Natividade da Serra-SP:
Especulações sobre a ruína de Natividade
Escavações pouco
planejadas já danificaram irreversivelmente a espetacular ruína.
Por Carlos Perez Gomar*
Do Rio de
Janeiro-RJ
Para
Via
Fanzine
08/12/2011
O pequeno município de Natividade da
Serra, situado às margens do Reservatório de Paraibuna,
no Estado de São Paulo, guarda
vestígios ainda intactos de uma desconhecida civilização.
Tópicos
relacionados:
Ministério Público vai investigar suposta ruína em Natividade
Gomar
e o Relatório de Natividade - nota do editor VF
ACESSE O RELATÓRIO
ILUSTRADO DE CARLOS PÉREZ GOMAR
Laudo
do IPHAN diz que não há sítio arqueológico
Natividade da Serra: Quanto custa o desleixo e a omissão?
Entrevista exclusiva com Carlos
Pérez Gomar
Desfazendo o equívoco da
'pirâmide' de Natividade - Por C. P. Gomar
Nas supostas
ruínas de Natividade da Serra - Por C. P. Gomar
Especulações sobre a Ruína de
Natividade - Por C. P. Gomar
Natividade da Serra é um município
brasileiro pertencente ao Estado de São Paulo, na Microrregião de Paraibuna/Paraitinga,
pertencente à Mesorregião do Vale do Paraíba Paulista. Localiza-se a uma
latitude 23º22'32" sul e a uma longitude 45º26'31" oeste, estando a uma
altitude de 720 metros. Sua população estimada em 2004 era de 7.205
habitantes.
A ruína aqui mencionada se localiza ao sul
do Bairro das Palmeiras, pouco acima do chamado Bairro Alto.
Como não estive no
local só posso fazer observações pelo que vi em dois sites, o
Piramidal e o
Jornalismo Ciência e Cia.
A primeira
hipótese em que poderia pensar é que alguém andou cortando pedras para
uso em construções a meados do século XIX. A referência à ocupação da
área, diz que começou em 1853.
Poderia haver um
afloramento rochoso e terem sido cortadas pedras que ficaram largadas
por ali, algumas se assemelham, ao menos de longe, a lajes para
pavimentar pisos. No entanto, outras evidências contrariam esta hipótese.
Repare nas lajes
que essas pessoas acima estão pisando. Com um pouco mais de análise diria que
são muito grossas para servir apenas de pavimentação. Mais parecem
blocos para uma alvenaria de pedra aparente, sofisticada. Pela foto, a
pedra que está embaixo do pé de um deles tem 0.60m, de largura por 0.25m
de altura. Já o comprimento não se pode dizer exatamente, mas estimemos
em, no mínimo 1.25m. Esta pedra sendo de granito pesa no mínimo 487
quilos (peso do granito, 2.600 quilos por m³).
E se o comprimento for 1.80m seriam 700 quilos por bloco.
As lajes são
regulares pelos seis lados, e lajes para pisos antigos coloniais não
precisavam ter a parte de baixo regularizada, seriam menos grossas.
Esses blocos possivelmente eram de paredes de uma construção
prestigiada, de importância religiosa ou cerimonial, com certeza não
eram de uma simples moradia.
Ou então, teríamos
que admitir que alguém tentou fazer uma igreja no meio do nada. Ou
então, o que? O silêncio em torno deste sítio e a incapacidade de todos
os que deveriam dar respostas é assustador, diante do que ele possa
significar. E mesmo que não seja nada importante, o desinteresse
científico demonstrado é frustrante. Será que precisaremos chamar uma
universidade europeia ou americana para nos dizer algo a respeito?
Nesta primeira
foto (acima) notamos também que a ruína ocupa o topo de um morro e ao fundo
vemos a estrutura que montaram para desmontar parte da ruína. Portanto
esta construção se estende numa área bem grande, evidentemente, não é uma
única construção, mas várias. No sopé desse mesmo morro parece haver
outra estrutura enterrada perto do açude.
Também, parece que
no topo desse morro foram usados os materiais mais nobres, como é o caso
de alvenaria de pedra com junta seca e bem aparelhada.
Aqui temos mais
lajes padronizadas, onde se percebe que não tem cantos tão vivos,
mas bem arredondados. Poderíamos continuar, por enquanto, a
desconfiar que fosse material para uso no século XIX, mas esses cantos
arredondados me fazem pensar que não foram obtidos a base de cinzel, mas
por percussão de pedra com pedra. E em consequência, toda a sua superfície
ficou apicoada.
