MOTOVIA ADVENTURE - Na trilha dos diamantes:
Alguns detalhes dos
caminhos da Estrada Real
Cinco dias na
estrada, conhecendo pessoas e lugares,
que se foram, mas
continuarão guardados para sempre.
Por
Al Cruz*
De
Vitória da Conquista-BA
Para
Via
Fanzine
11/01/2016
Ao longo de muitos quilômetros, a sensação
de liberdade ao conhecer novas culturas, pessoas,
lugares e
paladares vividos por Al Cruz e Pepe Chaves no interior de Minas Gerais.
Assista ao documentário na íntegra
Leia também:
Alguns detalhes dos caminhos da Estrada Real - artigo de Al Cruz
MOTOVIA ADVENTURE -
Diamantina 2015
Últimos destaques de Via Fanzine
'Da Bahia a Minas, estrada natural'
Minha
primeira aventura em uma moto de pequeno porte. Foram cerca de 1.500
quilômetros
de ida e volta percorridos entre Vitória da Conquista-BA e Milho Verde,
distrito do Serro, no Vale do Jequitinhona, estado de Minas Gerais,
Brasil.
Depois
de pensar muito sobre essa aventura e o que poderia acontecer no
decorrer da viagem, após ler inúmeros relatos de amigos aventureiros com
motos de pequena cilindrada, e do incentivo do meu amigo Pepe Chaves,
tomei coragem e decidi meter o pé na estrada. Nesse tempo, foram apenas
uma troca de óleo em minha Suzuki Intruder 125cc e dois ajustes na
corrente, nada mais, encarando buracos, areia solta, caminhões, chuva e
muita poeira. Meu amigo Pepe Chaves participou desta jornada pilotando
uma Honda Titan 150cc. Agradeço a Deus por ter corrido tudo bem.
Retornamos intactos, sem nenhum arranhão, nem ao menos um susto.
Coloquei o celular para despertar às 5h, porém acabei levantando
mais cedo. Tomei um banho, fiz um café, peguei meu material e parti no
sábado, dia 26 de dezembro de 2015. Na saída senti um desconforto por
causa da mochila nas costas, então mudei de posição, colocando-a em
minha frente. Assim ficou mais confortável durante toda a viagem. O
resultado foi por causa das duas pencas de bananas que coloquei
ali dentro. No final nem comi todas. Ao término da viagem, já não eram
mais bananas que eu estava carregando...
Localidades da Estrada rreal circuladas foram visitadas por Al Cruz e
Pepe Chaves na Motovia Adventure 2015,
exceto o Parque estadual Pico do Itambé, que foi visitado somente por
Pepe Chaves, antes de seu retorno a BH.
Ao
sair de Vitória da Conquista, Bahia rumo à Estrada Real mineira, o sol
ainda estava adormecido. Quando cheguei aos limites da cidade com a
BR-116, comecei a pensar no tráfego intenso de caminhões. Respirei fundo
e fui em frente, tentando manter a tensão sob controle.
Felizmente tudo correu bem, sem sustos. A pista está muito boa, com
acostamentos e trechos de faixas adicionais que contribuíram para a
segurança. Meu olhar não saia do retrovisor por mais do que 10 segundos.
Quando eu avistava um caminhão se aproximando, logo jogava a moto para a
direita, procurando manter a maior distância lateral possível. Alguns
caminhoneiros até buzinavam em sinal de agradecimento, o que retribuía
de imediato.
Cheguei a Cândido Sales, uma das cidades baianas cortadas pela BR-116, por volta
das 6h30. Descansei um tempinho, enviei uma mensagem para o amigo Pepe
Chaves, informando sobre a minha localização naquele momento. Segui em
frente, passando por Divisa Alegre, cidade na divisa dos estados de Minas
Gerais e Bahia.
Fui tocando adiante quando decidi parar para tirar uma foto de uma placa
indicando os limites da divisa entre os dois Estados.
Essa
foi apenas a primeira de outras aventuras que virão. Não sei se farei um percurso
tão longo novamente, pois o cansaço é enorme, ainda mais quando se
encontra um caminho de terra pela frente, cheio de pedras, buracos,
"costelas de vaca" e poeira, que parecem intermináveis.
Cruzando a divisa dos estado da Bahia e Minas Gerais.
Teve
um trecho da viagem, antes de me encontrar com Pepe Chaves, que gastei
duas horas para cobrir apenas 42 quilômetros de uma estrada de
chão. Em certos locais havia tanto pó solto no chão, que a moto derrapava até em
primeira marcha. Não poderia extrapolar o limite de velocidade além dos
15 ou 20 km/h, pois a moto poderia me deixar pelo meio do caminho.
