouxe então o loro. Brincou com ele, e ele
bradou repetidas vezes: “Socorro!” “Socorro!” “Socorro! ...”
Ali naquela casa - e não na vizinhança - reinava a pureza, e a pureza,
num meio hostil, ela destoa. No outro dia, o hostilizado foi procurar
outro lugar para morar.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* *
*
Virou lenda:
A imprevisível Rita Lee
A nossa imprevisível Rainha chegou a ingressar-se no curso de
Comunicação Social da Universidade de São Paulo (USP), todavia,
renunciou-se a ele, para dedicar-se exclusivamente à música. E
precisava? Não é a música o maior fenômeno de comunicação?
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
12/05/2023
Foi uma das primeiras mulheres no Brasil a tocar uma guitarra no palco.
“Ah, Rita Lee/Por onde é que anda Rita Lee/Sem pai nem mãe, sem
pedigree/imprevisível Rita Lee.” (Joyce Moreno -
Minha Gata Rita Lee. Intérpretes: Joyce e Zélia Duncan.
E assim foi caminhando a imprevisível heroína, pelas trilhas insanas e
malucas de um rock, feito por uma mulher, o que era menos usual naquele
tempo. E foi justamente aí que ela se impôs, produzindo, como mera
consequência do seu jeito de ser, uma revolução feminista no País. Ou
seja, a Rita não só incentivou outras mulheres a trilharem o caminho da
música. Suas atitudes reacionárias mostraram que elas tinham mais poder
do que podiam imaginar.
Com justa razão, – embora digam que ela própria não gostasse do título –
ela se tornou A Rainha do Rock. Compunha, cantava, era
multi-instrumentista, apresentando sempre um trabalho, rebelde na
aparência, porém muito bem elaborado em essência. Tudo, com bastante
criatividade. Foi uma das primeiras mulheres no Brasil a tocar uma
guitarra no palco.
A nossa imprevisível era também mutante. Decerto que uma alma tão
inquieta jamais poderia conformar-se com o status quo. Quando ela
surgiu, cheia de energia, apresentando no Festival Internacional da
Canção (FIC), de 1968, a psicodélica 2001, já mostrou a todos que ela
vinha para fazer revolução. Era a banda Os Mutantes, que além de
apresentar uma música sobremodo qualificada, utilizava-se de recursos
eletrônicos, que encantaram o público, já pela beleza, já pela novidade.
Vamos recordar?
Os Mutantes "Dois Mil E Um" ("2001") - FIC 1968. E o sucesso da
nossa Rainha aconteceu com intensidade também fora do Brasil. Para mim,
chega a ser exótico e divertido ouvir a música
Lança-Perfume, da Rita Lee, em parceria com Roberto de Carvalho,
cantada em hebraico. Se você ainda não viu, deleite-se.
A nossa nobre paulistana era uma garota, que como eu, amava os Beatles e
os Rolling Stones. Mas isso, sem desprezar grandes nomes da nossa
música, como Cauby Peixoto, João Gilberto e Elis Regina. Aliás, houve
dia, quando a Rita Lee foi presa grávida. A Elis, mesmo sem nunca ter
ainda conversado com ela, foi ao presídio, fez o maior escândalo,
exigindo um médico para a prisioneira. Deixada a prisão, A Rainha do
Rock foi procurar a amiga Elis, a qual a acolheu com excepcional
gentileza.
A nossa imprevisível Rainha chegou a ingressar-se no curso de
Comunicação Social da Universidade de São Paulo (USP), todavia,
renunciou-se a ele, para dedicar-se exclusivamente à música. E
precisava? Não é a música o maior fenômeno de comunicação? Cantar,
tocar, mostrar-se extravagante nas roupas e no cabelo, saber conquistar
milhões de seguidores, isto não é uma verdadeira aula de comunicação?
Poderia a Rainha ter voltado à USP, não como aluna, mas como mestra.
O primeiro marido de Rita Lee foi Arnaldo Baptista, seu parceiro musical
nos Mutantes. Alguns anos depois, ela dele se separou, indo em
seguida morar com o Roberto de Carvalho, seu futuro parceiro musical. Ao
que consta, Arnaldo Baptista foi quem a mandou embora dos Mutantes, por
desentendimentos musicais. Tudo bem.
Antes de partir para a carreira solo, Lee formou, em 1973, outra banda
com amigos, a Tutti Frutti. Nesse grupo, a Artista cantava,
tocava violão, piano, gaita e sintetizador.
Eis um desses momentos aqui.
E quem era mesmo a “Minha Gata Rita Lee”, que inspirou a música da
Joyce? Era uma gatinha de verdade, que a Joyce encontrou abandonada em
sua porta. Ela logo a adotou, colocando-lhe o nome de Rita Lee, como
justa homenagem à Grande Artista. O Oscar era o cachorrinho.
“E assim, ninguém viu sua saída. Talvez só o Oscar tenha notado. E a
noite engoliu as tuas sete vidas, Rita Lee.” (Joyce profetizou?)
Amada Rita Lee, você, que é imprevisível, apenas se desligou. Acho que
suspenderam os jardins da Babilônia, sem perceberem que você estava lá
dentro, cheirando uma flor, imaginando uma nova canção. E te alçaram,
bem alto, a um Plano Superior. Mas tenha certeza: aqui no mundo, ninguém
te esquecerá, porque todos nós temos Mania de Você.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Longe de casa:
O Rio de Piracicaba, ou uma noite de aventuras
Meu destino era Piracicaba, no estado de São Paulo. Todavia, estaria eu
afirmando que ir para lá é atitude insana? Não! Pelo contrário. Uma
cidade linda, progressista e agradável como essa merece ser visitada. A
loucura estava em mim, na razão que me levou a decidir-me por essa
jornada. Qual foi então esta estranha razão?
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
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Fanzine
08/05/2023
Cheguei a São Paulo, já noite. Fui ao guichê de Piracicaba e encontrei
passagem para essa cidade, e o ônibus já quase saindo.
Cantarolante, mochila nas costas, saía eu
de casa, para viajar 820 km de ônibus. Ninguém sabia qual o meu destino.
Aliás, se eu dissesse para onde, e qual a razão desta viagem, diria o
senso comum que eu estava literalmente doido. Muitos iriam debochar.
Melhor então manter segredo.
Vamos
logo revelar. Meu destino era Piracicaba, no estado de São Paulo.
Todavia, estaria eu afirmando que ir para lá é atitude insana? Não! Pelo
contrário. Uma cidade linda, progressista e agradável como essa merece
ser visitada. A loucura estava em mim, na razão que me levou a
decidir-me por essa jornada. Qual foi então esta estranha razão?
“O Rio de
Piracicaba/Vai jogar água pra fora/Quando chegar a água/Dos olhos de
alguém que chora.”
Rio de Lágrimas (Rio de Piracicaba).
Foi esse
cateretê, com letra de Lourival dos Santos e música de Tião Carreiro e
Piraci, que acabou me impulsionando para aquela viagem. Ele não saía da
minha cabeça. Ouvia-o, quase diariamente, na voz da simpática e
queridíssima Inezita Barroso. Ansiava conhecer Piracicaba, especialmente
seu rio. E outra música reforçou essa minha motivação:
“Piracicaba que eu adoro tanto/Cheia de flores/Cheia de encanto/Ninguém
compreende a grande dor que sente/Um filho ausente a suspirar por ti.”
Piracicaba, letra e música de Newton de Almeida Mello, gravação:
Cezar e Paulinho.
Cheguei a
São Paulo, já noite. Fui ao guichê de Piracicaba e encontrei passagem
para essa cidade, e o ônibus já quase saindo. Consegui entrar nele. O
motorista corria bastante. Enfim, chegamos. Emoção só comparável à dos
astronautas, quando pisaram na Lua. Sem conhecer, danei a andar pelas
ruas, procurando um hotel, algo assim. Era quase meia-noite.
Nessa
perambulação, encontrei um moço, procurando o mesmo que eu. Fizemos
amizade ali na hora. Gente agradável. Seu nome é que soava um tanto
estranho: Franquela. Aí, paramos em frente a uma pensão com nome de
santo. Começamos a prognosticar como seria o local: higiene, preço... O
proprietário abre a porta de repente e grita: “Ou entra ou vai embora!
Não faz bolinho na porta.” Aí pensamos: “Então, deve ser zona.”
Desistimos e fomos procurar outra melhor. Até que chegamos a uma
aconchegante. O ambiente parecia mesmo agradável. Batemos a campainha,
fomos atendidos por duas senhoras grávidas, tremendamente educadas.
Imediatamente, uma delas arranjou um quarto para nós. Perguntei: mas...
e o valor do pernoite? Ela respondeu: “Não! Vejo que vocês já estão
bastante cansados. Podem ir dormir, e amanhã a gente acerta direitinho.”
Nós já
estávamos era quase desmaiando de sono. Quando íamos fechar a porta, a
proprietária deu o último recado: “Ah, vai dormir mais um rapaz aí no
quarto, mas é gente boa, tá? Daqui a pouco, ele chega.”
Estou eu
em pleno sono, quando acordo com essa assustadora cena: o rapaz
repetindo, incansavelmente e bem alto, esta frase: “Eu não sou
passarinho, mas adoro uma sopa.” E o Franquela, peladinho, no meio do
quarto, com um revólver na mão. Revelou que era policial. O maluco
resolveu calar a boca. Foi-se relaxando, até dormir profundamente...
Oito
horas da manhã. O estranho já havia desaparecido. O Franquela me chamou
para irmos tomar um cafezinho. Falei que ia tomar um banho primeiro.
Depois, o encontraria no refeitório. Pronto, estamos sentados, comendo
alguma coisa. Nisto, diz o Franquela: “Nossa! Hoje a minha agenda tá
cheia.” Perguntei: muitos crimes para investigar? Ele riu e respondeu:
“Não! Muito carvão para entregar.” Mas você não é policial? E ele:
“Definitivamente que não. Sou vendedor de carvão. Eu falei aquilo foi
para assustar aquele vagabundo. Descobri que ele era ladrão. E eu:
acreditei que você fosse policial; achei estranho foi seu uniforme
(pelado). “Ah, e você sabe onde nós dormimos?” Eu: agora, já não sei. E
ele: “Na zona. Enquanto você tomava banho, descobri que isto aqui é
zona.”
Bem.
Ainda deu para conhecer o Rio. Fui a pé até encontrá-lo. Fiquei lá a
tarde toda, procurando guardar nos olhos cada detalhe de seu mistério e
beleza. (Rindo) O que um aventureiro apaixonado é capaz de fazer
por amor, hein?
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
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- Produção: Pepe
Chaves.
* *
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Educação escolar:
As mentiras que te contam nas escolas
Outra tremenda lorota é falar que a escravatura foi abolida em 13 de
maio de 1888. E alguns patrões, que escravizam seus empregados, até os
mantendo em cárceres privados, comendo e dormindo ali tais quais
mendigos? E os governos ditatoriais? E os preconceitos? Tudo escraviza.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Fanzine
02/05/2023
Ensina-se em sala de aula: “Não podemos nos afastar de Deus. Temos de
nos aproximar do Criador.” Entretanto, em aulas anteriores, havia sido
dito, repetidamente, que Deus está em toda parte.
Bem, afirmar que o Brasil foi descoberto por Cabral, em 22 de abril de
1500, é uma grande mentira! Quando ele chegou às nossas terras, aqui, de
há muito, estava lotado de índios. Já falamos sobre isso em crônica
anterior.
Outra tremenda lorota é falar que a escravatura foi abolida em 13 de
maio de 1888. E alguns patrões, que escravizam seus empregados, até os
mantendo em cárceres privados, comendo e dormindo ali tais quais
mendigos? E os governos ditatoriais? E os preconceitos? Tudo escraviza.
E aquela afirmativa, que em um certo órgão do nosso corpo existem 4
milhões de bactérias por centímetro cúbico. Não tem jeito de contar.
Quando um cientista acha que terminou a contagem, milhares de bactérias
já morreram, outras tantas já nasceram.
Uma professora (e pasmem: de geografia!) não sabia que o estado de
Alagoas ficava no Nordeste. Pensava que era no Sul. Um aluno nordestino
falou com ela que ela deveria estar olhando o mapa de cabeça para baixo.
Foi um riso geral!
Já vi com frequência professoras passando letras de músicas erradas,
para os alunos fazerem a interpretação. Uma palavra alterada pode mudar
todo o sentido do texto, não é mesmo?
Outra coisa: muitas diretoras e professoras defendem, com veemência, que
o Hino Nacional deve ser cantado nas escolas. “Questão de patriotismo!”
- argumentam. Só que nenhum aluno, nem a maioria dessas mestras,
entendem o vocabulário do Hino. De que vale então cantar, se quase
ninguém compreende o que está cantando? Que estranho patriotismo! ...
Ensino Religioso. Ensina-se em sala de aula: “Não podemos nos afastar de
Deus. Temos de nos aproximar do Criador.” Entretanto, em aulas
anteriores, havia sido dito, repetidamente, que Deus está em toda parte.
Pela lógica então, não existe a relação de se afastar ou se aproximar
desse Supremo Ser. Onde alguém pusesse o pé, lá Ele estaria... E, quando
fui aluno das primeiras séries, a professora nos perguntava: “O que é
Deus?” Deveríamos responder: “Deus é um espírito perfeitíssimo, eterno,
criador do Céu e da Terra.” Ora, definir é limitar, estabelecer o fim.
Se Deus é “conceituado” como “infinito”, como alguém poderia defini-lo?
Outra ótima! Afirma-se: “O português é a língua mais difícil do mundo. A
única que tem gírias; e uma palavra serve para uma porção de coisas.”
Este último caso refere-se à polissemia, existente em tantos outros
idiomas. Vejamos um exemplo no inglês: a palavra “play”, como sabemos,
pode ser: jogar, brincar, tocar (instrumento musical), executar; pode
ser peça teatral etc. E gírias? São tantas, que existem até dicionários
da gíria americana.
Há alguns anos, a Folha de São Paulo promoveu um concurso sobre a
matemática. Entrei por brincadeira, já que não sou especialista. E, para
a minha surpresa, ganhei. Eu sempre achava que esta ciência não é exata,
como se afirma nas escolas. O título do meu trabalho foi então: A
matemática não é exata. Uma demonstração: se eu perguntasse a uma
turma: quanto é 3 + 4? Por certo, todos responderiam: “Sete”. Aí, eu
lhes diria: mas eu imaginei 3 laranjas + 4 planetas. E aí? São 7
laranjas, ou 7 planetas? ... (Havendo interesse, posso publicar o texto
na íntegra.)
Ensinam as professoras: “São cinco as vogais: a, e, i, o, u.” Na língua
portuguesa, né? Porque em alguns outros idiomas, há sons vocálicos, que
nem temos em nosso vernáculo. E, para o português, não há consenso entre
os autores. Uns entendem que as vogais são sete, soando assim: a, é, ê,
i, ó, ô, u. Outros, que são doze, por incluírem os sons nasais. O y
voltou a fazer parte do nosso abecedário, soando como i, sendo às vezes
vogal ou semivogal. Nota: falo pela minha experiência que a vogal “shua”,
a qual aparece fartamente no inglês, pode ser ouvida no português de
Portugal.
E tem gente afirmando até hoje que substantivos abstratos são aqueles
que não podemos ver e nem pegar. Quer dizer que a eletricidade, ou o
vento, que derruba até árvores, são abstratos...
Soltando um dia o pensamento, cheguei a esta aloprada conclusão: também
os animais emitem sons vocálicos, que os humanos nem conseguem copiar. O
“bé”, do cabrito; o “mon”, do boi, não são exatos quanto costumamos
representar. E os latidos dos cães? Já observei que, com o tempo, eles
desenvolveram novos timbres, tons e até modulações moderníssimas,
influenciados, quem sabe, pelo jazz ou pela bossa nova. Doido, hein?
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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22 de abril:
Aniversário do Brasil
Os portugueses não descobriram um deserto, ou um mato habitado só por
onças, araras e antas. O sabiá já cantava na palmeira; o uirapuru já era
majestade na Floresta Amazônica.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Fanzine
22/04/2023
Os jesuítas
tiveram a nobre missão de catequisar os selvagens. Muita gente fica
impressionada com essa façanha, exaltando ou até mesmo cultuando esses
inacianos.