Mas vamos
continuar admitindo que possam ser restos de alguma pedreira do século
XIX. Porque um morro com afloramento rochoso pode ter no seu topo blocos
soltos que, eventualmente, seriam mais fáceis de trabalhar do que uma
pedreira do tipo, paredão em morro.
Muita pedra,
parecendo haver um bloco bem grande de aresta reta, mas é impossível
dimensionar. Este panorama poderia, confirmar que o local seria
interessante para preparar blocos para uso na época colonial.
Pelos restos
escavados de maneira brutal, se nota que escavaram até o recheio entre
os blocos dificultando sua interpretação. Podemos ver o que na foto
parece ter sido uma escada rústica, ou tipo de escada de caminho
empedrado onde se misturam, às vezes, com partes em rampa.
Neste caso o
trabalho já é menos sofisticado que em relação aos blocos das fotos
1
e 2. Aqui os blocos não
foram padronizados.
Acima, parece ter
sido uma rampa, mas escavaram demais, sem critério, sem conhecimento e
a ruína acabou por ter danificada a sua forma original.
Blocos grandes
como estes, evidentemente, não faziam parte de uma parede e com certeza
era um piso. No máximo seria uma escada ou mesmo uma mistura das duas
soluções. Mas para que blocos tão grandes? Pelo cabo da enxada que vejo
ao fundo, poderia dizer que o bloco maior, o que se encontra com a
enxada, deve ter 1.80 m de comprimento, 0.40 m de largura e 0.65 m de
altura. Isso daria um peso em torno de 1.200 quilos.
Vale a pena fazer
outra observação. Aqui se nota uma coisa que pode parecer bobagem, mas
não é. Normalmente, quando se trabalha com elementos de alvenaria se
intercala a junta entre um elemento e outro. Ao menos fazemos isto em
paredes para amarração, mas aqui se nota que os blocos estão alinhados em
sua maioria.
Bem ou mal as
juntas deixam uma passagem livre, entre os blocos. Perguntaria, o que havia entre
eles? Material que permitisse drenagem ou argamassa? Se alguém teve o
trabalho de pensar nisso, conhecia a importância da drenagem para e a
estabilidade de uma construção. E mesmo que fosse argamassa permitiria
alguma facilidade e de novo está parecido com técnicas andinas.
Aqui vemos mais
pedras aparelhadas. Não dá para dizer a que elemento pertenciam.
Escavando de maneira caótica se perde a interpretação do que vai
aparecendo. Notam-se manchas na pedra. E possível que algum objeto possa
ter se desintegrado deixando esta mancha ou pode ser apenas uma
alteração causada por algum mineral.
Nessa foto vemos o
local onde havia parte da construção. Só deixaram esse bloco. Mas, pela
foto, podemos dizer várias coisas. À direita o morro sobe e vai até
aquele ponto da foto
1. As rampas que vimos estariam (na posição de quem
tirou a foto) subindo para a direita.
Ao fundo se vê os
prédios do Hotel Fazenda Palmeiras. Antes deles, o açude, encoberto pelo
mato. Entre este morro e o açude se pode ver pela fotografia aérea no
Google Earth que existe uma estrutura enterrada com pelo menos 70m de
comprimento, antes do açude na direção desta foto. Ela é reta e se notam
dois ângulos retos nas extremidades.
Mas nessa foto, o que vemos é estarrecedor,
pois parte da ruína foi retirada
do local como se houvesse um trabalho de zapa planejado, como se se
quisesse ocultar algo. Aquele bloco sozinho, resto dos restos, é uma
gargalhada na nossa cara. Até quando? E o pior é que talvez tudo tenha
acontecido, apenas por ignorância.
Ou há um trabalho
deliberado para apagar parte da memória nacional?
Não sei porque
insistem em dizer que é uma pirâmide. O que deve ter acontecido é que
sendo um conjunto de construções em um morro, com o tempo e as árvores
nascendo e morrendo, foi sendo descalçado superficialmente e com a
erosão foi desmoronando e ficando com a forma bruta de algo
piramidal. Tenho certeza que muita gente achou que o assunto não era
sério exatamente por o terem descrito a ruína como uma "pirâmide". As pessoas
imaginam logo a pirâmide de Quéops.
Também não entendo
porque tanta análise geológica e comparação com coisas longe da América
do Sul. Foi comparada a monumentos de sinalização no México. Dá para
perceber que estamos diante de ruínas claras de um complexo construtivo
distribuído, principalmente, ocupando um morro. Diria, de maneira ousada,
que é muito similar às construções de culturas andinas.
Aquelas lajes das
fotos
1
e 2
são perturbadoramente parecidos a blocos de alvenarias de pedra seca
incaicas.