Para
piorar a situação, ao longe, avistei uma enorme nuvem cinzenta se
aproximando com relâmpagos e trovoadas. Não demorou para o céu desabar.
Minha salvação foi uma barraca na beira da estrada, onde se encontrava
um rapaz vendendo abacaxis. Aproveitei para dar uma parada, saborear um
suculento abacaxi, enquanto aguardava a chuva passar.
Fiquei
ali por volta de 30 minutos, já preocupado com o fato de não chegar no
horário combinado, em um posto de gasolina na beira da MG-10, na cidade de Couto de Magalhães
de Minas. Tentei me comunicar com o Pepe por sms. Ele estava vindo de
Belo Horizonte e já deveria estar próximo, mas não havia sinal para
minha operadora de celular. O jeito era
seguir caminho até o local marcado.
Passei
por Itaobim, onde, para meu alívio, deixei a temida BR-116 para trás.
Ali tomei uns goles de água e comi mais bananas. Descansei um pouco, para
não muito, pegar a pista outra vez. A próxima parada foi em Araçuaí, de
onde consegui enviar a última mensagem para o Pepe.
Foi um
imprevisto que me fez chegar atrasado à cidade onde combinamos, eu e o
Pepe Chaves, que nos encontraríamos, em Couto de Magalhães de
Minas, não muito distante de Diamantina.
O
calor era infernal. Quando se faz uma viagem assim, não cabe apenas
registrar as belas paisagens. A seca que paira às margens do rio
Jequitinhonha é notória e preocupante. Em grande parte do rio só se vê bancos de
areia.
Após
vencer o terrível obstáculo com 42 quilômetros de terra entre Virgem da Lapa e Lelivéldia,
já no estado de Minas Gerais, passei por outros pontos do meu
roteiro, com pista de melhor qualidade até finalmente chegar em Couto de
Malhães, mais ou
menos após as 20h, imaginando que o Pepe já estaria por lá. Para
minha surpresa, ele havia enfrentado o mesmo problema que o eu: chuva,
estrada de chão e poeira pelo caminho também lhe causaram atrasos
consideráveis.
Saída de Couto de Magalhães de Minas, rumo a Diamantina, Serro e depois
Milho Verde.
Encontro em Couto de
Magalhães de Minas
Novamente, tentei contato novamente com Pepe, mas, sem sucesso.
Não havia sinal para o meu celular. Pedi, então, a um rapaz que estava
num bar, o celular dele emprestado, uma vez que era da mesma operadora
do Pepe. A princípio não consegui com a primeira ligação. Optei por
passar-lhe uma mensagem, dizendo que já havia chegado em Couto. Quando
estava saindo do bar, por sorte, o mesmo rapaz me chamou, dizendo que
estava recebendo uma ligação do Pepe que acabara de ler a minha
mensagem. No final deu tudo certo, falei com ele me informando sobre os
problemas enfrentados e que já estava no nosso local marcado. Ele
informou que se encontrava a 10 quilômetros de Couto de Magalhães e me
pediu para aguardar no local.
Passados alguns minutos, finalmente nos encontramos. Pelo fato de já ser
noite, decidimos procurar um local para dormirmos, para no dia seguinte,
tocarmos rumo a Diamantina, dali para Serro e Milho Verde. Passamos a noite em
um hotel anexo a um posto de gasolina que funcionava 24h, o que nos
obrigou a ouvir de funk a sertanejo por quase a noite inteira.
No
início, quando o meu amigo Pepe Chaves perguntou se alguém aceitava ir com
ele para Milho Verde, estância turística de Minas Gerais, onde se
encontram algumas belas cachoeiras, pessoas receptivas e comida
saborosa, respondi que topava. Apesar de não ter sido uma resposta
definitiva a princípio, e das dúvidas que pairavam sobre a viagem, pedi um tempo para poder refletir. Nunca havia encarado antes um percurso
tão longo em uma moto de 125 cilindradas.
Passarela de madeira para acessar a Cachoeira dos Cristais, no Parque
Estadual do Biribiri.
O Pepe
faria a viagem e o meu desejo de participar
dessa aventura era imenso, porém, sempre imaginando as adversidades que
eu poderia
encontrar pelo caminho. Uma das principais dúvidas era se a minha moto aguentaria tamanha jornada. Então comecei a buscar freneticamente
relatos de pessoas aventureiras, que encararam enormes distâncias em
suas pequenas motocicletas. Num desses relatos, encontrei a incrível aventura de um professor,
percorrendo aproximadamente 4500 quilômetros em uma Hunter de 90cc. À
medida que ia lendo tais relatos, minha coragem aumentava na mesma
proporção. O medo não era da viagem, era de ficar pelo meio do caminho,
que a moto não suportasse tamanho esforço.
