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 NASA

 

 

Quando a política determina a ciência:

Comissão Augustine apresenta relatório final

Especialistas mapeiam a atual conjunção dos projetos espaciais da Nasa e levantam

sugestões para que o presidente Obama escolha o rumo a tomar nos próximos anos.

 

Por J. Ildefonso P. de Souza

De Taubaté-SP

Para ASTROvia

 

Norman Augustine,  presidente da comissão, ex-diretor do grupo Lockheed Martin

e Edward Crawley,atual diretor do Bernard M. Gordon – MIT Engineering Leadership Program.

 

A comissão de especialistas selecionados para assessorar ao presidente Barack Obama sobre o futuro da exploração espacial tripulada americana divulgou seu parecer final no chamado “Relatório Augustine”.

 

Em sua opinião, a Agência Espacial Americana (Nasa) deveria adiar em um ano a aposentadoria dos ônibus espaciais e procurar a iniciativa privada para cumprir os objetivos de seu programa, que precisa de uma maior injeção de fundos para ser efetivado.

 

O futuro americano no espaço

 

Assim começa o relatório final do “Comitê para a Revisão dos Planos do Programa Espacial Tripulado dos Estados Unidos da América”, mais conhecido como Comissão Augustine. Até a data da entrega do relatório ao presidente Barak Obama, este futuro era guiado pelas diretrizes do Programa Constellation (que retornaria com o homem à Lua), iniciado pela anterior administração Bush, considerado a raiz da catástrofe do Columbia. Passava também pela retirada dos ônibus espaciais em 2010 e sua substituição por uma nova cápsula tripulada denominada Orion. Ao mesmo tempo, a Nasa deveria construir dois foguetes, o Ares I e Ares V, para voltar à Lua antes de 2020 e erguer as fundações das bases de colonização do Sistema Solar nas décadas seguintes.

 

Por se tratar de um programa muito ambicioso, cedo se deparou com o seu maior inimigo: a falta de financiamento adequado. Como conseqüência, os problemas técnicos à hora de desenhar o foguete Ares I e a cápsula Orion resultaram ser bem mais complicados de resolver que o inicialmente previsto. Além disso, os prazos foram se atrasando inexoravelmente.

 

Na época que o presidente Obama foi eleito, todo o programa estava fora de controle. A Orion não parava de aumentar sua massa ao mesmo tempo em que suas verbas tinham diminuído radicalmente: enquanto a princípio deveria ser capaz de transportar seis pessoas, ao final a Nasa deveria contentar-se em enviar somente quatro astronautas. O foguete Ares I, aparentemente um lançador fácil de desenvolver, se converteu em um pesadelo logístico e a data de seu primeiro lançamento afastava-se mais e mais no horizonte do tempo.

 

Mal tinha recebido financiamento, para o foguete Ares V, embora formalmente ainda não aprovado, já percebiam que para construir uma máquina tão impressionante quanto essa, levaria aos limites o exíguo orçamento da Nasa. Estava claro que, a este ritmo, para 2020, não somente não teríamos nenhum homem na Lua, bem como a nave Orion que deveria carregá-los, não poderia decolar antes de 2018.

 

Por outro lado, o tempo corria na contramão do programa da lançadeira, cujo fim estava cada vez mais perto. A Nasa enfrentava um dilema: se aposentasse o ônibus espacial em 2010 poderia contar com mais fundos para o desenvolvimento do Programa Constellation, mas durante quase oito anos seria incapaz de lançar um astronauta ao espaço por seus próprios meios, devendo confiar na Rússia e suas naves Soyuz para tal fim. Desta maneira, o Programa Constellation parecia que ia cair no esquecimento.

 

Com os resultados da Comissão Augustine em mãos, não obstante tratasse de um relatório a partir do qual a Nasa e a administração Obama irão decidir o futuro da presença estadunidense no espaço, vale a pena expor as recomendações da Comissão, embora as mesmas não tragam surpresas significativas.

 

Conclusões gerais da Comissão Augustine

 

Ônibus Espacial - Deverá seguir operativo até 2011. Como máximo, se contempla uma possível missão extra em 2012, graças ao fato de que ainda há um tanque externo (ET) de reposição disponível (a linha de montagem do ET se fechou faz pouco tempo e seria preciso uma injeção de dinheiro para poder reabri-la). Se a Nasa decidir continuar operando com o ônibus espacial a partir de 2012, deveria favorecer-se de lançadores pesados, baseados na tecnologia dos atuais ônibus (Shuttle Derived Launch Vehicle). Em caso contrário, toda extensão da vida útil dos dois ônibus espaciais (Endeavour e Atlantis) terá um impacto negativo nas estratégias de exploração.

 

Estação Espacial Internacional (ISS) - Recomenda-se que permaneça operativa até 2020. O Programa Constellation previa o cancelamento da estação em 2015, para liberar fundos para o programa lunar - um absurdo se levarmos em conta que a ISS somente será realmente concluída no ano que vem. Na verdade, é significativo que o diagrama de montagem da ISS, que aparece no relatório, está incorreto quanto aos elementos do segmento russo. Ademais, de acordo com o relatório, a Nasa acredita que Rússia não teria condições de manter a ISS por conta própria.

