A
internet e o admirável mundo novo
Beto
Canales*
De Porto Alegre-RS
Para Via
Fanzine
20/04/2012
Descobri esta semana que existe algo mais difícil de
aprender do que a tabuada do oito: internet. Sempre me achei "o cara"
nesse assunto, usando Explorer pra cá, Chrome pra lá, e fazendo
absolutamente tudo que é possível na rede sem muitas dificuldades. "Faz
assim", "digita isso", "reinicia que dá certo" apregoava eu para os bem
próximos, que alimentavam com caretas de aprovação meu ego inflado pelo
parco conhecimento.
Eis que um amigo, espie aqui para ter ideia do que falo,
começou, com muito conhecimento e muita paciência, a me ensinar algumas
coisas a respeito da rede. Ploft! Foi um tapa na cara. A internet não é
apenas para se fazer tudo que é possível, como disse acima, sem muitas
dificuldades. Aproveitando a licença poética concedida gentilmente a
quem escreve, ouso afirmar que a internet serve também para fazer o
impossível. Ela não somente transforma um moribundo condenado à morte
por falta de assistência em um saudável cidadão dependendo do vídeo que
ele pôs no YouTube, como faz famosa em poucas horas uma adolescente
desafinada e com voz feia ao ser ouvida no mundo todo. Claro que não
fica somente em salvar crianças sem condições, achar desaparecidos, unir
famílias desencontradas. Seu poder é tanto que pode facilmente destruir
a reputação de uma vida em minutos, acabar com a paz de alguém por um
capricho qualquer ou colocar uma empresa saudável em sérias dificuldades
por ação de um concorrente desonesto.
Como tudo na vida, ela também tem dois lados. Pode-se
ganhar dinheiro, e muito, na rede, como pode-se, também, perder fortunas
em instantes. Pode-se roubar e ser roubado. Pode-se namorar, casar,
separar, brigar, discutir. Pode-se chorar, rir, gargalhar, comprar,
vender, alugar, pedir de volta, pode-se, enfim e definitivamente, tudo.
Outro aspecto bastante interessante: a macro economia. A
internet gera milhares de empregos em todo o planeta. Gera receitas
antes inatingíveis para microempresas e rende dividendos inimagináveis
para as grandes. O dinheiro que a internet faz girar ao redor do mundo
aquecendo a economia certamente já deve ter deixado para traz setores
tradicionais, como turismo, tráfico de drogas e armas. (Uma ruidosa vaia
para esse último).
Ela coloca artistas antes desconhecidos cara a cara com seu
consumidor. Produz atores, escritores, desenhistas, comentaristas,
palpiteiros. Enfim, ela atinge e é feita por todos. Ou se gasta com ela
ou se ganha com ela. Nunca fica impassível.
Mas, espere. Todas essas coisas que a internet faz ou
produz, todas as facilidades que proporciona, as dificuldades e perigos
que ela nos coloca, enfim, todos esses detalhes, não lembram algo? Não
lembram a própria vida?
Espaço para pensar! Espaço para pensar! Espaço para pensar!
Estranho é o mínimo que me ocorre. Teríamos criado a tão
famosa vida paralela? Ou uma outra dimensão aqui mesmo, junto a nossa?
Uma vida dupla, ou, sabe-se lá, outra vida?
Sinceramente não sei. Sei que tenho um certo receio, um
certo medo quando penso nisso. Mas, ao mesmo tempo, sinto-me encorajado,
desafiado, encantado com esse admirável mundo novo. Um espaço que, caso
alguém clique na oferta tentadora ali acima, eu ganho alguns centavos de
dólar.
E a moeda do meu país é o real. Isso não é maluco?
* Beto
Canales é editor do blog Cinema
e bobagens.
* * *
Reflexões redondas:
O Futebol e algumas
curiosidades
Notaram a letra efe maiúscula ali no
título? Pois é de propósito.
Este esporte merece uma reverência toda
especial, sem dúvida alguma.
