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 Londres - especial

 

 

Levante espontâneo:

Vandalismo de Londres se desdobra

 A onda de violência que agita vários bairros de Londres é algo sem precedentes,

que expressa uma frustração diante os novos cortes e a crise econômica,

demonstrando a vulnerabilidade dos anfitriões das Olimpíadas de 2012.

 

Por Isaac Bigio*

ESPECIAL, de Londres

Para Via Fanzine

Tradução: Pepe Chaves

09/08/2011

 

Na noite do sábado (06/08), este foi um dos primeiros edifícios em ser incendiado. Trata-se de um armazém

de tapetes que fica na mesma avenida que o Pueblito Paisa, o maior mercado latino do reino unido.

 

Faltando 50 semanas para o início dos jogos olímpicos em Londres, esta cidade tem promovido uma concorrência nada esportiva, na qual, diversas ‘equipes’ buscam produzir saques em diferentes pontos desta ou outras cidades da Inglaterra.

 

Antes que a tocha olímpica ilumine a nova vila esportiva, por toda a maior metrópole europeia surgem outras tochas, compostas por bombas de gasolina e outros recursos incendiários.

 

A faísca que detonou esta situação foi desencadeada na noite do sábado, 06/08, na delegacia de Tottenham High Road. No local, cerca de 250 pessoas se manifestavam pacificamente contra a morte do jovem negro, Mark Duggan, mas, o ato culminou em violência.

 

Duggan era um mulato de 29 anos que, segundo a polícia, foi baleado dois dias antes por apresentar resistência à detenção, sob a acusação de ser um traficante de cocaína. Contudo, os seus familiares reclamam que ele simplesmente foi executado, já todas as balas encontradas na cena são de armas policiais.

 

Num dado momento do protesto, correu o boato que a polícia tinha agredido uma menor de idade e isso gerou a onda de violência que incendiaria vários estabelecimentos e veículos. Um ônibus de dois andares foi queimado e uma série de saques foi desencadeada nos dois shoppings vizinhos (o de Tottenham Hale e o de Wood Green), se espalhando a outras partes, desde o extremo norte de Londres (Enfiled) até o sul (Brixton).

 

Inicialmente, Brixton e Tottenham, os dois bairros com maior quantidade de população negra na Inglaterra, foram palcos de choques com a polícia. Nessas e outras ocasiões, os atos de vandalismo surgidos num determinado distrito policial acabaram por durar vários dias.

 

Três dias depois, a situação se acalmou um pouco em Tottenham, mas depois os focos da revolta se espalharam por toda a cidade, incluindo bairros que não têm experiência com esse tipo de violência prévia e que não estão ligados entre si por linhas de ônibus ou metrô.

 

Áreas de Londres onde a violência ocorre desde na segunda-feira, 08/8. Na madrugada da terça-feira,

as localidades de Ealing (oeste), Woolwich (extremo este) e Camden (centro) também foram afetadas.

 

Há zonas como Peckham, no sul ou Hackney, no leste que têm tradições de violência de rua com regiões de pobreza multiétnica, mas há outros como Woolwich (no extremo leste do rio Tâmisa), Croydon (no extremo sul de Londres), Ealing (oeste, uma das zonas mais nobres), Camden (um distrito do centro londrino com muitos boêmios; terra da finada Amy Winehouse) ou Clapham (zona de classe média no sudoeste londrino, onde há muita população branca e permanente).

 

Os distúrbios chegaram a Birmingham, a segunda metrópole inglesa e podem ainda se estender até outras cidades.

 

É verdade que há grupos e ligas envolvidas no levante, mas fato é que se trata de um movimento espontâneo. São vistos jovens e adolescentes de rostos cobertos com lenços, quebrando vidros e portas com paus ou tijolos encontrados pelas ruas.

 

O caldo para tamanho descontentamento é a frustração por conta dos novos ajustes econômicos e as faltas de oportunidades acadêmicas ou de emprego. Desde maio de 2010 há um novo governo conservador-liberal que vêm promovendo drásticos cortes na economia. As matrículas universitárias (que faz uma década eram gratuitas) agora superam os US$ 10 mil ou euros anuais. O subsídio aos estudantes bacharelandos estão se esgotando.

 

O governo fala em cortar a ajuda ao pagamento de moradia para os mais pobres e fazer com que 90% dos mais de dois milhões de doentes percam os benefícios que recebem por não estarem aptos ao trabalho. Muitos jovens que não vêem a possibilidade de fazer uma carreira universitária ou de conseguir empregos enxergam no vandalismo desses saques uma forma de protestar e de se apropriar de artefatos ou roupas aos quais não têm acesso.

 

Grande parte dos manifestantes é formada por jovens saqueadores de rostos cobertos.

 

Nina Power, do diário The Guardian, pensa que este movimento expressa um descontentamento profundo à uma polícia que costuma perpetrar abusos (cerca de 350 pessoas morreram sob custodia policial desde 1998 e nenhum policial foi acusado) e contra um sistema que tem transformado o Reino Unido na potência com menos mobilidade social e onde os 10% mais ricos são 100 vezes mais abastados que os 10% mais pobre.

 

Esta é a pior onda generalizada de violência não grevista e não militar sofrida por Londres. Enquanto foi registradas somente uma mortes em três dias de violência, os danos materiais já atingiram a esfera de várias centenas de milhões de libras, euros ou dólares.

 

O premiê David Cameron, o prefeito londrino Boris Johson e o líder da oposição David Milliband foram obrigados a abandonar suas férias. O ex prefeito ‘vermelho’ Ken Livingstone surgiu em cena reclamando que o governo, com seus profundos cortes (incluindo o de fundos para a polícia) é o culpado destes acontecimentos.

 

A estas alturas, não é possível predizer algum desfecho. Enquanto escrevemos estas notas (madrugada londrina da terça-feira, 09/08) surgem novos relatórios, nos quais, outros bairros aparecem incendiados, desde o shopping de Ealing até Chalk Farm (em Camden) ou os negócios de Clapham Junction (onde está a estação de metrô com mais linhas na Europa).

 

Anteriormente, Londres assistiu a explosões vandálicas restritas a certos bairros, violência em algumas marchas, brigas de rua entre racistas e antirracistas, além greves distintas, mas o que agora ocorre é diferente. Trata-se de uma série de explosões espontâneas, ocorridas em qualquer parte e parecendo não haver nenhuma direção que as coordenem.

 

O que hoje se passa na Inglaterra não é um fenômeno isolado. É, não obstante, uma forma muito própria de mostrar descontentamento contra os cortes sociais e recessões econômicas que em outras partes se expressam de maneiras diferentes - desde uma grande marcha em Israel, até os protestos dos ‘indignados’ da Espanha. Isto não significa justificar os saques, mas em buscar as causas que têm gerado tais distúrbios.

 

Os sindicatos e as organizações estudantis não têm participado dos protestos, em parte, porque tais manifestações não compartilham ou recusam suas ações. Até o momento, os incidentes se reduziram aos incêndios e saques aleatórios promovidos por grupos de jovens.

 

* Isaac Bigio é professor e analista internacional em Londres.

 

- Fotos: Arquivos do autor.

 

- Leia outros artigos de Isaac Bigio em português: www.viafanzine.jor.br/bigio.htm.

 

 

 

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