Enfim,
o amor pela aventura e a natureza acabaram decidindo. Um dia
antes de partir, arrumei toda a bagagem na traseira da moto. Roupas, colchonete, barraca, material de primeiros socorros e algumas
ferramentas. A carga ficou enorme, mas consegui deixar tudo bem preso
usando as cordas de elástico, muito úteis para essa eventualidade. Em
outra mochila de menor tamanho, apenas material de uso frequente como
água, alimento e outros itens essenciais de uso pessoal.
Pepe Chaves, na parada no trevo na saída de Diamantina para o Parque Estadual do Biribiri.
Parque Estadual do
Biribiri
Acordamos na
manhã seguinte, dia 27 de dezembro de 2015, abastecemos as motos e
partimos rumo a Diamantina, cidade onde está localizado o Parque
Estadual do Biribiri, uma das mais belas reservas ecológicas da região. Chegando lá, na entrada
para o portal do parque, tiramos fotos das placas
indicadoras de localidades e das belas paisagens de pedras ao redor.
No caminho para Biribiri, encontramos um
personagem simpaticíssimo, o senhor Wandir, dono do Bar da Pedra,
próximo ao portal do parque.
Líder comunitário local e colaborador do futebol das crianças do bairro,
ele nos contou que vive na casa anexa ao bar, juntamente com a sua
esposa, que trabalha fora. Wandir se trata de uma pessoa humilde e muito atenciosa. Conversamos bastante
sobre os locais que pretendíamos visitar, enquanto tomávamos um refrigerante para
matar a sede, carregávamos o celular e o ouvíamos falar.
Al
Cruz, no Bar da Pedra, próximo ao portal de entrada do Parque Estadual
do Biribiri.
Despedimos do senhor Wandir, agradecendo sua gentileza e acolhimento. Logo acima do
Bar da Pedra, no portal de entrada do parque, fomos orientados por
agentes do IEF (Instituto Estadual de Florestas) sobre os
procedimentos a serem seguidos durante nossa visita por lá. Da entrada
até a vila de Biribiri são 13 quilômetros. Seguimos por uma irregular estrada de terra até a primeira atração, a Cachoeira
Sentinela.
Detalhes do Parque Estadual do Biribiri, próximo à Cachoeira de
Sentinela.
Um lugar bonito onde há uma pequena barragem feita de cimento. No
momento havia alguns veículos parados e vários turistas espalhados pelo
lugar. O
único ponto negativo foi uma placa indicando uma área proibida para banho,
próxima à cachoeira.
Indagamos a um turista que estava no local sobre o porquê de aquela
placa estar ali, mas ele não soube responder. Pepe suspeitou que fosse
poluição por esgoto, o que foi confirmado mais tarde pelo senhor Wandir, quando
retornamos do parque e passamos novamente pelo seu bar.
Ponte de madeira no Parque Estadual do Biribiri.
Tiramos algumas fotos e tocamos em frente, rumo a grande atração do
parque, a bela Cachoeira dos Cristais, distante a seis quilômetros dali.
Lá chegando, após percorrermos uma estrada de
terra batida bastante irregular, deixamos as motos estacionadas,
passamos sobre uma velha ponte de madeira, provavelmente construída no
período dos escravos, tiramos fotos e aproveitamos para tomar um banho
nas águas geladas dos Cristais.
A
Cachoeira dos Cristais, uma das atrações do Parque Estadual do Biribiri.
Vila de Biribiri e
acampamento na mata
A distância da
Cachoeira dos Cristais até a
Vila
de Biribiri é de apenas um quilômetro.
Fomos
em frente, em direção à antiga fábrica de tecidos
Estamparia S/A que operou tempos
atrás no local, quando o acesso era ainda pior que nos dias atuais.
Fomos informados que os
locais que abrigavam os antigos operários da Estamparia S/A (que
chegaram a mais de cinco mil) atualmente são casas que foram compradas
por particulares. O local é bastante frequentado e mantém dois
restaurantes e uma bela capela. A vila nasceu em torno da fábrica e esta
encerrou suas atividades no início da década de 1970.
Detalhe de algumas casas da Vila Biribiri, hoje de propriedade
particular,
mas
integrada ao Parque Estadual do Biribiri para visitação pública.
Fotografamos a vila, a velha fábrica e até uma gralha no local. A tarde
já estava se esvaindo e precisávamos encontrar um ponto onde pudéssemos
passar a noite acampados. A questão é que todos os locais estavam
proibidos de receber acampamentos dentro da Vila de Biribiri.
Na Vila de Biribiri
perguntamos a um dos administradores do local se ele sabia de um lugar onde pudéssemos
acampar. Segundo ele, não era permitido acampar dentro dos limites da
vila,
mas que havia um local próximo onde costumava indicar. Não era da sua
responsabilidade, porém ele o fazia por boa vontade.
