Agência Espacial Russa - Roskosmos
O clima pesou no espaço: Estação Espacial: Roskosmos reclama da Nasa ‘Esta nave não estaciona na minha estação espacial’, afirmou Alexéi Krasnov.
Por Daniel Marín* De Las Palmas/Espanha Tradução: Pepe Chaves
Alexéi Krasnov (Roskosmos).
Um clima tenso foi criado, após as recentes declarações de Alexéi Krasnov, diretor da seção para voos espaciais tripulados da agência espacial russa Roskosmos. Recentemente, Krasnov teve a ousadia de afirmar que as novas naves comerciais norte-americanas Dragon e Cygnus não receberão a autorização por parte da Rússia para se acoplarem à estação espacial internacional (ISS) a não ser que demonstrem antes que são veículos seguros e fiáveis.
Como era de se esperar, imediatamente surgiram todo tipo de críticas nos meios de comunicação dos Estados Unidos, bem como em algum país europeu. E a maioria delas, completamente fora da realidade. Deixando de lado as afirmações rançosas e sem nenhum fundamento que equiparam agora a Rússia à antiga URSS (como se a Rússia atual tivesse algo na contramão da iniciativa privada), em verdade, esta chuva de críticas permite medir o estado das relações espaciais entre os dois países ante à opinião pública. E, lamentavelmente, não parece que estejam passando por um bom momento.
Muitos estadunidenses consideram que seu país não deve dar nenhuma explicação à Rússia sobre as naves que decide autorizar a se acoplar na ISS. Afinal de contas, tanto a Dragon da SpaceX, como a cápsula Cygnus da Orbital, se unirão ao segmento norteamericano da estação, fato que Rússia não deveria ter nem voz nem voto em tais missões. Semelhante proposta não é somente uma enorme descortesia para o principal sócio dos EUA no programa da ISS, mas também errônea. A ISS está dividida em dois segmentos claramente diferenciados (russo e norte-americano), mas, evidentemente, todos os participantes deveriam poder opinar sobre as operações conjuntas da estação. Não foi em vão que a agência espacial japonesa (JAXA) contatou a Roskosmos durante a fase de planejamento das missões do cargueiro HTV, apesar de esta nave se acoplar também no segmento estadunidense da estação.
Cápsula Dragon (SpaceX) e cápsula Cygnus (Orbital).
Outras vozes dentro dos EUA interpretam as declarações de Krasnov como uma tentativa desesperada por parte da Rússia para manter seu monopólio de voos tripulados, uma vez que os ônibus espaciais serão retirados de circulação neste ano. Recordemos que a NASA paga à Roskosmos US$ 62 milhões por cada vaga de astronauta norte-americano a bordo da Soyuz. Dessa maneira, também poderíamos entender que Rússia queira impor obstáculos ao desenvolvimento das emergentes naves comerciais privadas. Na realidade, isto é outra soberana tolice, já que, tanto a Cygnus como a Dragon não são naves tripuladas. É mais que possível que a Dragon se converta, com o tempo, em um veículo capaz de transportar astronautas até a ISS, mas somente dentro de muitos anos isso poderia se tornar realidade.
A verdade é que todas estas críticas revelam uma profunda incapacidade por parte de alguns segmentos estadunidenses para reconhecer que o seu país possa se equivocar em algo. Aliás, isso não é nada de novo, pois sempre é bem mais fácil jogar a culpa em outro do que assumir os seus erros. Foi o governo dos EUA, não o da Rússia, o que decidiu retirar os ônibus espaciais sem antes possuir uma nave tripulada mais ou menos pronta para substituí-los. A situação atual em que se encontra a NASA é de responsabilidade única e exclusiva dos políticos norte-americanos. Se a Rússia poderá gozar em breve de uma posição de monopólio nas viagens espaciais tripuladas é porque a NASA não tem feito seus deveres nestes últimos anos. É duro, mas é simples assim.
Há gente que ainda não parece se dar conta de que a dependência da Rússia por parte da NASA não é algo novo e se remonta às origens da Estação Espacial Internacional. Sem a contribuição russa – principalmente, cedendo as naves Soyuz e Progress - a estação já deveria ter sido abandonada. Não esqueçamos que as naves Soyuz não são simples transportadoras de tripulações, mas também atuam como veículos de emergência ao estarem acopladas permanentemente à estação espacial. Também não esqueçamos que, somente o segmento russo tem capacidade para elevar a órbita da estação regularmente - o que é vital para evitar que ela perca altitude e se queime na atmosfera - sem a necessidade de que se encontre alguma nave acoplada (isto se consegue graças aos motores do módulo Zvezdá, cujos tanques de combustível podem ser abastecidos regularmente, graças às naves Progress).