E sendo mais
atrevido diria que parecem as arquitraves das construções incaicas (peças que arrematavam a parte superior das janelas, junto ao início do
telhado). E digo claramente, janelas, porque uma arquitrave de porta é
maior, mais comprida. Fazendo-se análise e medição das peças de pedra
encontradas daria até para presumir como seria o edifício parcialmente
(espessura de paredes, largura de janelas, etc.). Poderia compará-las ao
estilo definido como “inca imperial”.
Este bloco,
segundo os artigos referidos, tem 1.75 de comprimento por 0.35 de altura
por 0.75 de largura, e podemos calcular seu peso em 1200 quilos. O tipo
de lajes seguindo um padrão de paralelogramo como vemos nas fotos, se
não tem nada a ver com culturas andinas só encontraríamos um
paralelo nas culturas do Mediterrâneo, anteriores a era cristã,
inclusive, pelo tamanho e peso das pedras.
Ao que parece
existem mais ruínas em propriedades vizinhas. Quem sabe o massacre e a
destruição que está acontecendo. Também há noticias de formações
curiosas em Lagoinha, cerca de 60 km ao leste deste sítio, e também na
conjunção da estrada para Salesópolis com a rodovia Tamoios.
Olhando a
fotografia aérea da cidade de Lagoinha é possível ver no topo de um
morro, a uns 1250 metros ao leste da cidade onde existem muitos
montículos com mais ou menos 10m de diâmetro que se não são apenas
efeito da fotografia, com certeza são obra humana. Parece haver mais,
porém, mais apagados.
O preocupante é
que o sitio de Natividade da Serra não existe oficialmente. Pelo o que sei,
ninguém assumiu a responsabilidade de proteger, muito menos estudar,
assim como tantos outros pelo Brasil afora. E para mim, este sítio, escandalosamente
interessante, guarda vestígios arquitetônicos da pré-história
brasileira e se faz um fato sem precedentes oficiais na arqueologia
brasileira.
E se seguirmos
dessa maneira, nunca vai haver um lugar para a arqueologia de arquiteturas na
pré-história brasileira, porque todas as evidências e sítios que se
enquadram nesse caso vêm sendo sistematicamente destruídos já por
séculos e nada consegue chegar para ser oficialmente reconhecido ou
estimular esse ramo da arqueologia.
É
por isso que a
pré-história brasileira é escassa de culturas mais refinadas.
Provavelmente, existem, mas, não conseguem colocar a cabeça fora da
água. E quando afloram, vem alguém e pisa.
Não se trata de
uma conspiração dos organismos oficiais, se trata de ineficiência pura e
falta total de recursos para o setor. Há poucos arqueólogos no Brasil e
para sobreviver não podem se meter em áreas desprestigiadas. E para
piorar as coisas, a população é mantida ligada em assuntos medíocres como
crimes, acidentes, futebol etc.
Não tenho nada
contra o futebol, mas futebol é para ser praticado, não para se tornar
um fanático de arquibancada. Como o público está ligado nas futilidades
que lhe são impostas, outros temas como a arqueologia não dão ibope.
E assim, o homem
moderno está sendo levado a ser um espectador de sofá e não um ator da
vida. E o que está acontecendo no sítio aqui comentado é perturbador
para qualquer pessoa consciente nesse país.
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* Arquiteto e
pesquisador arqueológico, nascido em 1946, em Montevidéu, Uruguai e
reside no Brasil desde 1958. Em 1968 cursou a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da UFRJ. Fez curso básico de arqueologia e participou do
Centro de Informação Arqueológica, iniciando o curso Superior de Estudos
Humanos, mas não terminou. A partir da década de 1960, passou a pesquisar a Pedra da Gávea. Em 1989 revalidou
o seu curso de Arquitetura na
Universidade da República em Montevidéu, passando a exercer a profissão
nos dois países. Trabalhou em paisagismo e restauração de edifícios
históricos. Em 1997 fundou junto
com outros 17 membros o Instituto Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro. Em
2000 participou da Comissão de Meio Ambiente do IAB-RJ, exercendo sua
coordenação. Em 1999 foi um dos sócios fundadores da Sociedade de Amigos
do Parque Nacional da Tijuca. Sua primeira subida a Pedra da Gávea foi
com o Clube Excursionista Carioca em 1964. Realizou 440 subidas a Pedra
da Gávea durante 45 anos e continua acompanhando tudo o que acontece
naquele local. |
- Com informações e imagens de
Piramidal e
Jornalismo Ciência e Cia.
- Imagens: Paulo Roberto Martini /Julio
Ottoboni / Arquivo C.P. Gomar.
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Pérez Gomar
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Natividade - Por C. P. Gomar
- Produção: Pepe Chaves.
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