A
antiga fábrica têxtil, Estamparia S/A, que hoje mudou o seu ramo para o
turismo e administra a Vila de Biribiri.
Eu e
Pepe demos uma vasculhada na área. Infelizmente não encontramos um lugar
apropriado para armar as barracas por ali. Pepe sugeriu um lugar onde havia
uma areia no leito do rio que passava ao fundo. Achei pouco apropriado,
uma vez que poderia chover e a água nos pegar de surpresa. Sem contar o
fato de que répteis como cobras costumam ficar naquele tipo de ambiente.
Capela da Vila de Biribiri, que passava por reformas.
Enfim,
concluímos que deveríamos voltar para as proximidades da Cachoeira dos Cristais e
procurar um lugar onde fosse possível firmar acampamento, fora dos
limites do parque. Separamo-nos para agilizar a busca e seguimos por
trilhas. Em determinado local, encontrei uma
pequena trilha que acabava num local perfeito para acampar. Havia até
indícios de acampamentos anteriores. Pegamos nossas motos, seguimos pela
trilha e as deixamos perto do local onde montaríamos as barracas.
Al
Cruz e Pepe Chaves, em acampamento nas proximidades do Parque Estadual
do Biribiri.
A
noite se precipitava. Abreviamos a montagem das barracas, pois além da
noite, uma chuva poderia cair a qualquer instante. Não tardou para que
isto acontecesse. Foi apenas o tempo necessário para deixar tudo pronto
e proteger os nossos pertences dentro das barracas.
A chuva veio, com intensidade moderada, porém o suficiente para deixar a
minha barraca com gotas de água pingando por conta de um furo na tenda. O Pepe também estava
com o mesmo problema, mas conseguiu resolver colocando um pedaço de sacola
plástica e uma camisa molhada sobre o furo no teto da barraca. Segui a
ideia dele, conseguindo estancar a goteira, mas o piso ainda ficou
molhado. Passei um pano para secar. Só não foi possível acender uma
fogueira, comemos um lanche frio, tomamos um vinho "Pérgola" e ficamos
conversando até o sono chegar.
Ao amanhecer desmontamos o
acampamento, arriamos as motos e saímos
de Biribiri na manhã de domingo, dia 28 de dezembro de 2015 e na volta
passamos novamente no Bar da Pedra. Dessa vez, o senhor Wandir havia preparado um
delicioso bolo de milho com café. Eu e o Pepe não havíamos tomado café até então. Aquele
bolo simplesmente caiu do céu. Mais uma vez passamos um bom tempo ali, o
que nos permitiu também carregar os celulares.
Impossível deixar de ouvir alguém tão agradável quanto o senhor Wandir.
Ele nos falou um pouco dos problemas de sua comunidade, do apoio que
cede às crianças para a prática do esporte e mostrou alguns cristais que coleciona e foram extraídos da
região. Foi difícil, mas tínhamos que seguir caminho, dali de Diamantina
até o Serro e depois Milho Verde.
Pepe Chaves e Al Cruz, de volta ao Bar da Pedra, com Wandir e os
diamantes, tendo ao fundo a curiosa pedra que nomeia o bar.
Diamantina, Serro,
Datas, Três Barras e Milho Verde
Paramos no centro de Diamantina onde almoçamos no aconchegante
Restaurante e Lanchonete São José,
situado em frente à estátua do filho mais ilustre daquela terra: o
ex-presidente da República Juscelino Kubitschek. Comida
boa, barata e à vontade. Tomamos fotos da Catedral de Diamantina e do
casario antigo no centro da cidade.
Casarão, a estátua de JK e Al Cruz, em Diamantina.
A arquitetura da cidade e as belas capelas ainda conservam seus ares de
um passado religioso. As ruas de pedras e as inúmeras ladeiras incomodam
tanto quem anda a pé quanto quem anda de carro ou moto. Manter a
originalidade da cidade é, sem dúvida, o mais importante. A região
central da cidade é bastante movimentada e também pudemos distinguir
alguns turistas em Diamantina.
A
bela Catedral de Diamantina-MG.
Após
abastecermos as motos, nós partimos rumo ao Serro. Entretanto, antes de chegar ao Serro,
paramos em Datas, outra pequena cidade não muito distante de Diamantina,
onde tiramos fotos da igreja local e região central. Ficamos ali por pouco tempo. No céu, nuvens cinzentas
anunciavam a chegada de uma tempestade. Contudo, felizmente não fomos
pegos, pois a chuva passou ao lado.
Igreja Matriz de Datas-MG, que passava por reformas.
