Minas Gerais:

Itaúna no Circuito Arqueológico do Brasil

Estudando alguns vestígios deixados pelos ‘itaunenses’ de passado remoto e os misteriosos e indecifráveis 'muros de escravos' de nossa região.

 

Por J. A. FONSECA*

De Barra do Garças-MT

Para Via Fanzine & UFOVIA

Julho/2008

 

Trecho de um dos muros da Serra Mata da Onça em Itaúna.

Este muro não contém argamassa.

 

VALORES QUE REMONTAM - Pode parecer estranho o título que estamos dando a esta matéria, mas quando colocamos Itaúna no circuito arqueológico destas terras brasilis não o estamos fazendo por uma espécie de bairrismo estusiástico, mas para chamar a atenção dos itaunenses para o fato de que, também nestas regiões montanhosas, já foi registrada a presença de antigos moradores. Se tomarmos como referência a temática arqueológica acadêmica, pouco ou nada poderíamos levantar sobre o nosso município, a não ser em relação a alguns achados, constituídos de peças artesanais silvícolas encontradas em algumas regiões. Pretendemos deixar claro, que estamos falando de um tempo passado, de um período histórico de nossa terra, não importando se têm raízes num momento mais remoto ou mais recente. É obrigação de todos nós preservar certos valores que remontam a um momento específico da vida nestas terras itaunenses, antes mesmo dela existir como uma comunidade organizada, e permitir que os que ainda estão por vir possam ter conhecimento desta história, enriquecida pela pesquisa em torno destes antigos habitantes. É preciso então que se faça a restauração e a guarda de alguns remanescentes desta época passada para que estes possam ser apresentados à comunidade como um todo.

 

A própria história do Brasil possui ainda uma grande quantidade de enigmas que precisam ser convenientemente, explicados. Apesar disto, sentimos haver um certo desinteresse neste sentido, principalmente quanto ao verificar determinados casos mais controvertidos. Mesmo no ensino da História de nosso país, pouco se fala de nossos antepassados, como se eles não tivessem tanta importância e não houvesse tantos registros fantásticos projetando-se em toda a parte, como testemunhos mudos de um tempo longínquo. Parece-nos, que ao comentar estas coisas, estamos incorrendo em grave erro ou cometendo uma grande heresia, principalmente em nosso caso, que temos uma visão amadora e não acadêmica destes fatos. Ocorre, porém, que alguém precisa tomar uma iniciativa a este respeito, quando temos esta realidade insofismável em muitos locais, em pleno território brasileiro e mesmo em nossas terras itaunenses, sem que seja devidamente considerada, quando não totalmente ignorada, pela grande maioria das pessoas.

 

OS CATAGUASES - Falo abertamente destas coisas, apesar de não ter formação acadêmica neste sentido, porque já visitei muitas regiões no Brasil observando in loco muitos destes remanescentes pré-históricos. Nesta região central do Brasil, onde se estabeleceu o Arraial de Santana de São João Acima, mais tarde denominado Itaúna, vamos encontrar também marcas indeléveis, deixadas por outros moradores, antes da chegada do invasor branco.

 

Os historiadores itaunenses afirmam que este Arraial surgiu de uma primeira e modesta infra-estrutura criada pelo bandeirante Manoel de Borba Gato no ano de 1710. Nesta época havia numerosas tribos de silvícolas em Minas Gerais e na região de Itaúna, que em face de seu grande espírito guerreiro eram chamados de cataguás ou cataguases. Estes temíveis guerreiros ocupavam a região sul e oeste de nosso estado e foram totalmente dizimados por doenças trazidas pelos colonizadores nos seus contatos com eles e em conflitos armados com os bandeirantes.

  

Sobre este palco histórico hostil, onde também se localizavam as terras que pertenceriam ao nosso município, foi se configurando o perfil do arraial de Santana de São João Acima.

 

Após o estabelecimento da pequena infra-estrutura implantada por Manoel de Borba Gato, Manuel Pinto de Madureira, já em 1750, mandou construir a capela de Santana no alto do Morro do Rosário.