 

Cápsula Orion - O Comitê Augustine considera que os Estados Unidos devem dispor de uma nave com capacidade para viagens além da órbita terrestre (o ônibus espacial carece dessa função) e que o desenho geral da nave seria o apresentado, ainda que fosse preferível uma versão menor. Em todo caso, é concenso seguir com seu desenvolvimento como prioridade nacional.

 

Programa Constellation – O projeto Constellation, que retomaria as viagens tripuladas à Lua, é considerado simplesmente inviável, dentro do orçamento atual da agência.

 

Lançadores (foguetes)

 

Ares I - Devido aos atrasos e sobrecustos, este lançador não permitiria uma participação dos Estados Unidos na ISS até finais da próxima década, o que seria inaceitável. Deste modo, a Comissão aposta por seu cancelamento e que a cápsula Orion seja lançada por um foguete do setor privado (EELV). O foguete que deverá realizar esta tarefa não está definido. A Comissão afirma que tem estudado o Delta IV HLV como opção alternativa ao Ares I (o Atlas V não foi mencionado) e, ainda que tecnicamente seja possível lançar a Orion com este foguete, as mudanças introduzidas não justificariam o seu custo. Este é um dos pontos que não tinha ficado claro no relatório preliminar e que agora parece que se confirma. Segundo o relatório, a Orion a bordo do Delta IV HLV formaria um conjunto tão caro quanto o Ares I. Só no caso de que se favoreça o desenvolvimento de um super-EELV para missões de exploração faria sentido apostar pelo Delta IV. A Comissão considera que se pode desenvolver um foguete novo se a Nasa investir no setor privado. De negativo, o Ares I precisaria então receber entre cinco e US$ 6 bilhões para finalizar seu desenho, mas isso sendo otimista e pensando que a maior parte dos custos dos elementos comuns com o Ares V não precisarão de um investimento adicional. Em todo caso, o Ares I seria um foguete extremamente caro de operar: seriam gastos mais de US$ 1 bilhão por lançamento.

 

Ares V - A Comissão pensa que qualquer projeto de exploração deva contar com lançadores pesados, ainda que considere que as últimas versões do Ares V são demasiadas grandes do ponto de vista operativo e se declare  por um Ares V Lite, com capacidade para 140 toneladas (como comparação, o Saturno V tinha uma capacidade de 110), muito semelhante ao Júpiter da proposta Direct. No relatório preliminar não se mencionavam muitos detalhes sobre o Ares V Lite, mas agora podemos saber que teria dois foguetes de combustível sólido de cinco segmentos, igual a primeira etapa do Ares I, em vez dos cinco segmentos e meio do Ares V atual. Ademais, empregaria cinco motores RS-68 na primeira etapa e não seis. A Comissão digna-se a citar a proposta da Direct, que foi muito criticada por não mencionar seu nome no relatório preliminar, mas a descarta educadamente em favor do Ares V Lite. O Ares V Lite seria usado, no entanto, como lançador único para missões tripuladas e de ônus, do mesmo modo que a proposta da Direct. As missões lunares precisariam de dois lançamentos deste foguete, permitindo uma massa útil maior (2x140 toneladas, frente às 160+25 toneladas do Ares V + Ares I).

 

Lançador derivado do ônibus espacial (Shuttle Derived Launch Vehicle, SDLV) - Um foguete deste tipo teria uma capacidade em órbita baixa de 100 a 110 toneladas. A Comissão entende que seu desenvolvimento só seria positivo em caso de uma extensão da vida útil da lançadeira até 2015. Ainda que se reduzam custos de desenvolvimento, empregaria os mesmos SRB e ET do atual ônibus espacial, sairia mais caro que o Ares V por unidade de massa posta em órbita. Ademais, a Comissão pensa que seu nível de segurança seria menor em missões tripuladas devido à montagem lateral. Estudaram-se variantes deste veículo com motores SSME reutilizáveis, os mesmos do ônibus espacial, ou com RS-25E, uma versão moldável do SSME, bem como outras combinações.

 

Super-EELV - A Comissão tem estudado versões dos foguetes privados atuais que possam colocar em órbita baixa, de 30 a 75 toneladas. Para isso, deveriam ser empregadas tecnologias da Nasa na hora de projetar o novo veículo. O relatório considera que, com várias modificações se poderiam atingir as 75 toneladas em LEIO, muito abaixo das outras opções, mas superior às 40-60 toneladas que a Comissão considera o mínimo para fazer valer um programa de exploração fora da órbita baixa. Contudo, o super-EELV deveria usar em sua primeira etapa o motor russo RD-180, todo um paradoxo.

 

Programa espacial americano: pés na Terra e cabeça na Lua.