Uma nave Soyuz acoplada à ISS (NASA).
Em todo caso, estas declarações de Krasnov não são casuais. Parece que existe um profundo mal-estar dentro de alguns círculos da Roskosmos pelo que consideram uma impertinência por parte dos sócios estadunidenses na hora de planificar as futuras missões com naves comerciais. A NASA, que ainda hoje se queixa com relativa frequência da falta de transparência de seus sócios russos (às vezes com razão), decidiu não contar com a Roskosmos neste ponto. Ademais, gostemos ou não, Krasnov tem cobrado o tema da segurança. É incrível como a confiança nas companhias privadas atinge níveis impressionantes nos EUA. De fato, mais que confiança, parece que se trate de fé cega, mais própria de fanáticos. É curioso observar como alguns órgãos permitem que estas empresas privadas abram mão de certas medidas de segurança, enquanto, ao mesmo tempo, exigem inumeráveis controles de veículos já provados, como os ônibus espaciais ou as Soyuz.
De fato, faz pouco que Elon Musk - o CEO da SpaceX - propôs unificar os dois próximos voos de prova de sua cápsula Dragon, para agilizar o desenvolvimento do programa. Surpreendentemente, a muitos, isso pareceu ser uma boa ideia. Mas a estação espacial não é um brinquedo. Em seu interior vivem seis astronautas, cujas vidas poderiam correr perigo por culpa de decisões precipitadas como esta. Esperemos que não tenha que ocorrer uma tragédia para demonstrar a importância da segurança na hora de se levar a cabo as missões espaciais.
Já é hora de abandonar os discursos obsoletos, mais próprios da Guerra Fria, do que do século 21. Por bem ou por mau, a Rússia moderna em nada tem a ver com a extinta União Soviética. E tanto a Roskosmos como a NASA são plenamente conscientes de que se precisam mutuamente para manter a estação espacial operativa. Essa estação é o maior projeto espacial internacional da história e devemos ter em conta que durante a próxima década será muito provável haver um único destino para quase todas as missões tripuladas. Sem a estreita colaboração da Rússia e EUA, esse programa iria a pique imediatamente. E a todos interessa que se dêem bem.
* Daniel Marín é astrofísico e editor do blog Eureka.
- Fotos: Roskosmos/Nasa/Orbital/SpaceX.
- Colaborou: J. Ildefonso P. de Souza.
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Corrida Espacial:Porque os russos não foram à LuaOs russos levantam o véu sobre um dos seus segredos mais bem guardados: o fracasso de sua tentativa, nos anos 60, de fazer posar um cosmonauta na Lua antes dos americanos. Descobre-se com espanto que uma simples querela entre dois mandarins, Korolev e Gluchko pôde fazer capotar um projeto gigantesco em plena pátria do coletivismo.
Por Jean-René Germain *Para a Science et Vie
Cientistas soviéticos e seu módulo lunar.
Desde 1960 Sergei Korolev, o pai do foguete Semiorka que lançou o Sputnik e colocou em órbita o primeiro cosmonauta da História, Iuri Gagarin, decidiu empreender a construção de um foguete (batizado como N-1) capaz de colocar 40 a 50 toneladas em órbita terrestre baixa. Sua idéia era simplesmente enviar um russo à Lua, antes dos americanos. O melhor foguete soviético do momento, o R-7 Semiorka, não pode colocar senão cinco toneladas no máximo em órbita baixa. E não há um minuto a perder.
Seu projeto N-1 somente foi em novembro de 1966 por uma comissão de experts dirigida pelo acadêmico M.V.Keldych. De modificação em modificação, a carga útil do foguete em órbita baixa, passa de cinco para 95 toneladas. O foguete é gigantesco: três estágios, 100m de altura, 17m de diâmetro no primeiro estágio e 6m para a coifa que abrigaria a nave L-3 que pousaria na Lua. O esquema de voo é idêntico ao da missão Apollo: colocado em órbita terrestre, o estágio G aceleraria a nave para a Lua, depois o estágio D o frearia para colocá-lo em órbita lunar e, afinal, o estágio de frenagem que pousaria suavemente sobre a Lua um dos dois cosmonautas, o outro permaneceria em espera na órbita lunar.
Um calendário foi fixado em fevereiro de 1967 pela comissão que decidiu dotar o projeto de 10 bilhões de rublos. Os russos tinham a certeza de poder ultrapassar os americanos. A data para os ensaios de vôo do N-1 foi fixada para o terceiro trimestre de 1967.
