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ENTREVISTA

 

Desse e de outros mundos:

Manchete entrevista Carl Sagan

O astrônomo Carl Sagan concedeu uma histórica entrevista à revista Manchete em 1975. Ele falou naquela época sobre a busca por vida inteligente, além de tecnologias e empreendimentos que ainda não existiam, prevendo-os para os tempos atuais, onde estes já são fatos.

 

Por Dante Villarruel*

De Florianópolis-SC

Para Via Fanzine

05/04/2024

 

Carl Sagan: um cientista que lutou pela inclusão científica.

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Cosmicamente antenado

 

Na edição de 11 de outubro de 1975, a saudosa e conceituada revista brasileira Manchete publicou essa entrevista exclusiva com o astrônomo e divulgador da ciência Carl Sagan. O norte-americano estava no ar em todo o mundo com a brilhante série televisiva “Cosmos”, que mostrava o Universo de uma maneira nunca vista antes, deixando sempre a vontade de querer assistir mais.

 

Alguns anos atrás, a série foi relançada em DVD e com informações atualizadas. A esposa de Sagan à partir de 1981, a escritora e produtora de projetos de popularização e explanação científica, Ann Druyan apresenta os episódios relançados em DVD antes e depois de mostrados os episódios clássicos com Carl Sagan.

 

Na época dessa entrevista, Sagan era casado com a escritora e artista norte-americana Linda Salzman Sagan, autora da ilustração na placa idealizada pelo cientista com a mensagem para supostos seres de outros mundos colocada na sonda Pioneer-10.

 

Como diz a revista Manchete, “Em 1972, ele começou a ficar mundialmente famoso por convencer a NASA a colocar na espaçonave Pioneer-10 uma mensagem dirigida a habitantes de outros planetas”. As pesquisas de Sagan concentravam-se na época da entrevista na determinação das características físicas e químicas da superfície e atmosfera dos planetas.

 

Sagan foi um dos raros cientistas a prever corretamente a temperatura de Vênus, a sustentar que a superfície de Marte apresentava grandes elevações e leitos secos de rios. Realizou levantamento das possibilidades de vida extraterrestre no quadro de uma nova disciplina conhecida como Exobiologia. Analisou diversas teorias e investigações em torno da origem da vida na Terra. Trabalhou em projetos da NASA e da Agência Nacional de Ciências dos EUA.

 

A revista Manchete ouviu Carl Sagan em Ithaca, ao norte de Nova Iorque, onde ele dirigia o Laboratório de Estudos Planetários e lecionava Astronomia e Ciências Espaciais na Universidade de Cornell.

 

Dois anos depois de ser diagnosticado com Mielodisplasia [ou Síndrome Mielodisplásica é uma doença que afeta a medula óssea] e depois de se submeter a três transplantes de medula óssea, provenientes de sua irmã, Carl Sagan faleceu de pneumonia, aos 62 anos de idade, no Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson de Seattle, Washington, em 20 de dezembro de 1996.

 

Muito do que ele previu no passado - como você verá nessa entrevista - já pode ser comprovado hoje, como quando fala da possibilidade, a partir dos anos 2000, de haver agências espaciais privadas, como nos moldes que temos atualmente. Naquela época, Elon Musk estava com quatro anos de idade.

 

De modo geral, ele pode ter se equivocado em algumas de suas ideias, mas seus acertos e aproximações sempre foram impressionantes. Sagan faleceu quando o rover (jipe-ribô) Sojounier estava chegando em Marte, para a missão Mar Patfhinder, fazendo com que a NASA renomeasse o módulo a Marte de “Carl Sagan Memorial”.

 

Quando o repórter brasileiro o perguntou se sua mensagem enviada ao espaço através da Pioneer já tinha sido respondida por seres extraterrestres, o cientista disse: “Sabendo-se que a espaçonave vai demorar pelo menos 80 mil anos para chegar à estrela mais próxima, eu acho que não devo ficar aflito por uma resposta”, afirmou Sagan.

 

Vamos à entrevista.

 

Revista Manchete entrevista Carl Sagan**

 

Manchete - E se depois de todo esse tempo, o destinatário não entender a mensagem?