Beto
Canales*
De Porto Alegre-RS
Para Via
Fanzine
27/02/2012
Já foi dito tempos atrás, e com muita propriedade na época,
que o futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes e,
atualmente, eu chego a questionar isso. Não contestar, mas questionar
mesmo, numa tentativa livre de engrandecer o que já é imenso e talvez
deva galgar “status” ainda melhores.
Evidente que tal frase classifica o futebol entre coisas
menos importantes,porque não podemos colocar esporte algum na frente de,
por exemplo, saúde, ou a falta dela, miséria, guerras, economia, enfim,
coisas que definem os rumos da nossa civilização ou, sendo um tanto
pessimista, o fim dela. Claro, essas são as mais importantes.
Mas, convenhamos, algo que leva a um mesmo lugar, no mínimo
uma vez por semana, multidões de pessoas ordeiras e ávidas por um mesmo
querer, sem nenhuma traição nisso, não merece uma consideração? Ou, que
num mundo pré-caótico ou em lugares (países) notoriamente
desorganizados, e mesmo envolvendo as ditas multidões, os eventos
comecem sem atrasos? E, quando acontecem, são de alguns poucos minutos,
enquanto em um médico “com hora marcada” espera-se por horas, ou um show
musical, onde espera-se mais ainda? Um fato que faz estranhos
abraçarem-se e tocarem-se, sem nenhuma conotação sexual, mostrando o
quão felizes estão? Ou, contraditoriamente e tão singelo, o quão triste?
Abraçam-se por felicidade, abraçam-se por tristeza. Isso não é curioso?
Elegante? Necessário? Não é algo que anda faltando entre nós? (Nós no
sentido de humanidade, claro). Ou, por outra ótica menos platônica e
mais aristotélica, um esporte que emprega milhares de pessoas
diretamente, sustenta milhões indiretamente e tem o poder de movimentar
a economia de nações não mereceria uma atenção especial? Algo que é
conhecido no mundo inteiro, entre todos os credos, todas as raças, em
todos os continentes? E praticado por crianças de todas as classes
sociais, já que não requer recursos para divertir, socializar e ensinar
tais crianças? Tudo isso dito até agora ou ainda aquela simples corrida
para casa depois de um jogo, para ver os golos na televisão, não merecem
uma atenção especial? Esse ato tão natural e insólito, tão comum e
inusitado, tudo ao mesmo tempo, não requer uma atenção especial?
Poderia dissertar por intermináveis páginas sobre isso,
mas, creio que basta para afirmar que eu mesmo me convenci e, portanto,
discordo da sentença do segundo parágrafo.
Promovo, assim, o futebol para a coisa menos importante
dentre as mais importantes.
Pelo menos no meu mundo.
* Beto
Canales é editor do blog Cinema
e bobagens.
- Imagem: divulgação.
* * *
Visita ilustre no seio da tribo:
Aventuras
de Obama em Pindorama
‘Bem entendo que me entendes, que eu
entendo que me enganas’.
Por Alberto Francisco
do Carmo*
De Brasília-DF
Para
Via Fanzine

“Ah,
não! Aqui tudo tranquilo. Lá é que só tem doido”, (Operário anônimo,
entrevistado pela tevê,
sobre
o aparato de segurança para a visita de Obama, enquanto limpava matinhos
na Praça da dos Três Poderes).
O homem
Sem dúvida, sabe o
know how de um microfone, com ou sem câmera. Nisto e noutras
coisas, o melhor dos presidentes dos EUA, eu que já vi e ouvi muitos, de
Truman a ele, o cara da hora.
Lembra-me muito do
que se dizia de Sammy Davis Junior: nada de toques “colored”, ou seja, o
jargão e inflexão vocal característicos dos afro-descendentes de lá.
Inteiramente solto, mensagem corporal de flexibilidade e agilidade
ímpares. Voz poderosa, com um toque de timbre metálico, dicção perfeita,
gramática e construção de frases de uma correção ímpar. O sorrisinho
matreiro, após disparar algo para atingir a plateia, como quem diz:
“então, o que acham, gostaram?”. E a plateia, sitiada pela simpatia,
automaticamente sente-se compelida a responder que sim. Aplausos.