Parabéns,
Brasil, pelos seus 523 anos! Em 1500, os portugueses descobriram esta
terra fértil “em que plantando tudo dá”, plena de oiro, de pedras
preciosas e raras madeiras, extraídas de imponentes árvores, tendo sido
a mais cobiçada o bráseo pau-brasil.
E os
portugueses foram carregando estas riquezas. (Afinal, elas eram deles,
pois eles é que acharam.) Em troca, deram missas, bugigangas,
bijuterias, costumes europeus, colonização.
22 de
abril: aniversário do Brasil. Bonito, mas você acredita nesta mentira
que te contaram na escola? Confesso que eu, ingênuo, acreditei durante
dezenas de anos. Até porque meu avô era português, e a descendência
lusitana dava certo orgulho à família. Pela casa, cantavam-se fados,
recitavam-se Camões, Fernando Pessoa, Guerra Junqueiro... Aliás, estes
são bons de verdade.
Os
portugueses não descobriram um deserto, ou um mato habitado só por
onças, araras e antas. O sabiá já cantava na palmeira; o uirapuru já era
majestade na Floresta Amazônica. Mas isso os lusitanos não viam,
embriagados que estavam por riquezas e pelas índias peladas, que se
apresentavam puras, diante dos seus lascivos olhos.
O Brasil
na verdade não foi descoberto. Foi invadido. Foi a primeira invasão de
terra indígena de que se tem notícia. Daí em diante, o nativo não teve
mais sossego. Foi obrigado a curvar-se perante os invasores. Aquele
índio, que era altivo e soberano em seu chão, foi compelido a engolir um
cristianismo esquisito, misturando fé com avareza, sexualidade e até
massacre, caso fosse necessário, em prol da conquista de novas riquezas;
um cristianismo que coloniza, que domina, que escraviza – aquele índio
que era tão livre!...
Os
portugueses tinham armas mais poderosas que as flechas indígenas. Esses
brancos haviam acumulado poder – e muita maldade – e foi o que trouxeram
para cá. Todavia, chegaram com status de divindades. E foram
respeitados, e foram venerados.
E os
jesuítas? Tiveram a nobre missão de catequisar os selvagens. Muita gente
fica impressionada com essa façanha, exaltando ou até mesmo cultuando
esses inacianos. A intenção deles pode ter sido boa (realmente eu não
sei). Contudo, o resultado foi um desastre: fez parte de um mecanismo de
colonização, de manipulação, de dominação. Com esta e outras
providências, os indígenas foram-se tornando brancos, “civilizados”,
foram enterrando a sua cultura e perdendo a sua unidade. Quanto mais
iguais, mais fáceis de dominar. Mais tarde, índio de terno e gravata;
índio deputado federal – estagiário das falcatruas dos arianos
parlamentares.
E o índio
foi ficando desprovido de terras, de madeiras, de tesouros, de sua
verdadeira religião, de sua utopia, de sua civilização, muito mais
evoluída que a branca. Para começar, eles têm um zelo especial pela
natureza, ao passo que o branco sovina vai lá, derruba árvores, ateia
fogo à mata, mata os pássaros, mata as águas, mata os peixes... Que
mamata! Quem são estes invasores? Meras réplicas dos invasores que aqui
aportaram na alvorada do século XVI.
(Professora) – Quem descobriu o Brasil?
(Joãozinho) – Pedro Álvares Cabral!
(Professora) – Que menino inteligente!
Tantas
“professoras” vão transmitindo aos seus discípulos o legado de estupidez
que aprenderam com seus “mestres”. Analogamente ao que diz Juca Chaves:
“Os avós ensinam netos / As burrices de seus pais.” (Música Nós,
Irracionais –
nossa justa homenagem ao menestrel, que se angelizou recentemente).
E então,
quando foi descoberto o Brasil? Sinceramente, eu não sei. Por isso
ignoro também quando o nosso país faz aniversário. - E quem descobriu o
Brasil? - Ah, foi um índio, o primeiro que aqui chegou. Ou foi um
extasiado extraterrestre, que telefonou para outros ETs, que céleres
pousaram aqui, inaugurando, nesta terra brasilis, o primeiro
carnaval?
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Para todos os gostos:
Brasil: o país das novelas
Curioso: tem ainda novelas de direita, de centro, de esquerda... Só
mesmo no Brasil. Telespectadores e internautas mostram-se ávidos por
elas.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
10/04/2023
E é por isso que tudo no Brasil vira novela: uma briga num bar; a mulher
séria que traiu; a geladeira nova que entrou na casa da vizinha; a filha
do ricaço, a qual fugiu com um cafajeste... E por aí vai.
Neste país em forma de harpa - como o poeta Cassiano Ricardo enxergou
nosso Brasil -, não falta música, nem faltam também novelas, para os
mais variados gostos. Curioso: tem ainda novelas de direita, de centro,
de esquerda... Só mesmo no Brasil. Telespectadores e internautas
mostram-se ávidos por elas (eu, inclusive). Garanto que, igualmente o
Pepe, a Vicentina Brant, o Marcelo Sguassábia, o Dante Villarruel, o
Antonio Siqueira, a Viviane Nogueira, o Reinaldo Fernandes (jornalista
lá de Brumadinho), estão sempre ligados a elas. Vamos ver algumas
sinopses?
As joias do insensato capitão.
Aventura. Exibida na TV e em diversos canais da Web, esta novela, de
diversos autores, teve uma produção arrojada. Algumas cenas foram
filmadas na Arábia; outras, nos Estados Unidos; outras ainda, nos
Emirados Árabes. Demais takes aconteceram no Brasil mesmo. O
protagonista, conforme está no nome da obra, é um insensato e trapaceiro
capitão, que vive de enganar; engana até a si próprio. Participam da
trama outros integrantes das Forças Armadas e, para engalanar alguns
episódios, a narrativa conta com a presença de uma odalisca, mulher
linda, porém, dissimulada, bastante cobiçada por um líder político, que
entra ocasionalmente na história. Nesta fase, a novela tem ganhado
tensão. Não deixem de assistir!
Bandeira vermelha.
Terror. Esta novela exibe uma sociedade daltônica, cujos membros vivem
num mundo paralelo, tendo ilusórios contatos, até com ETs. Uma bandeira
verde-amarela, eles a enxergam como se fosse vermelha. Isso, somado a
outras ilusões de ótica, gera uma comunidade insana, vítima dos seus
próprios desacertos. Os habitantes desse orbe contraíram esse distúrbio
ocular, por pressão psicológica de um falso messias - em quem eles
acreditavam -, condicionando-os a visualizar a tal bandeira. Da mesma
forma que o gado fica irritado com a cor vermelha (segundo a crença
popular), esses tiranizados vivem em constante pânico.
Justiceiros demolidores.
Ação. A trama gira em torno de um careca, lutador de kung fu, defensor
da verdade, da justiça e da democracia. Campeão também em outras
modalidades. Seu fiel escudeiro, conhecido entre os aficionados como
“Dinâmico Dinossauro”, é peso-pesado no boxe. Esse campeão vive causando
vexame aos adversários que ousam desafiá-lo. Os próximos capítulos
prometem. Não deixem de assistir.
O Marreco que não tinha pena.
Suspense. A trilha sonora aproveita trechos de O Pato, sucesso de
João Gilberto. (“O pato/Vinha cantando alegremente quém, quém/Quando o
marreco sorridente pediu/Para entrar também no samba...” E o marreco
realmente entrou no samba, mas parece que vai sair sambado. Gambás,
gatos, raposas, é o que não falta nesse terreiro. E, por não ter pena,
esse marreco fica mais vulnerável a ser devorado. A novela promete que
ainda haverá a participação do Ganso (jogador de futebol), do Pato Fu e
de uma guarda da Marinha cantando o Cisne branco (“Qual cisne
branco/que em noite de lua...” Uma vez falando de animais, O Marreco
que não tinha pena pode parecer uma produção para o público
infantil. Todavia, ela se destina mesmo a adultos. Pensa-se numa versão,
em desenho animado, para crianças. Acho que elas vão adorar.
Amigas leitoras, amigos leitores, Em busca da felicidade (1941),
do cubano Leandro Blanco, com adaptação de Gilberto Martins, foi, como
sabemos, a
primeira novela transmitida no Brasil,
pela Rádio Nacional.
Sua vida me pertence,
produzida e exibida pela extinta TV Tupi, em 21 de dezembro de 1951,
constituiu a primeira novela brasileira e do mundo, transmitida por este
veículo. Foi escrita
e dirigida por Walter
Forster,
que também protagonizou a história, ao lado de Vida
Alves,
grande nome do rádio, migrante para a TV.
Resumindo: em 1941, ainda na Era do Rádio, o Brasil teve a sua primeira
novela. Outras tantas surgiram. Em 18 de setembro de 1950, inaugura-se o
primeiro canal de TV no Brasil: a TV Tupi, São Paulo. Com a influência
do rádio, e com a notada aceitação do público brasileiro por novelas, o
caminho ficou pavimentado, para que a televisão adaptasse o gênero e
abarrotasse os nossos lares com esse misto de arte e de produto
comercial, para consumo interno ou para exportação.
E é por isso que tudo no Brasil vira novela: uma briga num bar; a mulher
séria que traiu; a geladeira nova que entrou na casa da vizinha; a filha
do ricaço, a qual fugiu com um cafajeste... E por aí vai.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
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- Produção: Pepe
Chaves.
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No Tom da chuva:
Águas de março
A Folha de São Paulo de 25/03/2023, publicou uma pesquisa, por ela
realizada, para eleger as dez melhores músicas brasileiras de todos os
tempos. Águas de Março foi a campeã.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Fanzine
29/03/2023
É evidente alguma influência do poeta Carlos Drummond de Andrade neste
texto de Jobim. “É pau, é pedra, é o fim do caminho.”
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba-do-campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento vetando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um Belo Horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.
(Tom Jobim)
Comentários:
A Folha de São Paulo de 25/03/2023, publicou uma pesquisa, por ela
realizada, para eleger as dez melhores músicas brasileiras de todos os
tempos. Águas de Março foi a campeã. Quem quiser ver as
concorrentes e o número de pontos que cada uma obteve,
acesse aqui.
Já adianto que esta eu não incluiria na minha lista das dez mais.
Todavia, ela é uma música muito bem feita, como veremos.
Começando quase todo verso pela palavra “É”, o autor, além de afirmar,
expõe as coisas; enumera-as; dá-lhes existência ou: as coisas se
vivificam. E por serem abundantes, criam uma paisagem variadíssima.
O vocabulário
Embora simples, pode comportar algumas explicações: caingá e
candeia são árvores; matita-pereira é um pássaro, também
chamado saci. Quando Tom Jobim toca as teclas agudas de seu piano, no
intermezzo, seguindo com o verso “É uma cobra, é um pau...”, ele
parece querer imitar o canto desta ave. E febre terçã? É a febre
intermitente, aquela que vai e volta.
Influências
É evidente alguma influência do poeta Carlos Drummond de Andrade neste
texto de Jobim. “É pau, é pedra, é o fim do caminho.” Aqui já está a
senha para o poema drummondiano No meio do caminho “No meio do
caminho tinha uma pedra...” Na época, o próprio Jobim contou que estava
lendo Drummond, Guimarães Rosa, Mário Palmério e Olavo Bilac. Bem, este
último também tem um poema chamado
No meio do caminho.
Começa assim: “Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada.”
Outras influências de
Drummond podem ser notadas. Jobim: “É a garrafa de cana, o estilhaço na
estrada.” No poema Morte do Leiteiro, de Drummond, vê-se “Da
garrafa estilhaçada/ no ladrilho já sereno/ escorre uma coisa espessa/
que é leite, sangue… não sei.” A palavra Belo Horizonte aparece no nome
de um poema de Drummond: Canção da Moça-Fantasma de Belo
Horizonte. Já no poema drummondiano Caso do Vestido, vê-se:
“Tive uma febre terçã/ mas a morte não chegava.” “Febre terçã”, como
vimos, aparece em Águas de Março.
Amigos(as) Leitores(as): desejo que, em suas vidas, não jorrem só águas;
jorre também poesia.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Ideias brilhantes:
- Bolsonaro, tudo joia?
- Faleceu foi aquela irmã do Caetano Veloso, a Elis Regina. A Gal, eu
tive com ela semana passada, lá no Anel Rodoviário. (Anel sem graça
esse, sem pedras preciosas, ha, ha, ha.)
- É. Você é o messias, você tá sempre com a razão.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Fanzine
10/03/2023
- Ouro de tolo. O ouro tem que ser o legítimo, aquele que brilha
até dentro do estômago do contrabandista.
Um patriota liga pro Bolsonaro:
- E aí, meu mito, kumé qui tá?
E o mito responde:
- Joia.
- E a esposa?
- Joia.
- E o resto da famia?
- Tudo joia. Meus minino é uns minino de ouro!
- Você valoriza mesmo a famia né, mermão?
- Pô, tem sempre que valorizá a prata da casa.
- Tá gostando aí do States?
- Pô, aqui é bão, fico mais perto do Trump. Mas cansa. Já tô querendo ir
é pruma cidade pequenininha, um lugar mais tranquilo.
- Pra onde, meu ídolo?
- Ouro Fino.
- Verdade?
- Sim. Ou Ouro Fino ou Lagoa da Prata.
- Já tá então com saudades do Brasil?
- Muita. Tô doido pra ver um jogo do Palmeiras.
- Qual é o próximo jogo do Verdão?
- Contra o Guarani de Campinas. Lá no estádio Brinco de Ouro da
Princesa. Tô lá, sem falta! E sem a muié, é claro, ha, ha, ha.
- Mudando de assunto, tô comendo aqui um chocolate, mas eita chocolate
ruim!
- Ah, bom é o Diamante Negro. Lá em casa, todo mundo só come
esse.
- E as músicas, meu presidente? Quais são as melhores pro seu gosto, as
do States ou as do Brasil?
- Aí depende, pô. Eu gosto do Raul Seixas. Só tem uma dele que eu não
gosto.
- Qual, meu ídolo?
- Ouro de tolo. O ouro tem que ser o legítimo, aquele que brilha
até dentro do estômago do contrabandista.
- Também gosto do Raul, meu mito, mas curto muito também o Luís Melodia.
Dele você gosta, meu presidente cheirosinho?
- Gosto. Tem uma dele, gravada pela Sueli Costa, que é lindíssima.
- Qual, meu presidentinho querido?
- Pérola Negra.
- Ah, é bonita mesmo. Só que não foi a Sueli Costa que gravou não, meu
mito. Foi a Gal Costa.
- Ah! Ha, ha, ha. Ha, ha, ha. Pra mim, dá na mesma. Ambas ganharam esse
apelido é porque gostam de cantar de costa, né? Elas deviam ir fazer
shows é lá na Costa Rica, ou na Costa do Marfim, ha, ha, ha. Aí elas iam
voltar ricas mesmo; ia ficar tudo joia.
- É, meu presidente, mas agora não dá mais pra Gal, né, porque ela já
faleceu.
- Não. Cê tá enganado. Faleceu foi aquela irmã do Caetano Veloso, a Elis
Regina. A Gal, eu tive com ela semana passada, lá no Anel Rodoviário.
(Anel sem graça esse, sem pedras preciosas, ha, ha, ha.)
- É. Você é o messias, você tá sempre com a razão.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* *
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Abusos:
Os escravos
Quando
iniciavam o seu lavor, descobriam a cilada: tornavam-se cativos,
submetiam-se a uma jornada pesadíssima, benefício algum, precária
alimentação, e até sofriam algumas formas de suplício.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
05/03/2023
E em meio a esse
torvelinho de hediondos acontecimentos, eis que surge
a figura de um vereador, defendendo a produtora de sucos e vinhos, e ao
mesmo tempo, acusando e humilhando os logrados nordestinados, sobretudo,
os baianos.
Circula nos mais variados meios de comunicação a notícia dos
trabalhos escravos em algumas vinícolas no Sul do Brasil. O que se
informa é que moradores da Bahia eram atraídos a trabalharem em tais
empresas, sob a promessa de um salário sedutor, acrescido dos mais
variados benefícios. Quando iniciavam o seu lavor, descobriam a cilada:
tornavam-se cativos, submetiam-se a uma jornada pesadíssima, benefício
algum, precária alimentação, e até sofriam algumas formas de suplício.
