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Museu
Perda do acervo: O Museu Nacional: in memoriam No processo das minhas pesquisas, tornei-me ávido leitor das matérias arqueológicas dos séculos XIX e XX publicadas nos Arquivos e Boletim do Museu Nacional, tomando conhecimento da obra arqueológica de cientistas brasileiros.
Por Oleg I. Dyakonov* De Moscou/Rússia Para Via Fanzine 05/09/2018
Oleg I. Dyakonov: pesquisador russo manifesta o seu pesar com a perda irreparável de todo o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Leia também: Dyakonov, um estudioso russo dos mistérios da pré-história brasileira Artigos de Oleg Dyakonov em Arquelovia: Introdução à Desconhecida Pré-História Brasileira Vida e descobertas de Gabriele D’Annunzio Baraldi Coronel Percy Harrison Fawcett: Cem anos de solidão A necessidade de preservação aos muros de Itaúna A verdadeira identidade do primeiro pesquisador da inscrição da Gávea Centenário da redescoberta da Cidade Perdida da Bahia
A UNESCO já equiparou a destruição do Museu Nacional do Rio de Janeiro com a destruição de Palmira nas mãos dos militantes do Estado Islâmico. Contudo, o caso de Palmira, apesar de todo o seu caráter trágico e irreparável das perdas, ainda pode ser aceito pela mente e a consciência – pois é bem sabido que números infinitos de tesouros culturais costumam ser perdidos nas guerras, sendo a Segunda Guerra Mundial o exemplo mais eloquente. Nós, os humanos, percebemos a guerra como um mal inevitável, que cobra seu tributo horrendo e devastador, em todas as esferas da vida da humanidade, sem falar das próprias vidas.
Mas o caso da destruição total e definitiva – literalmente da noite para o dia – de um museu representando o quinto acervo museológico do mundo, em um país ocidental e em pleno período de paz não pode ser percebido nem aceito pela mente e a consciência. Sem importar já as causas e os culpáveis da tragédia (pois, claramente, cabe aos próprios brasileiros emitir aqui o veredicto final), resta apenas constatar que quaisquer lamentações e pesares costumeiros inevitavelmente vão soar fracos, inúteis e inconvenientes em vista ao colossal, monstruoso e surreal fato da perda total do acervo, cuja importância para o brasileiro não precisa ser explicada nem ressaltada aqui – um monumento que, ao mesmo tempo, teve significação enorme para qualquer pessoa no mundo que não é indiferente a história e cultura do Brasil e, afinal, a todas as ciências diversas com as que o Museu Nacional estava vinculado.
O autor destas linhas – que seguramente experimentou a mesma sensação de choque, pesadelo e incapacidade de aceitar o fato que os brasileiros e todas as pessoas não indiferentes no mundo – de modo algum pode se sentir alheio ao que foi o Museu Nacional (há apenas três dias atrás!), apesar de não ter podido visitá-lo, o que a partir de agora vai lamentar sempre.
No processo das minhas pesquisas, tornei-me ávido leitor das matérias arqueológicas dos séculos XIX e XX publicadas nos Arquivos e Boletim do Museu Nacional (felizmente, já digitalizados há algum tempo!), tomando conhecimento da obra arqueológica de cientistas brasileiros como Domingos Soares Ferreira Penna (naturalista viajante do Museu Nacional), o botânico Ladislau Netto (último diretor do Museu na época imperial), o antropólogo Edgar Roquette-Pinto (outro diretor do Museu), o geólogo e naturalista americano Charles Frederick Hartt (fundador e diretor da seção geológica do Museu), para mencionar apenas alguns dos mais renomados. E, claramente, um especial destaque entre esses autores vai ao meu compatriota Alberto Childe (o russo Dmítri Petróvich Vanítsyn/1870-1950), grande egitólogo que dedicou sua vida ao Museu e manteve por muitos anos o cargo de conservador das antiguidades clássicas e orientais da instituição. Ocupou-se da custódia e estudo da famosa coleção egípcia do Museu, a qual, segundo as informações que obtivemos, pereceu na sua totalidade.
O autor destas linhas já não será o primeiro em fazer a comparação entre o destino do Museu Nacional e o da Biblioteca de Alexandria. Tal comparação vem à mente por si mesma, claro; mas também resulta inconsistente se lembrarmos o fato de que a destruição da antiga biblioteca, acontecida em várias etapas (ou talvez, em vez de etapas, trata-se na realidade de várias versões históricas), foi obra ora dos invasores estrangeiros, ora dos fanáticos religiosos. Outra vez a situação 'comum', muito diferente do destino do Museu Nacional do Rio. Contudo, a semelhança fundamental tragicamente ainda persiste - milênios passam, mas os refúgios da ciência, sabedoria e memória histórica da humanidade – tais estabelecimentos, uma das melhores coisas produzidas pela nossa civilização, – seguem sendo consumidos pelas chamas. Deficiência e barbárie da nossa espécie ou conspiração contra humanidade? A história revelará...
O pavor de pensar em tudo aquilo que foi perdido da forma irreparável (apenas vou mencionar aqui Luzia, "a primeira brasileira", que também teve grande importância para mim no marco das minhas pesquisas) persistirá por um tempo indefinido. Infelizmente, seguirá sendo para sempre uma dor inabalável e uma ferida não curada na alma daqueles que apreciam a cultura, a história e a ciência em geral, e as do Brasil, em particular.
* Oleg I. Dyakonov é licenciado em Diplomacia e Relações Internacionais, pesquisador em história alternativa. É correspondente e consultor para Via Fanzine em Moscou e editor do blog 'Desconhecida Pré-História Brasileira". É consultor e correspondente para Via Fanzine em Moscou (Rússia).
- Foto: Arquivo VF.
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