Tenta se inteirar
de coisas familiares da História e cultura de cada público. Por exemplo,
ouviu dizer que bolo de laranja de Kansas City é muito bom. Ou dos
tempos de infância na Indonésia. Num discurso seu nos EUA, que vi, ao
recolher subsídios para o que ora escrevo, impressionou-me – ao lado das
qualidades de oratória - como manejava a platéia com o talento de um
profissional tipo Sílvio Santos, ou Faustão, mas com o verniz de um Ed
Sullivan. Fale o que falar, para grande ou pequena plateia, o faz como
se falasse “coast to coast”. Este é Barack Obama.
Em Pindorama
No Brasil, não foi
diferente, numa passagem marcada por signos de comunicação, de quem
maneja bem a Semiótica. A escolha da Cinelândia, embora não se
concretizasse, como ideada originalmente, permaneceu. Num pequeno passo
em falso, embora o argumento da segurança fosse invocado, a todo
momento, outro -igualmente plausível - teria de sê-lo. Quem sabe, a
súbita constatação de quem um público muito “popular” e além do mais,
não anglófono, não gostaria muito de ouvir aquela figura, simpática sim,
mas numa língua que não lhe era familiar, mesmo com tradução simultânea.
Reduzido o público
a um seleto auditório, num local de elite, nadou de braçada. Os usuais
mísseis verbais e inteligentes, precedidos ou seguidos do supracitado
sorrisinho, atingiram seu alvo em cheio. A interrupção por aplausos o
comprovou.
Quem sabe
escolher, o sabe bem. E recupera-se bem de imprevistos. O “muito
obrigado”, algo hesitante, na fala conjunta com Dilma, saiu algo como um
“muito abrigado”. Sem querer, querendo, como o mexicano Chaves, resultou
numa coincidência divertida. Muito abrigado, não. Abrigadíssimo... Com a
profusão aérea, automobilística, armada e humana ao redor, como diria
Aracy de Almeida, não restava a menor dúvida.
Mas no teatro, o
português de bolso, na escola de João Paulo II, porém menos ousado,
funcionou bem. “Alô, Cidade Maravilhosa, Boa tarde, todo povo
brasileiro.” Faltaram um “a” e um “o”. Boa tarde a todo o povo
brasileiro. Mas “deu para passar”. Falou de “cariocas”, “paulistas”,
baianas, nordestinos, gaúchos, deixou para o fim, mas não esqueceu dos
“mineiros”. Nada de “polistas” ou “carioucas”, ou “miniros”.
Destacaríamos,
todavia, um trecho lapidar, inserido no corpo do discurso. Se proposital
ou acidental, não importa. Acertou na mosca. Foi quando, citando um
“residente” anônimo, que teria ouvido (duvidamos), enfatizou que favelas
não deveriam ser olhadas com pena. Deveriam sim, serem olhadas como
fornecedoras de futuros médicos, engenheiros, arquitetos e outras
profissões “de topo”, ou seja, lembrando que, milagres, uma educação
realmente de excelência poderia produzir entre carentes. Concordamos.
Ora, isto
contrasta com a mentalidade de redenção educacional dessas mesmas
populações, por todos os governos brasileiros passados, inclusive o
período Lula e o atual. “Inclusão” significaria, ou tem significado,
levar tais comunidades a profissões menos frustrantes e improdutivas
economicamente para elas, comunidades. Não seriam mais somente
trabalhadores braçais, domésticos, etc. Ser-lhes-ia permitida uma
“qualificação” que os levasse no máximo a técnicos de nível médio,
notadamente no mercado de serviços. Nível superior e de ponta, não. No
máximo cursos universitários ditos de “cuspe e giz” em faculdades
particulares fundos de quintal.
Nisto, repetimos:
muito bem e palmas para ele, que ele merece. Mas quanto ao resto...

A presidente Dilma Rousseff recepcionou
Obama em Brasília.
