Turquia:
A Revolução das Árvores
Istambul é considerada a maior cidade da Europa, mas este
é a única no mundo que
fica entre dois continentes (o outro é asiático),
revelando a dupla identidade dos turcos.
Por Isaac Bigio*
De Londres/Europa
Para
Via Fanzine
19/06/2013
Recep Tayyip Erdogan:
entre a cruz e a espada.
Leia também:
Como bloquear o NSA da sua lista de amigos
Bem vindo ao admirável mundo
novo de Huxley
Ex-agente da CIA pode ser extraditado
Facebook nega repasse de dados ao governo
dos EUA
Sorria, você está sendo monitorado
OAB cria comissão de direito eletrônico e
crimes cibernéticos
Fim da privacidade na internet contraria
Carta brasileira
Leia
outros artigos de Isaac Bigio em Via Fanzine
No domingo, 15/06, o governo turco expulsou
brutalmente os manifestantes que desde 28/05 ocupavam a estratégica
praça Taksim, em Istambul, que se tornou o centro dos protestos em todo
o país.
A violência contra os opositores, por parte de
Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro por 10 anos, já causou várias
mortes e cerca de 10 mil pessoas foram detidas e feridas, enquanto seu
vice-primeiro-ministro ameaça usar o exército na repressão a protestos
de sindicatos que se esforçam para radicalizar suas reivindicações. A
confederação dos sindicalistas progressistas (DISK) e a dos funcionários
públicos (KESK) declararam uma greve para rejeitar a ocupação policial
da Praça Taksim.
Esses eventos afetam a paisagem do conturbado
Oriente Médio e todo o leste do Mediterrâneo. A Turquia, que até um
século atrás foi o império que dominou a região, se manteve longe dos
protestos que estão abalando o mundo muçulmano e países vizinhos
helênicos (Grécia e Chipre).
Esta república multipartidária com seu
presidente islâmico eleito pelo povo para três anos consecutivos de
mandato está sendo apresentada pelas potências ocidentais como um modelo
para toda a sua vizinhança, como um centro de crescimento econômico na
Europa, sendo uma plataforma contra a insurgência síria.
A
crise turca
Isto traz muitas consequências potenciais. Com
mais de 75 milhões de habitantes, a Turquia é o país mais populoso do
Mediterrâneo e Oriente Médio.
Embora muitos dos grandes conflitos ou guerras
internacionais nos períodos pós-Guerra Fria tenham se passado em suas
antigas províncias coloniais (Bósnia, Kosovo, Macedônia, Albânia,
Iraque, Líbia, Síria, Egito, Líbano, Chipre, Israel e Palestina), a
Turquia soube se manter dentro de uma certa estabilidade, encurralando a
insurgência nacionalista curda do sudeste.
A Turquia se beneficiou da dissolução da União
Soviética em 15 repúblicas autônomas, expandindo fortemente sua
influência em cinco delas (Azerbaijão, Turcomenistão, Uzbequistão,
Cazaquistão e Quirguistão), até várias regiões da Rússia, além de
Ucrânia e Moldávia, com os quais compartilham a mesma origem e grupo de
língua e credo muçulmano sunita.
Istambul é considerada a maior cidade da
Europa, mas este é a única no mundo que fica entre dois continentes (o
outro é asiático), revelando a dupla identidade dos turcos. Na Ásia, a
Turquia é apresentada como uma república islâmica secular,
multipartidária modernizada, ocidentalizada, que substituiu o alfabeto
árabe pelo latim, algo muito diferente da maioria de seu ambiente
muçulmano com reis tradicionalistas e ditadores autocráticos.
Na União Europeia é vista como candidata a
tornar-se o primeiro país não-cristão, com uma economia que vem
crescendo na última década, em que a produção per capita é de até 40%.
As exportações aumentaram dez vezes e alcançou uma produção anual de
aproximadamente US $ 13 bilhões. Isto, enquanto a maior parte da União
Europeia sofre com a recessão - tendo os piores casos, os seus vizinhos
Grécia e Chipre.
Seu primeiro-ministro Erdogan passou dez anos
no cargo e se tornou o agente mais popular e importante que já teve esta
república fundada por Kemal Ataturk. Antes de se pronunciar à Turquia, a
partir de 14 de março de 2003, ele serviu como prefeito de Istambul,
entre 1994 e 1998.