As tripulações começaram a treinar secretamente na Cidade das Estrelas. O cosmonauta Valery Bykovsky, que tinha o maior número de horas de voo em torno da Terra, foi destacado para a missão L-1 de voo pilotado à Lua e nomeado comandante da nave. Seus companheiros de equipe foram Alexei Leonov, N. Rukavitchinikov, V. Kubasov e O. Makarov. A preparação durou dois bons anos. E, quando tudo parecia prestes a ocorrer, os americanos pousam na Lua a 20 de julho de 1969.
Serguei Korolev e Valentin Glouchko
O que aconteceu? Desde que a decisão de construir o novo foguete foi tomada, em novembro de 1966, naturalmente foi a firma dirigida por Korolev que se encarregou da tarefa. Fiel a suas concepções técnicas, Korolev concebeu um foguete do tipo “maço de aspargos” (N.T: primeiro estágio com uma série de foguetes auxiliares montados em torno dele, como sempre foi costumeiro nos foguetes russos). Os motores de potência média, funcionando de forma sincronizada deviam assegurar a cada estágio a potência necessária para a colocação em órbita. Os motores RD-107 concebidos para o primeiro estágio do pequeno Semiorka pelo célebre construtor de motores Valentin Petrovitch Gluchko eram bem mais fracos.
Gluchko propõe seus motores de 150 toneladas de empuxo desenvolvidas para o foguete Proton e motores de 600 toneladas de empuxo funcionando com tetróxido de nitrogênio (N.T.: N2O 4 comburente e dimetil hidrazina assimétrica, combustível).
Korolev recusa isto não querendo usar combustíveis tóxicos em voos humanos; ele prefere motores a hidrogênio e oxigênio líquidos. Gluchko discorda. Ele estima que a dupla hidrogênio-oxigênio líquidos é muito perigosa. Não é que isto custara a vida do “patrão” das tropas de foguetes estratégicos, o marechal Nedelin, durante a explosão de um grande foguete concebido por Mikhail Yangel?
O tempo passou. Os americanos se adiantaram muito. Korolev concebeu então o primeiro estágio do N-1 com trinta motores de 150 toneladas, a hidrogênio e oxigênio líquidos, dispostos em coroa e funcionando de forma sincronizada. Ele pede a Gluchko para construí-los e este recusa-se a fazê-lo. Korolev se dirige então a um grande especialista em motores de avião N.D.Kuznetsov. Este projeta em tempo recorde vinte e oito projetos sobre o estudo de motores foguetes, enquanto são iniciados os trabalhos sobre o foguete propriamente dito. Mas Kuznetsov não tem bancos de ensaio, não possui experiência em motores-foguetes e, menos ainda, em motores funcionando em sincronia.
Em 21 de janeiro de 1966, Korolev morre de hemorragia numa mesa de operação, vítima da incúria de seus cirurgiões. Seu adjunto direto, o acadêmico V.P. Michin continua a os trabalhos de projeto e construção do N-1.
Da mesma forma que os americanos, a repetição geral da aterrissagem passa pela tecnologia para um voo circunlunar, assim como as técnicas de retorno à Terra.
Para adquirir tal tecnologia, utilizou-se o foguete Proton do construtor N.Tchelomei, disponível desde 1965 e atrela-se o mesmo à nova nave Soyuz. É assim que de 1968 a 1970, quatro sondas (as Zond de 4 a 8) aceleradas pelos estágios D, contornam a Lua e algumas voltam à Terra. Paralelamente os ensaios em órbita terrestre do módulo lunar de aterrissagem são levados a cabo de 1970 a 1971 no quadro do programa Cosmos (de números 379, 382, 398 e 434) assim como as Zond automáticas.
Foi entre 07 e 08 de dezembro de 1968 que os russos perderam a corrida. Para eles, uma “janela lunar” se abriu naqueles dias, o que quer dizer que a Lua se encontrava numa posição em relação à Terra que permitiria que uma nave a alcançasse com mais facilidade. Ora, a Nasa tinha anunciado o sobrevoo da Lua por três astronautas para o dia 25. (N.T. Missão Apollo 8)
Se os russos tivessem aproveitado a ocasião, lançando sua nave L-1, a Zond, pilotada por Alexei Leonov e Pavel Beliaiev, que já estavam na base de Baikonur, eles teriam vencido os americanos em 17 dias, ao menos, em relação à primeira etapa.
Buran, o ônibus espacial soviético, acoplado num Antonov An-225 em Le Bourget, perto de Paris.