Chegamos ao Serro e fomos recebidos pelas cores da noite. Hospedamo-nos no
Dormitório Senhora Aparecida, estabelecimento de propriedade senhor Eli e da dona
Neiva. O senhor Eli era marido da dona Neiva e infelizmente ficamos
sabendo que ele havia falecido poucos dias antes de nossa estadia. Mesmo
assim, a dona Neiva, outra personagem imprescindível da nossa viagem,
nos recebeu muito bem, dedicando-nos toda a atenção possível.
O
Dormitório Senhora Aparecida, nosso porto seguro no Serro.
Na
pensão de Dona Neiva tem
sempre uma comida maravilhosa, um delicioso café da manhã
com direito ao famoso queijo do Serro, além de ser um local tranquilo e
com preços módicos. Todos os aposentos da casa são humildes mas muito
bem cuidados. Após a morte do marido, Dona Neiva passou a administrar o
estabelecimento com a ajuda do seu filho, Paulo.
Capelas do Serro-MG.
A noite saímos pelo Serro
e vimos uma cidade bastante movimentada pelo turismo. Hotéis e pousadas
com hóspedes, um trânsito acentuado em ruas calçadas com pedras bastante
irregulares, o que exige a paciência de motoristas e pedestres. Nós
registramos belas igrejas históricas, partes de um cenário que ainda
fica mais belo quando a noite cai e uma fraca luz escorre no semblante
destas capelas.
Ali no Serro, uma espécie
de nosso cais naquela região, se deu o nosso primeiro ponto para
descanso e observações mútuas sobre a viagem até então. Um bom vinho e
um deliciosa pizza num aconchegante restaurante do Serro foi o palco
para nossas conversas. Na pizzaria rimos bastante relembrando o passado
de nossas calorosas discussões com outros membros no grupo
UFOVIA.
Café da manhã simples, mas delicioso, com um
famoso queijo
do
Serro na pensão da Dona Neiva (no detalhe).
No dia seguinte, despedimo-nos de
Dona Neiva e após
percorrermos os 22 quilômetros do Serro até Milho Verde, finalmente atingiríamos o
nosso destino final traçado nesta jornada. Saímos do Serro e no caminho
fizemos uma parada na pequena localidade de Três Barras, onde uma capela
está edificada bem ao lado da rodovia. No local encontra-se um marco da
Estrada Real, destacando trecho do caminho dos antigos tropeiros, garimpeiros, escravos e
mascates entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ao longo
da viagem pudemos avistar diversos destes marcos geográficos.
Ali em
Três Barras, uma senhora e seu filho pelejavam com muito custo arriar um
burro com várias mercadorias em caixas amarradas no animal. Certamente, para seguirem a pé
conduzindo o burro de carga por
muitos quilômetros até o seu lar. Dizem que em Três Barras não tem
cachoeira, mas existe um belo poço natural, que infelizmente não pudemos
visitá-lo dessa vez. Tomamos algumas fotos e seguimos adiante.
Defronte a Igreja Matriz de Três Barras, Pepe Chaves fotografa um marco
da Estrada Real (no detalhe acima).
Quase
na chegada do distrito de Milho Verde, nós passamos por algumas placas
indicando entradas para algumas cachoeiras. Após uma forte e longa
subida, finalmente adentramos em Milho Verde. No entanto, a prioridade
então, era procurar logo um lugar para acamparmos e "desarriaríamos" as
nossas mulas mecânicas.
Sondamos os arredores, consultamos preços de duas áreas de campings, até
decidirmos pelo Camping do Ademar. Pepe foi o responsável por fazer os
acordos financeiros para a hospedagem e no final o preço ficou bem
atrativo para nós. Montamos o acampamento em uma hora e fomos almoçar no
Bar do Ademar.
Barracas montados no Camping do Ademar (no detalhe acima), em Milho
Verde.
O
comerciante
Ademar, 55 anos, é mais um personagem que merece o nosso reconhecimento.
Figura marcante em Milho Verde, ali vive ao lado dos filhos e sua esposa,
Dona Ângela, responsável pelos afazeres culinários e os
cuidados da casa, anexa ao seu bar e restaurante. Ele nos contou que
está construindo quartos para alugar na parte superior de seu bar,
oferecendo futuramente o serviço de Pousada.
Sr.
Ademar e Dona Ângela são pessoas simples que nos tratam
com a devida distinção e merecem uma visita
sempre que possível. Eles vivem dentro de um universo manso, gente que ainda têm prazer de conversar, falar um pouco de seu
mundo tranquilo, ali em Milho Verde.
Pudemos sentar e almoçar
na mesa de sua casa e saborear uma simples, mas diferenciada comida
mineira, da qual sentimos saudades até hoje. Em sua casa Dona Ângela se
dedica também a montar, já por vários anos, um presépio que reúne peças
distintas, algumas das quais ganhadas por ela. O presépio ocupa parte de
sua de estar e um dos destaques é um instrumento que bombeia e movimenta
a água, criado pelo Sr. Nelcir - que citaremos mais adiante.