São múltiplos os crimes pelos quais devem responder esses opressores:
trabalho escravo, cárcere privado, tortura e por aí vai.
Conta a nossa História que, por volta de 1870 - portanto durante o
Império -, vigorava ainda a escravidão. E o governo sobremodo se
incomodava com o fato de haver muita “gente escura” no Brasil. A
“solução” imaginada para resolver esse “impasse” foi incentivar a vinda
de europeus (italianos, por exemplo) para este país, a fim de aumentar o
número de pessoas claras. Extensas terras eram doadas a esses
imigrantes. Surgiram daí as plantações de uvas e a fabricação de sucos e
vinhos.
Historicamente, pois, viticultura ou vitivinicultura e trabalho
escravo já começaram juntos. Nem seria preciso dizer que esses imigrados
já se instalavam aqui com o status de classe dominante, tendo farta mão
de obra escrava ao seu dispor.
Mesmo depois de legalmente libertos, os escravos não tinham
praticamente nenhuma condição de trabalhar. Não tinham instrução; não
tinham qualificação. Com isso, caso arranjassem algum que fazer, deveriam
submeter-se a tarefas e tratamentos degradantes, análogos àqueles do seu
tempo de cativeiro.
Pois bem, mais de cem anos se passaram, e a vergonha nacional, de
certo modo, continua. Conquanto já se apresente algum contraditório
(aliás, é direito constitucional), e mesmo não nos cabendo julgar, o
fato é que as cortinas foram descerradas, e as atrocidades estão aí à
vista de todos.
E em meio a esse torvelinho de hediondos acontecimentos, eis que surge
a figura de um vereador, defendendo a produtora de sucos e vinhos, e ao
mesmo tempo, acusando e humilhando os logrados nordestinados, sobretudo,
os baianos, contra quem o edil endereçou pesadas críticas. Eis que se
perpetua a velha fábula do Lobo e o Cordeiro: o cordeiro, vítima da
voracidade do lobo; e o lobo, sempre criando pretextos para colocar o
cordeiro como culpado da sua própria desgraça.
É oportuno destacar que o relógio desse vereador está atrasado. Ele,
aliado e ferrenho defensor de Bolsonaro, ainda não percebeu que seu
ídolo já perdeu as eleições, que não mais está no Brasil, e que o
bolsonarismo se encontra em franca decadência – principalmente depois de
executadas as mais de mil prisões daqueles rebéis asseclas do Dia 8. O
ataque aos nordestinos teve como objetivo principal agradar ao seu mito,
uma vez que aquela gente do Nordeste votou maciçamente em Lula. Em outra
oportunidade, esse arrogante vereador já havia desferido perigosos
ataques contra o STF – como aprazia ao seu senhor Jair.
Os resultados dessa bajulação? Até agora, o vereador já foi expulso
do partido. Está em curso também o seu processo de cassação. É bem
provável que realmente perca o mandato – merecidamente. Diversas
reclamações já foram protocoladas contra ele, inclusive algumas vindas
da Bahia. Muitos setores gaúchos já se posicionaram, alegando que essa
não é a voz de Bento Gonçalves, Caxias do Sul, nem mesmo do Rio Grande;
que os baianos e gente de outros estados são sempre bem-vindos ali na
terra.
O próprio maldizente, em
vídeo, fala de perseguições nas redes contra ele, a esposa e os filhos –
após o seu discurso -, fato que está causando medo neles até de saírem
de casa; e que sua mulher já pensa em deixá-lo. Em suma: está ficando
sozinho e com um sério risco de ainda ser preso por preconceito e
xenofobia. E se ele apelar ao Bolsonaro? O que acontecerá? Como sempre
(acertem seus relógios!), nada.
Já houve as rebeliões pela Independência do Brasil; existiu a
Revolução Francesa. Quem escraviza se escraviza. E a hora dos tiranos
também chega. A derrota. O vexame. A prisão. O fuzilamento. Ou a
guilhotina.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* *
*
Depois da festa:
Carnaval e cinzas
Carnavais com o cartão corporativo. Carnavais em frente aos quartéis.
Carnaval no dia 8 de janeiro. Carnavais nos aviões da FAB (contendo
quilos de cocaína). Carnavais dos garimpeiros, dos madeireiros.
Carnavais nas igrejas. Carnavais nas redes sociais. Carnavais das
fake news.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
24/02/2023
Carnaval é a mentira. Mente-se com promessas de um eterno amor (no outro
dia, já se está com outra pessoa). Mente-se com máscaras: ele é rei, ou
presidente, um passarinho, um ET, uma mulher.
Carnaval é fantasia. Quarta-feira de cinzas é a realidade. Nos quatro
dias de folia (ou mais), os foliões perdem o controle sobre si. Uma
perda proposital e necessária. O superego, durante esse período, se
torna comandado por forças ainda maiores: a festa, a sociedade, o
costume, a moda, a imprescindibilidade. É imprescindível descarregar as
emoções, esquecer os dramas, as imposições, as contas a pagar. É
imprescindível perder a timidez – ou até mesmo a vergonha -, para
aproximar-se da pessoa desejada e usá-la, nem que seja por um minuto, a
fim de satisfazer o seu ego.
Na quarta-feira, o superego toma de novo o seu lugar de juiz, censor,
limitador. Cerram-se as cortinas da ilusão, e a realidade aponta para
trabalho, prestações, desajustes em família, responsabilidades, coisas
tediosas para resolver.
Milhares de fiéis dirigem-se às igrejas. É hora de receber a cinza na
testa, de meditar sobre o que se fez (antes e durante o carnaval), de se
arrepender do que se considerou um erro, de prometer a Deus que não vão
mais pecar. (Deus já está acostumado com essas infundadas promessas. Ele
releva, com toda a certeza.)
Carnaval é a bebedeira; quarta-feira é a ressaca. Carnaval são as
dívidas; quarta-feira é o choro para pagar.
Carnaval é a mentira. Mente-se com promessas de um eterno amor (no outro
dia, já se está com outra pessoa). Mente-se com máscaras: ele é rei, ou
presidente, um passarinho, um ET, uma mulher. Ela é rainha, é Madonna, é
Marília Mendonça, é sua atriz predileta. Mentimos com a boca, com os
braços, com os cabelos, com as pernas, com os dentes e até mesmo com um
olhar, um pensamento. São facetas de um carnaval.
Na quarta-feira, ele é o João, ela é a Maria. Ele ganha um salário e
meio, ela, dois. Na quarta-feira, os defeitos dos nossos rostos ficam
mais evidentes. Somos observados – e muito – como nós somos (ou como os
outros nos julgam). Um misto de realidade e carnaval.
Carnavais com o cartão corporativo. Carnavais em frente aos quartéis.
Carnaval no dia 8 de janeiro. Carnavais nos aviões da FAB (contendo
quilos de cocaína). Carnavais dos garimpeiros, dos madeireiros.
Carnavais nas igrejas. Carnavais nas redes sociais. Carnavais das
fake news.
A maioria dos políticos, em seu dia a dia, vive o seu carnaval.
Utilizam-se de máscaras, constroem personas, vão às igrejas para dar boa
impressão, fingem comer pão com mortadela. Fora dali, comem caviar, são
indecorosos, devassos, tão irresponsáveis quanto os mais ébrios dos
foliões. Dançam - com secretárias, parlamentares ou esposas, do seu
vasto harém, - seu demagogo carnaval.
Mas a quarta-feira de cinzas, para muitos aí, se ainda não veio, ainda
vem. Como em qualquer outro carnaval, as contas chegarão – algumas bem
salgadas! Máscaras já estão caindo, e milhares de outras cairão. Os
defeitos dos rostos e da alma desses, que grande parte do povo elegeu,
também se tornarão mais visíveis. Todos notarão. Alguns, no entanto,
fingirão não verem, porque a ilusão do político é a sua ilusão (seu
carnaval), e cair na real é ver desmoronar o seu castelo de cartas.
Assim, é a vida. De noite sonhamos; de manhã, o relógio nos avisa que
chegou a hora de enfrentarmos a nossos instantes concretos. Meninos
sonham serem jogadores de futebol, ou médicos, ou pilotos de avião, sei
lá o quê; meninas fantasiam que serão bailarinas, cantoras famosas, que
encontrarão seus príncipes encantados, os quais, num pavão misterioso,
voarão com elas pelo infinito azul. É bom sonhar. É preciso sonhar.
Ainda mais, num tempo, quando o ser humano vem perdendo, cada dia mais,
a sua sensibilidade. E muitos sonhos se realizarão. Outros se
transformarão em sucessivos sonhos.
Um bêbado folião, nos últimos instantes do carnaval, abraçado com um
amigo, que ele conhecera ali na hora, pergunta:
- Mas, enfim, o que é a realidade nesta vida?
E o outro bêbado responde:
- Uma viagem de trem.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Arte
brasileira:
Saudade dos carnavais de
verdade
Carnaval hoje é funk. Aliás, a bem da verdade, ainda existe algum
samba-enredo, uma rodinha de samba aqui, outra ali. Mas aquele carnaval
bonito, de Rei Momo, confete, serpentina, pierrô e colombina, e
(enquanto não era crime, até mesmo de lança-perfume), ah, este
praticamente desapareceu.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
13/02/2023
De crítica política tem várias. Parece que o Getúlio Vargas foi o que
mais inspirou. Fomos buscar, lá em 1929, a marchinha Comendo bola.
Vem aí mais um novo carnaval. De um tempo para cá, a sociedade mudou
muito. As pessoas ficaram mais objetivas. A sensibilidade – parece – foi
esvaecendo. Lembrar aqueles namorados que, ao encontrar-se com a
namorada, ofertava-lhe doces, ou balas, ou flores pode ser considerado
até cafona nos dias atuais. (Para mim, não! E para você?)
Carnaval hoje é funk. Aliás, a bem da verdade, ainda existe algum
samba-enredo, uma rodinha de samba aqui, outra ali. Mas aquele carnaval
bonito, de Rei Momo, confete, serpentina, pierrô e colombina, e
(enquanto não era crime, até mesmo de lança-perfume), ah, este
praticamente desapareceu.
Alguma época que tratarei aqui, de fato, eu também não vivi. Ainda nem
havia nascido. Mas pela importância do tema, acho válido pesquisar. E
posso garantir que sou recompensado por isso. Vamos mergulhar nesta
aventura?
João de Barro, o Braguinha. Quanta maravilha nas suas composições!
Quanta graça, quando o objetivo era divertir as pessoas! Vou limitar-me
a citar três de suas belas composições: As pastorinhas (em
parceria com Noel Rosa). Eis a primeira parte: “A estrela-d’alva/ No céu
desponta/ E a lua anda tonta/ Com tamanho esplendor/ E as pastorinhas/
Pra consolo da lua/ Vão cantando na rua/ Lindos versos de amor.” Para
ouvir,
clique aqui.
Outra marchinha lindíssima do Braguinha é Lancha nova: “Ô, ô, ô,
ô/ Lancha nova no cais apitou/ E a danada da saudade/ No meu peito já
chegou//Adeus, oh linda morena/ Não chores mais por favor/ Partindo eu
morro de pena/ Ficando eu morro de amor.” Para ouvir,
clique aqui.
Mais esta do João de Barro: O chinês Patchouli. “O chinês
Patchouli / Toca flauta de bambu/ Quando acaba de tocar/ Guarda a
flauta no baú/ Esta noite diverti/ Eu peguei meu violão/ E fiz uma
serenata/ Bão ba rão, ba rão, bão, bão/ Mas a linda chinesinha/ A sorrir
me disse assim/ Gosto bem mais do flautim do meu chim/ Que faz fi ri rin
fim fim.” Para ouvir,
clique aqui.
Marchinhas que falavam de flores: “Eu perguntei ao malmequer/ Se meu bem
ainda me quer/ Ele então me respondeu/ Que não...” Outra, bem conhecida:
“Ó jardineira por que estás tão triste/ Mas o que foi que te aconteceu/
Foi a camélia que caiu do galho/ Deu dois suspiros/ Depois morreu...”
Músicas divertidas: “Você pensa que cachaça é água/ Cachaça não é água
não/ Cachaça vem do alambique/ E água vem do ribeirão...” Marcha do
remador: “Se a canoa não virar, olê, olê, olá/ Eu chego lá...” Ou a
conhecidíssima Mamãe eu quero.
Músicas de crítica social. O problema habitacional foi discutido durante
décadas no Brasil. E ainda está presente até hoje. Para mim, a melhor
música no gênero é Saudosa maloca, do Adoniran Barbosa. Mas,
falando de carnaval, vamos lembrar duas marchinhas sobre o tema: “Há
quanto tempo eu não tenho onde morar/ Vem chuva apanho chuva/ Vem sol
apanho sol/ Francamente pra viver nesta agonia/ Eu preferia ter nascido
um caracol...” A outra: “Daqui não saio/ Daqui ninguém me tira/ Onde é
que eu vou morar/ O senhor tem paciência de esperar/ Mas inda mais com
quatro fio/ Onde é que eu vou morar...” E tem outra bem divertida,
chamada Vagalume: “Rio de Janeiro/ Cidade que nos seduz/ De dia
falta água/ De noite falta luz...”
De crítica política tem várias. Parece que o Getúlio Vargas foi o que
mais inspirou. Fomos buscar, lá em 1929, a marchinha Comendo bola.
Ela foi composta em apoio
a Júlio Prestes, contra o candidato Getúlio Vargas. O trecho mais
marcante é este: “Getúlio/ Você tá comendo bola/ Não se mete com seu
Júlio/ Não se mete com seu Júlio/ Que seu Júlio tem escola...” Do
governo Vargas, no entanto, a mais conhecida é a seu favor: “Bota o
retrato do veio outra vez/ Bota no mesmo lugar...”
Enfim, com funk, com samba, com as marchinhas, com roupas de rei ou de
mendigo, vá pular seu carnaval. Que mal tem, se você se sente bem?
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Caminhos:
As linhas sinuosas de uma vida
“Vou hoje jantar lá, mas se aquele gayzão ficar me encarando, hoje eu
quebro ele no meio certinho. Eu sou igual meu pai: não tolero viado!”
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Fanzine
06/02/2023
“Calma! Eu conheço São Paulo. A Pauliceia é mesmo assim. Não liga não.
Depois você acostuma.”
Beto é hoje expulso de casa. O senhor Altamiro era um homem rígido,
tradicional, inflexível. Não tolerava essa nova geração, da qual fazia
parte Beto. Rock, cabelos e roupas malucas, brinquinhos... Para ele,
eram todos maconheiros e homossexuais, coisas que ele não perdoaria
jamais.
Guilherme, bom amigo de Beto, arranjou-lhe um emprego como entregador de
pizzas. Beto apenas ponderou: “O problema é que eu não conheço São
Paulo. Aliás, nunca saí de Minas.” “Fica calmo! – tranquilizou
Guilherme. Você é inteligente, pilota muito bem. Ah, e quer saber? São
Paulo tem muito mais oportunidades para a pessoa crescer do que este
grotão em que nos enfiamos. E talvez ali você tenha uma importante
missão a cumprir.”
Beto arranja uma pensão para dormir. Para jantar, ele ia a um
restaurante.
Já no primeiro dia, viu, sentado um pouco mais adiante, um cavalheiro,
de uns cinquenta e três anos (idade de seu pai), o qual não tirava os
olhos dele. Segundo dia, a mesma coisa. Beto ligou para Guilherme, e
contou-lhe sobre essa importunação. E Guilherme: “Calma! Eu conheço São
Paulo. A Pauliceia é mesmo assim. Não liga não. Depois você acostuma.”
Mas uma, mais duas noites, a mesma situação. Aí Beto se desesperou: “Vou
hoje jantar lá, mas se aquele gayzão ficar me encarando, hoje eu quebro
ele no meio certinho. Eu sou igual meu pai: não tolero viado!” Guilherme
tentou dissuadi-lo: “Procura outro restaurante. Não aja com violência!
Será pior para você.” E Beto: “O mesmo direito que essa bichona tem, de
ir aonde quiser, eu também tenho.” (E desligou.)
Já chegando ao restaurante, um carro veio por detrás, bateu na moto que
Beto pilotava e vazou.
A polícia reboca a moto e a leva para a delegacia. Beto desesperado,
desabafa com o senhor Silva, proprietário do restaurante:
- E agora, o quê que eu faço? A moto nem é minha. É da pizzaria. E foi o
Gol que bateu em mim. Teria que arranjar um advogado, mas eu não conheço
nenhum aqui em São Paulo. O senhor pode me indicar algum?