Mais uma vez, na
mesma estratégia do bolo de laranja de Kansas City, citou Jorge Benjor,
a passeata dos 100 mil na Cinelândia, a prisão, superação e ascensão de
Dilma Rousseff, sem esquecer-se do menino pobre de Pernambuco, isto é, o
futuro “o cara”.
Tentou cooptar
tudo isto para um discurso previsível quanto aos valores da democracia,
no melhor estilo norte-americano. Ideais liberais dele, de outros, de
ontem e de sempre.
Pouco importou se
a passeata da Cinelândia tivesse nítida conotação de esquerda. Ou que
antecessores seus tivessem cooperado com ditaduras variadas, seja na
América Latina, Europa, Ásia e Oriente Médio. À mensagem embutida, do
tipo “mas isto é passado”, poderia se dizer, nem tanto.
A diferença é que
os Estados Unidos apoiaram estados totalitários do estilo antigo,
mantidos à custa da coerção sobre cidadãos. Outros estados totalitários
também orbitaram em torno da antiga URSS. Questão de escolha.
Nos dias de hoje,
permanecem estados totalitários de estilo antigo, mas cresceu o número
daqueles, nos quais, o antiamericanismo é aberto. Totalitários
antiquados, mas não alinhados aos EUA. Problema...
No meio disto
tudo, surge, porém – de modo preocupante - um tipo de totalitarismo
novo. Este tipo ainda preserva características da coerção aos seus
cidadãos. Portanto, semelhante ao tipo antiquado. Mas, aos poucos, estes
mesmos estados (e seus cidadãos) parecem caminhar para a terrível
previsão de Aldous Huxley no prefácio à segunda edição de “Admirável
Mundo Novo”:
“Não há, por certo, nenhuma razão para que os novos totalitarismos se
assemelharem aos antigos. O governo pelos cassetetes e pelotões de
fuzilamento; pela carestia artificial, pelas prisões e deportações em
massa, não é simplesmente desumano (ninguém se importa muito com isso
hoje em dia); é de maneira demonstrável, ineficiente - e numa época de
tecnologia avançada, a ineficiência é o pecado contra o Espírito Santo.
Um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o
executivo todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de
administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem
de ser coagidos porque amariam sua escravidão”.
A China e vários
países asiáticos seriam exemplos gritantes da marcha da materialização
desse totalitarismo “ideal”. Mas em muitos países, ditos democráticos,
há também sinais de seu crescimento. Na medida em que se convence a
população a não se importar com política, ou deixar ao critério dela,
população, votar ou não votar, ao mesmo tempo em que se segue a
filosofia da “barriga cheia, coração contente” (e cuca legal), também
pode-se estar dando passos nessa direção. Política dá muito trabalho
para que gente comum se ocupe dela. Uma casta bipolarizada, dentro de um
sistema eleitoral algo enigmático, pode induzir à apatia satisfeita essa
multidão de escravos contentes e distantes uns dos outros, como
antevisto no livro “The Lonely Crowd”, A Multidão Solitária.
De resto como
observou Mário Augusto Jakobskind (Direto
da Redação), o anúncio da intervenção multinacional na Líbia, foi
feito num país estrangeiro, que se abstivera da votação da dita
intervenção. Constrangimento da anfitriã, evidentemente.
Percebeu-se que
Mr. President viajou para cá, com o gatilho armado. Perguntar-se-ia
se o anúncio de sua viagem a um país discordante da dita intervenção,
não teria sido um despiste para a deflagração da mesma. Sim, pois
mísseis Cruise, por exemplo, devem ter em seus computadores o mapeamento
de seu caminho até seus objetivos. Isto não se faz de véspera... Como
também a enorme coincidência de a França sair na frente e, por acaso,
navios norte-americanos e britânicos já estariam mais ou menos por ali,
prontos a disparar seus mísseis...

Obama e Michelle participaram de evento
cultural na comunidade da Cidade de Deus.
No fim das
contas...
Foram assinados
dez tratados de cooperação, como invariavelmente se faz. Nenhum deles,
decisivo. Nada sobre facilitação de vistos, nada sobre subsídios
agrícolas como escudo a nossos produtos.