 

Exploração tripulada

 

Mas, obviamente, o ponto mais importante do relatório tem sido a discussão sobre a eleição do destino para a exploração tripulada. A Comissão pensa a este respeito que, ainda que Marte seja o destino mais interessante que podemos viajar com a tecnologia atual, uma missão direta ao planeta vermelho está fora de qualquer orçamento realista a curto prazo e por isso, aposta por uma volta à Lua ou pelo chamado “Caminho Flexível”.

 

O Caminho Flexível propõe desenvolver tecnologia para viajar para além da órbita baixa e visitar primeiro os pontos de Lagrange, asteróides próximos ou realizar sobrevoos de planetas. Ainda que não seja tão espetacular como uma missão a Marte, o Caminho Flexível promete realizar uma série de variadas missões interplanetárias durante as próximas décadas. O objetivo final desta arquitetura seria colocar um homem na superfície de Marte, ainda que também seja possível, passar antes pela Lua, se o orçamento o permitir. A Lua é um objetivo bem mais próximo e realista, ainda que o Comitê deixe claro que a ciência não é a única prioridade na hora de eleger um objetivo para o programa espacial tripulado, uma declaração de intenções muito sinceras.

 

Em síntese, a Comissão propõe oito projeções para o futuro da exploração tripulada, agrupadas em três modos diferentes, segundo o destino a ser tomado.

 

Projeções

 

Opção 1: Programa Constellation - O programa seria desenvolvido tal e como foi concebido em seu princípio. Utilização de foguetes Ares I e Ares V; aposentadoria  do ônibus espacial em 2010 e da ISS em 2015. Para esta situação, a Comissão considera que esta opção é inviável com o orçamento atual e que só se poderia chegar à Lua em 2030, já que somente se poderia começar a construir o Ares V a partir de 2020.

 

Opção 2: Programa Constellation modificado – Nesta situação se empregaria o Ares V Lite e um lançador privado, em vez do Ares I. Aposentadoria do ônibus espacial em 2011 e da ISS em 2020. Desta maneira, também se torna inviável com o orçamento atual: não se chegaria à Lua antes de 2040.

 

Opção 3: a Lua - Semelhante à Opção 1, mas sem as limitações orçamentárias atuais. Assim, a Orion seria lançada em 2017 e se chegaria à Lua em 2025, sendo bem otimista.

 

Opção 4A: a Lua - Igual à Opção 2, no entanto, com um aumento do orçamento. Desta maneira, a volta à Lua seria efetivada em 2025, além da realização de uma média de duas missões tripuladas por ano.

 

Opção 4B: a Lua + extensão do ônibus espacial - Aumento da vida útil do ônibus espacial até 2015 e emprego de um lançador pesado, baseado no ônibus espacial. Aposentadoria da ISS em 2020 e uso de um lançador privado em vez do Ares I. Assim poderia voltar à Lua em 2025, com um aumento do orçamento.

 

Opção 5A: Caminho Flexível - Aposentadoria do ônibus espacial em 2011 e da ISS em 2020. Uso do Ares V Lite e um lançador privado para a Orion. No começo de 2020 poderiam ser realizados os primeiros sobrevoos lunares e missões aos pontos de Lagrange, com missões à superfície lunar ou às luas marcianas no final da década.

 

Opção 5B: Caminho Flexível - Aposentadoria do ônibus espacial em 2011 e da ISS em 2020. Uso de lançadores derivados dos foguetes privados atuais (super-EELV, com uma capacidade máxima de 75 toneladas em LEIO). No começo de 2020 seriam realizados os primeiros sobrevoos lunares e missões aos pontos de Lagrange, com missões à superfície lunar ou às luas marcianas no final da década.

 

Opção 5C: Caminho Flexível - Aposentadoria do ônibus espacial em 2011 e da ISS em 2020. Uso de um lançador derivado do ônibus espacial (100-110 toneladas). Como no caso da Opção 5A e 5B, no começo de 2020 os primeiros sobrevoos lunares e missões aos pontos de Lagrange poderiam ser realizados, além de missões à superfície lunar ou às luas marcianas no final da década.

 

A Comissão Augustine não se declara por nenhuma opção e deixa claro que estamos ante a uma escolha política, e como tal, é o presidente Barack Obama quem deve decidir sobre o futuro dos Estados Unidos no espaço. No entanto, diferentemente do relatório preliminar, o Comitê peca ao entrever sua preferência pelas opções 4A e 5A, ou seja: aposentadoria do ônibus espacial em 2011 e da ISS em 2020, cancelamento do Ares I e desenvolvimento do Ares V Lite.

 

* J. Ildefonso P. de Souza é físico e articulista, seu blog é http://entrononentro.haaan.com/.

- Com informações do Relatório da Comissão Augustine e blog Eureka.

- Imagens: Nasa/Bill Ingalls

- Tradução: J. Ildefonso P. de Souza.

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- Leia também: Viagens tripuladas à Lua e Marte são adiadas

 

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