Detalhe do Presépio da Dona Ângela, que reúne dezenas de peças de épocas
distintas.
No
acampamento, uma grande chácara toda gramada, algumas barracas de outros visitantes já estavam instaladas.
Tão logo retornamos do almoço, nós saímos para conhecer as cachoeiras. Pepe Chaves
mostrou que este mundo é pequeno: encontrou no camping um vizinho seu,
até então desconhecido, que mora na sua mesma rua, em Belo Horizonte.
Milho
Verde, distrito situado a 22 quilômetros do Serro, é um vilarejo próprio para
quem procura um lugar para viver sossegado. Nem uma rua calçada no
distrito (o que gera queixa de muitos moradores contra a Prefeitura do
Serro). Em alguns trechos da pequena vila, esgotos correm a céu aberto e
cachorros de rua bebem aquela água - nós vimos isso. Mas, ali, os prós
acabam por pesar mais que os contras, em meio a pessoas atenciosas e
paisagens de uma natureza única, que infelizmente pudemos conhecer em
sua totalidade.
Um almoço simples e apetitoso do restaurante Engenhoca Real.
E foi
este lado positivo daquela localidade que fez o Sr. Nelcir,
cidadão do Serro, abandonar sua terra natal para morar naquele distrito.
Nos encontramos a noite em um bar e conversamos
bastante, quando ele nos contou um pouco de sua trajetória no Brasil e
no exterior e suas experiências de
vida. Nós
o conhecemos por acaso, quando saímos a pé para comer algo à noite, depois de
termos visitado as principais cachoeiras locais.
Durante a noite, munidos de lanternas,
também visitamos o mirante de Milho Verde, um Cruzeiro de onde avista-se
grande parte da vila e daquela região. Caminhamos até lá tomando vinho e ouvindo o
barulho noturno de pássaros e insetos. Procuramos observar o céu, mas o tempo
teimava em ficar nublado.
Detalhe da Igreja Matriz de Milho Verde.
Cachoeiras de Milho
Verde
Em Milho Verde nós passamos
pela Cachoeira do Moinho, muito bela, mas que estava com pouco volume
d’água na ocasião. No caminho encontramos uma aranha caranguejeira
passeando pela trilha. Ainda há moinhos no local, transformando milho em
fubá, cuja moedeira funciona pela força das quedas da cachoeira.
Detalhes da Cachoeira do Moinho, em Milho Verde que,
infelizmente, encontrava-se com pouca água.
A
Cachoeira do Carijó está situada a cerca de um quilômetro da Cachoeira do Moinho,
estava com volume de água bem maior. Aproveitei para tomar um banho. O
Pepe preferiu não se aventurar, ficando apenas no banho de gato na parte
de cima da cachoeira. No local, uma família com várias crianças brincava
nas águas frias e abundantes da Cachoeira do Carijó, a mais caudalosa
região que visitamos.
A Cachoeira do Carijó era a mais caudalosa entre as que nós visitamos,
Na
terça feira, dia 29 de dezembro de 2015, fomos para a Cachoeira do
Piolho, aproximadamente três quilômetros de distância. O Pepe queria ir de moto, mas
preferi ir andando para visualizar melhor as redondezas ao longo de 2,5
quilômetros. Ele concordou, deixamos as motos no camping e seguimos em
passo normal. O sol e o calor estavam ardendo.
Finamente encontramos o acesso para a cachoeira, que passa dentro de uma
propriedade particular. Ali conseguimos umas mangas pra chupar. No
caminho havia uma mangueira, o que foi um prêmio para a nossa suada
caminhada. Mais abaixo outro pé de manga de onde derrubei mais alguns
belos exemplares para nós.
Detalhes da Cachoeira do Piolho: Al Cruz toma um "banho de chuva" na
cachoeira.
A
Cachoeira do Piolho também estava fraquinha com pouco volume de água.
Apesar das constantes chuvas na região, parecia que os leitos dos rios
não receberam água nenhuma. Nada que impedisse um banho sob um
chuveiro natural que despencava lá do alto. O banho nesta cachoeira
parecia uma forte chuva e foi até melhor que os anteriores. O Pepe
preferiu nadar no poço que se forma abaixo da queda d'água, mas depois
tomou um pouco daquela "chuva" também.
As mangas que encontramos
no local caíram do céu, pois ajudaram a nos hidratar depois da longa
caminhada. Com os banhos naquela água pudemos descansar um pouco a
musculatura, sobretudo, dos esforços sofridos na estrada nos últimos
dias.
Detalhes da Cachoeira do Piolho: Al Cruz toma um "banho de chuva" na
cachoeira.