- Sim. Aquele senhor ali atrás. Ele é o melhor que eu conheço. (O
próprio!)
E agora, Beto???... Beto ponderou por uns instantes... O cavalheiro se
aproximou. Com classe, colocou-se à sua disposição, voltando para a sua
mesa. Sem opção, Beto foi lá e aceitou.
- Vamos então ao meu apartamento. Vou redigir a petição.
Imaginem Beto entrando no carro. Nervos todos duros. Cabeça a mil.
Rua da Consolação, 118. É aqui. O apartamento fecha Beto. Coração quase
saindo pela boca! ... Para seu alívio, Beto avista uma senhora lá na
cozinha.
– Laura, venha aqui por favor. Vou te apresentar um novo amigo. (A
Beto) – E esta é a minha esposa. (No entanto, persistia ainda uma
dúvida na cabeça de Beto: e por que o cara me olha tanto? Será então que
ele é bi?)
O delegado recebeu o Dr. Adrian Calazans com entusiasmo. Tratava-se de
um jurista respeitadíssimo em São Paulo. “E nós vamos descobrir quem é o
motorista, vamos obrigá-lo a pagar todo o conserto, e ele ainda terá de
responder pela sua infração” – asseverou o delegado. Foi o que
aconteceu.
- Doutor, mas e os honorários? Tem como o senhor dividir para mim?
- Vá descansar. Depois falaremos sobre isso.
Na tarde seguinte, Beto retorna à casa do defensor, para saber o valor a
pagar. “Não é nada. Você está recomeçando aqui a sua vida. A gente tem
que colaborar” – ponderou o doutor. Nisto, Dona Laura convida o moço
para tomar um chá. Beto mal acaba de sentar, leva um susto estonteante:
- Vocês tinham o meu retrato? Como conseguiram?
- Não é você não. É o Samuel, nosso filho, que faleceu num acidente –
esclareceu Laura, abraçando o porta-retratos e recolocando-o na mesa.
(Dr. Adrian) – Quantos anos você tem?
- Vinte e dois.
- Oh! Mesma idade que tinha o Samuel, Laura.
(Laura) – Beto..., é hora de esclarecer tudo. Desde a primeira
vez quando o Adrian te viu, ele ficou perplexo. Como você mesmo notou,
você e o Samuel se parecem demais. Vendo-o, era o mesmo que ver o nosso
filho; era como se ele ainda estivesse junto de nós. Todas as noites,
meu esposo ia ao restaurante, na esperança de encontrar Samuel (você).
Beto chorou como uma criança. Daquela hora em diante, ele passou a ser
parte da família, que o apoiava em tudo. Beto representava a
imortalidade. Adrian representava o pai, que Beto deixara de ter.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
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- Produção: Pepe
Chaves.
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Falácias de amor:
Namorado capaz de tudo...
Eu sinto que o teu amor me dá forças sobre-humanas. Sinto que sou capaz
de realizar prodígios por tua causa. O que pedires, eu farei... Queres
aquela estrela que está brilhando no céu? Se queres, irei buscá-la...
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Fanzine
27/01/2023
Mas eu quero demonstrar que meu amor é diferente. Não é como esses amores
comuns... Amores covardes, que não sabem ter as dedicações profundas. Queres
que eu corte esta mão?
Ele – Ah, meu amor... Por ti seria capaz de dar até a minha vida.
Ela: Oh! Paulo... Gostas tanto de mim de verdade? Não estás exagerando?
Ele: Não, não é exagero... Eu sinto que o teu amor me dá forças
sobre-humanas. Sinto que sou capaz de realizar prodígios por tua causa.
O que pedires, eu farei... Queres aquela estrela que está brilhando no
céu? Se queres, irei buscá-la...
Ela: Não é preciso tanto, Paulo. Para que quero eu uma estrela?
Ele: Dê-me então qualquer oportunidade para eu provar a grandeza da
minha paixão. Queres que eu vá ao fundo do mar, trazendo a mais linda
pérola do oceano?
Ela: Não... Não precisa molhar a tua roupa. Prefiro que vás a uma
joalheria e me tragas um colar. É mais prático...
Ele: Mas eu quero arriscar a minha vida, passar por grandes perigos,
resistir a muitos sacrifícios, a fim de demonstrar como é ardente o
sentimento que me inspiras. Se me pedires para galgar estas montanhas
inacessíveis que azulam a distância, subirei por aqueles penhascos, e se
rolar lá de cima, ficarei contente. Morrerei feliz, porque a morte pelo
amor é melhor que a vida.
Ela: Oh! Como és romântico!
Ele: Não é romantismo. É apenas sinceridade, devotamento do meu coração.
Queres que eu desafie o mundo inteiro por tua causa? Desafiarei!
Ela: Para que, Paulo? O mundo já tem tantas preocupações, tantas
trapalhadas! Não convém complicá-lo ainda mais com esses desafios. Eu
não preciso de provas. Já sei que gostas muito de mim. Já tenho a
certeza.
Ele: Mas eu quero demonstrar que meu amor é diferente. Não é como esses
amores comuns... Amores covardes, que não sabem ter as dedicações
profundas. Queres que eu corte esta mão?
Ela: Não! De maneira alguma. Quero apenas que peças a minha mão em
casamento.
Ele: Bem... Bem... Essa coisa de casamento fica para depois. Não se deve
estragar essas horas de poesia com essas ideias burguesas de matrimônio.
Falemos dos nossos sonhos de beleza, das nossas ilusões cor-de-rosa, dos
nossos ideais tão puros e tão lindos...
Ela: Mas, Paulozinho... Nem só de romantismo vive uma mulher... Falemos
de coisas mais simples do nosso futuro, do ninho que iremos construir.
Ele: Está bem. Mas isso fica para mais tarde... Por enquanto, deixe que
minh’alma navegue nas ondas cristalinas da poesia amorosa...
Ela: Pois, então, vá navegando...
Ele: Eu quisera ser um Colombo, para te oferecer uma nova América.
Ela: É muita coisa, Paulo. Uma nova América daria muito trabalho.
Ele: E que tem isso? Por ti, não me incomodaria enfrentar riscos
tremendos. Gostaria de afrontar as vagas revoltas dos mares nunca
d’antes navegados. Por ti, desafiaria dragões. Atravessaria desertos
maiores que o de Saara. Lutaria com as feras selvagens das florestas.
Não há obstáculos que não possa vencer por tua causa. Para quem ama de
verdade, não existe impossível. Manda buscar aquela estrela... Eu irei!
Manda-me combater na guerra da Espanha*. Serei um herói. Pede-me para
que eu seja o homem. Com a tua inspiração, venceria a minha candidatura
à presidência. Por ti, para te ver, e principalmente, para te ver
satisfeita e confiante em meu amor, farei tudo, tudo, que é possível.
Ela: E por que então não vieste me ver ontem de noite?
Ele: Ah! Choveu...
Ela: Ah! Choveu... Foi só por isso?...
Ele: E acha pouco? Não estava disposto a apanhar um resfriado...
Ela: Ah! É assim? Tu te ofereceste para apanhar uma estrela no céu, uma
pérola no fundo do mar, mas não podes apanhar um resfriado... E ainda
dizes que o teu amor é ardente... Não, mentiroso! O que tens é muito
sangue-frio...
(Extraído do Almanaque da Rádio Nacional, de Ronaldo Conde
Aguiar. Ed. Casa da Palavra, 2007.)
Comentários:
Namorado capaz de tudo...
é um documento. Antes de existirem as novelas da Rádio Nacional (que
tanto inspiraram as novelas da TV), houve a fase dos esquetes (cenas
curtas, com poucos atores, geralmente cômicas). E Namorado capaz de
tudo..., de Genolino Amado, foi o primeiro esquete apresentado pela
Rádio Nacional.
*“Manda-me combater na guerra da Espanha...” De 1936 a 1939, ocorreu a
Guerra Civil Espanhola,
entre republicanos e nacionalistas. A vitória dos nacionalistas,
apoiados pelos nazifascistas, abriu caminho para a ditadura do general
Franco.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Prisão invisível:
Os
prisioneiros
Segundo notícia
circulante na Web, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, está preferindo
ficar preso, a ficar solto. Solto, correria o risco de ser assassinado, por
constituir um arquivo vivo.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
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Fanzine
18/01/2023
Pior
é que analistas não descartam esta hipótese, a exemplo do que já ocorreu com
Adriano da Nóbrega e com o ex-ministro, também de Bolsonaro, Bebianno.
Os pássaros. Os
animais bravios. As mulheres. Os homens. Os estudantes. Os empregados. Os
desempregados. Os motoristas. As carmelitas. Os juízes. Os líderes
políticos. Os moradores de rua. Os famintos. Os ladrões. Os traficantes. Os
assassinos. Os fugitivos. Os traidores. Os ilhados. Os sequestradores. Os
sequestrados. Os analfabetos. Os chantageados. Os escravos. E esses
terroristas, recentemente encarcerados.
Ressalvado o caso das
carmelitas, que buscam a clausura por opção e não por coerção – e ali se
sentem livres -, há prisioneiros visíveis e invisíveis. Por isso é que há
aqueles que se suicidam, sem explicação.
Segundo notícia
circulante na Web, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, está preferindo
ficar preso, a ficar solto. Solto, correria o risco de ser assassinado, por
constituir um arquivo vivo. Pior é que analistas não descartam esta
hipótese, a exemplo do que já ocorreu com Adriano da Nóbrega e com o
ex-ministro, também de Bolsonaro, Bebianno, dois perigos ambulantes para
alguns detentores do poder. Não estou afirmando nada. Apenas transmitindo a
análise de especialistas. (E tem o caso Marielle, ainda a ser esclarecido.)
Acontece muito que
ladrões ficam soltos, e moradores permanecem prisioneiros em suas casas, com
grades, câmaras de vídeo, às vezes até seguranças.
Motoristas podem
ficar, durante horas, presos no trânsito. Um estudante chega à sua escola.
Após adentrar o portão principal, este é fechado; mais adiante, outro
portão, idem; entra na sala (repleta de grades nas janelas), a professora
ainda fecha a porta. Parece um presídio de segurança máxima. E o “condenado
pelo Sistema” permanece ali por longos anos. (É por isso que essa dinâmica
geração, não raro corre desta cilada.) Paulo Freire era entusiasta das aulas
ao ar livre. (Eu também!) O grande comunicador Mc Luhan já imaginava a sala
de aula sem paredes. Podemos ainda lembrar Sócrates, caminhando com os
discípulos pelos jardins. E grande resposta a tudo isso veio da internet,
através da qual se pode estudar a distância, livre dessas barreiras.
Vejamos agora o caso
dos empregados. Eles permanecem um bom período de suas vidas cativos em suas
empresas. Alguns só vêm a conquistar a sua liberdade, quando se aposentam.
Um pouco mais tarde, novamente a liberdade tolhida: as pernas não se
movimentam mais. Serão prisioneiros em seus quartos, em suas camas.
Venturosamente, algumas empresas começam a adotar o home office. As
relações de trabalho vêm mudando.
Os desempregados
também são prisioneiros. As contas vão se acumulando, eles não podem ir a um
bar, a uma loja, ao futebol...
Numa traição conjugal,
a parte que trai pode resistir durante algum tempo. Todavia, fica sempre
aquela tensão: e se meu cônjuge descobrir? Uma outra pessoa, que detém esse
segredo, pode entrar em cena, chantageando, pedindo dinheiro para não
revelar. Eis o traidor aprisionado.
Um dos maiores
carcereiros do ser humano é a sua própria ignorância. Conhecimento,
sabedoria, qualificação geram liberdade.
Quem tem culpa vive em
suspense, temendo a descoberta do delito e a devida punição. Jean-Jacques
Rousseau mostra isso, em seu bonito conto “La Chasse aux pommes” (Uma
caçada às maçãs.) Um adolescente pega uma espada, visando a alcançar,
através da janela, umas bonitas maçãs da casa vizinha. Vendo que não dava
altura, trepou numa caixa. “Ainda não deu.” Amarrou algo na espada, para
aumentar-lhe o comprimento. Logo após cada um desses seus atos, ele repetia
ansioso: “Não me falta coragem, mas estou perdendo tempo.” Prestes a
conseguir, ele olha para trás e vê seu mestre, de braços cruzados, o qual
lhe diz: “Coragem!”
Ou seja, embora esse
jovem negasse o tempo todo, o que lhe faltava era exatamente coragem. Isso,
devido à insegurança por estar praticando algo errado. Bem, e você pode
estar pensando ainda nas conotações de maçã, a saber: beleza, desejo,
tentação; e que esse mestre poderia representar a voz da própria
consciência. Mas isso fica para dialogarmos em outra oportunidade. Por ora,
o que eu quero dizer é que viver realmente livre tem sido a maior das artes.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Lavagem cerebral:
A manipulação por algumas igrejas
Então,
irmãzinha, lamento muito, mas não vai dar para a senhora continuar
frequentando a nossa igreja, até que a senhora possa voltar a contribuir, tá?
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
20/12/2022
Evangélico
consciente segue sempre o evangelho; evangélico inconsciente segue cego o
seu pastor.
Toda igreja deve ser respeitada – a menos que faça algo para não merecer o
devido respeito.
Esta história é verídica. Aconteceu recentemente na Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Vários personagens participaram deste acontecimento. Os
principais serão aqui citados, com seus nomes alterados, para preservar as
suas identidades. São eles: Dona Mariana; sua filha; Severino, e o pastor A.
J. R. da igreja tal.
Dona Mariana era bastante humilde. Frequentava aquela igreja e, com
gigantesco sacrifício, vinha pagando os valores exigidos, de dízimos e
ofertas. Costumava assistir ao culto, de pé, lá atrás, no final da igreja.
Uma noite, acabando o ritual, o pastor fez um sinal para ela, dando a
entender que queria falar-lhe alguma coisa. Chegou então a ela e questionou:
-
Irmãzinha, tenho notado que, de um mês para cá, a senhora parou de
contribuir.
-
Ah, sim, pastor. Na verdade, eu não tô podendo. Minha geladeira tá vazia.
-
Uhm... Então, irmãzinha, lamento muito, mas não vai dar para a senhora
continuar frequentando a nossa igreja, até que a senhora possa voltar a
contribuir, tá?
Dona Mariana, humilhada, nada falou. Apenas se retirou, prometendo a si
própria ali só retornar quando arranjasse o dinheiro.
A
casa dessa senhora tinha apenas dois cômodos: uma sala e uma cozinha, a qual
servia também de quarto para ela e uma filha. A rua era estreita e em
declive.
Estava essa mulher conversando na cozinha, com essa sua filha, quando um
caminhão, descendo, perdeu o freio e foi chocar, exatamente, contra aquela
residência, destruindo toda a sala. Dona Mariana ficou desesperada. Além do
susto, chorou muito, falando com a filha que não sabia como fazer, já que
não tinha recursos para a reconstrução.
Severino, um pernambucano que se mudara para a Metropolitana de BH, era
vizinho de Dona Mariana. Logo que soube daquele infortúnio, foi até a ela e
a consolou: “Nem tudo está perdido. Vou tomar frente nisso aí. Eu já
trabalhei de pedreiro. Por ora, a senhora vai pra casa de uma conterrânea
minha. Pode ficar lá enquanto precisar. E nós vamos dar um jeito de reerguer
a sua casa.”
Sai Severino, buscando ajudas. Um comércio de material de construção fez
doação; outra loja também doou; voluntários entregavam tinta, madeira,
dinheiro...
Mãos à obra! O incansável Severino começava cedo. Reforçou o alicerce, foi
erguendo as paredes. Assentou uma porta e uma janela bem bonitinhas. Bem,
agora, é só pintar. “Eu mesmo pinto. Eu sei fazer isso.” Aproveitou e pintou
a casa toda.
Com o peito cheio de júbilo, foi comunicar à Dona Mariana que a sua
residência estava prontinha para ser novamente habitada.
Chegam a dona da casa, sua filha e a família que a havia acolhido. Dona
Mariana viu aquilo bonito, cheirando de novo e até chorou, desta vez, de
alegria.