Finalmente tivemos
o papel da mídia estadunidense nos eventos. Qual seja, quase nenhum. Uma
nota da CNN dizia que Obama havia encantado “multidões” no Brasil. Não
disse nada sobre a Cinelândia, com mais jornalistas que curiosos (alguns
excêntricos) e os piroquetes de esquerda radical, no estilo que Nelson
Rodrigues chamava de “cambaxirras da revolução”. Cambaxirra ou
carriça... Aquele passarinho miúdo, que protesta com pios e vôos
agressivos contra as cabeças de intrusos na proximidade de seus ninhos.
Mas que não tem força nenhuma para impedir, muito menos ferir e matar os
seus predadores. Multidões? Sei...
De resto, um
repórter falando com vista do Eixo Monumental até a Praça dos Três
Poderes. Mas a notícia era sobre o ataque à Líbia, que Obama
interrompera a programação da visita, para chamar jornalistas
norte-americanos num canto e comunicar a decisão do sinal verde aos
bombardeios.
Nos sites da CNN,
apenas notícias esparsas sobre o Brasil, com destaques para podres
poderes e catástrofes locais. Não temos nada de melhor para ser
noticiado. Tendência antiga e com Obama não mudou nem um pouco.

Manifestação contra Obama:
gatos pingados no Rio, enquanto o povão se divertia pela tevê.
Os homens (de
preto) do afro presidente
Eles sempre
existiram, mas são cada vez mais numerosos. Bem, já que Mr. President
lembrou-se de Jorge Benjor, o que me vem à cabeça é uma cena do musical
“The Music Man” (no cinema “O Vendedor de Ilusões”). O personagem
principal é um vigarista, que costuma dar um golpe de apresentar-se em
cidades do interior dos EUA do século XIX, como falso professor de
música. Usa sempre algum probleminha local, fácil de ser chamado de
pecaminoso para convencer os locais da utilidade de aulas de música para
crianças. Daí que, numa cidade pacata aonde chega, não havia nada de
polêmico. E vem a ideia: “se aqui não há problema, vamos inventar um”.
O corpo de
segurança na “entourage” de presidentes americanos tem agido assim, e
cada vez mais. Lembram-me ainda algo que vi em outra “entourage”, mas de
um famoso artista brasileiro. O cara temia e teme assédio, inseguro que
era e é. E a “entourage”, para mostrar-se absolutamente necessária,
cuidou e cuida de transformar o medo desse artista em pavor. Condenou-o
e o condena a viver enfurnado e mal aproveitar as folgas nos lugares por
onde passa.
O esquema de
segurança dos presidentes norte-americanos vem nisto e num crescendo. A
cada um que nos visita, é como se alguém que convidássemos para um
almoço, nos enviasse uma comissão de família e parentes para verificar
se a comida é boa; se tem cachorro que morde na casa; se o sanitário é
limpo ou se a comida não está envenenada.
Desde Clinton,
passando por Bush pai e filho, a arrogância e exagero da segurança
estadunidense só causam-nos mal estar.
Na visita de
Clinton, em 1997, a “nojeira” foi assim. Clinton, afinal, conseguiu
passar uns momentos agradáveis no Morro da Mangueira, fazendo que
Jamelão dissesse que no final, Mr. President estava “tão feliz
quanto pinto no lixo”. Americano não deve ter entendido bem esta imagem.
Veio deles a prática das galinhas de granja e suas rações turbinadas a
hormônios. Nossas galinhas quintaleiras soltas e revirando o terreiro e
até o lixo, deve ter lhes parecido “bizarre”.
Para nós, porém,
“bizarre” é a paranoia pseudo-protetora desse esquema de grosseria “made
in USA”. Já mandaram até ministro de FHC tirar sapatos em aeroporto.
Quiseram revistar até o então governador Cristovam Buarque, antes de um
jantar em Brasília. Indignado, Cristovam se retirou.
Agora, a revista
não poupou nem ministros de estado de Dilma, em Brasília, que não
resistiram, mas resolveram abandonar o local do evento, à francesa:
Aloizio Mercadante, Édison Lobão e até Guido Mantega.