Nós, permanecemos
por um tempo no local, fotografando e filmando e depois retornamos a
caminhada para Milho Verde. No caminho, resolvemos dar uma parada para
descansar sob a sombra de uma árvore. O calor estava intenso e a fadiga
era grande. Avistamos um carro que se aproximava e pedimos carona,
usando o velho e bom polegar! Como de costume, fomos bem recebidos pelo
motorista, um senhor acompanhado por sua esposa. Fomos conversando com
eles até chegarmos mais aliviados fisicamente a Milho Verde.
Em Milho Verde pudemos
conversar com alguns turistas e pessoas nativas de lá. Um lugar onde não
vimos nenhuma confusão, nenhum problema relacionado a segurança, pelo
contrário: muitos deixam as casas abertas e muitas nem têm muros.
Milho Verde nos deixaria
saudades, onde pudemos conhecer o casal Ademar e Ângela. A comida feita pela
Dona Ângela é excepcional, o que foi atestado também por outros turistas
que almoçaram conosco. Uma típica comida mineira, com o tempero
exatamente à devida altura.
Últimos instantes juntos em Milho Verde: motos receberam acertos
finais para cada um pegar o seu rumo.
Pepe
pretendia retornar para a cidade do Serro, de onde pegaria estrada para
o Parque Estadual do Pico de Itambé, em Santo Antônio do Itambé-MG, pequena
cidade situada a 22 quilômetros dali e que guarda algumas maravilhas
naturais. De acordo com informações de um visitante
que encontramos em Biribiri e que estivera antes por lá, o lugar era
muito bonito, e segundo Pepe Chaves, valia a pena uma visita. Gostaria
de ter ido junto com o meu amigo, mas teria que mudar meus planos.
Estava decidido a voltar para Diamantina pelo caminho mais curto e dali
tomar o meu caminho de volta para a Bahia.
Acertamos nossas pendências com o senhor Ademar e a esposa dele,
levantamos acampamento e nos despedimos de Milho Verde. Ali, eu e o Pepe
nos separaríamos. Segui com o Pepe até a única oficina de motos da Milho
Verde, onde ele parou para esticar as correntes de sua moto. Iríamos
descer na última cachoeira na saída de Milho Verde, mas chegando lá,
resolvemos seguir viagem, pois já estava tarde e uma chuva se aproximava. Ali nos despedimos e
tomamos direções opostas, Pepe seguiu sentido Belo Horizonte, e eu sentido
Diamantina, pela via mais próxima, que somava 43 quilômetros até lá.
Curiosa formação rochosa na beira da rodovia na região da Estrada Real.
Novamente o Serro
Enquanto o Pepe partia rumo ao Serro, eu fiquei sabendo por intermédio de um
cidadão que o caminho mais curto por onde eu retornaria à Diamantina,
era uma estrada de terra. Resolvi de imediato contatar o Pepe, pois eu não
estava nem um pouco animado a encarar outros 42 quilômetros de chão, apesar de
ser a rota mais curta. Mandei-lhe uma mensagem pedindo para que me
aguardasse no caminho. No entanto a mensagem chegou tarde.
Cheguei no
Serro antes dele (que disse ter parado na Cachoeira de Tempo Perdido, na
saída de Milho Verde, caminho pra Capivari) e fui direto para o dormitório da dona Neiva onde
retornei e passaria outra noite. Ao sair para tirar fotos, percebi uma moto
estacionada em frente a um bar. Ali, estava o Pepe saboreando um
salgado e um refri. Foi uma surpresa, e nos reunimos outra vez,
hospedando-nos novamente no estabelecimento da Dona Neiva e passamos
mais uma noite no Serro.
Pela manhã seguinte, me
despedi de um Pepe ainda sonolento que levantaria mais tarde e seguiria
seu caminho para Santo Antônio do Itambé.
Placa que encontramos em uma casa do Serro.
Último dia do ano
Na
quinta-feira, dia 31 de dezembro de 2015, peguei a pista de volta à
Diamantina, lá chegando por volta de umas 10 e pouco da manhã.
Consegui
uma pousada, saí a pé para dar uma volta pela cidade e tirar mais fotos.
Percorri um pedaço do Caminho dos Escravos, andando a pé por cerca de sete
quilômetros.
De volta à pousada, lá pelas 16 horas, vi um cartaz sobre a gruta do
Salitre. Perguntei ao Jefferson, filho da dona da pousada, se ele sabia
algo a respeito. Ele me disse que era estudante de Turismo e que já
havia visitado a gruta umas três vezes. Disse que o lugar era
maravilhoso e realmente era.