Mas vejam o efeito de uma lavagem cerebral produzida por determinados
mercenários da fé. Em seu êxtase, vendo a sua casa melhor até do que estava
antes, a pobre Mariana olha para todos e fala com toda a convicção:
-
Ficou tudo muito bonito! Mas eu tinha certeza que isso ia acontecer, porque,
no dia que a casa caiu, eu voltei lá naquela minha igreja e o pastor orou.
Foi a oração dele! Foi a oração dele mesmo que operou esse milagre! Vou lá
dar o meu testemunho.
Ah!... O que ela foi caçar? Nordestino, você sabe como é, né? Bom demais,
prestativo, mas, quando vê injustiça, age firme e não deixa por menos não. O
Severino deu na mulher um esculacho! (Merecido, cá entre nós.)
-
Dona Mariana, abre os olhos! Fica mais esperta! Seu pastor não fez nada não.
Quem realmente fez fomos nós: eu, trabalhando de pedreiro e de pintor, e os
voluntários, fornecendo o material. A senhora está sendo muito mal
agradecida com nós todos. O que o seu pastor fez pela senhora foi proibi-la
de frequentar a igreja dele, enquanto não tivesse dinheiro para doar. Se ele
tivesse realmente interesse pela senhora, ele teria vindo aqui e ajudado.
Tantos dízimos e ofertas que ele recebe seriam, numa hora como esta, para
socorrer uma fiel de sua igreja. Cadê ele? Ele não apareceu aqui pra nada.
Garanto que teve medo, justamente, de ter de tirar algum dinheiro do bolso
dele para ajudar. Ele quer só receber. Doar, jamais.
Dona Mariana acabou abrindo os olhos e concordando com Severino.
Minha opinião: evangélico consciente segue sempre o evangelho; evangélico
inconsciente segue cego o seu pastor.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Imagem: Divulgação.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Uma figura:
Alexandre, o grande: mentecapto
O Alexandre cismou certa vez que era o Raul Seixas. Pegava um violão e saía
pelas ruas. Podia pedir-lhe qualquer música, que ele cantava e tocava, mas
desde que fosse composição sua, ou seja, do Raulzito.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
03/10/2022
Ele fez uma jangada de garrafas plásticas. Amarrou umas às outras direitinho
e, quando entendeu que já era hora, montou na tosca embarcação e pulou no
rio. As garrafas foram-se soltando, uma a uma, até gerarem o pânico...
Vamos começar pelo mais simples. O Alexandre cismou certa vez que era o Raul
Seixas. Pegava um violão e saía pelas ruas. Podia pedir-lhe qualquer música,
que ele cantava e tocava, mas desde que fosse composição sua, ou seja, do
Raulzito. E tocava bem? O sonhador cantava alto, ora afinado, ora
desafinado, fazendo no violão posições que na verdade não existiam, batia
ali, de acordo com o ritmo da música, e pronto. Voltava felicíssimo para
casa.
E
como era o seu ambiente familiar? Sua mãe, viúva, evangélica radical,
inflexível. Ela sempre se gabava das suas orações fortes e poderosas.
Falando de futebol, ela dizia que era capaz de fazer qualquer time cair para
a segunda divisão, ou retornar à primeira; fazia qualquer namorado
desaparecer, ou voltar para a sua namorada; afirmava ter sido ela, com
oração poderosa e meditação, que havia derrubado o Muro de Berlim.
Na
casa ao lado, morava a tia do nosso herói. Igualmente fanática, só que
católica. Vivia em contato com espíritos bons, malignos, com o sobrenatural.
Quando um visitante comentou com ela sobre aquele episódio do boi voando (do
conto Santo Tomás e o boi que voava, de Humberto de Campos), ela
ficou, por uns instantes, pensativa... Depois, afirmou que não via nenhum
absurdo nisso não; que, tendo fé, qualquer pessoa pode sim fazer um boi
voar; que boi, ela ainda não havia tentado não, mas elefante, ela já havia
conseguido fazer voar algumas vezes.
Uma doida de lá, outra doida de cá, e de religiões diferentes, imagine o
caos instalado. De início, as duas se encontravam no muro, travando uma
guerra bíblica calorosa, uma tentando provar que a outra é que estava
errada. Depois, vieram os insultos. Julgando pouco, começaram a tacar pedras
nas vidraças uma da outra. Acabavam na polícia.
Época de enchente. O Paraopeba encheu demais, chegando a quase cobrir
algumas casas ribeirinhas. Uma galinha conseguiu se salvar, indo parar no
teto de uma residência. O Alexandre se encantou com a cocota. Num
instantinho, o danado já estava lá em cima da casa, com a queridinha nos
braços. A chuva engrossou demais. E pra descer? Na primeira tentativa, o
moço tomou um escorregão feio, e a água foi levando-o até deixá-lo no
chiqueiro de uma casa vizinha. Da cocota, só ficaram as penas. Que pena!
No
dia seguinte, lá vai o maluco tentar nova aventura. Rio, bastante cheio. Ele
fez uma jangada de garrafas plásticas. Amarrou umas às outras direitinho e,
quando entendeu que já era hora, montou na tosca embarcação e pulou no rio.
As garrafas foram-se soltando, uma a uma, até gerarem o pânico: o moço
praticamente não sabia nadar. Confiou inteiramente na jangada. A sorte foi
que, naquela hora, o Corpo de Bombeiros estava ali por perto, tirando-o
daquela aflição.
O
último episódio que vi do Alexandre não foi com a água, sim, com o ar. O
aventureiro teve ânsias de voar. Ficou uma semana inteira planejando o seu
avião, até considerá-lo em condições de voo. O material utilizado era
bastante resistente: folhas de bananeira. Tudo pronto. Com o peito arfante e
pleno de contentamento, segue o acrobata do ar, sobe até a laje de sua casa
e prepara o imponente voo. Contagem regressiva: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...
Já!!! Saltou, imaginando um voo macio, que deslizaria no ar, e que ele se
tornaria celebridade, pelo menos, por um dia.
Quando acordou desse sonho real, estava o Alexandre com gessos e
esparadrapos pelo corpo todo.
Depois desta, meu pensamento é que voou... Ismália, a louca
personagem de Alphonsus de Guimaraens, subiu a uma torre, querendo a lua do
céu, querendo a lua do mar. Enfim, ela salta. “Sua alma subiu ao céu, seu
corpo desceu ao mar.” Também Ícaro, cujo mito todos já conhecem. Ou o
Anãozinho Verde, que subia aos montes ao findar do dia, “para buscar,
lá em cima, o diamante do sol”. Dir-se-ia: todos, loucos, cismadores...
Entretanto, cabe uma reflexão: e Santos Dumont? Quando ensaiou seus
primeiros voos, não foi tido como insano? Pois bem, ele caiu, se levantou,
voou e encantou o mundo. Quem sabe esse Alexandre mentecapto ainda vai
exibir um fabuloso invento para a humanidade e se tornar mesmo uma
celebridade? O fato é que só com ousadia se consegue alçar os mais altos
voos, em qualquer atividade humana. Vamos então, com Biafra, cantar: “Voar,
voar, subir, subir...” Urge deixar a nossa zona de conforto, para não
passarmos em branco nesta louca viagem ao Planeta Terra.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Vida de espera:
Temas e voltas na favela de Maria
Na favela, és amada por teus colegas de infortúnio. Todavia, eles pouco
podem fazer por ti. Talvez, só velar-te, quando morreres...
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
25/09/2022
Maria-solidão. Maria-esquecimento. Maria-de-pouca-instrução.
Maria-de-pouca-informação. Maria da Favela. Maria brasileira.
Maria...
Mas para que tanto sofrimento, se teu país é a terra em que plantando tudo
dá?
Mas para que tanto sofrimento, se teu país é cristão e teus pais te
ensinaram a rezar?
Mas para que tanto sofrimento, se teu país tem belas praias, tem samba e tem
carnaval?
Maria, o que deu errado contigo? Foi ter amado precocemente e ter gerado uma
porção de filhos, para preservar a vida na favela?
Ou
foram os governantes, que fecharam os olhos aos teus problemas, ocupados que
estavam com suas motos, com seus carros, com seus luxos, suas mansões, suas
viagens internacionais?
Maria-solidão. Maria-esquecimento. Maria-de-pouca-instrução.
Maria-de-pouca-informação. Maria da Favela. Maria brasileira.
Mas para que tanto sofrimento, se teu pastor te abençoou e garantiu que mal
algum recairia mais sobre ti?
Mas para que tanto sofrimento, se não tens computador nem televisão, mas
tens um radinho, em que podes ouvir a pregação ou alguma musiquinha,
enquanto pensas no que vais dar de comer aos teus filhos?
Na
favela, és amada por teus colegas de infortúnio. Todavia, eles pouco podem
fazer por ti. Talvez, só velar-te, quando morreres...
Maria...
Conheci o teu marido. Era negro, trabalhador e honesto. Mas foi executado
por policiais aí no Morro, porque o confundiram com um traficante, e ainda
vestia uma camisa vermelha (a gente não pode falar...). Estás desempregada e
viúva, com quatro filhos pra tratar... Choras.
Mas para que tanto sofrimento, Maria, se tu tens o auxílio-brasil, que dá
para comprar um picolé para cada um dos teus filhos? Dois benefícios nisso:
o doce e o refresco.
Maria, talvez tu não saibas, mas a favela é bem maior que tu podes imaginar.
Tal como um rio que enche e transborda, alagando terrenos e milhares de
casas, causando pobreza e maiores destroços, assim é a favela-brasil. Em
cada quatro brasileiros, um passa fome. Muitos outros estão comendo muxiba
ou estão roendo ossos. Povo virando rato.
Maria, milícias estão se expandindo pelo Brasil. Povo, cada vez mais armado.
Gente, que fala “em nome de Deus”, arma a população e incentiva a matar.
Todos terão que construir fortes na frente das suas casas. Mas tu, Maria,
não tens verba para isso. Seguirás desprotegida.
Tu
não sabes das notícias? Estão acabando com as nossas florestas, com os
nossos índios, com o nosso ar, Maria! Estão destruindo os nossos sonhos,
Maria! O Brasil, sob essa nuvem pesada em que vivemos, não é mais aquele
país alegre e risonho, aquele “país tropical, abençoado por Deus”, que Ben
Jor, Francisco Alves e Ary Barroso cantavam.
Maria...
Mas para que tanto sofrimento, se teu governo, durante a campanha política,
está prometendo levar o progresso até aí? Instalar-se-á, nesta terra
brasilis, a fertilidade, a fartura, como nunca se viu. Maria, a doação
de uma marmita já está chegando a ti, mas, por Deus, não fales que vais
votar em candidato diferente do apoiado pelo doador – se não, não haverá
mais marmita, e tu corres o risco de ser exterminada. Ser pobre é muito
perigoso.
Maria-forte. Maria-ébano. Maria-aroeira. Maria-esperança...
Maria, busca água na bica, vai atrás do teu casebre e toma teu banho, sem
sabonete, como sempre. Repete trinta e três vezes: “As coisas vão melhorar.”
Faze a tua oração e espera mais uma vez. Tu sabes esperar.
Maria...
Mas para que tanto sofrimento, se um anjo já vem te buscar?
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Há mais pra se viver:
Um asilo maluco
Advertência:
se você é tradicional e se deixa guiar por um pudor acentuado, então, não
leia esta crônica. Ao contrário, se você tem uma mente aberta a inovações (e
até mesmo permissões), então, escolheu a leitura certa.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
15/09/2022
Asilo bastante silencioso. Logo ao anoitecer, invade aquele espaço uma banda
de rock da pesada, assustando todo mundo. Os velhinhos pulam da cama para
ver o que acontecia.
Um
asilo municipal era ocupado por 29 idosos – dentre eles, alguns com
transtornos mentais. O diretor era um médico, também já velhinho. Ali
trabalhavam uma cozinheira (que era também faxineira) e uma enfermeira. Lá
uma vez por mês, aparecia ali um grupo, também de velhinhos, oferecendo
alguma música aos asilados. Um violino, uma flauta e um violão tocavam
valsas dolentes, tão lentas quanto a vida naquele limitado mundo.
O
diretor, valendo-se do seu direito de tirar suas férias-prêmio, decidiu que
ia para a Alemanha, ficar lá durante três meses. Colocou em seu lugar uma
psicóloga, que ele havia conhecido em um congresso.
Chega a Dra. Kátia Rios. Asilo bastante silencioso. Logo ao anoitecer,
invade aquele espaço uma banda de rock da pesada, assustando todo mundo. Os
velhinhos pulam da cama para ver o que acontecia. Dra. Kátia havia preparado
o ambiente, numa área ociosa à frente do asilo. Encheu ali de balões, e não
poupou efeitos luminosos.
Conduziu todos ao local, incentivando-os a dançar. Um recusou: “Ah, não
posso. Eu sinto dores nas pernas.” E ela: “Isso é porque você fica muito
parado. Vai dançar sim.” Uma senhora confessou que sempre teve vontade de
dançar, mas achava que seu tempo já tinha passado. “Não passou não. Você
está nova ainda” – contestou a psicóloga.
Naquela noite, todos dormiram em paz. Nem se lembraram dos comprimidos para
dormir. Adoraram! Queriam mais.
O
Zé do Angá revelou que o maior sonho da vida dele era tocar sanfona, mas que
agora já era tarde demais. A Dra. Kátia conversou com o dono de uma loja de
artigos musicais e este presenteou o Zé com um belíssimo acordeom. De
início, era até cansativo ouvir aquele nheque-nheque do Sô Zé o dia inteiro.
Num instantinho, porém, o homem já estava tocando uma porção de músicas
bonitas. Aprendeu sozinho.
E
a cada dia, era uma ocupação diferente e dinâmica. A Dra. Kátia notou que
alguns velhinhos tinham manias. A que mais lhe chamou a atenção foi uma
idosa, cismada que era um pé de alface. O que a terapeuta fez? Levou todo
mundo para a área ao ar livre e propôs: “Gente, hoje nós vamos fazer um
teatro. Eu sei que todos e todas aqui têm uma veia muito forte de atores.”
(Todos sorriram realizados.) “Então vamos: aqui hoje é uma horta. Cada um
vai ser uma verdura diferente. Eu vou ser um pé de couve.” – E você, Dona
Ção? – Alface, respondeu aquela mulher.
“E
então? Todos nós vamos fazer gestos leves, agradecendo ao sol por essa luz e
energia.” (Todos fizeram muito bem.) “Agora, estamos sentindo uma chuvinha
fina, refrescante, caindo sobre nós.” (Foi bonita a cena.) De repente, a
psicóloga advertiu: “Gente, um punhado de galinhas está vindo em nossa
direção, e elas vão nos comer. Correm! Correm!” Todos correram, menos a Dona
Ção. A doutora: “Corre, Alface! Ou você quer ser comida?” Dona Ção: “A
senhora esqueceu que um pé de alface não tem como correr?”
A
Dra. Kátia ponderou: “Essa mulher, de doida, ela não tem nada. Ela tem muito
mais lógica do que nós todos aqui.” Deu-lhe alta na mesma hora. Na sequência,
um a um foi sendo considerado curado ou pronto para sair.
Faltava resolver o caso da Dona Cacilda. Viúva, setenta e nove anos, vivia
em constante depressão. Já havia tentado vários tratamentos. A psicóloga,
após conversar muito com ela, convidou-a para irem a um determinado
endereço. De início, a mulher recusou. Dois dias depois, acabou aceitando.
O
apê do Mc Leno era simples e aconchegante. E ele, um michê de vinte e cinco
anos, saradão e educado. Dra. Kátia: “Cacilda, agora é com você. Te espero
lá fora. Volto daqui a uma hora, OK?” Cacilda teve um deslumbrante momento.
Há quase quarenta anos, aquela viúva não vivia uma noite nem parecida com
essa. Adeus, depressão! O primeiro programa, a psicóloga pagou. Os próximos,
também com outros gatões, a própria Cacilda pagava.
Volta o médico, irritadíssimo, já sabendo de tudo. Dispensa a psicóloga.
No
dia seguinte, os ex-asilados vão à casa daquela amiga. Levam-lhe flores,
bombons, cantam muito para ela. O Zé tocou acordeom. Aliás, este artista
agora se apresentava numa emissora de rádio e era contratado para bailes e
festas. Outros ex-asilados arranjaram empregos ou montaram o seu próprio
negócio. Quanto à psicóloga, ela não precisava mais daquele emprego nem de
nada. Ela sorria tranquila, porque se sentia plenamente realizada.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
No centro das atenções:
Tchutchuca!? o que é isto???