Carl Sagan - O conteúdo da mensagem, ilustrada com desenhos da minha mulher, é suficientemente claro para ser entendido por qualquer civilização extraterrestre. As comunidades científicas saberiam decifrá-la. Na realidade, o único mistério, da mensagem são os dois seres humanos nela desenhados. Se, como pensamos, existem efetivamente seres extraterrestres, eles são produtos de 4,5 bilhões de anos do desenvolvimento biológico e talvez não tenham qualquer semelhança com os habitantes da Terra. Mas, se forem tecnicamente desenvolvidos para captar a Pioneer, também serão capazes de descobrir pela mensagem de onde e quando a astronave partiu.

 

Manchete - Quantos astrônomos estão empenhados em descobrir a existência de vida em outros planetas?

Carl Sagan - Há cerca de dois mil astrônomos nos EUA e quatro mil no resto do mundo. Naturalmente estão todos empenhados, de uma maneira ou de outra, nessa pesquisa.

  

Manchete - Como se processam as investigações? Limitam-se à operação de aparelhos colocados em espaçonaves americanas e soviéticas?

Carl Sagan - Embora a principal missão das naves espaciais não seja a de detectar sinais de vida em outros mundos, naturalmente elas não deixam de cumprir esta pesquisa, pelo menos em parte. Neste momento, tanto nos Estados Unidos quanto na União Soviética, deve haver ao menos um radiotelescópio apontado para uma estrela, tentando interceptar sinais.

 

Manchete - Que espécie de sinais, precisamente?

Carl Sagan - Escolhe-se a esmo uma das quinhentas estrelas mais próximas. Aponta-se o telescópio para ela, sintoniza-se na frequência considerada correta-AM ou FM e a ouve. O computador do laboratório analisa o sinal recebido para verificar se se trata de fato de um sinal ou de estática. Até agora só temos tido estática. Mas perseveramos em nosso esforço. Trata-se afinal, de um teste científico importantíssimo. Provavelmente, a mesma alternativa se desenvolve de outros mundos para a Terra.

 

Manchete - Como se pode ter certeza de que é estática? Não poderia ser uma mensagem sofisticada demais para nossos computadores?

Carl Sagan - Não entenderíamos realmente uma mensagem sofisticada. Quem estiver enviando a mensagem deve classificá-la como tal. Ela deve ter assim, duas partes. A primeira dizendo mais ou menos o seguinte: “Atenção, isto é uma mensagem”. Na segunda parte, a mensagem propriamente dita.

 

Manchete - Admitindo-se que essa mensagem entre num observatório dos EUA, e o senhor seja chamado para decifrá-la e respondê-la, o que diria? Tem algum esquema já montado para essa eventualidade? 

Carl Sagan - O problema comporta uma preliminar. A nossa comunicação não seria instantânea, como ocorre por exemplo, entre Washington e Paris. O nosso primeiro contato seria de natureza puramente científica. A verdade é que, por enquanto, não temos nenhuma mensagem preparada. De qualquer forma não haveria um diálogo, pois, mesmo admitindo-se que nos comunicamos com eles na velocidade da luz transcorreriam seiscentos anos entre uma resposta e uma pergunta. O período, evidentemente, poderá ser ainda maior.

 

Detalhe da ilustração que consta na sonda Pioneer 10.

 

Manchete - Além da mensagem colocada a bordo do Pioneer 10 há algum outro documento sendo enviado da Terra?

Carl Sagan - Conscientemente, não. Entretanto, nossos programas de televisão podem ser captados no espaço interplanetário.

 

Manchete - Num capítulo de “Cosmos”, o senhor critica os gastos militares e defende o programa espacial com uma série de argumentos, afirmando, por exemplo, que uma expedição não-tripulada a Marte seria inteiramente custeada se cada norte-americano comprasse uma revista com as fotos feitas durante a missão. O senhor não vê possibilidade de se atraírem empresas particulares para financiar certos programas espaciais?

Carl Sagan - A indústria da navegação espacial está hoje no mesmo nível da indústria de aviação antes da Primeira Guerra Mundial. Os custos são ainda muito altos e comportam graves riscos, pelo que se torna difícil interessar grupos privados no projeto. Acredito que dentro de vinte e cinco anos, já no século XXI, portanto, alguns investidores se interessarão por investimentos maciços na navegação espacial.

 

Manchete - Qual foi a principal contribuição que as explorações espaciais os deram até agora?