Erdogan venceu amplamente três eleições gerais
consecutivas (2002 com 34% dos votos, 2007 e 2011, respectivamente, 47%
e 49%), enquanto hoje o seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP)
controla dois terços do Parlamento.
O AKP é visto por Londres e Washington como um
modelo para o resto dos movimentos islâmicos, porque ele nasceu sob
forte influência muçulmana religiosa, para em seguida, evoluir a
centro-direita na Europa, cujo bloco é uma parte muçulmana considerada
uma variante semelhante aos democratas-cristãos.
A
revolução das árvores
A centelha que provocou o incêndio foi um
protesto ambiental pacífico na praça ao lado do Taskim Gezi Park, em
Istambul, questionando o plano oficial para cortar árvores durante as
obras de desenvolvimento. Devido à brutalidade com que os manifestantes
foram repelidos, outras manifestações foram realizadas em toda a
República.
Logo, o movimento expandiu sua base social e
suas reivindicações. Os sindicatos começaram a se envolver radicalmente
nos protestos. No entanto, a manifestação não é dominada pela esquerda.
Alguns dos descontentes são chauvinistas
anti-socialistas e turcos que não aceitam as concessões feitas ao idioma
e à nação dos curdos, a principal minoria do país.
Durante 123 meses no poder,
Erdogan alienou muitos setores. Globalmente, o seu
país é o que mais prendeu jornalistas. Suas recentes tentativas de
restringir a venda e a publicidade de álcool e dar mais peso ao clero na
educação são questionados por muitos turcos orgulhosos da tradicional
república secular ocidental no mundo muçulmano.
O Alewis uma ala liberal do Islã, que é o
quinto na Turquia e que permite que homens e mulheres rezem juntos em
sua língua nativa, rejeita o peso clerical sunita e ao se construir uma
ponte em Istambul com o nome de Sultan Selim, houve o massacre de
dezenas de milhares deles. Os armênios estão furiosos pelo o que até
hoje a Turquia se desculpa, do genocídio sofrido faz um século atrás.
O Partido Republicano do Povo (CHP) foi montado
sobre o protesto visando enfraquecer o governo do AKP. O CHP tem sido a
peça mais importante da nação e das reivindicações do legado de Ataturk
(fundador da República da Turquia). É a favor de um Estado mais secular
com controle na economia, enquanto que o AKP tenta islamizar as suas
instituições, monetaristas e privatização.
Os protestos afirmam ser parte da “Revolução
das Árvores", em referência à tentativa de evitar o corte de muitas
árvores em vários projetos de desenvolvimento urbano de Erdogan e oferece um distintivo para outros países que
enfrentam revoluções referidas como laranjas, cedros, tulipas, etc.
Fracassos diplomáticos
O Ministro das Relações Exteriores turco, Ahmet
Davutoglu mantém fortes laços com a língua turca na Ásia Central
ex-soviética e almeja uma mudança na política externa.
No entanto, as relações exteriores da Turquia
são excelentes. Seu embate diplomático com Israel e suas tentativas de
manter uma relação amigável com o Irã ganharam simpatia no mundo
muçulmano, mas se distanciou dos EUA, seu maior aliado militar.
A principal aventura militar que vem
participando o seu governo é estar patrocinando militar e
financeiramente, a revolta da Síria, que teve suas bases na Turquia e no
comando geral.
Erdogan não conseguiu impedir a incursão na Síria, que
é altamente impopular em seu país, pois já ocorrem mortes como resultado
de que a guerra e a fronteira adjacente ao Iraque e a Síria nacionalista
serão governados por seus inimigos curdo. Isto, enquanto a Turquia não
tem nem de longe o mesmo peso que os EUA, Reino Unido e França têm em
relação aos seus domínios ou áreas de influência anteriores.
A
questão curda
Erdogan é o primeiro presidente turco que
permitiu a legalização curda (vetada por administrações anteriores) e
permitiu restaurar nomes curdos de várias aldeias.
Combinando a cenoura com a vara, ele avançou e
diminuiu o conflito armado interno gerado pela insurgência separatista
do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que há três décadas
causou cerca de 40 mil mortes.
Os curdos, que formam entre um quarto e um
quinto de sua população, são um povo de língua indo-europeia, localizado
na região faz milhares de anos, bem antes de os nômades turcos chegarem
à região, vindos da Ásia Central, no Século XII.