Centrão, como todos nós sabemos, é aquele conjunto de partidos, os quais não
se situam nem na direita nem na esquerda (mas mudam de opinião facilmente,
para juntar-se a quem estiver no poder). Embora possa haver ali alguns
parlamentares honestos...
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
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Fanzine
28/08/2022
E dizer que Bolsonaro é “Tchutchuca do Centrão” sugere que ele é submisso a
esse conjunto de partidos de centro – o que tem muito de verdade.
Há
alguns dias, muita gente presenciou um repórter, à frente do Palácio da
Alvorada, insultando o Bolsonaro. O presidente reagiu. Investiu contra o
rapaz, dando a entender que pretendia tomar o celular dele. Dentre os
insultos proferidos por aquele repórter, um se destacou: “Tchutchuca do
Centrão”. E esse deixou o presidente indignado. E apelido é assim, né gente?
Quanto mais a pessoa se mostra incomodada, mais o apelido pega. Foi o que
aconteceu. Pegou mesmo.
Bem, Centrão, como todos nós sabemos, é aquele conjunto de partidos, os
quais não se situam nem na direita nem na esquerda (mas mudam de opinião
facilmente, para juntar-se a quem estiver no poder). Embora possa haver ali
alguns parlamentares honestos, a fama desse tal de Centrão não é tão boa.
Basta lembrar que, por ocasião da campanha do bolsonaro, em 2018, o general
Heleno, seu fiel apoiador, parodiou o samba, cantando: “Se gritar pega
centrão/Não fica um meu irmão...” (A letra do samba era assim: “Se gritar
pega ladrão/Não fica um meu irmão...”) O general Heleno trocou a palavra
ladrão por centrão.
E,
nessa campanha, Bolsonaro prometeu firmemente que não iria associar-se ao
Centrão. Em outros termos, que, em seu governo, não haveria corrupção, nem o
toma-lá-dá-cá (com integrantes do Centrão).
Bonito! Só que o Bozo fez tudo diferente. Com o tempo, não só se coligou ao
Centrão, como produziu com ele esquemas bilionários e, em grande parte das
vezes, sem transparência. Nascia o “orçamento secreto”; e decretou-se, pelo
presidente, o “sigilo de cem anos”. Hoje, segundo os analistas, quem comanda
o Brasil não é um presidente, sim, o Centrão.
Ora, todos nós sabemos que um dos princípios constitucionais é a
transparência. Nós temos o direito de saber como está sendo aplicado o
dinheiro dos nossos suados e sacrificantes impostos – entre os mais elevados
do mundo. E foi exatamente ancorados nessa INtransparênia que surgiram
suspeitas de corrupções bilionárias, algumas já tendo vindo à tona, outras
abafadas, outras ainda sob investigações. Para ser mais claro: de honesto
nesse esquema, parece não haver nada. E o povo se ferrando; gente passando
fome; educação corrupta e sem projetos; saúde, um caos (basta citar os quase
setecentos mil mortos pela Covid, muitos deles, por negligência do Bozo e
seu “ministro”).
Mas... o que significa mesmo essa tal de tchutchuca? Trata-se de uma
gíria popular no Rio de Janeiro. Era, inicialmente, um tratamento dado a uma
menina, para chamá-la de bonita, gata. Com o tempo, passou a ser pejorativo,
sendo dirigido às funkeiras, como mulheres vulgares. O termo se fixou, com o
lançamento da música “Tchutchuca, vem aqui pro seu tigrão”, contida no
primeiro CD do
Bonde do Tigrão, de 2001.
E
esta palavra, de forte comunicação, continuou a propagar-se entre os
funkeiros. E dizer que Bolsonaro é “Tchutchuca do Centrão” sugere que ele é
submisso a esse conjunto de partidos de centro – o que tem muito de verdade.
É
oportuno lembrar que o intrigante termo tchutchuca, em 2019,
já havia causado indignação. É que, numa audiência da Câmara dos Deputados,
em 3 de abril, cujo tema era a reforma da Previdência, a temperatura entre
os participantes se elevou, a ponto de o deputado federal Zeca Dirceu
afirmar que o ministro da Economia, Paulo Guedes, era um “tigrão com os
aposentados, porém, tchutchuca com os mais privilegiados”. Paulo Guedes não
deixou barato, respondendo: "Tchutchuca é a mãe, é a avó!”
Eu
sei que as tchutchucas foram aumentando, já chegando até à avó. Já dá
para formar o Partido das Tchutchucas. (Só que eu não voto nele!) Aliás, o
Lula já cunhou um novo apelido para o Bolsonaro: “O bobo da Corte”,
exatamente insinuando que o Bozo não governa, que quem governa é o Centrão.
Enfim, o termo, que se tornou tão inquietador e ofensivo, é doce no falar; é
afetuoso. Portanto, se você ainda não arranjou um nomezinho para a sua
gatinha ou cachorrinha, Tchutchuca é uma boa sugestão. Soará bem no
ouvido das fofinhas. Garanto que elas vão adorar.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Uma canção:
Bate, bate, coração devagarinho...
Influenciamos tudo; e somos influenciados por tudo. Porque o Universo é o
uno, sobre o qual todas as coisas se vertem. Vejamos esta
história.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
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Via
Fanzine
23/08/2022
Aqueles cantos penetravam o ouvido de Pedrinho, ainda que a maioria deles
lhe parecesse cafona, totalmente fora do seu tempo e do seu mundo.
Todos os atos que praticamos reverberam pelo Universo. Podemos não saber
onde é nem quando a sua influência será mais intensamente notada. Da mesma
forma, um ato, um fato, ocorrido na estrela mais distante, também nos afeta.
Alguém plantando, outro colhendo, um menino rindo, um avarento xingando; um
fogo que arde, uma enchente que vem, uma pedra que cai, uma brisa que sorri,
um meteoro que passa... Influenciamos tudo; e somos influenciados por tudo.
Porque o Universo é o uno, sobre o qual todas as coisas se vertem.
Vejamos esta história.
Numa modesta casa, viviam Pedrinho: um menino de oito anos; seu pai:
operário; sua mãe: dona de casa; e sua avó: aposentada, que adorava entoar
canções. Aqueles cantos penetravam o ouvido de Pedrinho, ainda que a maioria
deles lhe parecesse cafona, totalmente fora do seu tempo e do seu mundo.
Outros, ele até ouvia com encanto. Tudo, enfim, ficava ali, armazenado no
seu subconsciente.
Algum tempo se passou. Pedrinho agora já estava com 17 anos. Como a maioria
dos adolescentes, estudava, e era bastante interessado por celular e
computador, tendo uma porção de amigos, dentro e fora das mídias sociais.
Foi aí que ele viu, numa dessas redes, o apelo de Leonardo (Leo), suplicante
pela letra de uma canção - na verdade, um chorinho. Pedrinho logo se lembrou
de que era uma das músicas que sua avó mais cantava. Por isso, ele a sabia
de cor.
Pedrinho olhou a data da postagem. Era de dois anos atrás. Resolveu entrar
em contato com o internauta, perguntando se ele já havia conseguido o que
buscava.
-
Ainda não – respondeu o rapaz.
-
E você já pesquisou no Google?
-
Sim, mas não encontro de jeito nenhum. Na verdade, não é propriamente para
mim. É para a mamãe. Ela é tão fascinada por essa música, que chega a
afirmar que não pode morrer, sem antes encontrá-la. A melodia, ela tem no
ouvido, e até sabe um ou outro verso. Essa música significa muito para ela.
(Recordações de algum amor que se foi? ...Inútil perguntar. Isso ela não vai
revelar a ninguém.)
Música enviada. A cidade do destinatário ficava a uns 800 km dali. Pedrinho
só não podia informar o autor nem o intérprete. Só ouvia a vovó cantando. A
letra era assim:
“Bate, bate, coração devagarinho/ Meu benzinho foi embora e me deixou/ Bate,
bate de mansinho/ Ele roubou o meu carinho/ E depois me abandonou/ O meu
benzinho/ Depois de tanto carinho/ Procurou um outro ninho/ Sem dizer qual é
a razão/ Eu vou pedir a Deus do Céu pra botar nele/ Em lugar daquele peito/
Um enorme coração/ Eu vou pedir a Deus do Céu pra botar nele/ Em lugar
daquele peito/ Um enorme coração.”
Cantar e se acompanhar não era problema para Leo. Eles tinham em família um
regional, e até se apresentavam em alguns eventos. Leo tocava violão; sua
irmã, flauta; seu tio, saxofone; sua prima, acordeom, e seu sobrinho,
bandolim.
Leonardo agradeceu demais, e fez uma bonita revelação:
-
Essa letra não teria vindo numa hora melhor. Depois de amanhã será o
aniversário da mamãe. Vamos aprender, fazer um belo arranjo e, na hora da
festa, chegaremos juntos cantando e tocando para ela. Em seguida, lhe
entregaremos a tão sonhada letra, numa embalagem toda especial, que minha
irmã, carinhosamente, preparou. Será um momento de grande emoção! ...
-
Ah, por favor, aproveite e transmita a ela, os meus parabéns.
-
Obrigado, Pedrinho! Você é sempre muito gentil.
Passados uns dez dias, Pedrinho resolveu entrar em contato com o amigo.
-
E aí, Leo? Como foi a festa? Cantaram a música para a sua mãe? Ela ficou
contente?
-
Cantamos sim. Ela ficou contentíssima. Não cabia em si, tamanha a emoção. Só
que...
-
O que aconteceu?
-
Dois dias depois..., ali pelas sete e meia da noite, ela foi até seu quarto,
deitou-se. A janela estava aberta, inundando o ambiente com a luz da lua e
das estrelas. Por alguns instantes, a modesta senhora meditou.
Profundamente, meditou... Depois, começou a entoar, pausadamente, aquela
significativa canção: “Bate... Bate... Coração... devagarinho... Meu
benzinho... foi embora... e me deixou...” E foi repetindo aquilo, cada vez
mais suave e devagar, como se fosse uma prece. Seu coração parece ter
assimilado o seu pedido... e foi batendo... cada vez mais... devagarinho...,
até que aquela cismadora mulher mergulhasse no mais profundo dos sonos e dos
sonhos...
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Farejando você:
The Dog-Machine
Engenheiros de hard e software, tanto do Cazaquistão, quanto de países
vizinhos, debruçaram-se, por quase uma década, sobre a ciência, e eis a
invenção, a única no mundo: a dog-machine. Inicialmente, o equipamento foi
previsto apenas para resguardar o território cazaquistanês.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
15/08/2022
As
múltiplas câmaras já existentes seriam as extensões dos nossos olhos.
Pensou-se em um novo recurso, que explorasse outro sentido: o olfato.
As
invenções surgem, no geral, de uma necessidade humana; às vezes, para
divertimento também. Quem não se lembra da “teoria da mão pensante”,
atribuída a Will Durant? Quer que recorde? Em conformidade com esse
princípio, as invenções (consciente ou inconscientemente) copiam a mão
humana. Alguns exemplos: a faca seria a nossa mão, aberta, cortando alguma
coisa; o garfo: dois ou três dedos, pegando alguma comida; a colher: a mão
em concha; a flecha corresponderia a um dedo da mão, movimentando-se até o
alvo. Você poderia dar asas à sua imaginação e lembrar-se do serrote, da
enxada, da foice, do machado e outras coisas mais.
Quando vi esta teoria, fiquei o resto da semana meditando sobre o assunto. E
a minha “grande descoberta” foi que um carro copia, não só a mão, mas
diversas partes do corpo, a saber: o motor seria o cérebro; o volante: as
mãos; as rodas: os pés; os faróis: os olhos. E o veículo se alimenta, depois
queima combustível, tal qual acontece com as nossas ingestões e o seu
metabolismo. Pensava eu que eu havia formulado a “teoria do corpo pensante”
(logo eu, um fantasioso adolescente).
Invenções surgem, infelizmente, para a guerra e a espionagem também.
Versaremos sobre esta última.
O
ser humano – aqui e alhures – já vem desenvolvendo máquinas e aparelhos,
desde os analógicos até os digitais, para investigar ou supervisionar os
cidadãos. Mil câmaras, que vemos e que não vemos; celulares, relógios,
canetas nos fotografando e nos filmando; há os detectores de mentiras.
Estamos, o tempo todo, biguibrodados.
Em
Singapura, consoante o que dizem, se alguém jogar um papelzinho de bala na
rua, ou por outra, se não der descarga após usar um banheiro público, é
duramente multado. E como eles ficam sabendo? Segundo se relata, todos os
cidadãos são filmados o tempo todo, e suas imagens, imediatamente enviadas
por computadores às autoridades competentes. Bom e ruim. Bom, que a cidade
fica impecavelmente limpa; ruim, porque se extingue a privacidade.
É
nesse contexto que surge, não em Singapura, mas no Cazaquistão, o mais novo
dos inventos: a dog-machine. Esta não se inspira no corpo humano, mas
sim, no cachorro. Explicando: todos nós sabemos que os sentidos dos cães são
muito mais aguçados que os nossos (salvo o caso dos magos, ou daqueles que
detêm a Psi-Gama ou percepção extrassensorial).
Afirmam os especialistas que cães farejadores podem chegar até a 220 milhões
de células olfativas, enquanto os seres humanos possuem em média 5 milhões
(cães, portanto, 44 vezes mais).
Prosseguindo, as múltiplas câmaras já existentes seriam as extensões dos
nossos olhos. Pensou-se em um novo recurso, que explorasse outro sentido: o
olfato. Assim como os cães detectam e memorizam o cheiro de qualquer pessoa
(incluindo os ferormônios), reconhecendo-a depois - o que até já é usado em
investigações policiais -, por que então não criar uma máquina,
computadorizada, que registrasse o eflúvio, ou seja, o odor exalado pelos
seres humanos, armazenando-o nos seus bancos de dados?
Engenheiros de hard e software, tanto do Cazaquistão, quanto de países
vizinhos, debruçaram-se, por quase uma década, sobre a ciência, e eis a
invenção, a única no mundo: a dog-machine. Inicialmente, o
equipamento foi previsto apenas para resguardar o território cazaquistanês,
o qual – entendia-se – estaria sob risco. Posteriormente (e secretamente),
foram ampliando mais o alcance dessa máquina.
Eis a questão: quem mandou a gente nascer neste século confuso, conturbado,
em que o ser humano nunca esteve tão desconfiado de seu semelhante? Aliás,
pelo menos em parte, há uma certa razão, pois nunca também o ser humano foi
capaz de tantas traições, tantos golpes e fake news, ancoradas ainda numa
imprensa marrom. E a máquina e sua rede estão aí, à disposição dos bem e dos
mal-intencionados usuários.
Amigo, Amiga, não se surpreenda, pois, se viajando por outro país, perto ou
longe do Cazaquistão, alguém o(a) cumprimente pelo nome – mesmo sem nunca
o(a) ter visto -, sabendo ainda seu endereço, seu telefone, seu CPF e até a
sua orientação sexual. É que seu cheiro já foi detectado.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Numa cidade:
O garoto do circo
Manuelito tornou-se trapezista aos catorze anos. Contracenava com palhaços.
Só não trabalhava ainda no globo da morte, é claro.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
02/08/2022
Aquilo, que era para ser uma falha, ganhou um toque afetuoso tão intenso,
que acabou se tornando a maior atração. O público aplaudia; o pai e o garoto
agradeciam; aplausos se repetiam...
Quem é do circo tem alma cigana. Tem coração insondável. Abriga um colar de
mistérios...
A
Família Sanchez não se enriquecera fazendo espetáculos pelo Brasil. Todavia,
tinha o suficiente para viver.
Aos seis anos, Manuelito fez a sua primeira apresentação. Malabarismos e
saltos. Teria realizado uma exibição impecável, não fosse a má sorte de
deixar cair dois malabares. Mesmo chorando de vergonha, deu sequência ao
espetáculo. O pai invadiu o picadeiro, deu nele um pulo, um beijo e um
abraço, retirando-o de cena. Aquilo, que era para ser uma falha, ganhou um
toque afetuoso tão intenso, que acabou se tornando a maior atração. O
público aplaudia; o pai e o garoto agradeciam; aplausos se repetiam...