Carl Sagan - Vários cientistas ou grupos de cientistas terão diferentes respostas para esta pergunta. Pessoalmente, a descoberta que mais me fascinou foi a de que Marte já teve vários rios. As fotos do Mariner-9 são inequívocas. Os leitos secos têm milhares de quilômetros com ilhas e afluentes. Isto nos proporcionou vários esclarecimentos. Marte, hoje, não pode ter água, pois a pressão é muito baixa e ela se evaporaria rapidamente. A explicação que nos resta é que em outros tempos Marte teve uma atmosfera mais densa e pressão e temperatura mais altas, semelhantes às da Terra. Isto prova que os planetas estão sujeitos a profundas mudanças de clima. Se isso ocorreu em Marte, porque não teria ocorrido na Terra? Talvez, as mudanças de Marte não tenham sido naturais. A nossa civilização pode estar caminhando para o mesmo desastre ecológico. Além da revelação de que Marte já teve rios como os nossos, o Mariner-9 também mostrou que aquele planeta tem os maiores vulcões do sistema solar e ventos à velocidade de 150 metros por segundo. Um dos vulcões tem trinta quilômetros de altura. É fantástico, não?

 

Manchete - Se se provar que existe alguma forma de vida fora da Terra, que ramo da Ciência seria mais beneficiado com a descoberta?

Carl Sagan - A biologia, tenho certeza. Nenhuma outra ciência está tão limitada quanto ela. Aquela árvore lá fora, aqueles esquilos, eu, você, a mosca morta ali no chão, basicamente somos a mesma coisa. Temos a mesma bioquímica, os mesmos ácidos nucleicos, as mesmas proteínas. O biólogo então só trabalha com um exemplo de vida e não sabe o que é possível ou impossível. Está como um biólogo que só conhece um tipo de doença ou um físico que só pode trabalhar num meio ambiente, como um quarto. Como ele poderia saber que as partículas que caem naquele quarto caem nas mesmas condições em outros ambientes, sob outras pressões? Se descobrirmos um único exemplo de vida em algum lugar, saberemos uma infinidade de possibilidades e impossibilidades. Pode ser um tipo de vida muito diferente, ou poderemos ter a estarrecedora surpresa de descobrir que outros seres estão enquadrados na nossa origem. O que importa, é pesquisar, pesquisar sempre, em todas as direções.

 

Manchete - Dentro do programa espacial soviético ou norte-americano, qual missão poderá revelar sinais de alguma forma de vida?

Carl Sagan - Se há vida em Marte, a Viking deverá descobrir em 1976. A espaçonave só estará equipada, no entanto, para detectar um tipo de vida semelhante à nossa. Os laboratórios de bordo não poderão identificar outros tipos de vida em microrganismos. Se pousasse na Terra, a Viking detectaria vida mesmo que caísse no deserto de Gobi. Se a vida em Marte se enquadrar num tipo diferente de metabolismo, a Viking não poderá informar nada de definitivo. Ou, simplesmente nos dirá: “Não há vida em Marte”. E essa será a conclusão dos nossos pacientes levantamentos.

 

Manchete – A sonda Mariner-9 já não nos disse isso antes?

Carl Sagan - Absolutamente! Não nos disse. A Mariner nos revelou que não existe em Marte uma civilização como a nossa. Isso, convenhamos, é um pouco vago. É muito difícil, por outra parte, traduzir ou interpretar fotos. Vale lembrar que durante os primeiros voos dos astronautas, eles fizeram várias fotos da Terra que não revelam nenhuma forma de vida sobre o chão do nosso planeta. Mesmo determinadas fotos operadas à abaixa altura em certas regiões levariam a idêntica conclusão.

 

Manchete - Devemos aguardar então com pessimismo a caríssima expedição a Júpiter e Saturno, programada para o fim dessa década?

Carl Sagan - A missão Mariner-Jupiter-Saturn [N.E.: Em março de 1977, o nome dessa missão foi alterado para Voyager I e II] estará equipada com um fantástico sistema de televisão que nos dará as melhores fotos daqueles planetas. Mas estaremos só vendo nuvens e é isto que queremos. A coloração vermelha, amarela e laranja de Júpiter e Saturno sugere que tais nuvens sejam de complexos compostos de carbono, o mesmo material que deu origem à Terra. Acredita-se em meios científicos respeitáveis que o mesmo que ocorreu com o nosso planeta, durante a sua formação, esteja acontecendo hoje em Júpiter e Saturno. Sob o ponto de vista biológico, não será uma missão fundamental, mas poderemos descobrir muitas coisas na área da química orgânica.