Os cerca de 40 milhões de curdos formam a maior
nação sem Estado do mundo e estão espalhados por todo o leste da
Turquia, nordeste da Síria, norte do Iraque e noroeste do Irã.
O PKK foi espancado com o colapso do “bloco
socialista” para, em 1999, ter seu líder Abdullah Öcalan capturado no
Quênia e transferido para uma prisão especial, na Turquia. Tanto ele
como Abimael Guzman, preso há sete anos em Lima, foram se afastando do
modelo de partido “marxista-leninista” para se adaptar a democracia
multipartidária. Mesmo sem apoio popular e exigindo liberdade para
Fujimori de Montesinos e todos os que perseguiram (como uma maneira de
obter os seus líderes), o PKK tem mantido o apoio considerável dentro de
sua grande população curda e a imigração europeia.
Öcalan teve o luxo de negociar a prisão com a
doação de tréguas por parte de
Erdogan, enquanto pouco antes do início dos protestos
em Istambul, (21 de marco de 2013) foi lida uma declaração para cessar
fogo diante de centenas de milhares de cidadãos companheiros em
diferentes partes.
Ao permitir concessões aos curdos,
Erdogan quer mostrar que ele é moderado, multinacional
e multilingual e visa ganhar pontos contra na UE que não deseja ver o
seu país impedindo a propagação internacional de protestos curdos.
Aproximadamente 10 anos depois da queda de
Hussein, os curdos têm um estado de fato no norte do Iraque, região da
qual o governo nacional tem muitos ministros. Uma consequência da guerra
civil da Síria está na fronteira oriental entre esse país e a Turquia
Todas as diferentes revoltas curdas nesses
países foram abandonando a sua ambição inicial de ir para uma Europa
unida, como o Curdistão que preferiu seguir independente a pedir
autonomia em suas respectivas repúblicas, que foram abrindo suas portas
dentro da diplomacia das potências ocidentais.
Erdogan fez com que os atuais protestos curdos
tivessem pouca presença, mesmo que sejam rebeldes tradicionalmente
étnicos. Isto é porque essa abordagem do PKK espera, em troca, conceder
novos direitos aos curdos.
Perspectivas
Até agora, os protestos derrubaram o governo e
fazer com que seja difícil agora, porque Erdoğan carece de um oponente
sério de tal apoio para os pequenos agricultores do país e da cidade na
Anatólia.
No entanto, as manifestações, que o levaram a
um estado mais frágil, poderiam mudar seu caráter e de forma maciça.
Um dos benefícios
Erdogan é que, entre 2010 e 2011, a economia turca
cresceu anualmente em 8% a 9%, mas agora cresce apenas 2%. Portanto, se
a crise do euro crescer, isso despertará a desconfiança dos investidores
turcos e sua popularidade pode ser muito afetada.
Esses protestos podem ser amenizados, como
Putin fez anteriormente na Rússia. Mas também podem criar um cenário que
poderia minar
Erdogan gradualmente, como ocorrido com Margaret
Thatcher, primeira-ministra britânica que administrou entre 1979 e 1990.
Ela caiu como resultado de um golpe interno dentro de seu partido depois
de ter ganhado muitos inimigos, especialmente, depois das revoltas
contra o imposto municipal.
Erdogan sabe que as regras não permitem que ele
emplaque um quarto mandato premiê. No entanto, se desejar fazê-lo deverá
derrubar Abdullah Gul, seu camarada do partido a quem colocaria em seu
lugar e que, para defender, poderia contar com o apoio da oposição.
Enquanto isso, Obama vê que o poder muçulmano
na OTAN começa a mostrar sinais de rachaduras, o que pode agravar-se,
sobretudo, caso a crise do euro siga para a Turquia e
Erdogan seja derrotado na Síria.
* Isaac Bigio é professor e analista
internacional.
- Visite sua página em Via
Fanzine:
www.viafanzine.jor.br/bigio.htm
- Tradução: Pepe Chaves.
- Imagem: Divulgação.
Leia também:
Como bloquear o NSA da sua lista de amigos
Bem vindo ao admirável mundo
novo de Huxley
Ex-agente da CIA pode ser extraditado
Facebook nega repasse de dados ao governo
dos EUA
Sorria, você está sendo monitorado
OAB cria comissão de direito eletrônico e
crimes cibernéticos
Fim da privacidade na internet contraria
Carta brasileira
* * *
|