O primeiro ensaio em voo do N-1 ocorreu somente em fevereiro de 1969, em Baikonur. O grande foguete explodiu após 70 segundos de voo. Em 03 de julho de 1970, houve uma segunda tentativa e um segundo fracasso: explosão do foguete no chão, destruindo toda a área de lançamento. Como era preciso reconstruir tudo, foguete e área de lançamento, o terceiro foguete seria lançado somente em 27 de julho de 1971.
Nessa terceira tentativa de lançamento, o foguete explodiu outra vez, após uma falha no sistema de guiagem e destrói de novo todas as instalações. Consternação geral. Um quarto ensaio ocorreu no dia 22 de novembro de 1972. Desta vez, tudo vai quase bem: o foguete sobe e funciona durante 107 segundos. Mas vêm-se obrigados a destruí-lo quase no fim da fase ativa, após um problema no primeiro estágio. Mas todos os especialistas soviéticos estão de acordo em estimar que o fim do projeto está próximo.
Dois novos foguetes são então montados em Baikonur. O quinto ensaio foi marcado para agosto de 1974 e o sexto para o fim do mesmo ano. O foguete deveria estar operacional em 1976.
Mas aí vem o golpe teatral. Em maio de 1974, enquanto todos os engenheiros, cientistas e técnicos trabalhavam duro para superar os atrasos, V.P. Michin é destituído da direção da empresa de Korolev e substituído por V.P. Gluchko.
O novo diretor decreta a interrupção imediata do N-1 que ele considera um erro. Desde a véspera de sua entrada em função, ele expõe um novo conceito de lançador que levaria, uma década depois à concepção do ônibus espacial Buran e do lançador Energya. Melhor ainda, renegando suas antigas opiniões, ele decide mobilizar todas as forças da firma Korolev para construir possantes motores criogênicos cujos descendentes equipam atualmente o Energya.
Assim, no país da centralização, uma querela entre homens levou a um gigantesco desperdício que, afinal, custou a Lua.
* Transcrito da revista francesa Science et Vie - Nº 869 - fevereiro de 1990. - Tradução: Alberto Francisco do Carmo (DF). - Fotos: Agência Espacial Russa.
A Empreitada russa
Por Alberto F. do Carmo* Para Astrovia
Neste artigo, vê-se claramente duas contradições do regime da antiga União Soviética. Como se sabe, a propaganda deste mesmo regime sempre pretendeu a dar a impressão de que o individualismo ali era mal visto e que o coletivismo imperava. Ademais, a planificação detalhada era também enfatizada. Quem não ouviu falar nos famosos planos quinquenais?
A realidade, em parte documentada pela narrativa do jornalista francês, mostra e nos lembram detalhes tão curiosos quanto paradoxais. Por exemplo: todos os fabricantes russos não têm nomes de empresas, mas geralmente levam os nomes de quem criou ou chefia a firma. Tupolev, Ilyushin, Sukhoi e aqui Korolev, Kuznetzov, etc. Então fica implícito que as decisões, mais do que centralizadas, eram centralistas. Fulano manda isto, Sicrano recusa-se a fazê-lo. Muito individualismo para um mundo pretensamente coletivista. Neste culto a nomes, algumas pessoas veriam também a velha fantasia do herói do trabalho, cujo arquétipo foi Stakhanov e seu desdobramento o stakhanovismo. O ideal de produzir ao máximo, ao custo de enormes sacrifícios, sem saber direito para que...
Outro detalhe importante é que desde 1957, uma revolução no gerenciamento de processos de decisão, projeto e produção havia ocorrido nos Estados Unidos e mais tarde na França. Referimo-nos às redes de planejamento. O primeiro exemplo foi o PERT (mais tarde, PERT-CPM) que surgiu para gerenciar o projeto Polaris, um foguete balístico de alcance intermediário, lançado por submarinos. Tal projeto, embora de um foguete relativamente simples, envolveu lidar com 250 empreiteiros principais e cerca de 9000 subempreiteiros, num projeto que envolvia 70.000 peças. Em tal contexto, muitas decisões devem ter sido tomadas coletivamente ou selecionadas rapidamente de forma a chegar-se a decisões finais adequadas. Afora, o bom costume de ter um bom olho no controle de custos, isto é um bom controle de balanços. E os americanos se tornaram mestres no ramo.
Pelo jeito, a União Soviética não passou por revolução semelhante. E perdeu o bonde da História e da tecnologia de ponta. E muito dinheiro.
* Alberto Francisco do Carmo é licenciado em Física, ex-articulista para Aeronáutica do jornal Estado de Minas (BH) e ex-correspondente da revista Aviation (França) no Brasil.
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