Jornalistas
acompanhavam o presidente da Vale, Roger Agnelli. Fernando Pimentel saiu
com a desculpa de ter sido chamado ao Palácio da Alvorada. Todos foram
retidos na entrada do encontro com empresários, o que resultou que
chegassem atrasados para acompanhar o discurso de Obama. Havia sido
combinado que ministros não seriam revistados. Mas, roeu-se a corda...
É um despropósito.
Aqui em Brasília descem chefes de estado a toda hora. Até da Rússia. Mas
nada se compara à minúcia obsessiva dos corpos de segurança ianques. Um
avião presidencial que poderia levar até 400 passageiros. Mais uns dois
cargueiros quadrimotores a jato, Boeing C-2 (Mc Donnell-Douglas) para
transportar três limusines blindadas. Todas são usadas nos percursos,
onde o presidente estará numa delas. As outras são para despistar.
Enormes helicópteros “Chinook”, transportados por outros aviões
cargueiros. Ruas interditadas. Gente constrangida.

Em
Brasília, os ministros Mercadante, Mantega e Lobão, após passarem por
revista
dos seguranças de Barack
Obama, não compareceram ao encontro presidencial.
No fim, nenhum
contato com o povo. Tão diferente da massa de estudantes cantando “A
Marselhesa” junto com De Gaulle. Ou dos saudosos Rei Alberto e Rainha
Elizabeth da Bélgica, que sumiram do Palácio do Catete, numa manhã
carioca. Segurança e autoridades em polvorosa. Daí a um tempo, lá vêm
suas majestades, voltando pelas ruas, lampeiros, de roupão de banho,
carregando esteiras e guarda-sóis. Quiseram somente dar um mergulho nas
águas plácidas (e ainda não poluídas) da Enseada de Botafogo...
Claro, também
deste jeito não seria mais possível. Mas seria perfeitamente possível
entender que não era preciso tanto. E que sorrisos e palavras amáveis
não combinam com suspeitas. Volta-se ao que dizia sobre o Rei de
Portugal, Dom Afonso Henriques, sobre seus encontros com chefes mouros:
“Bem entendo que me entendes, que eu entendo que me enganas”.
Quando Clinton
esteve em Brasília, em 1997, esse aparato resultou num chabu de povo. Lá
veio o cortejo passando pela Esplanada em dia de expediente. Mas ninguém
se abalou para descer para ver sua excelência estrelada e listrada.
Mas o ponto alto
da visita de Obama, sem dúvida, foi a surreal visita ao Cristo Redentor.
Deixar de visitá-lo de dia, para visitá-lo à noite. E a explicação
ridícula de que poderia melindrar países islâmicos por visitar um
símbolo cristão. Ora, e a paisagem? Que importa o símbolo cristão se ela
é tão bonita à luz do dia? Podia ser uma desculpa, ora!
Mas a visita
noturna, só fez ligar mais a visita a esse mesmo símbolo cristão. De
fato, à noite, a única coisa que se veria seria justamente o Cristo!
Fartamente iluminado, mas só ou principalmente Ele. Se Obama e nós temos
nossas crenças, porque ter de se envergonhar delas ou escondê-las em
nome de uma falsa diplomacia? Será que duvidam da inteligência dos
árabes?
Dessa vez e, para
piorar, visita num sábado e domingo. Resultado: afora os gatos pingados,
mais nada. E o tiro, em termos de gente jovem (mesmo com os encontros
“produzidos” de Dona Michele com alguns deles) pode ter saído pela
culatra.
Um PM do DF
contou-me a reação do filho de doze anos, ao ver a correria do pai para
os plantões da visita de Obama somada à agitação e exageros das medidas
de segurança: “Sabe, pai? Esse cara só deve fazer o mal. Para ter um
medo desses...”.
* Alberto Francisco do
Carmo é licenciado em física e técnico em assuntos educacionais. É
consultor educacional e colaborador do diário digital
Via Fanzine.
- Fotos: das agências/Roberto Chamorro.
- Produção:
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