A
notícia correu, e todo mundo queria ir ao circo a fim de ver,
principalmente, o garoto.
Manuelito tornou-se trapezista aos catorze anos. Contracenava com palhaços.
Só não trabalhava ainda no globo da morte, é claro.
O
amor bate na porta. Manuelito fez uma bela apresentação. Estava elegante,
bonito, com um uniforme que lembrava O pequeno príncipe. Madeleine,
uma adolescente da plateia, ficou encantada com o artista. Nem dormiu
durante a noite, só pensando nele.
No
dia seguinte, ela não resistiu: foi até a companhia de espetáculos para ver
se falava com o astro. Só que, desta vez, ele veio descalço, com uma roupa
informal, bem diferente daquela da apresentação. Contudo, algo encantou
ainda mais: a pureza e a simplicidade no olhar de um garoto, parecendo nem
saber de seu talento e de sua graça tão singela. Iniciaram ali uma amizade.
(No entender de Madeleine, era namoro.)
Manuelito vinha de uma família, a qual lhe ensinava a modéstia, a
honestidade e a sinceridade. Todavia, não tiveram tempo para as práticas
religiosas. É que todos se focavam, exclusivamente, nos quefazeres do circo,
o qual significava a seiva da vida deles.
Já
Madeleine provinha de diferente berço. Sua família era católica, moralista,
tradicional. Alguns chegavam a ser fanáticos. A menina, portanto, enxergava
o mundo através das lentes de sua doutrina.
Madeleine, num dos encontros com o principezinho, colocou na cabeça dele que
ele não podia viver assim: sem ir à missa, confessar e comungar. Do
contrário, iria queimar-se no fogo do inferno. Tais palavras – verdade seja
dita – não penetravam fundo na alma do adolescente. O campo estava preparado
apenas para a arte circense.
De
tanto insistir, Manuelito decidiu ir assistir, com Madeleine, a uma missa.
Jamais havia entrado em qualquer templo. Diferente do que Madeleine pudesse
imaginar, o menino não fazia a mínima ideia do que fosse uma missa. Com
isto, a toda hora, ele perguntava à amiga o que deveria fazer. Ou a
observava, tentando copiar os seus gestos.
Chega a hora do ofertório. – E agora? O que fazer? Madeleine explicou-lhe
que, naquele momento, cada um doava algum dinheiro para a glória do Senhor.
Ele: Mas eu não tenho dinheiro. Ela: Ofereça qualquer coisa que puder – mas
não deixe de oferecer. É muito importante para a sua salvação.
Sem opções, e sem conhecer “as regras do jogo”, Manuelito sai plantando
bananeiras pela igreja afora. Em seguida, começa a dar belos e
intrigantes saltos mortais.
O
povo fica estupefato! “Tirem-no daqui!” “Está blasfemando contra Deus!”
“Igreja não é lugar de palhaçada!” “Chamem a polícia!” Eram vozes que se
ouviam, daqueles intolerantes cristãos.
O
sacerdote desce e vai até o moleque travesso. Momentos depois, retorna ao
altar e revela ao público tudo o que acontecera: “Ele é um garoto ingênuo e
educado. Nunca havia entrado numa igreja. Ele não teve a intenção de
tumultuar o nosso culto. Ele ofereceu o que tinha de melhor a oferecer, e o
fez de boa vontade. Deus recebe e agradece.”
Na
manhã seguinte, o menino e o circo já estavam numa estrada para o longe.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Contrastes:
O lixo
humano e o ipê
Um
mendigo segue o nada, e um cachorro segue o mendigo... Isso retratava a
situação econômica e política do País, não a mais confortável.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
26/07/2022
Dá um
vento, e esse ipê – neutro a todos os acontecimentos, mas consciente de sua
missão neste mundo - inunda o lixo de flores...
Era eu um caminhante,
sem rumo, até que cheguei a uma cidade desconhecida. O percurso havia me
deixado sedento e faminto. Queria encontrar um bar. Encontrei-o numa
pracinha. Alguns homens debruçavam-se sobre o balcão, afogando as suas
mágoas em bebidas, e dizendo qualquer coisa, a qualquer companheiro – real,
ou imaginário.
Outros vadios jogavam
sinuca. Gritavam muito. Xingavam uns aos outros, ou a si mesmos, quando
perdiam. As partidas valiam dinheiro; valiam a honra, a vontade de provar
que um era melhor e mais poderoso que o rival.
Eu não entrei.
Observei só pelo lado de fora. Temi que houvesse confusões e eu fosse
golpeado, ou, na menos má das hipóteses, arrolado como testemunha. (O dono
do bar, sentindo minha reação, explicou que não havia nada de anormal; que
esses jogadores berravam, trocavam palavrões, mas que eram amigos entre si.)
Saí devagar, andando
pela praça, esperando que a minha ideia melhor se aclarasse, para eu me
guiar melhor por aquele ambiente inóspito. Vi num canto um jovem solitário,
fumando o seu baseado. Pela feição, não incomodava, nem queria ser
incomodado. Segui meu caminho.
Numa casa ali por
perto, mãe espancava filha. Choros! Gritos! Outros familiares entraram na
discussão, uns a favor, outros contra a filha.
Aparece por ali um
pastor, com obreiras e fiéis. Num instante, a pregação já estava inflamada –
ainda que para um público reduzidíssimo. O tema era o apocalipse, o fim do
mundo, segundo eles, já próximo.
Nisto, um marido
envergonhado, traído pela mulher, abandona ali seu lar, para nunca mais
voltar. Filhos agora sem pai – e com uma mãe infiel. Será como eles vão se
comportar?
Um mendigo segue o nada,
e um cachorro segue o mendigo... Isso retratava a situação econômica e
política do País, não a mais confortável.
Quem chega agora é um
político, rodeado pelos seus puxa-sacos, para iniciar uma campanha. Promete
empregos, promete casas, promete que, se eleito for, tirará todas as subidas
da cidade, deixando só as descidas. (Eis a hora em que foi mais aplaudido!)
“Jamais haverá corrupções. Enfim, instalar-se-á, nesta cidade, o Paraíso.”
Seus seguidores acreditavam em tudo o que ele prometia. Brigavam, até
matavam – se preciso fosse – por esse seu ídolo “honesto, cristão, confiável
e verdadeiro”.
Tiros, gritos,
polícia!... Tumulto, sangue, prisão! Briga naquele bar. Os jogadores de
sinuca acabaram transformando os seus tacos em armas poderosas, e partiram
uns para cima dos outros, produzindo ali uma guerra feroz. Mesas foram
reviradas, cadeiras foram lançadas; garrafas foram quebradas. Um valentão
trocou tiros com a polícia...
Em frente a esse bar, um
lote abandonado. A vizinhança e as pessoas que por ali passavam
descarregavam nele seus detritos. Mães com meninos pobres, e moradores de
rua, fuçavam ali, na esperança de encontrar um objeto quebrado – mas que
ainda lhe tivesse serventia – ou mesmo um pão velho, um osso, um alimento
descartado, para enganar o estômago por mais um dia.
Um muro bem alto
separava esse desonrado lote, de uma mansão, com piscina olímpica e oito
carros importados em suas respectivas garagens.
Esbelto, altaneiro,
ergue-se ali, bem no centro daquele terreno, presumivelmente infértil, um
frondoso pé de ipê. Dá um vento, e esse ipê – neutro a todos os
acontecimentos, mas consciente de sua missão neste mundo - inunda o lixo de
flores...
Meu sonho é que esses
habitantes do lixão encontrem um ditoso caminho, tenham forças para lutar,
até um dia florirem, como esse pé de ipê. É possível. E eu, você, todos nós,
devemos firmar com eles o nobre compromisso de ajudá-los.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Tempos atuais:
Fogos, festas e quadrilhas
Quadrilha é o que mais tem: da Saúde, do Meio Ambiente, da Economia, da
Educação; quadrilha de pastores (quando se podia imaginar uma coisa desta?).
Hoje, já não se contenta com milhões. O roubo agora é de bilhões. Bilhões em
“emendas parlamentares”...
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
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Fanzine
19/07/2022
Parece que de repente uma harpia veio roubar os nossos sonhos. Quase tudo o
que era enlevo se transformou no pesadelo que é o desgoverno brasileiro.
Bons tempos os de outrora! Quando se falava em fogos, eram os foguetes e os
busca-pés. Os foguetes de lágrimas eram sempre os mais bonitos – conquanto
não houvesse lágrimas. Quando se referia a festas, eram as celebrações de
Natal, de Ano Novo, as juninas. Quando se aludia a quadrilhas, eram as
danças, ao som das animadas marchinhas de João de Barro, Lamartine Babo,
dentre outros.
Parece que de repente uma harpia veio roubar os nossos sonhos. Quase tudo o
que era enlevo se transformou no pesadelo que é o desgoverno brasileiro.
Festas? Existem à exaustão (do presidente e seus aliados), aqui e fora do
Brasil, regadas ao melhor uísque, ao melhor champanhe, comendo-se o melhor
caviar, tudo custeado com o dinheiro público. Eis o desumano contraste, com
os trinta e três milhões de pessoas passando fome neste país.
Falamos das festas. Agora vamos falar dos fogos. Hoje (estamos em 2022),
quando se ouve a palavra “Fogo!”, é tiro, é assalto, é guerra entre facções;
é Bruno, é Dom, é Marielle; são as milícias, são policiais matando, com ou
sem razão – apoiados pelo despresidente, incansável em fazer apologia às
metralhadoras (e não, aos livros, à cultura, à educação). Não mais aqueles
fogos juninos, aquelas luzes que festejavam. A última luz que a vítima
enxerga é aquela, saindo do cano da arma de seu agressor. E as lágrimas não
são as dos foguetes, sim, as dos entes queridos chorando essa despedida.
Agora é a vez das quadrilhas. Quadrilha é o que mais tem: da Saúde, do Meio
Ambiente, da Economia, da Educação; quadrilha de pastores (quando se podia
imaginar uma coisa desta?). Hoje, já não se contenta com milhões. O roubo
agora é de bilhões. Bilhões em “emendas parlamentares”, ou “orçamento
paralelo”, ou “orçamento secreto” – meros eufemismos, para não dizerem
assaltos aos cofres públicos. E sem o mínimo compromisso com a
transparência. Até quando, minha gente?
No tempo da “Guerra Fria”, entre Estados Unidos e antiga União Soviética
(guerra que, aliás, nunca terminou), o governo norte-americano, através de
incontáveis filmes, mídia impressa, rádio e TV, empreendeu uma propaganda
negativa contra os soviéticos, a qual influenciou demais o nosso ingênuo
Brasil. Daí então, “comunista” passou a figurar como sinônimo de “capeta”.
Prova é que, quando integrantes do Partido Comunista Brasileiro aportaram em
Minas Gerais, foram recebidos pelas mães mineiras, batendo no ar seus terços
contra eles, como numa sessão de exorcismo.
Evoquemos aqui o relato do historiador Tales Pinto: "Um dos eventos que
impulsionaram o golpe militar de abril de 1964 foi a Marcha da Família com
Deus pela Liberdade, composta em sua maioria por senhoras católicas, que
percorreu as ruas de São Paulo dias antes do golpe, em 19 de março de 1964,
e ofereceu um argumento a favor dos militares e dos grupos políticos e
econômicos conservadores para a deposição do governo de João Goulart."
Assistimos agora à sua reedição. “Pátria, família, religião”, tríade usada
como bordão pelo despresidente bolsonaro. Que Pátria? O cercadinho. Que
família? A dele. E Deus, religião? Meras palavras de efeito, em seus
demagógicos palanques. Na verdade, o Deus desses políticos corruptos – e
também desses falsos pastores – é o Dinheiro, o Poder. Brigam de “foice e
martelo” por eles.
Prevalece ainda, entre os mais crédulos, esse melancólico discurso de que
bolsonaro é o herói, que não deixou o comunismo entrar em nosso país. Que
comunismo? Acaso a Rússia está aí, rodeando o Brasil para invadi-lo e
implantar o seu regime? Ela está preocupada é com o conflito que criou lá na
Ucrânia. Ou seja, para os néscios, bolsonaro se torna o herói de uma guerra
imaginária. Assim fica fácil se tornar um mito.
Enfim, Amigas e Amigos, qualquer cidadão tem o direito de posicionar-se
contra ou a favor do comunismo. Contudo, deve antes saber ao certo o que é.
A grande maioria, pelo visto, nem sabe. Apenas engole um pacote de discursos
tendenciosos, que, em última análise, favorece o capitalismo selvagem,
desumano, onde uns poucos se tornam bilionários e uma multidão passa fome
neste Brasil.
Espero que quem vá dançar nessas quadrilhas - de ladrões - sejam esses
facínoras, malfeitores da Pátria. É justo. Há mister. Há urgência.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Análise atual:
As diversas caras do despresidente
Papai Noel,
Como é bom ser inocente,
Ter a alma cor do céu
E acreditar no teu presente.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
30/06/2022
Ele brinca com sua galera, faz piadas, emite palavrões; um dia fala que não
brocha, no outro dia fala que brocha. Às vezes brinca de faroeste, querendo
ser o mocinho – coisa que não é. Quer seu público bem armado (e mal amado),
porque lutar com ideias e argumentos ali ninguém sabe.
Um
fenômeno que está ocorrendo no governo federal brasileiro e em uma parte da
população evangélica me faz lembrar a música que eu ouvia quando criança,
mas que, metaforicamente, está presente nos dias de hoje. Trata-se da canção
de Vicente Celestino,
Passou-se o tempo.
É
que o ocupante da cadeira presidencial (melhor dizendo, quase nunca
ocupante, ocupado que está com as suas viagens, esportes e motociatas), tem
diversas caras. E uma das que ele apresenta aos seus (cada vez mais
minguados) apoiadores é a face do anjo, do homem de Deus, do amante da
Pátria, do defensor da família, do Papai Noel de ano inteiro, que trará
sempre um brinquedo para os seus inocentes apoiadores distraírem – e não
enxergarem as mazelas que assolam o País: fome, desemprego, falta de
projetos, corrupção generalizada.
Brinquedo. Ele brinca com sua galera, faz piadas, emite palavrões; um dia
fala que não brocha, no outro dia fala que brocha. Às vezes brinca de
faroeste, querendo ser o mocinho – coisa que não é. Quer seu público bem
armado (e mal amado), porque lutar com ideias e argumentos ali ninguém sabe.
E a sua plateia adora as suas atitudes, sempre esperando que daquele Mito
saia alguma coisa boa – podendo a coisa boa ser um grito de guerra, um
sopapo em alguém, ou até mesmo um tiro de canhão nos adversários - o maior
deles, a Democracia.
O
fato é que o despresidente sempre atuou em favor de grupos privilegiados.
Ele realmente ama a Pátria. Mas que Pátria? Os Estados Unidos. (Agora menos,
depois que seu ídolo Trump, providencialmente, perdeu as eleições.) Família,
ah sim. Como ele ama! A dele, é claro. O esforço, desde sua eleição, foi
gigantesco, para salvar filhos e esposas de acumulados crimes – o mais
lembrado: o esquema das rachadinhas. Tanto trabalho prestado neste
particular: troca de servidores, apoio a parlamentares, indicação de
ministros e procurador em quem ele confia (que vai salvar sua pele e a de
sua família contra severas punições pelos seus crimes). E como gestor, não
tem nada a contar. Saúde? Basta lembrar seus negacionismos durante o auge da
pandemia. Educação? Economia? Proteção aos índios e à Amazônia? Parece que
ele leu o Elogio da Loucura, de Erasmo, e constituiu a Loucura
seu guia – não a Constituição.
Alguns o apoiam por serem aquele menino inocente da canção, aguardando o
Papai Noel e o seu presente (que neste caso nunca vem). Outros se
identificam com a imagem construída de um mito, do capitão, do machão, “que
resolve qualquer parada” (e não resolve nada). Todavia – isto não se pode
deixar de dizer – existem os apoiadores, tão inescrupulosos quanto ele, os
quais se associam a essa figura, em troca de benefícios, às vezes
exorbitantes. Apenas um exemplo, as emendas parlamentares: muito dinheiro e
pouca transparência.
Primeira vez na História: o Brasil, governado pelo Centrão. Mas e as
traições? Esse Centrão, que trai a Pátria, já aponta para trair Bolsonaro.