 

NOSSOS ACHADOS - Com o crescimento da população e após ter-se tornado município em 1901, algumas pessoas interessadas começaram a descobrir, em muitos locais, restos de populações indígenas. Foram encontrados objetos e utensílios diversos, como machados de pedra, pedaços de materiais cerâmicos, especialmente da região der Santanense e estrada de Itaúna-Divinópolis, onde foram feitas algumas escavações. Eu mesmo cheguei a encontrar alguns pedaços de cerâmica, há cerca de 20 anos, em um terreno de minha propriedade, localizado no Bairro Itaunense, os quais, tenho ainda guardado. Fui informado que próximo a Itaúna existe uma pedra com inscrições rupestres de origem desconhecida. Não consegui ainda localizá-la, mas penso que tal hipótese pode ser verdadeira, uma vez que em muitas outras regiões de Minas Gerais e do Brasil existem inscrições desta natureza. Registros como estes, diga-se de passagem, não estão relacionados às populações indígenas que aqui foram encontradas, pois tal procedimento não fazia parte de sua cultura.

 

 

 

Outro trecho do mesmo muros da Serra Mata da Onça contém uma espécie de argamassa.

 

MUROS DE PEDRAS - Um outro "mistério" que envolve estas regiões itaunenses é o que se refere aos muros de pedra localizados em diversos lugares e que são do conhecimento de muitos moradores. Tomei conhecimento de sua existência há muitos anos, mas não havia ainda encontrado nenhum deles em minhas buscas. Somente em agosto de 2.002 é que pude ver dois destes muros e fotografá-los, quando em conversa com o Pepe Chaves, diretor deste jornal, disse-me conhecer um destes muros, localizado na Serra Mata da Onça. Combinamos uma ida naquela região e num sábado pela manhã, lá estávamos nós eu, Pepe e meu filho Adriano de 12 anos, subindo a Serra. Surpreendeu-me quando encontramos o muro, pois, trata-se, de fato, de uma construção histórica que remonta a um tempo que pode ser tanto da época da escravidão, como dizem alguns, como de um passado bem mais remoto.

 

É estranho que se tenha mandado construir um muro de pedra subindo montanha acima, para então terminar abruptamente e ser atravessado por outro que sobe, um pouco enviesado, rumo ao cume da montanha. Seguimos ao lado dele até este enviesamento por cerca de 500 metros. Tiramos fotografias de várias partes dele [veja nesta página], podendo perceber que em alguns pontos ele se tornava mais baixo (cerca de 80 cm) e em outros, chegava a alcançar uma altura considerável (cerca de 1,80 m), por causa de uma vala que o percorre em toda a sua extensão. As pedras que o compõem variam de tamanho, algumas são de grandes proporções e outras bem menores, ajustadas em certas partes com barro e em outras com assentamentos diretos, sem argamassa, pedra sobre pedra.

 

OBRA DE QUEM? - Soubemos que existem muitos destes muros no município de Itaúna como, por exemplo, no morro do Bonfim, alguns pontos do Bairro Belvedere e outras localidades. Soubemos também que muitos deles já foram totalmente destruídos. Dizem as pessoas daqui que se tratam de muros construídos pelos escravos e se contentam com esta explicação. Não pretendemos atribuir-lhes nenhuma conotação excepcional, nem suscitar outras hipóteses sobre sua existência, mas ficamos pensando qual teria sido o motivo que levou desta região, fazerem cercar com muros grandes extensões de terra sobre montanhas e tão distantes do arraial de Santana de São João Acima, que estava apenas nascendo.

 

Como o pensamento é livre, temos o direito de nos perguntar por que tais muros de pedra, diga-se de passagem, não tão simples de serem construídos, teriam sido erigidos em lugares tão distantes e porque não dizer inusitados, não oferecendo qualquer serventia aparente, se o analisarmos sob a ótica da objetividade. Pensamos que poderiam, até mesmo, tratar-se de sinais de um tempo bem mais remoto, obra que não poderíamos atribuir aos silvícolas que habitavam estas paragens, pois sabemos que, historicamente, estas atitudes não se compatibilizavam, com as destes antigos moradores.