Meu objetivo era ficar mais um dia em Diamantina para
conhecer melhor a cidade, conforme havia dito antes ao Pepe. Foi uma
pena eu ter ficado sabendo sobre a gruta quando era tarde. No dia
seguinte, sexta feira, dia 01 de janeiro de 2016, eu decidi ir lá, pois
o Jefferson me disse que o local estaria a uns nove quilômetros de distância. Isso atrasaria um pouco o meu retorno para Vitória da Conquista, mas não
poderia deixar de conhecer aquele monumento esculpido pela natureza ao
ar livre.
Região da Gruta do Salitre, em Diamantina-MG.
No final acabou valendo a pena, pois a gruta é
sensacional e pude fazer um vídeo registrando alguns detalhes. Nunca
tinha visto algo comparado àquilo. Ao longe, o topo da gruta parece um
castelo medieval surgindo no meio do mato. Uma arquitetura fantástica
produzida pela natureza. Fiquei imaginando a sensação que o Pepe
sentiria ao ver aquela magnífica formação.
Deixei a moto no início da entrada. Aparentemente havia
outras pessoas na gruta, visto que um carro estava estacionado por ali.
Após contemplar a belíssima arquitetura rochosa, fui descendo os degraus
de acesso à gruta. Aos poucos a visão deslumbrante da entrada foi
ficando ainda mais impressionante. Uma senhora aguardava sentada em uma
pedra pelo pessoal que havia entrado há pouco. Apressei os passos para
poder alcançá-los, porém eles já estavam retornando. Não consegui
localizar um ponto de entrada para o interior da gruta.
Detalhes da região da Gruta do Salitre, em Diamantina-MG.
Jefferson me dissera antes que o acesso era por uma fenda
estreita e que existia um desnível pelo qual era possível descer apenas
usando cordas. Sondei o máximo que o meu tempo permitiu. Em certas
partes localizei algumas fendas. Talvez a entrada fosse por uma delas...
Mas, o
bom senso falou mais alto e preferi não me arriscar. Entrar em uma gruta
desconhecida, sem equipamentos adequados pode ser um suicídio. Para mim
já bastava apenas a sensação de estar ali, contemplando aquela obra
prima erguida provavelmente em uma era quando a região vivia sob os
domínios dos mares. Aquele foi meu último atrativo e foi rápido, porém,
de grande valia.
Estar em contato com a natureza, apreciando o som das
cachoeiras, a melodia dos pássaros e o abraço do vento, é uma energia
que revigora a nossa alma.
Imagens sobrepostas de abrigos superficiais na Gruta do Salitre, em
Diamantina-MG.
Dedico esta experiência às pessoas acolhedoras e
inesquecíveis que tão bem nos receberam por onde passamos; em especial
ao amigo Pepe Chaves; agradecendo a Deus por tudo ter corrido bem no
começo, durante e no término dessa esplendorosa viagem no tempo. Viajar
por tais lugares é voltar no tempo, conhecendo pessoas que nunca vimos e
que jamais veremos neste mundo, mas que parece, já conhecíamos há
muito...
Graças às suas informações e instruções podemos apreciar
construções surgidas e vestígios de épocas marcadas pela busca frenética
dos diamantes. Muitos diamantes ainda estão por serem descobertos, mas é
melhor que eles continuem em seus locais de origem. A verdadeira riqueza
está dentro de cada um de nós. Um diamante é belo e fascina, então
sejamos como um diamante.
Quem
ama a natureza e aventura-se por ela, não deve ter medo de encarar os
obstáculos. A poeira, a chuva, são partes inerentes dessa marcante
viagem.
A “MOTOVIA ADVENTURE - Diamantina 2015” tem o apoio do diário digital
Via
Fanzine,
TV
FANZINE,
UFOVIA
e da ZINESFERA.
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e acompanhe mais sobre a nossa expedição.
- Para 2016: II Motovia
Adventure, Chapada Diamantina, Bahia, dezembro/2016. Aguarde mais
informações.
- Em breve, pela
TV
FANZINE, o documentário em vídeo "MOTOVIA Adventure - na trilha dos
diamantes, Diamantina 2015", com trilha sonora original assinada
pelos músicos F.C. Perini e Noca Tourino.
* Al Cruz é
articulista e colaborador dos portais
UFOVIA
e
Via Fanzine.
- Fotos: Al Cruz
e Pepe Chaves/Motovia
Adventure 2015.
-
Agradecimentos especiais: Dona Neiva e Paulo (Serro), Ademar, Ângela e
Nelcir (Milho Verde), Wandir (Biribiri, Diamantina) e aos amigos de
Ipatinga e BH no Camping do Ademar.
Assista ao documentário na íntegra
Leia também:
Alguns detalhes dos caminhos da Estrada Real - artigo de Al Cruz
MOTOVIA ADVENTURE -
Diamantina 2015
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Produção: Pepe Chaves.
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