 

Manchete - Além do senhor e dos astrônomos em geral, parece que outros grupos admitem a possibilidade de vida em outros planetas. É exato que a companhia de seguros Lloyd's, de Londres, recusou-se a aceitar um seguro de Stanley Kubrick relativo à vida em outros mundos?

Carl Sagan – É verdade. Durante as filmagens de “2001, uma Odisseia no Espaço”, Kubrick, muito preocupado com detalhes, começou a temer que alguma forma de inteligência extraterrestre pudesse ser descoberta e contraditasse o script do filme, que estava custando US$ 10,5 milhões. Ele procurou a Lloyd's para se garantir contra o risco. A companhia, que aceita os contratos mais insólitos, recusou-se a fazer o seguro proposto por Kubrick.

 

Manchete – Uma outra questão que estimaríamos ver respondida se refere aos problemas de contaminação oriundos de viagens espaciais?

Carl Sagan – Como não havia vida, tal como a entendemos, na Lua, a questão não foi examinada com a mesma atenção que deve ser dedicada a Marte.  No caso da Lua, as medidas de quarentena falharam. Se a Lua fosse um depósito de microrganismos violentos, teria havido uma verdadeira praga na Terra. Era uma escolha entre o desconforto dos astronautas e a remota possibilidade de morte de milhões de seres humanos. Quando as decisões foram tomadas, sempre se levou em conta evitar distúrbios para os astronautas. Se tais decisões forem certas ou erradas, não sei. Mas isto mostra como as medidas de garantia e quarentena são difíceis de tomar, quando nelas, estão envolvidos seres humanos.

 

Manchete – Que aconteceu com as bactérias que os astronautas deixaram na Lua?

Carl Sagan – A superfície lunar é auto-esterilizadora. É muito quente durante o dia e muito fria durante a noite. Por outro lado, há uma grande quantidade de radiação atingindo a superfície do satélite. Um planeta como Marte não é auto-esterilizador e assim, o perigo é maior.

 

Manchete – Insistimos em nossa pergunta: além de Marte, existem outros planetas ou satélites de planetas onde seria possível encontrar alguma forma de vida? As pesquisas nesse setor têm avançado?

Carl Sagan – O mais interessante satélite que conhecemos é Titã, a maior lua de Saturno, também a maior lua do sistema solar. Tem uma atmosfera densa - mais densa que a de Marte - e ao que tudo indica, está coberto com grossas camadas de nuvens vermelhas. As temperaturas parecem ser mais altas do que normalmente se poderia esperar. E a atmosfera deve conter hidrogênio e metano. Sabemos, que se estas moléculas são irradiadas, surgem componentes orgânicos. Em alguns trabalhos de laboratório que realizamos aqui em Cornell produzimos certos componentes orgânicos vermelhos que apresentavam atributos óticos das nuvens de Titã. Ao que se presume, Titã é um lugar onde a matéria orgânica é gerada em abundância e possivelmente cobre toda a sua superfície. Assim, se eu estivesse procurando vida fora da Terra, iria dar uma olhada em Titã. Júpiter é outra possibilidade. Trata-se de um lugar sob certos aspectos semelhante à Terra no que se refere ao tempo da origem da vida, há quatro bilhões de anos. Creio que algumas questões extremamente importantes sobre a origem da vida podem ser estudadas através da exploração do sistema solar.

 

Manchete – Uma última pergunta. Qual a certeza que o senhor tem de que este repórter que acaba de entrevistá-lo não é um venusiano disfarçado de ser extraterrestre e que tinha a missão de sondar suas intenções e penetrar a fundo nas suas informações científicas?

Carl Sagan – Nenhuma!   

 

* Dante Villarruel é jornalista, articulista para Via Fanzine e editor do portal Oráculo e da DTV em Florianópolis-SC.

 

** Fonte da entrevista: Revista Manchete – Editora Bloch, 11/10/1975.

 

- Fotos: Divulgação.

 

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