 

ESCRAVOS SANTANENSES - Se optarmos para a ideia de que tenham sido construídos pelos escravos, gostaríamos de fazer uma pequena análise, reportando-nos ao período escravagista de nossa terra. Temos a seguinte estatística sobre a população do Arraial de Santana de São João Acima daquela época, segundo o historiador Miguel Augusto Gonçalves de Souza: "A população de Santana de São João Acima, em conformidade com o primeiro recenseamento realizado no País, ano de 1872, era de 4.259 habitantes, assim distribuídos: homens livres, 1.718, e, mulheres livres, 1.830, no total de 3.548. O número de escravos era de 711, sendo 341 homens e 370 mulheres. Os escravos representam, portanto, 16,69% da população" 1.

 

Raciocinando sobre estes números e sem querer tornar-nos tendenciosos, pensamos que apenas 341 escravos homens (sem mencionar as crianças aí incluídas e não destacadas na contagem) nas fazendas da região não poderiam estar ocupados também na construção de tantos muros e tão distantes das sedes de seus senhores. Havia uma infinidade de serviços a serem feitos nestas fazendas e não seria uma ideia razoável, adquirir escravos para desviá-los de suas tarefas, ou mesmo parte deles neste empreendimento, sem que para isto haja uma explicação razoável.

 

PERÍODO ANTERIOR - Mais lógico seria pensar que sua história estivesse relacionada a um período bem anterior ao da fase escravocrata itaunense. Entretanto, caso tenham sido mesmo construídos pelos escravos, e esta discussão não é a razão principal deste artigo, temos obrigação, no mínimo cultural, para não dizer ética e moral, de preservá-los intactos, para que possam servir inclusive de referência ao nosso povo, à nossa história e àqueles que deles ainda não ouviram falar. Infelizmente, tal possibilidade vem se tornando, dia a dia, mais longínqua, uma vez que eles vêm sendo, silenciosamente desmontados, como se nada representassem. Nossos princípios culturais e nosso ego acalentam dentro de nós uma espécie de ânsia destruidora, que não nos permite fazer caso de vestígios como estes, tratando-os com a mais ríspida desconsideração, em troca de decisões imediatistas e superficiais que, infalivelmente, giram em torno do lucro. Em várias partes do Brasil isto vem acontecendo, como se fosse um tipo de cegueira conveniente que envolve as pessoas locais, exploradores e memórias valiosas da história e que acabam sendo, sistematicamente, destruídas.

 

DESTRUIÇÕES RECENTES - Lamentamos o fato de que muitos destes vestígios já tenham sido totalmente demolidos em nossa região e que nenhum sinal deles poderá jamais ser revisitado. Tais acontecimentos repercutem, certamente, como chibatadas sobre os ombros destes nossos antepassados, apesar da abolição tê-las proibido, como se estivéssemos inconscientemente ou deliberadamente, empenhados em APAGAR, definitivamente, quaisquer resquícios de sua existência. É provável que, transcorridos mais algumas décadas, sem que sejam tomadas providências relevantes e conscientes, não tenhamos mais nada do que falar sobre o passado de nossa terra, assim como também de algumas regiões brasileiras, que vêm sendo dilapidadas pelo comércio vil, pelo descaso e pela inconsciência de alguns de seus cidadãos.

 

Pensamos que onde começa esta fase de negligência pela própria história local, é onde também se dá início ao ocaso do conhecimento, que ao alcançar sua fase de obscurecimento mais profundo, projeta sua sombra e faz com que muitos já não mais se importem com sua própria origem, refletindo apenas em favor de um sistema progressista, onde o ganho tem sua tônica mais contundente, embora que destituída de sensatez.

 

- Nota:

1. "História de Itaúna – volume I, pag. 94, Miguel Augusto Gonçalves de Souza, Belo Horizonte, 1986.

 

*  *  *

 

Apêndice: 

Chibatadas no Patrimônio Cultural

Os ‘muros de escravos’ de Itaúna estão sumindo porque suas

pedras estão sendo usadas em alicerces de casas construídas

próximas a estes antigos monumentos.

 

Comentário de  Pepe CHAVES

 

 

Estes restos de um antigo muro, que margeavam uma rodovia em Itaúna, foram completamente destruídos no ano passado.