Outros Papais Noéis são alguns líderes evangélicos (alguns!). Esses recebem
o concreto (grana, carros, imóveis como doações) e retribuem com o abstrato:
falsas curas, fingidas orações, ilusionismos, epifanias, sensacionalismos e
todos os recursos midiáticos e de oratória possíveis, para enganar os
inocentes e conduzi-los ao caminho do anjo bom, que engorda esses falsos
profetas com o nosso dinheiro: o despresidente.
E
esses pobres de dinheiro, de informações e muitas vezes, até de
discernimento, agarram-se a esses lobos, ali figurando como ovelhas pacatas
e inofensivas. (Breve serão devoradas).
“Eu coloco a minha cara no fogo pelo Milton Ribeiro” – afirmou Bolsonaro em
vídeo que lançou e viralizou. O Milton: pastor, ex-ministro da Educação,
atirador. Essa cara do despresidente deve estar agora carbonizada, porque
esse Milton foi preso, acusado de uma série de corrupções. Esse fogo queimou
mais ainda a imagem do despresidente. Pior é que isso queima também a imagem
da comunidade evangélica, a qual, em sua maioria, é composta por gente
honesta.
Que venha a CPI do MEC. Nós, brasileiros, temos de saber para onde estão
indo os suados impostos que pagamos. E que os malfeitores sejam
exemplarmente punidos. Crianças, adolescentes e adultos, todos têm direito
de sonhar com uma Educação melhor, com um futuro melhor, com uma Pátria mais
amada. Que cada um se responsabilize por fazer a sua parte, para passarmos a
limpo e reconstruirmos este belo e querido Brasil. Avante, camaradas!
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
* * *
Eu
lírico:
Ode ao
amor e à solidão
“Ó
solidão do boi no campo,
Ó
solidão do homem na rua!
Entre carros, trens, telefones,
Entre gritos, o ermo profundo.
Ó
solidão do boi no campo...”
(Carlos Drummond de Andrade, do livro José.)
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
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Fanzine
18/06/2022
Ali, boi e homem são sentidos, pelo eu lírico, como solitários. Na verdade,
o ser humano projeta a sua solidão no boi. No poema O boi, a voz que ouvimos
(em nossa imaginação) não é propriamente a do Drummond, de carne e osso. É
outra.
O
boi, como podemos observar em sua vida no campo, não é tipicamente um animal
de hábitos solitários. Com esses hábitos, poderíamos citar o urso, o
rinoceronte, o leopardo, o ornitorrinco, a toupeira, a preguiça, o
preguiçoso coala e o simpático lobo-guará, habitante do Caraça, e que já
apareceu na nota de 200.
Antes de prosseguirmos, permita-nos dar uma repassada naquilo que se
denomina “eu lírico”. O eu lírico, também chamado eu poético ou sujeito
lírico, é a voz que o poeta cria e fala por ele. No poema O boi, a voz que
ouvimos (em nossa imaginação) não é propriamente a do Drummond, de carne e
osso. É outra. É como se o poeta passasse uma procuração a uma voz que
falasse por ele. É certo que a personalidade do autor, direta ou
indiretamente, está ali, como plano de fundo.
Vejamos estes exemplos de “eu lírico”: letra da música Folhetim, de Chico
Buarque: “Se acaso me quiseres/ sou dessas mulheres/ que só dizem sim...” E
mais um de Drummond: “Eu sou a moça-fantasma/ que espera na Rua do Chumbo/ o
carro da madrugada...” (Do poema Eu sou a moça-fantasma de Belo Horizonte,
contido no livro Sentimento do Mundo.) O pensamento vulgar poderia supor que
Drummond ou Chico, em certo momento, se sentiram mulheres. Não é isto. É que
se criou, num e noutro caso, um “eu lírico feminino”; e é este que se dirige
a nós, ouvintes ou leitores.
Dito isso, voltemos ao poema O boi. Ali, boi e homem são sentidos, pelo eu
lírico, como solitários. Na verdade, o ser humano projeta a sua solidão no
boi.
Temas de solidão inundam as nossas músicas populares, tornando-se o tema,
conforme tratado ali, mera produção comercial, em série, destituída de maior
valor estético. Contudo, milhares de ouvintes se identificam com aquela
situação e correm para consumir o produto. A solidão, em ditas canções, é
tratada como algo que abafa o ouvinte, que o atordoa, ou até mesmo o
tortura. Pobres ouvintes! Pobres sofredores!
Não faltam especialistas em comportamento humano assinalando que numerosos
indivíduos se sentem felizes na solidão. Chegam até a dizer que pessoas
inteligentes e focadas preferem estar sós, para não perderem seu foco, não
se desviarem de suas metas. Já aqueles que dependem muito de viver em grupos
são inseguros, ou necessitam demais da aprovação alheia – o que, ainda
segundo esses analistas - não preocupa o tipo inteligente e focado.
Bem, isso não quer dizer que o ideal é se tornar um antissocial, um
misantropo. Longe disso! Há seres humanos grandiosos, sábios, sociais, que
desenvolvem um trabalho extraordinário para o bem da humanidade. Um
magnífico lavor pode, porém, nascer de algum cientista solitário,
mergulhado, durante anos e anos, em seu microscópio.
Aristóteles já dizia que “o homem é um animal social”. Sabemos que a vida
gregária faz bem à saúde. Os intercâmbios enriquecem a todos os
participantes e atestam que cada um está vivo, tocável, que ainda existe.
O
que escolher então: gregarismo ou solidão? Resposta: o equilíbrio. Quando a
hora for de ficar só, é tempo de meditar, de planejar, de entender-se um
pouquinho mais, de corrigir os próprios erros; e, com palavras ou em
silêncio, orar, conectar-se com as forças universais. Quando a hora for de
encontros fraternais, que os impregnemos de significado, a fim de que eles
perdurem na nossa lembrança. E quando a hora for de amar, não economizemos
toques, beijos, carícias, abraços e palavras que celebrem e eternizem o
verdadeiro amor.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Boiada passando:
O Boi sonoro
Comandados
pelo Boi sonoro, variedades de mugidos ali apareciam. Berros de alegria, de
glória, de raiva, ou de ameaças aos bois bem-intencionados, que eles
consideravam seus ferozes inimigos.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
06/06/2022
Aos poucos, boa parte desse rebanho passou a não acreditar mais nas
promessas do seu insensível senhor. Os bois estavam ficando cada vez mais
magrinhos, grande parte deles não tendo nada mais para comer.
Na fazenda
do Boi sonoro, havia os mais variados bichos: burros, porcos, cavalos, éguas
e seus filhos, vira-latas sem nome e sem dono que, não se sabe como, vieram
parar ali... E bois, cada qual mais chifrudo, formando o mísero gado – que
dá pouca carne, que dá pouco leite.
Porém, o
dono da manada vivia feliz (ou melhor, procurava aparentar-se feliz, porque
assim mantinha o gado mais animado e sob seu controle). Aliás, os chifrudos
já eram bem adestrados. “Senta!”, eles sentavam; “Deita!”, eles deitavam. E
se o comandante ordenasse que eles comessem os excrementos dos porcos, estes
o faziam sem cerimônia alguma e com a maior satisfação. E mugiam todos
felizes, saudando e elogiando o maioral: “Mito!”, “Mito!”.
Comandados
pelo Boi sonoro, variedades de mugidos ali apareciam. Berros de alegria, de
glória, de raiva, ou de ameaças aos bois bem-intencionados, que eles
consideravam seus ferozes inimigos. Também mugidos de baixo calão. Mugidos
pela boca, pelo ânus. Mugidos hediondos, fedorentos, emitidos junto com
fezes... E o Boi sonoro ria, como ele ria! Ria até sem razão.
Aos poucos,
boa parte desse rebanho passou a não acreditar mais nas promessas do seu
insensível senhor. Os bois estavam ficando cada vez mais magrinhos, grande
parte deles não tendo nada mais para comer. Trágico, não é? Acha que o Boi
sonoro se importava com isso? De forma alguma. Tentava colocar a culpa disso
tudo nos rivais.
Houve
época, quando uma pandemia de febre aftosa atingiu grande parte daquele
rebanho. A Saúde Pública asseverou que todos os bovinos deveriam ser
vacinados. Sabe qual a atitude do Boi sonoro? Ele riu. Falou que aquilo não
passava de uma gripezinha. Não quis que o gado se vacinasse nem tomasse os
cuidados de higiene prescritos pelos profissionais da saúde animal.
Resultado: os bois foram morrendo, um a um. Milhares dentre eles findaram
por ali. Milhares? Sim. Esqueci-me de registrar que a fazenda era grande...,
grande... Do tamanho do Brasil. E vendo a ruína dos pacientes animais, o Boi
sonoro ria, como ele ria! Ria até sem razão. Não tinha nada com isso. Não
era urubu e nem coveiro.
Ele queria
era andar a cavalo, de moto, de barco. Empunhava uma bandeira nacional. No
círculo central desse estandarte, em vez de “Ordem e Progresso”, a frase que
se via era esta: “Gado acima de tudo; Deus acima de todos.” Um monte de
bichos, mesmo doentes e passando fome, ainda acreditava no Boi sonoro, como
seu legítimo salvador, por ele usar sempre o nome de Deus. E o Boi sonoro
sempre arrumava uma desculpa para justificar a miséria dos seus seguidores.
Arranjava sempre outros animais a quem ele transferia a culpa. Pobres
animais! Grande parte do gado acreditava.
Esqueci-me
de discorrer sobre a família desse rei do gado. Eram duas esposas e quatro
filhos. Um ou dois dos filhos e uma das esposas, porém comandados pelo
capitão Boi sonoro, instituíram um esquema bastante lucrativo para eles.
Consistia no seguinte: burros e cavalos eram contratados para ir trazendo na
boca, e para aquela família, o melhor capim que roubassem de outras
fazendas. Em troca, receberiam um bom salário, também em capim. Só que, na
hora do acerto, tais equídeos ficavam apenas com 10% desse manjar, ficando a
família do Boi sonoro com 90%. Também havia animais que nem trabalhavam.
Apenas emprestavam seu nome ao esquema. Eram animais-fantasmas.
Tem mais: o
gado era incentivado a praticar constantes violências. O Boi sonoro promovia
guerra entre os bois, só pelo prazer sádico de ver um ferir o outro até a
morte.
Numa
fazenda vizinha, vive um homem barbudo, de voz rouca e origem nordestina,
espreitando tudo. Talvez santíssimo ele não seja, mas seria um dos poucos
capazes de acabar com a farra desses corruptos bovinos. Uma multidão de
pessoas está do seu lado, preparando uma grande revolução, porque ninguém
suporta mais ver tanta roubalheira e tanto sofrimento daquele gado e tanta
indiferença do Boi sonoro, que não passa de muito barulho e pouca
humanitária ação.
E o Boi
sonoro já chora, como ele chora! Chora e com muita razão.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
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Revolucionária:
A velha de catorze anos
Vendo uma mulher paupérrima, carregando duas crianças nuas – e ainda grávida
de uma terceira – foi tomada de uma revolta repentina. Pronunciou um
discurso enfático, fazendo duras críticas ao governo federal e municipal,
alegando que eles eram inimigos de seu povo.
Por Sérgio Souza*
De Ibirité-MG
Para
Via
Fanzine
23/05/2022
Auxiliadora se imaginava e se comportava como uma mulher de trinta, quarenta
anos, ou mais. Para cada roupa que vestia, a idade também mudava na cabeça
dela.
Aos
sessenta anos, Maria Auxiliadora entra hoje na idade adulta. É seu
aniversário. Sozinha, na varanda, ela comemora. Um radinho está ligado baixo
ali por perto. Mas ela quase não presta atenção, nem no rádio, nem mesmo no
tricô que está fazendo. “Que chato ser adulta!”, pensa.
Auxiliadora
se sentia bem com crianças e adolescentes. Naquele meio, ela se julgava uma
menina de catorze anos. E a turma a enxergava assim. Já, quando a situação
mudava, Auxiliadora se imaginava e se comportava como uma mulher de trinta,
quarenta anos, ou mais. Para cada roupa que vestia, a idade também mudava na
cabeça dela.
Houve um
fato que surgiu como um tsunami na vida dessa “garota”. Vendo uma mulher
paupérrima, carregando duas crianças nuas – e ainda grávida de uma terceira
– foi tomada de uma revolta repentina. Pronunciou um discurso enfático,
fazendo duras críticas ao governo federal e municipal, alegando que eles
eram inimigos de seu povo. O assunto pegou fogo. Num instante, a garotada se
inflamou, cada um acrescentando algo de errado que via, na sua rua, na sua
escola, no seu bairro. Dorinha – como era conhecida por eles – pediu que
cada um filmasse. Depois, juntariam as imagens, editariam e colocariam nas
redes sociais. “Temos de denunciar!”
Sem que a
turma percebesse, um vereador, cúmplice das falcatruas do prefeito, ambos
candidatos à reeleição, filmou tudo e foi quente entregar o vídeo ao gestor
municipal.
– Não
podemos permitir! Seria uma propaganda terrível para nós! Ainda mais, em
época de campanha. Bolaremos um plano para massacrar essa “velha de catorze
anos”, bufou o prefeito.
– Já sei o
que fazer! Vamos inventar que essa velha de catorze anos está vendendo
entorpecentes para aquela garotada – acrescentou o vereador.
- Bravo!
Ótima ideia! – gritaram todos os puxa-sacos.
Dorinha só
não foi presa, porque contou com a ajuda de uma advogada, mãe de uma das
meninas, e sua grande admiradora.
Desiludida,
Maria Auxiliadora muda-se de cidade. Logo, soube que a Prefeitura daquele
lugar estava selecionando assistentes sociais para um trabalho com crianças
e adolescentes de risco. Mesmo traumatizada com o que lhe havia antes
sucedido, mas precisando trabalhar, foi ao órgão público. Conquanto tivesse
estudado só até a sétima série, fez as provas e passou em primeiro lugar.
No dia
inaugural de seu trabalho, ela já chegou vestida de palhacinha. Ah! Ganhou a
garotada no primeiro momento.
Depois,
conheceu um palhacinho. Descobriu que ele era empresário, mas ia de palhaço
a hospitais amenizar o sofrimento dos enfermos.
Dorinha
então pediu que ele apoiasse o projeto dela, desde já, solicitando-lhe
uniformes para os times de futebol que ali iam se formar. Ele aceitou.
Já nos
primeiros meses, muito movimento naquele espaço. Além do futebol, aulas de
música, balé, artes marciais. Novos empresários aderiram ao programa. E os
campeões começaram a aparecer.
A notícia
correu, chegando ao ouvido daquele prefeito e demais acusadores de Dorinha.
Eles ficaram mordendo de raiva: “Aquela velha besta, de catorze anos,
fazendo todo esse sucesso, tendo toda essa visibilidade! Inacreditável.” -
resmungavam por ali.
Reunião!
Queriam, a qualquer custo, aquela “menina” de volta. Oferecer-lhe-iam o
dobro ou o triplo do seu salário. (Será?) E se o povo questionasse a sua
fama de traficante - forjada por eles mesmos -, as novas fake news já
estavam prontas: inventariam que ela, antes herege, revolucionária e
comunista, agora se convertera ao cristianismo, e que fará um belo trabalho
de evangelização no local. “O povo aceita tudo.” – ironiza o prefeito.
Mãos à
obra! Tal desonesto administrador envia uma carta a Auxiliadora, no endereço
da outra prefeitura. O próprio prefeito de lá foi quem a recebeu. Sem
abri-la, foi ao pátio entregá-la à destinatária.
Dorinha
abre, lê e, com um sorriso de desprezo, mostra-a ao prefeito. Este lhe
pergunta: “E aí? Vai trocar-nos pelo de lá?” Dorinha: “Nem vou responder.” E
o prefeito: “Posso responder por você?” Ela autoriza. A resposta foi
simples: “Vocês não poderão contratar a Dorinha – a menos que seja na
condição de menor aprendiz, porque ela só tem catorze anos. E ela é cristã,
mas continua revolucionária. Para vocês, não serve. Para nós, está
perfeito.”
Dorinha lê,
dá um abraço em seu eterno apoiador, e volta correndo para formar com a
criançada uma roda de ciranda. Era adolescente outra vez.
- Imagem: Divulgação.
* Sérgio de Souza é professor, músico e articulista. É colaborador de
Via
Fanzine.
- Produção: Pepe
Chaves.
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