  

MARANATA - O primeiro "muro de escravos" que vi existia na serra denominada Maranata, situada próxima ao bairro Belvedere, em terreno da Companhia Tecidos Santanense. Ali, até poucos anos, havia um enorme muro, com 80 cm de altura x 50 de altura, percorrendo centenas de metros que dividiam a serra ao meio; descendo por Santanense de um lado e pelo Belvedere por outro, neste, atingindo os fundos da Itaúna Siderúrgica. Este muro foi totalmente destruído a cerca de 10 anos, quando se construiu o bairro Belvedere e suas pedras foram usadas para se fazer o alicerce de muitas casas que foram construídas ali. Foi lamentável quando num certo dia subi aquela serra e não vi mais uma pedra do muro que visitei várias vezes durante grande parte de minha infância. Tudo tinha desaparecido completamente! Para mim, tal ato se constituiu num crime cultural.

 

VEREDAS - Outro muro que conheci em minha infância e que recentemente foi destruído, pelos mesmos motivos (suas pedras foram usadas em construções de residências) estava situado no bairro Veredas, pouco acima da caixa d’água daquele bairro. Com a construção do bairro, ele foi totalmente destruído, sem deixar quaisquer vestígios de que existiu ali um dia. Pouco abaixo dessa região, praticamente ao lado da rodovia MG-431, próximo à entrada do local onde está situado o sítio do Sr. Aristides Moreira, havia ao lado direito de um mata-burro, restos de uma antiga construção. Cercada de plantas as ruínas se tornaram um belo ornamento natural [foto acima] com cerca de 1,80m de altura por 60cm de largura. Isso até uns dois anos atrás, porque ele foi totalmente destruído, não ficando ali uma única de suas pedras.

 

MATA DA ONÇA - Os dois imensos muros que cortam a Mata da Onça - e que ainda estão sendo pesquisados por J.A. Fonseca - devem ser tombados pelo patrimônio e preservados pela comunidade. Hoje os muros se encontram em meio à uma imensa mata nativa, constituída de árvores de grande porte e arbustos diversos. certamente, quando fora construído, não havia ali tal vegetação. A julgar por isso podemos supor que podem ser mais antigos que a época dos escravos, já que a mata daquela serra está bem formada há bem mais de 100 anos. Tivemos recentemente a informação de um assessor do Prefeito de Itaúna, de que a Granja Escola (situada próxima àquele local) irá fazer uma trilha paralela a este muro, exibindo-o para visitação. A idéia é salutar, pois mostrará ao nosso povo os mais antigos vestígios arquitetônicos de um passado que ainda não conseguimos desvendar e que, para tanto, é preciso preservá-los até que em algum dia, através de alguma nova tecnologia, possamos saber a verdadeira origem e função destas intrigantes construções itaunenses.

 

BARRAGEM - Outro muro que ainda persiste (pelo menos há uns dois anos estive lá), está no loteamento de propriedade do Sr. Giovani Salera, situado próximo à Barragem do Benfica. Este muro que aparenta ser bastante antigo está localizado próximo à caixa d’água que abastece aquele condomínio residencial. Com as recentes construções de casas naquele local, este muro será também, a exemplo dos anteriores, destruído – se já não o foi, salvo se houver naquele local uma conscientização, por parte do poder público e mesmo dos empreendedores dos terrenos, no sentido de preservá-lo.

 

OUTROS MONUMENTOS - Além destes muros citados, há em nosso município, em locais ainda distantes das construções, um razoável circuito de muros antigos que deviam ser valorizados historicamente e serem tombados como patrimônio público.

 

Deixamos um alerta à comunidade, para que nos voltemos à preservação destes monumentos esquecidos pelo tempo, cientes de seus verdadeiros valores culturais.

 

* Pepe Chaves é editor do jornal eletrônico Via Fanzine.

 

- Foto: G. Vilela/Arquivo Via Fanzine.

 

* J.A. Fonseca é economista, aposentado, espiritualista, conferencista, pesquisador e escritor, e tem-se aprofundado no estudo da arqueologia brasileira e  realizado incursões em diversas regiões do Brasil  com o intuito de melhor compreender seus mistérios milenares. É articulista do jornal eletrônico Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br) e membro do Conselho Editorial do portal UFOVIA. E-mail: jafonseca1@hotmail.com.

 

Imagens: J.A. Fonseca / Pepe Chaves.

 

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Esta matéria foi composta com exclusividade para Via Fanzine©.

 

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